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Avaliação Psicológica
versión impresa ISSN 1677-0471versión On-line ISSN 2175-3431
Aval. psicol. vol.14 no.2 Itatiba ago. 2015
Ensino da avaliação psicológica no Brasil: levantamento com docentes de diferentes regiões
Psychological evaluation teaching in Brazil: Survey with teachers from different regions
La enseñanza de la evaluación psicológica en Brasil: encuesta de maestros de diferentes regiones
Marucia Patta Bardagi1, I; Marco Antônio Pereira TeixeiraII; Joice Dickel SegabinaziII; Patrícia Waltz ScheliniIII; Elizabeth do NascimentoIV;
IUniversidade Federal de Santa Catarina
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul
IIIUniversidade Federal de São Carlos
IVUniversidade Federal de Minas Gerais
RESUMO
A avaliação psicológica é a prática do psicólogo por excelência, sendo fundamental que a formação contemple as necessidades e complexidades da atuação na área. Esta pesquisa identificou o perfil de professores e disciplinas de avaliação em cursos de graduação no país. Participaram 93 docentes (68% mulheres), de 13 estados, com idade média de 39,6 anos e experiência docente média de 16 semestres. Entre os resultados, observa-se que a maior parte dos professores tem mestrado (44,9% ) ou doutorado (37% ), atua em apenas uma instituição (68,5% ) e exerce atividades profissionais além da docência que utilizam avaliação psicológica (68,5% ). Houve queixas quanto à adequação das salas, material e horas para supervisão. Os resultados indicaram que uma boa parte dos docentes de avaliação psicológica tem experiências profissionais na área. As dificuldades no ensino da avaliação psicológica que já haviam sido apontadas em estudos anteriores foram encontradas, dado que reforça a importância de melhorias urgentes.
Palavras-chave: avaliação psicológica; ensino da psicologia; formação do psicólogo.
ABSTRACT
Psychological assessment and evaluation is the core practice of psychologists, so it is essential that training fulfills the needs and complexities of working in the area. Congruent to previous studies that mapped its teaching, this study identified the profile of teachers and disciplines of psychological evaluation in Brazilian undergraduate courses. In total, 93 teachers participated (68% women) from 13 states, with an average age of 39.6 years and with average teaching experience of 16 semesters. Among the results, it was observed that most of the teachers have a masters (44.9% ) or doctoral (37.0% ) degree, work in only one institution (68.5% ), and have professional activities aside from teaching that use psychological assessment (68.5% ). The participants complained about inappropriate classroom spaces, materials and supervision hours. Results indicated that a majority of psychological evaluation teachers have professional experience in the area. Difficulties in evaluation teaching already noted in previous studies were observed, which reinforces the importance of urgent improvements.
Keywords: psychological assessment; psychology teaching; psychologist education.
RESUMEN
Evaluación psicológica es la práctica fundamental de psicólogos, por lo que es esencial que la formación cumple con las necesidades y complejidades del trabajo en el área. En continuidad con los estudios previos que asignan la enseñanza de la evaluación psicológica, este estudio identificó el perfil de los docentes y disciplinas de evaluación psicológica en los cursos de pregrado brasileños. Participaron 93 docentes (68% mujeres) de 13 estados, con una edad media de 39,6 años y la experiencia promedio de enseñanza de 16 semestres. Entre los resultados, se observó que la mayoría de los maestros tienen maestría (44,9% ) o doctorado (37,0% ), trabajan en una sola institución (68,5% ) y tienen actividades profesionales además de enseñar con uso de la evaluación psicológica (68,5% ). Hubo quejas sobre espacios de aulas, materiales y horas de supervisión inadecuados. Estos resultados indicaron que una buena parte de los profesores de evaluación psicológica tienen experiencias profesionales en el área. Las dificultades observadas por otros estudios fueran nuevamente encontradas, resultado que refuerza la importancia de mejoras urgentes.
Palabras-clave: evaluación psicológica; enseñanza de psicologia; formacion del psicologo.
As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduação em Psicologia, instituídas em 2011, conforme Resolução número 5 de 15 de março, indicam que cinco grandes eixos estruturantes devem nortear a formação dos futuros profissionais. Um desses eixos, mencionado no art. 5º, refere-se a procedimentos para a investigação científica e a prática profissional, de forma a garantir tanto o domínio de instrumentos e estratégias de avaliação e de intervenção quanto a competência para selecioná-los, avaliá-los e adequá-los a problemas e contextos específicos de investigação e ação profissional (Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação [CNE], 2011). As diretrizes enfatizam, desse modo, a atenção que a avaliação psicológica deve receber na formação dos psicólogos. No entanto, após mais de 50 anos da regulamentação da Psicologia como profissão e das mudanças propostas a partir das diretrizes para os cursos de graduação em Psicologia, ainda se observam dificuldades em estabelecer parâmetros para mudanças curriculares que promovam os conhecimentos e as habilidades que constituem o cerne da formação dos psicólogos.
Na área da avaliação psicológica (AP), as discussões sobre o ensino não são recentes (Alchieri & Bandeira, 2002; Alves, Alchieri, & Marques, 2001; Jacquemin, 1995; Kroeff, 1988; Pereira & Carellos, 1995; Ribeiro, 1996; Vasconcelos & Toledo de Santana, 2001; entre outros). Estudos conduzidos com metodologias e objetivos distintos apontam a necessidade de atenção à formação e de uma maior convergência entre o ensino e a demanda social por avaliação psicológica enquanto prática.
De acordo com Noronha et al. (2005), a elaboração de um plano para a formação na área que contemple as especificidades regionais e sociais é tarefa complexa, uma problemática que inclui não só a definição dos conteúdos mais relevantes, mas também das técnicas de avaliação a serem ensinadas. Em uma tentativa de definir os elementos essenciais à formação na área, os grupos de trabalho relacionados à avaliação psicológica da Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Psicologia (ANPEPP), em colaboração com o Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP) e com a Associação Brasileira de Rorschach e Métodos Projetivos (ASBRo), produziram um documento sugerindo que alguns tópicos fossem contemplados pelos cursos de Psicologia no Brasil, entre eles: teoria da medida e psicometria; avaliação da inteligência e da personalidade; prática de planejamento, execução e redação de laudos e relatórios (Noronha et al., 2002).
Noronha, Carvalho, Miguel, Souza, e Santos (2010) sugeriram a inclusão de outros tópicos, tais como elementos do processo de avaliação; informação e conhecimento de técnicas e exames psicológicos, bem como seus aspectos legais. Propõem também a inclusão de discussões sobre ética do uso das técnicas e testes; análise crítica de materiais relacionados à área (como, por exemplo, manuais e artigos); sobre conhecimento teórico-prático de pesquisa científica; e sobre os avanços da área, incluindo a avaliação informatizada e a validade clínica dos instrumentos.
Mais recentemente, Nunes et al., (2012) propuseram diretrizes para o ensino de avaliação psicológica no Brasil, respeitando, para tanto, as resoluções do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e o Código de Ética Profissional do psicólogo. Tais diretrizes podem ser entendidas como orientações ou sugestões de 27 competências mínimas a serem alcançadas na formação do aluno do curso de psicologia relacionadas à avaliação psicológica, cinco disciplinas (além da proposta de um estágio supervisionado em avaliação psicológica) e seus respectivos conteúdos programáticos, infraestrutura necessária à aprendizagem da avaliação psicológica, métodos de ensino e formação docente, e, finalmente, referências bibliográficas que podem ser utilizadas nas disciplinas da área.
Essas sugestões alinham-se às diretrizes estabelecidas internacionalmente pela American Psychological Association (APA, 2000). Entre os aspectos abordados pela APA, destaca-se que o psicólogo deve ter como função central fazer interpretações válidas coletadas de fontes variadas, com uma seleção adequada de técnicas. Assim, as diretrizes da associação americana atribuem grande importância à capacidade do profissional de integrar informações, conhecer o construto avaliado, estar a par da literatura atualizada da área, além de ter clareza dos objetivos da testagem.
Em relação aos instrumentos, especificamente, parece indiscutível que suas qualidades psicométricas e a maneira como são usados pelo psicólogo tendem a ser relevantes para que a área de avaliação psicológica seja reconhecida pela comunidade (Tavares, 2010), embora isso por si só não garanta tal reconhecimento. A questão foi reforçada pelo CFP, pela Resolução n.º 2/2003, que define e regulamenta o uso, a elaboração e a comercialização dos testes psicológicos (Alves, Dias, Sardinha, & Conti, 2010). Isso remete à importância da responsabilização do profissional pelo uso dos testes que, de acordo com Oakland (2009), é condição sine qua non para a regulamentação da atividade. Por assumir a responsabilidade pelo uso dos testes, o psicólogo precisa saber que certos comportamentos são exigidos, que outros são inaceitáveis, e que determinadas sanções são aplicáveis. A responsabilização, dessa forma, compele os profissionais a buscar formação adequada.
Outro ponto que corrobora a importância fundamental da avaliação como conteúdo de formação é o conjunto de infrações éticas cometidas por profissionais no uso de instrumentos ou em outras questões que perpassam a avaliação (CRP, 2008). Frizzo (2004), por exemplo, ao realizar uma pesquisa sobre as principais infrações éticas cometidas pelos psicólogos inscritos no Conselho Regional de Psicologia do Paraná, no período de 1994 a 2003, constatou que a maioria (46,15% ) eram relativas à prática da avaliação psicológica, e, mais especificamente, ao uso dos testes aplicados, à elaboração da análise das informações obtidas e à motivação que levou o psicólogo a conduzir uma avaliação psicológica.
Provavelmente, como observaram Anache e Reppold (2010), a prevalência de processos éticos ligados à atividade de avaliação em relação às demais se deve ao fato de que essa prática tem forte expressão em situações que impactam a vida das pessoas a ela submetidas, como a seleção de pessoal em instituições públicas e privadas, a habilitação para conduzir veículos, a guarda de menores, o porte de armas de fogo, entre outros. Parte da responsabilidade por atuações profissionais impróprias se deve a uma formação inconsistente, de forma que o ensino da avaliação psicológica tem sido considerado um problema central na formação do psicólogo (Noronha & Alchieri, 2004; Paula, Pereira, & Nascimento, 2007; Primi, 2010).
Um exemplo da diversidade entre os cursos de Psicologia que reflete na existência de diferenças entre as disciplinas de avaliação psicológica foi explicitado por Noronha et al., (2005). Os autores, ao analisarem 39 ementas de disciplinas de avaliação psicológica de 14 instituições de ensino superior, concluíram que não há concordância entre os cursos quanto à nomenclatura das disciplinas, sendo que aquelas designadas como Técnicas de Exame Psicológico (TEP) 1, TEP 2 e Técnicas de Exame e Avaliação Psicológica (TEAP) são as que incluem a maior parte dos conteúdos relativos à avaliação psicológica. Além disso, o estudo indicou que os conteúdos programáticos mais frequentes são os referentes às técnicas projetivas, testes de personalidade, testes psicológicos de forma geral e testes de inteligência.
Em outro estudo com foco nas ementas de disciplinas, Noronha (2006) apontou que 78% das ementas eram de disciplinas oferecidas até o 4º semestre, e que os conteúdos prioritariamente trabalhados eram técnicas de avaliação e aplicação, mensuração psicológica e técnicas projetivas. Por sua vez, Alves, Alchieri, e Marques (2002), em um estudo envolvendo 172 professores de disciplinas de técnicas de exame psicológico, de treze estados brasileiros, constataram que, em média, são ensinados 14 testes por curso de Psicologia. Além disso, observaram uma semelhança entre os testes mais ensinados e aqueles indicados como necessários pelos participantes.
Em outra pesquisa, com estudantes de Psicologia da região Centro-Oeste, Noronha, Nunes, e Ambiel (2007) identificaram novamente uma diversidade nos nomes das disciplinas oferecidas pelas instituições de ensino. Os autores consideram que a variação de nomes pode indicar uma falta de consenso sobre o que é essencial para o ensino dessas disciplinas.
Estudos mais recentes avaliando conhecimentos em avaliação psicológica por parte de estudantes ou profissionais mostram um panorama preocupante. Mendes, Nakano, Silva, e Sampaio (2013) não encontraram diferenças entre os conhecimentos de alunos de graduação de períodos variados e os de profissionais de psicologia quanto a conceitos e outros temas relativos à avaliação psicológica. As autoras também identificaram um conjunto representativo de respostas em branco, erradas e que demonstraram falta de conhecimento quanto ao que estava sendo perguntado.
No estudo de Paula et al. (2007), com alunos formandos de diferentes cursos de Psicologia de Minas Gerais, os participantes indicaram ter recebido formação na área de avaliação psicológica, porém muitos a consideraram insuficiente; além disso, muitos não conheciam a Resolução n.º 2/2003 do Conselho Federal de Psicologia, que define critérios relacionados à produção e comercialização de instrumentos psicológicos no Brasil.
Desde os estudos iniciais que mapearam o ensino da avaliação psicológica no Brasil, como os de Alves et al. (2002), Noronha, Ziviani et al. (2002) e Noronha, Baptista et al., (2005), o campo da avaliação psicológica passou por transformações, como a sistemática avaliação dos instrumentos psicológicos conduzida pelo CFP, e também vivenciou um crescimento representado, entre outros aspectos, pelo fortalecimento dos eventos organizados pelas entidades nacionais de avaliação (IBAP e ASBRo) e a consolidação de programas de pós-graduação e publicações na área. Nesse sentido, torna-se importante avaliar se o ensino sofreu alterações substanciais, especialmente no que diz respeito à formação dos professores, em relação aos achados dos estudos anteriores.
Em estudo mais recente com professores de avaliação psicológica, que contou com a participação de 22 docentes, Noronha, Castro, Ottati, Barros, e Santana (2013) constataram que, quanto ao conteúdo ministrado, as técnicas são ensinadas pela maior parte dos respondentes, assim como os fundamentos teóricos dos testes. Contudo, os conteúdos de história da avaliação e elaboração de documentos psicológicos são pouco abordados nas disciplinas ministradas.
Tendo em vista a necessidade de continuidade dos estudos sobre o ensino da avaliação psicológica e de suas condições promotoras, e considerando também a possibilidade de contribuição na análise de quais tópicos apontados como relevantes pela literatura são contemplados pelas disciplinas de avaliação psicológica de cursos brasileiros, este trabalho foi proposto. Vale salientar que ele é parte de um estudo maior conduzido pelos pesquisadores integrantes do Grupo de Trabalho Pesquisas em Avaliação Psicológica da ANPEPP
Assim, seu objetivo geral foi mapear o perfil dos docentes que ensinam avaliação psicológica em cursos de graduação em Psicologia do Brasil. Como objetivos específicos, pretendeu-se identificar o perfil de formação e de atuação profissional de professores que ministram disciplinas de avaliação psicológica em cursos de Psicologia do Brasil, bem como seu envolvimento científico com a área, e identificar algumas características das disciplinas de avaliação psicológica em termos de sua inserção curricular, conteúdo, recursos materiais e ambientais, além de atividade prática e de supervisão.
Método
Participantes
Participaram do estudo 93 professores (68% mulheres), com idades entre 24 e 63 anos (M=39,6 anos; DP=10,1). A maioria dos docentes indicou estar vinculada a instituições privadas (65,1% ; n=54), e os demais a instituições públicas federais (26,5% ; n=22) e estaduais (8,4% ; n=7). A amostra abrangeu participantes de 13 estados das cinco regiões do país: Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, do Sudeste (49,5% ); Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, do Sul (26,9% ); Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, do Centro-Oeste (10,7% ; Rondônia, do Norte (8,6% ); e Bahia, Rio Grande do Norte e Pernambuco, do Nordeste (4,3% ). Devido a respostas incompletas, algumas análises foram realizadas com um número menor de casos.
Instrumento
O questionário online utilizado na coleta de dados, construído a partir de um instrumento utilizado em estudo anterior (Alves et al., 2001, 2002), contemplou quatro blocos de questões abertas e fechadas, totalizando 50 itens. O primeiro bloco (cinco itens fechados) continha questões sobre as características sociodemográficas dos participantes, tais como idade, sexo, cidade e estado de atuação profissional. O segundo bloco (cinco itens fechados e dois itens abertos) procurava caracterizar a formação e as atividades desenvolvidas pelos participantes: área de formação superior; área de formação na especialização, mestrado ou doutorado; se exercia atividades relacionadas à avaliação psicológica, além da docência; instituições na qual atuava como docente; tempo de atuação na docência na área da avaliação psicológica; participação em eventos científicos na área. O terceiro bloco (10 itens fechados e 10 abertos) se referia ao ensino: nomes das disciplinas relacionadas à avaliação psicológica, conteúdos teóricos ministrados, cargas horárias, etapa do curso no qual a disciplina é oferecida. Por fim, o quarto e último bloco (10 itens fechados e oito abertos) investigava a estrutura de ensino, explorando, por exemplo, a realização de atividades práticas de avaliação psicológica, a existência de salas específicas para as práticas, disponibilidade de materiais para os estágios e horas de supervisão.
Procedimentos
Em um primeiro momento (outubro de 2011 a dezembro de 2012), tentou-se contato com os docentes de avaliação psicológica das universidades brasileiras por intermédio dos coordenadores dos cursos de Psicologia, por uma lista disponibilizada pela Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP), instituição que colaborou com este estudo, ou por contatos identificados nos sites dos cursos.
Após a indicação dos professores envolvidos nas disciplinas de avaliação psicológica do curso, foi feito contato por email, para envio de informações sobre o estudo e do endereço de uma homepage específica para registro da sua participação. Para responder ao questionário, o participante deveria concordar em participar da pesquisa preenchendo o Termo Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Devido ao baixo índice de retorno desses contatos do total de coordenadores afiliados à ABEP no período, apenas 27 professores responderam à pesquisa nos primeiros seis meses de coleta organizou-se um segundo momento de coleta (de julho de 2013 a novembro de 2013) na qual a técnica snowball foi utilizada.
Nesta fase, foi pedido aos integrantes do grupo da ANPEPP que divulgassem e indicassem a participação na pesquisa a seus contatos, considerando a representação dos diferentes estados da Federação. Dessa forma, não foi possível ter controle sistemático de porcentagem de retorno, pois sucessivos convites foram enviados, e diferentes métodos para adesão de participantes foram utilizados. Em relação ao questionário, o preenchimento durava em torno de 40 a 60 minutos. A pesquisa fazia parte de um projeto maior denominado Docência em Avaliação Psicológica na Graduação em Psicologia no Brasil que recebeu a aprovação em 2 de maio de 2011 do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob o protocolo de nº 2011034.
Análise de Dados
Por se tratar de uma pesquisa de levantamento, foram usadas as técnicas de estatísticas descritivas. Assim, utilizou-se o SPSS para o cálculo de médias e desvio- -padrão, além do cálculo de frequência e porcentagem.
Resultados
Um dos objetivos do estudo foi caracterizar o perfil de professores que ministram disciplinas de avaliação psicológica em cursos de Psicologia do Brasil. A seguir, são apresentadas as informações sobre a formação, atuação e envolvimento dos professores em eventos científicos da área, bem como sobre as características das disciplinas de avaliação psicológica em termos de seu conteúdo, atividade prática e de supervisão, inserção curricular, recursos materiais e ambientais.
Em relação ao perfil dos docentes que participaram do estudo, verificou-se que a experiência média no ensino de temas ligados à avaliação psicológica foi de 16 semestres (DP=15; Md=11). O nível mais elevado de formação predominante foi o mestrado (44,9% ; n=40), seguido de doutorado (37,1% ; n=33), especialização (9,0% ; n=8), pós-doutorado (7,9% ;n=7) e graduação (1,1% ; n=1). Cerca de 30% dos professores relataram possuir especialização, mestrado ou doutorado na área de avaliação psicológica. Diversas áreas de pós-graduação foram citadas, tais como Administração, Psicologia Escolar, Psicologia do Trabalho, Psicologia Clínica, Neuropsicologia, Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia Social, Psiquiatria, entre outras.
O tipo de envolvimento dos professores com a área de avaliação psicológica pode ser observado na Tabela 1. Em relação à atividade profissional, verifica- -se que a maior parte dos professores atuava em apenas uma instituição, lecionava outras disciplinas além de avaliação psicológica e possuía outras atividades profissionais (fora a docência), nas quais utilizava avaliação psicológica. Quanto ao desenvolvimento de atividades científicas, vê-se que mais de 75% dos docentes, nos últimos cinco anos, envolveu-se em pelo menos uma das seguintes atividades: participação em eventos, orientação ou realização de pesquisa, publicação de artigos ou capítulos e participação em sociedades científicas.
Quanto ao segundo objetivo deste estudo, identificar algumas características das disciplinas de avaliação psicológica, as questões foram respondidas por 47 participantes, sendo que o participante poderia assinalar mais de um conteúdo em uma lista de opções fornecida. Observou-se que o conteúdo mais frequentemente trabalhado em sala de aula foi a elaboração de documentos psicológicos (78,7% ), seguido por aspectos do psicodiagnóstico (72,3% ) e fundamentos teóricos dos testes ensinados (72,3% ), avaliação psicológica clínica (68,1% ), entrevista diagnóstica (57,4% ), psicometria clássica (53,2% ), teoria da medida (36,2% ), estatística (19,1% ) e Teoria de Resposta ao Item (17% ). Ainda, 29,8% dos professores relataram ministrar outros conteúdos. Nesta última categoria, foram citadas características dos processos de avaliação psicológica em diversos contextos, como trânsito, hospitalar, escolar, jurídico, trânsito e neuropsicologia (17,1% ); aspectos éticos na avaliação psicológica (12,8% ); aplicação, correção e interpretação de testes psicológicos (10,6% ); teorias da inteligência (6,4% ); história da testagem psicológica (6,4% ); e grafologia (2,1% ).
Esses dados sugerem um indivíduo com tendência excessiva à crítica pessoal que, no momento da avaliação, encontra-se com sentimentos importantes de desvalia, questionando seu valor pessoal. Esses dados são compatíveis com pessoas que possuem elevada autoestima e se encontram em uma situação de avaliação pessoal por terceiros, como, no caso, a seleção para juiz. A desvalia associada a pressões externas fica ainda mais evidenciada na constelação da hipervigilância positiva (HVI=6), que sugere exacerbada preocupação por parte do indivíduo frente a ameaças do meio externo, com a presença de sentimentos de vulnerabilidade e desconfiança (Exner, 2003).
Em relação às atividades práticas e de supervisão realizadas nas disciplinas de avaliação psicológica, também houve 47 respondentes. A correção e interpretação de resultados de testes foi a atividade mais comumente realizada (87,2% ), seguida pela apresentação de estudos de caso (78,7% ), aplicação em sala de aula (74,5% ) e fora da sala de aula (66,0% ), realização de avaliação psicológica completa (53,2% ), observação de processos de avaliação (31,9% ) e outros tipos de atividades práticas (17% ). Entre as atividades listadas, a maior frequência foi de exercícios de simulação de aplicação de instrumentos por observação em sala de espelho (8,5% ), discussão de estudos de caso (6,4% ), elaboração de documentos decorrentes de avaliação psicológica (6,4% ), construção de instrumentos (2,1% ) e levantamento de testes aprovados pelo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos [SATEPSI] (2,1% ).
Sobre os recursos materiais e ambientais e horas de supervisão para o ensino da avaliação psicológica, diversos problemas foram apontados pelos 47 docentes, salientando-se o fato de não disporem de horas extras para as supervisões fora da sala de aula (72,0% ), a falta de material suficiente ou atualizado para as aulas (44,7% ) e a inexistência de salas adequadas para as atividades práticas (38,3% ). Com relação aos principais problemas relatados, a disponibilidade insuficiente de testes psicológicos foi o problema mais frequente (36,2% ); seguido pela falta de um local adequado para a realização de avaliações (6,3% ); demora na reposição de materiais, como protocolos de testes (6,3% ); e testes desatualizados ou em más condições de uso (4,2% ).
Discussão
Embora inúmeras estratégias de divulgação do estudo tenham sido utilizadas com o intuito de garantir a representatividade da amostra, a participação dos docentes foi inferior ao planejado, considerando-se que existem aproximadamente 957 cursos de psicologia no Brasil (MEC, 2014). O objetivo de traçar um perfil dos docentes de avaliação psicológica deveria considerar não somente o tamanho da amostra, mas também a representatividade de todas as regiões do país. Esse aspecto foi parcialmente alcançado, pois, apesar de a maioria dos respondentes serem das regiões Sudeste e Sul, tal como ocorre em grande parte dos estudos nacionais na área da avaliação psicológica, é digno de nota a participação de docentes das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Essa participação pode ser um reflexo das políticas públicas de desenvolvimento do ensino superior nessas regiões, que tem promovido não somente a criação de novos cursos de graduação e de pós-graduação em psicologia, mas também estimulado a produção científica e o intercâmbio acadêmico.
Por se tratar de um estudo descritivo, os resultados obtidos apontaram as características mais frequentes dos docentes que ensinam avaliação psicológica. Identificaram-se como perfil as seguintes características: tempo médio de exercício da atividade docente de oito anos; pós-graduação, sendo que um terço dos docentes são pós-graduados na área de avaliação psicológica; atuação predominantemente em instituições privadas; trabalho em uma única instituição; docência de disciplinas de outras áreas da psicologia; exercício de atividade profissional em avaliação psicológica além da docência; e participação em atividades científicas (eventos, pesquisa e produção bibliográfica). Esse perfil demonstra um engajamento dos docentes com a área de avaliação que vai além da docência, o que pode favorecer o ensino mais consistente e atualizado dos conteúdos. Os docentes que não frequentam eventos da área, ou não utilizam a avaliação em suas atividades de pesquisa ou extensão, por exemplo, podem estar mais distantes dos avanços e discussões pertinentes ao campo, o que tende a impactar negativamente o ensino. Nesse sentido, é importante ressaltar que esse engajamento dos participantes talvez se deva à constituição específica desta amostra, formada prioritariamente de mestres e doutores com muitos anos de experiência na área, mas que não necessariamente representa a totalidade dos docentes de avaliação psicológica no país. Outros estudos, com maior número de participantes, podem complementar as informações sobre o perfil docente atual na área de AP. Considerando-se que é provável que os docentes mais engajados e atuantes na área tenham também apresentado maior interesse pelo estudo, esse perfil pode, em alguma medida, estar distante da realidade dos cursos de Psicologia como um todo.
Ao se investigar as características das disciplinas de avaliação psicológica ministradas pelos docentes, verificou- se que os diferentes conteúdos abordados em sala de aula contemplam os tópicos apontados na literatura como relevantes para o ensino e formação na área (Noronha et al., 2002; Noronha et al., 2010; Nunes et al., 2012). A abrangência de conteúdos observada nesta pesquisa, incluindo os tópicos relacionados à teoria da medida e psicometria, é maior do que aquela observada nos estudos anteriores sobre o ensino da avaliação (Alves et al., 2002; Noronha, 2006), o que parece configurar um avanço em termos da formação. Por exemplo, ao contrário do que apontou o estudo de Noronha et al. (2013), neste estudo a elaboração de documentos resultantes de processos de avaliação foi um dos tópicos mais frequentes. Neste estudo, percebe-se uma ampliação do escopo das disciplinas de avaliação, saindo da perspectiva mais restritiva do uso mecânico dos testes, que muitas vezes é o modelo vigente em alguns cursos (Noronha & Reppold, 2010; Reppold & Serafini, 2010). Algo a ser destacado, apesar de citada por uma baixa porcentagem de professores, é a presença da grafologia como um dos conteúdos ministrados, uma vez que se trata de uma técnica ou procedimento não reconhecido pelo Conselho Federal de Psicologia. Aqui é importante a discussão sobre a pertinência ou adequação do ensino desses conteúdos em cursos de graduação em Psicologia. Essas técnicas são objeto de investigação por parte dos docentes, e por isso fazem parte dos conteúdos programáticos? Com o ensino da técnica há também uma discussão ética sobre seu uso por psicólogos? Como essas questões não foram objeto de investigação neste estudo, sugere-se que novas pesquisas possam ser desenvolvidas com o intuito de auxiliar na formulação de respostas a tais indagações.
Tendo em vista que a capacitação em avaliação psicológica exige que conteúdos teóricos sejam acompanhados de treinamento prático, verificou-se que as atividades práticas que os docentes relataram desenvolver com os alunos com maior frequência são correção e interpretação de testes, apresentação de estudos de caso, aplicação de testes e realização de uma avaliação psicológica completa. Essas atividades aparecem tradicionalmente como muito frequentes nos estudos sobre ensino de avaliação (Alves et al., 2002; Noronha, 2006; Noronha et al., 2013) e são congruentes com as diretrizes curriculares para os cursos de psicologia (MEC, 2011). No entanto, o desenvolvimento de atividades práticas que contribuam efetivamente para a formação em avaliação psicológica depende de infraestrutura e de condições de trabalho adequados. Constatou-se, neste estudo, que os principais problemas reportados pelos docentes relacionam-se justamente a esses aspectos.
A não existência de salas adequadas para as atividades práticas, o material muitas vezes desatualizado ou em más condições de uso e a falta de horas de supervisão podem acarretar muitos prejuízos ao processo de aprendizagem dos alunos, transformando essas atividades por vezes em experiências pouco relacionadas à prática efetiva da avaliação psicológica fora do contexto de formação.
A atenção dos cursos não se deve relacionar apenas aos conteúdos, mas também à estrutura de ensino. Uma vez que boa parte dos levantamentos feitos sobre o ensino na área nos últimos anos também teve como elementos principais as questões de disciplinas, conteúdos, instrumentos (Alves et al., 2001, 2002; Noronha, 2006; Noronha et al., 2013), estas parecem ser contribuições do presente estudo: identificar as dificuldades dos docentes quanto à estrutura e condições de ensino da avaliação e salientar a importância dessas questões para investigações futuras. Nesse sentido, outros estudos podem ampliar o mapeamento das condições de ensino da avaliação, uma vez que tivemos nesta amostra uma participação restrita de instituições, considerando-se o número de cursos de psicologia existentes no país.
Em conclusão, os resultados deste estudo indicam uma tendência de avanço no que se refere à ampliação de temas, contextos e técnicas de avaliação psicológica ensinados nos cursos de Psicologia, mas ainda revelam problemas que merecem atenção. Nesse sentido, foram mencionadas dificuldades estruturais, ensino de técnicas não reconhecidas pelo CFP e falta de tempo dado aos professores para um acompanhamento mais próximo e adequado das atividades desenvolvidas pelos alunos. Considerando-se a importância da responsabilização do profissional pelo uso dos testes (Oakland, 2009) e o impacto substancial que as atividades de avaliação tem na prática diária do psicólogo nas mais diferentes situações (Anache & Reppold, 2010), chamar atenção para as dificuldades e pensar na melhoria necessária dos cursos segue sendo fundamental para a qualificação da formação em psicologia.
Referências
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recebido em outubro de 2014
reformulado em maio de 2015
aprovado em junho de 2015
Sobre os autores
Marucia Patta Bardagi: é Psicóloga, possui Doutorado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é docente efetiva do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.
Marco Antônio Pereira Teixeira: é Psicólogo, possui Doutorado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRGS, coordenador do Núcleo de Estudos e Intervenções em Carreira (NEIC), do Serviço de Orientação Profissional (SOP) e do Núcleo de Apoio ao Estudante (NAE).
Joice Dickel Segabinazi: é Psicóloga, Mestre e Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é professora do Curso de Especialização em Avaliação Psicológica da UFRGS e Professora Auxiliar do Curso de Psicologia do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter).
Patrícia Waltz Schelini: é Psicóloga, possui Doutorado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e Pós-doutorado pela Universidade do Minho (Portugal). Atualmente é professora Associada I do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos e coordenadora do Curso de Graduação em Psicologia da UFSCar.
Elizabeth do Nascimento: é Psicóloga, possui Doutorado em Psicologia pela Universidade de Brasília. Atualmente é professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais.
1Endereço para correspondência: LIOP-Laboratório de Informação e Orientação Profissional, sala 14ª, Departamento de Psicologia UFSC, CFH, Campus Universitário João David Ferreira Lima, Bairro Trindade, 88040-900, Florianópolis-SC. Tel.: (48) 3721-8213. E-mail: marucia.patta ufsc.br