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Avaliação Psicológica
Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431
Aval. psicol. vol.14 no.2 Itatiba Aug. 2015
EDITORIAL
DOI: 10.15689/ap.2015.1402.ed
Todo método de avaliação ou medida possui seus méritos e suas limitações. O presente editorial aborda a temática do viés da desejabilidade social na avaliação psicológica via autorrelato. O objetivo é chamar a atenção de leitoras e leitores da Revista Avaliação Psicológica de modo a inspirar novas investigações empíricas sobre a temática, ecoando um dos propósitos de um recente editorial publicado pelo European Journal of Psychological Assessment (Ziegler, 2015).
Em um estudo pioneiro, Edwards (1953) lançou a questão de se a possível desejabilidade do conteúdo de itens de autorrelato de personalidade de fato influencia na maneira como os indivíduos respondem a esses itens. O autor solicitou a 152 adultos da população geral que atuassem como juízes classificando o nível de desejabilidade ou aceitabilidade social do conteúdo de um conjunto de itens. Subsequentemente, os mesmos itens foram aplicados em uma amostra independente de 140 universitários, que avaliaram sua personalidade indicando Sim ou Não para cada item, conforme concordavam ou não com o enunciado, respectivamente. Edwards então correlacionou as médias dos itens obtidas da classificação de desejabilidade na primeira amostra e as médias empíricas de endosso obtidas na segunda amostra, o que resultou em r=0,87. Em outras palavras, o autor encontrou evidências empíricas de que as pessoas tendem a endossar itens com conteúdo socialmente bom ou positivo, e a não endossar itens com conteúdo indesejável ou negativo.
Os achados de Edwards (1953) e de outros pesquisadores (Bäckström, Björklund, & Larsson, 2009; Bäckström & Björklund, 2014; Bäckström, 2007; Peabody, 1967) são sugestivos de que itens de autorrelato de personalidade, em geral, sofrem de multidimensionalidade. A situação é tal que os escores produzidos parecem ser influenciados não apenas pelo traço latente do indivíduo o aspecto descritivo , mas também pela desejabilidade do conteúdo do enunciado do item o aspecto valorativo e, ainda, pela maneira idiossincrática como o indivíduo reage a esse conteúdo valorativo (um efeito moderador). Diversas soluções psicométricas a posteriori foram desenvolvidas para isolar a variância específica do componente descritivo, incluindo sofisticados métodos estatísticos e índices de validade, embora quiçá sem que tenha sido encontrada uma solução ideal (Uziel, 2010).
Recentemente, foi proposta uma alternativa promissora de lidar com o problema a priori, ou seja, já na etapa de construção de itens. Bäckström et al. (2009) e Bäckström e Björklund (2013) relataram evidências de que é possível minimizar a influência da desejabilidade social ao redigir itens com um conteúdo valorativo mais neutro. Apenas para ilustrar a proposta, o item Sou uma pessoa insensível poderia ser um bom candidato para avaliar um aspecto da psicopatia conhecido como callous-unemotional. Todavia, a redação do item possui um claro tom pejorativo, possivelmente devido à valência negativa do adjetivo insensível. Em virtude disso, uma possibilidade seria reescrever o item tornando seu aspecto valorativo menos negativo, como em Consigo me desligar dos problemas dos outros, que situa o mesmo aspecto descritivo em um contexto ligeiramente mais positivo. Claro, o procedimento não é tão simples: é mandatório conduzir diversas rodadas de classificação da desejabilidade de cada item junto a pequenas amostras de indivíduos, a fim de garantir que a alteração desejada no aspecto valorativo ocorreu a cada reformulação efetuada. Não obstante, a estratégia possui o potencial de reduzir a influência do viés da desejabilidade social sem perdas em termos de fidedignidade, validade de estrutura interna e validade externa (Bäckström, Björklund, & Larsson, 2014; Bäckström & Björklund, 2013).
Evidentemente, o autorrelato não é um método perfeito. Ainda assim, é um valioso recurso de coleta de dados, permitindo uma informação única diretamente da fonte primária de interesse. Refinamentos como a neutralização valorativa podem representar importantes avanços na área, talvez ampliando as possibilidades de uso do autorrelato na pesquisa e na prática da avaliação psicológica.
Referências
Bäckström, M. (2007). Higher-order factors in a five-factor personality inventory and its relation to social desirability. European Journal of Psychological Assessment, 23(2), 63-70. [ Links ]
Bäckström, M., & Björklund, F. (2013). Social desirability in personality inventories: symptoms, diagnosis and prescribed cure. Scandinavian Journal of Psychology, 54(2), 152-9. doi:10.1111/sjop.12015 [ Links ]
Bäckström, M., & Björklund, F. (2014). Social desirability in personality inventories: The nature of the evaluative factor. Journal of Individual Differences, 35(3), 144-157. doi:10.1027/1614-0001/a000138 [ Links ]
Bäckström, M., Björklund, F., & Larsson, M. R. (2009). Five-factor inventories have a major general factor related to social desirability which can be reduced by framing items neutrally. Journal of Research in Personality, 43(3), 335-344. doi:10.1016/j.jrp.2008.12.013 [ Links ]
Bäckström, M., Björklund, F., & Larsson, M. R. (2014). Criterion validity is maintained when items are evaluatively neutralized: Evidence from a Full-Scale Five-Factor Model Inventory. European Journal of Personality, n/an/a. doi:10.1002/per.1960 [ Links ]
Edwards, A. L. (1953). The relationship between the judged desirability of a trait and the probability that the trait will be endorsed. Journal of Applied Psychology, 37(2), 90-93. doi:10.1037/h0058073 [ Links ]
Peabody, D. (1967). Trait inferences: Evaluative and descriptive aspects. Journal of Personality and Social Psychology, 7(4, Pt.2), 1-18. doi:10.1037/h0025230 [ Links ]
Uziel, L. (2010). Rethinking Social Desirability Scales: From impression management to interpersonally oriented self-control. Perspectives on Psychological Science, 5(3), 243-262. doi:10.1177/1745691610369465 [ Links ]
Ziegler, M. (2015). F*** you, i wont do what you told me! response biases as threats to psychological assessment. European Journal of Psychological Assessment, 31(3), 153-158. doi:10.1027/1015-5759/a000292 [ Links ] Nelson Hauck Filho Editor Associado Universidade São Francisco