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Avaliação Psicológica

versión impresa ISSN 1677-0471versión On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.14 no.3 Itatiba dic. 2015

 

 

Instrumentos para avaliar o construto mindfulness: uma revisão

 

Instruments for assessing the construct mindfulness: A review

 

Instrumentos de evaluación del constructo mindfulness: una revision

 

 

Jeferson Gervasio PiresI, 1; Maiana Farias Oliveira NunesI; Marcelo Marcos Piva DemarzoII; Carlos Henrique Sancineto da Silva NunesII

IUniversidade Federal de Santa Catarina
IIUniversidade Federal de São Paulo

 

 


RESUMO

Tem havido um aumento no interesse de pesquisadores sobre o fenômeno mindfulness, contudo, sua definição não é consensual, o que afeta diversos aspectos dos instrumentos de medida do construto. Com o objetivo de mapear os instrumentos para avaliação do construto mindfulness, esta revisão apresenta um levantamento de oito instrumentos de medida, derivados de quatro revisões internacionais. Para a descrição das medidas, considerou-se a dimensionalidade do construto, as evidências de validade, precisão e estudos de adaptação transcultural. Foram identificados cinco modelos de mindfulness, com diferentes números de fatores, variando de um a cinco. Todas as medidas apresentaram evidências de validade baseada na estrutura interna e pela associação com variáveis externas. A precisão foi estimada, em grande parte, pelo teste-reteste. Quatro instrumentos analisados têm estudos de adaptação com amostras brasileiras. Sugere-se a ampliação das pesquisas sobre o tema no Brasil, tendo em vista os poucos estudos encontrados em âmbito nacional.

Palavras-chave: avaliação psicológica; testes psicológicos; psicologia positiva.


ABSTRACT

There has been a growing interest from researchers on the mindfulness phenomenon, however, its definition still not convergent among these researchers, which affects various aspects of its measurement instruments. With the objective of mapping such instruments, this review presents the psychometric properties of eight measurements of mindfulness, retrieved from four international reviews of the literature. In order to describe the measurements, we stated the operationalization of construct, their evidence of validity, reliability, and cross-cultural adaptation studies. Five different models for explaining the construct, composed of different quantities of factors (from one to five), were identified. Each of the eight measurements presented evidence of construct and convergent validity. Most instruments used test-retest for verifying reliability. Moreover, four of the instruments analyzed have already published adaptation studies for a Brazilian population. It is suggested that research on mindfulness be extended, given that there are few studies found nationally.

Keywords: psychological assessment; psychological tests; positive psychology.


RESUMEN

Ha habido un aumento en el interés de los investigadores sobre el mindfulness, todavia, su definición no es consensual, afectando a diferentes aspectos de los instrumentos de medida del constructo. Con el fin de conocer los instrumentos para evaluación del mindfulness, esta revisión presenta ocho instrumentos de medida, derivados de cuatro revisiones internacionales de literatura. La descripción de las medidas seleccionadas, incluyó la dimensionalidad del constructo, evidencias de validez, precision y estudios de adaptación transcultural. Se encontraron cinco modelos para la comprension del mindfulness, con numero de factores, desde uno hasta cinco. Todos los instrumentos apresentaram evidencia de validez basado en su estructura interna y por asociación con variables externas. La precisión fue mayormente estimada por el test-retest. Cuatro instrumentos disponen de estudios de adaptación para brasileños. Se sugiere la expansión de la investigación sobre el tema en Brasil, sobretudo por los pocos estudios que se encuentran en el país.

Palabras-clave: evaluación psicológica; pruebas psicológicas; psicología positiva.


 

 

A Psicologia Positiva (PP) é um movimento da Psicologia que busca ampliar o foco das pesquisas e intervenções tradicionais da área, incluindo o estudo de aspectos humanos saudáveis e positivos. Trata-se de uma concepção atual, que teve início por volta do ano 2000, com as contribuições de Seligman. Os aspectos psicológicos frequentemente avaliados nessa perspectiva são tanto traços como estados psicológicos (em variados graus de maleabilidade), entre eles forças e virtudes, otimismo, resiliência, autoeficácia e outros (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000). Dentre os construtos trabalhados nessa área, mindfulness tem recebido atenção em pesquisas internacionais. No entanto, no país, verifica-se ainda um reduzido número de pesquisas sobre o tema, o qual é foco deste artigo.

Mindfulness é um termo que pode ser traduzido para português como “atenção plena”. O construto deriva de tradições orientais (Langer, 2014) e tem recebido atenção de pesquisadores nos últimos anos (Bergomi, Tschacher, & Kupper, 2012). Entretanto, diferentes perspectivas para a sua compreensão e operacionalização tem sido constatadas (Hart, Ivtzan, & Hart, 2013; Siegling & Petrides, 2014), podendo-se apontar três correntes principais, as quais serão descritas na sequência.

Cronologicamente, a primeira proposta de mindfulness é oriunda da filosofia oriental, que indica que a prática meditativa e/ou contemplativa frequente potencializa, dentre diversos outros fatores, a capacidade de estar engajado com as experiências do momento presente. Isso envolve o treino de habilidades referentes à consciência, não reatividade e concentração (Langer, 2014), de forma que a atenção plena seria alcançada como resultado dessas práticas frequentes meditativas e/ou contemplativas. Consciência refere-se ao monitoramento das experiências internas (sensações, pensamentos) e do ambiente (Brown & Ryan, 2003), o que pode se ocorrer na forma de insight, destacando seu aspecto não elaborado (Walach, Buttenmüller, Kleinknecht, & Schmidt, 2006).

A segunda perspectiva descreve o construto como uma característica inerentemente humana (traço), associada à atenção e à consciência (Bishop et al., 2004), apresentando variações quanto à intensidade da característica entre as pessoas. Nessa perspectiva, o traço mindful é capaz de promover bem-estar e autorregulação, além de poder ser melhorado/intensificado por meios de práticas, que podem incluir a meditação (Brown & Ryan, 2003).

Por sua vez, a terceira perspectiva refere-se ao fenômeno como um estado não automático de funcionamento geral (Langer, 2014), o que seria diferente de ser guiado por um modo automático de funcionamento, chamado pelo autor de “piloto automático”, necessitando ser “intencionalmente ativado”. Langer (2014) explica o construto a partir dos estados mindful e mindless. O estado mindful representa o engajamento pleno com o ambiente e com a atividade que se realiza, condição que leva à maior sensibilidade e a diferentes pontos de vista. Tal condição se opõe ao estado mindless (estado automático de funcionamento cognitivo e comportamental), no qual não se questiona a rotina e não se tem consciência sobre a atividade da atenção, perdendo, em alguma medida, contato com o momento presente.

Algumas pesquisas abordam a relação do fenômeno mindfulness com outras variáveis, sendo possível observar, por exemplo, que pessoas que possuem maior consciência do que fazem relatam maior autocompaixão e felicidade (Hollis-Walker & Colosimo, 2011). Nessa mesma direção, tem-se descrito que programas que promovem a meditação mindfulness melhoram as funções imunológicas (Davidson et al., 2003), contribuem com a autorregulação emocional (Farb, Anderson, & Zindel, 2012; Goldin & Gross, 2010) e com o desfecho de quadros clínicos diversificados, tais como tabagismo (Davis, Fleming, Bonus, & Baker, 2007), ansiedade e depressão (Hofman, Sawyer, Witt, & Oh, 2010).

As diferentes compreensões sobre mindfulness refletem nas características priorizadas nos instrumentos de medida. Com o objetivo de apresentar os principais instrumentos de avaliação desse fenômeno, esta revisão descreve oito testes para investigação do construto, destacando- se a construção deles, que dimensões se propõem avaliar, evidências de validade, precisão e estudos de adaptação transcultural. A presente revisão mostra- -se pertinente por abordar um fenômeno que pode ser foco de intervenções psicológicas na perspectiva da Psicologia Positiva, especialmente aquelas realizadas no contexto da saúde, envolvendo pessoas de variadas faixas etárias.

 

Método

Materiais

Foram utilizados artigos que descrevem a construção das seguintes medidas: Escala de Consciência e Atenção Mindfulness, Inventário Kentuck de Habilidades de Mindfulness, Inventário Freiburg de Mindfulness, Escala Toronto de Mindfulness, Escala Cognitiva e Afetiva de Mindfulness Revisada, o Questionário das Cinco Facetas de Mindfulness, a Escala Filadélfia de Mindfulness e a Medida de Mindfulness para crianças e adolescentes. As medidas analisadas foram coletadas em quatro revisões, elaboradas por Bergomi et al., (2012), Black (2010), Tanay e Bernstein (2013) e Park, Reilly- Spong, e Gross (2013). A revisão sobre tais medidas foi feita a partir de mecanismos de buscas de periódicos científicos, a saber, PubMed, PsycINFO e Medscape. Os instrumentos selecionados serão descritos em detalhes na seção de resultados.

Procedimentos

Dos 12 instrumentos distintos citados nas revisões consultadas, foram selecionados oito. Não foram considerados os instrumentos que avaliavam construtos associado à mindfulness, como compaixão e autocompaixão. Também foram descartados os instrumentos cujos estudos de construção/validação não estavam publicados na íntegra (apenas o resumo). Após a busca, download e leitura dos artigos referentes às oito medidas selecionadas, foram coletados: (a) identificação do instrumento (nome e ano), (b) dimensionalidade (número de fatores, rótulos, métodos de análise e soluções fatoriais), (c) itens (quantidade e exemplos), (d) escala (público-alvo, formato da escala, número de pontos), (e) indicadores psicométricos (estudos de evidências de validade e de precisão) e (f) estudos de adaptação transcultural.

Resultados

Os oito instrumentos mencionados no método serão descritos, a seguir, considerando a sequência cronológica com que foram publicados. A Tabela 1 oferece uma síntese das principais características dos instrumentos contemplados neste estudo.

 

 

Escala de Consciência e Atenção Mindfulness (MAAS; Brown & Ryan, 2003)

A escala é composta por 15 itens, com o objetivo de avaliar a atenção voltada para a consciência do momento presente e que, segundo Feldman, Hayes, e Kumar (2007), avalia, exclusivamente, o aspecto atencional da atenção plena. Os autores conceituam mindfulness como um atributo da consciência relacionado ao bem-estar, composto por dois fatores, consciência e atenção, apesar de operacionalizarem o construto unifatorialmente: atenção mindfulness. Os respondentes devem indicar o quanto têm experimentado o que está descrito em cada uma das afirmativas, usando uma escala de seis pontos, que varia de um (quase sempre) a seis (quase nunca). Altos escores refletem maior capacidade de mindfulness. São exemplos de itens: “Quebro ou derramo coisas por falta de cuidado, por não estar prestando atenção ou por estar pensando em outras coisas” e “Tenho dificuldade para focar no que está acontecendo no presente”. A escala foi desenvolvida para o público adulto americano.

A versão original do instrumento foi feita com base em uma revisão na literatura, que gerou 184 itens, tendo eles sido enviados para nove pesquisadores e praticantes de mindfulness, para a realização da análise de juízes. Dessa avaliação, restaram 55 itens. Os autores realizaram uma análise fatorial confirmatória com uma amostra de 327 universitários, e outra com 239 adultos da população geral não clínica, havendo confirmação da estrutura unifatorial em ambas as amostras.

Foram efetuados estudos para avaliação da precisão a partir do método teste-reteste (após quatro semanas), que obteve a correlação elevada (r=0,81). Além disso, foram estimadas correlações com outras medidas, o que identificou evidência de validade baseada na associação com construto externo convergente e discriminante, indicando que mindfulness relaciona-se com comportamentos autorregulados, emoções positivas e bem-estar físico, psicológico e subjetivo. Um segundo estudo (N=711) foi conduzido para avaliar a replicabilidade do modelo (MacKillop & Anderson, 2007). A análise confirmatória revelou a já esperada unidimensionalidade e a avaliação da consistência interna resultou em um alfa de Cronbach (α=0,89).

Esse instrumento apresentou evidências de validade para populações de crianças canadenses (Lawlor, Schonert-Reichl, Gadermann, & Zumbo, 2013), adolescentes alemães (Bruin, Zijlstra, Weijer-Bergsma, & Bögels, 2011), população adulta francesa (Jermann et al., 2009), população infantil chinesa (Black, Sussman, Johnson, & Milam, 2012), população adulta sueca (Hansen, Lundh, Homman, & Wangby-Lundh, 2009) e população adulta americana com câncer (Carlson & Brown, 2005). Além disso, a escala possui um estudo de análise de funcionamento diferencial dos itens – DIF (Van Dam, Earleywine, Border, 2010). A MAAS também possui um estudo de adaptação com uma amostra brasileira (N=395) (Barros, Kozasa, Souza, & Ronzani, 2015), cuja unidimensionalidade foi corroborada (a=0,83). Além do alfa de Cronbach, os autores efetuaram o teste- -reteste (r=0,80) e o split half (0,67) como métodos para estimar a precisão da medida.

Inventário Kentuck de habilidades de Mindfulness (KIMS; Baer, Smith, & Allen, 2004)

Esse instrumento compõe-se de 39 itens que avaliam a tendência de estar consciente no cotidiano, além de verificar a capacidade de atenção plena, usando escala Likert de cinco pontos, na qual 1 significa nunca ou muito raramente e 5, quase sempre. São exemplos de itens: “Fico atento se meus músculos estão tensos ou relaxados” e “Percebo quando meu humor começa a mudar”.

A análise fatorial exploratória, usando fatoração pelos eixos principais com rotação oblíqua, seguida pela análise do scree plot, sugeriram a solução de quatro fatores, explicando 43% da variância. A análise fatorial confirmatória indicou que essa solução era a mais adequada. A precisão foi estimada por meio do teste-reteste (14 a 17 dias após a primeira aplicação), com correlações acima de 0,60 para os fatores Observar (r=0,65), Descrever (r=0,81), Agir com consciência (r=0,86) e Aceitar sem julgar (r=0,83).

Foram obtidas correlações significativas com outras variáveis, dentre elas, traços de personalidade, ansiedade e satisfação com a vida, indicando, dentre outros resultados, que altos escores em mindfulness estariam associados com baixos escores em neuroticismo, sintomas psicológicos e de esquiva experiencial, além de alto nível em inteligência emocional. Para a seleção dos itens que comporiam a escala em sua versão final, aqueles com baixa correlação item-total foram eliminados, bem como os com baixa correlação inter-item. Restaram 39 itens, agrupados nos fatores “observar”, “descrever”, “agir com consciência” e “aceitar sem julgar”, com coeficientes alfa de 0,91, 0,84, 0,83 e 0,87, respectivamente. O instrumento recebeu estudos de adaptação para a população sueca adulta não clínica (Hansen et al., 2009) e para a população francesa adulta com transtorno de personalidade borderline (Nicastro, Jermann, Bondolfi, & Mc Quillian, 2010).

Inventário Freiburg de Mindfulness (FMI; Walach et al., 2006)

O inventário descreve o construto mindfulness a partir do referencial teórico descrito por Bishop et al. (2004), alinhado à Psicologia budista (Hirayama, Milani, Rodrigues, Barros, & Alexandre, 2014). Esse inventário tem uma versão simplificada, composta por 14 assertivas e indicada para o público americano adulto leigo em budismo e, portanto, contextos gerais. Há ainda uma versão mais extensa, com 30 assertivas, indicada para uso em pesquisas. A correlação entre as versões foi r=0,95. Os itens desse instrumento referem-se à frequência com que as assertivas foram percebidas nos últimos dias, utilizando-se de uma escala de quatro pontos, tal que 1 significa raramente e 4 significa quase sempre. São exemplos de itens: “Percebo meus sentimentos sem me perder neles” e “Vejo meus erros e dificuldades sem julgá-los”.

Para a construção dos itens, os autores efetuaram uma revisão da literatura. Os itens elaborados foram levados à análise de juízes. Na sequência, os itens foram aplicados em 115 sujeitos, para as análises psicométricas, durante dois momentos, antes e depois de um retiro de meditação. A partir disso, obteve-se uma versão do instrumento com 30 itens e alfa de Cronbach de α=0,86 e outra simplificada (α=0,85). Todos os itens apresentaram cargas maiores do que 0,44 na versão expandida e maior do que 0,57, na simplificada. O primeiro fator explicou mais de 35% da variância. A descrição a seguir refere-se às duas versões.

Para a realização de estudos de validação, a escala foi aplicada em três grupos, sendo um composto por 85 indivíduos oriundos de centros de meditação, outros 85 recrutados da população geral e, ainda, 115 de populações clínicas. No tocante à dimensionalidade, a análise dos componentes principais dos 30 itens, com rotação varimax, indicou quatro fatores e explicou 51% da variância, sendo que o primeiro fator explicou 35% da variância. Os fatores foram identificados como “presença mindful”, “aceitação não julgamental”, “abertura à experiência” e “insight”. Apesar disso, considerando que houve alta correlação entre os fatores e alta carga em um fator comum, há indicação em não dividir a escala em fatores, mas pensar em um único fator geral (cujas cargas ficam entre 0,34 e 0,60).

Foram estimadas correlações com construtos associados, como a Autoconsciência e Sintomatologia, os quais revelaram, dentre outros resultados, que mindfulness é associado com menos estresse e de redução de sintomas. A FMI teve também estudo de adaptação com uma amostra francesa (Trousselard et al., 2010). A versão simplificada foi objeto de um estudo de validade de conteúdo com amostras brasileiras (Hirayama et al., 2014), no qual os itens tiveram seu entendimento avaliado por duas amostras de adultos, compostas por população geral e meditadores (N=81), indicando resultados iniciais favoráveis para uso com esse público.

Escala cognitiva e afetiva de Mindfulness (CAMS e CAMS-R; Feldman et al., 2007)

A CAMS-R é uma versão revisada da Escala CAMS (não publicada), composta por 20 itens. Os autores operacionalizaram o construto a partir dos conceitos de Kabat-Zinn (1990) e Bishop et al. (2004). Um conjunto com 35 itens foi organizado por um grupo de pesquisadores e experts em atenção plena, os quais buscam analisar atitudes em relação às experiências internas, emoções e pensamentos. Esses itens foram compostos pelos 20 itens da primeira versão da CAMS, associados a 17 novos itens, levantados a partir de outros estudos e instrumentos. Os itens abordam assertivas de autoavaliação, com uma escala de quatro pontos, sendo que 1 significa raramente e 4 significa quase sempre, sendo exemplos: “Estou preocupado com o futuro” e “Sou capaz de focar no tempo presente”.

Esse conjunto de itens foi aplicado em 548 estudantes universitários americanos, para fins de análise da estrutura interna. A amostra foi dividida em duas partes: os dados referentes a 250 sujeitos foram submetidos à análise fatorial exploratória e a outra parte (n=298), para as análises confirmatórias. Como resultado da primeira análise, restaram 20 itens, contudo, os indicadores de ajuste não se mostraram adequados. Mantiveram-se os itens que carregavam em mais de um fator e os demais foram excluídos, gerando uma versão final de 12 itens e revelando bom ajuste. Dessa forma, confirmou-se o modelo unifatorial latente de segunda ordem, associado a quatro fatores latentes de primeira ordem: Atenção, Foco no presente, Consciência e Aceitação.

Os autores executaram análise confirmatória com a segunda parte da amostra (N=298). A consistência interna obtida mostrou-se adequada em ambas as amostras (1) α=0,74 e (2) α=0,77. Adicionalmente, os autores (N=212) efetuaram correlações entre a CAMS-R e os instrumentos FMI e MAAS, além de correlações com instrumentos para avaliação da ruminação, supressão de pensamentos e bem-estar, revelando características favoráveis quanto à validade da escala.

Escala Toronto de Mindfulness (TMS; Lau et al., 2006)

A escala é composta de 35 itens, com os quais se busca avaliar a capacidade de evocar o estado mindful produzido em um momento exclusivo com a prática de mindfulness. A versão final da escala compõe-se de dois fatores: Curiosidade e Desidentificação. Ambos são caracterizados pela atitude de Distanciamento de si, não se deixando levar por pensamentos, sensações ou sentimentos

Os itens refletem aspectos subjetivos da autorregulação da atenção, indicando a qualidade da atenção não elaborada (Lau et al., 2006). A escala leva o praticante de mindfulness a refletir sobre um momento específico no tempo (após uma prática meditativa, por exemplo) e, por isso, segundo os autores “pode não refletir a verdadeira capacidade de evocar o estado mindful” (p. 1462).

O respondente deve indicar o grau com que cada uma das afirmações foram experimentadas, em uma escala de cinco pontos, em que zero indica nada e quatro indica muito. São exemplos de itens: “Estava curioso sobre minhas reações às coisas” e “Percebi mudanças em meu humor”.

Para a análise da estrutura interna, uma amostra (N=174) foi destinada à análise fatorial exploratória e a outra (N=200) à análise confirmatória. A análise exploratória sugeriu uma estrutura de três fatores, contudo o scree plot revelou apenas dois. Na solução bifatorial, os fatores respondem por 66% e 29% de variância explicada e a correlação entre eles foi de 0,26. O índice de confiabilidade composta (CC) (0,93 e 0,91), análogo ao alfa de Cronbach, foi utilizado para indicar a consistência interna da escala e, associado ao índice da variância extraída (VE) (0,89 e 0,59), indicaram a precisão dos fatores. Dos 35 itens da versão preliminar do instrumento, 20 foram excluídos por apresentarem baixa carga fatorial ou por exibirem carga fatorial elevada em mais de um fator. Outros dois itens foram excluídos por baixa correlação item-total, restando 13 itens na versão final da escala.

A validade discriminante do modelo bifatorial foi verificada a partir do qui-quadrado, o qual foi estatisticamente significativo, indicando-o como o mais adequado. Foram efetuados estudos para evidências de validade de critério e incremental, a partir de amostras de pacientes que participaram de programas de mindfulness, os quais revelaram que escores no instrumento aumentaram a partir do programa e que escores em “desidentificação” predizem melhoras em resultados clínicos.

Questionário das cinco facetas de Mindfulness (FFMQ; Baer, Smith, Hopkins, Krietemeyer, & Toney, 2006)

A partir de uma revisão da operacionalização do construto mindfulness de cinco principais instrumentos disponíveis na ocasião da construção da FFMQ, foram coletados os 112 itens dessas cinco medidas (FMI, MAAS, KIMS, MQ e CAMS). Esse conjunto de itens foi testado em 613 adultos americanos, universitários de Psicologia.

Para a aplicação do teste, os respondentes devem avaliar-se a partir da frequência com que cada uma das situações abordadas nos itens aconteceu, baseando-se nas experiências dos últimos meses. Na escala, 1 representa nunca ou quase nunca e 5 representa sempre ou quase sempre. São exemplos de itens: “Percebo meus sentimentos e emoções sem ter que reagir a eles” e “Em situações difíceis, consigo pausar sem reagir imediatamente”.

Os autores realizaram uma análise fatorial exploratória (N=613) a partir da fatoração pelos eixos principais, com rotação oblíqua. O scree plot revelou uma solução com cinco fatores, explicando 33% da variância total. Itens com as maiores cargas fatoriais foram mantidos (entre 0,20 e 0,39), restando, finalmente, 39 itens. O instrumento avalia cinco dimensões: Observar as experiências, Descrever as experiências, Agir com consciência, Não julgamento das experiências e Não reagir às experiências. Os autores efetuaram análise fatorial confirmatória (N=268) e os valores de CFI e NNFI e RMSEA indicaram boa adequação do modelo com cinco fatores (CFI=0,96, NNFI=0,95, RMSEA=0,06).

Foram efetuados estudos comparando os fatores do instrumento com outros construtos, como Neuroticismo e Inteligência emocional. Os participantes também responderam a um inventário de sintomas BSI (Brief Symptom Inventory – BSI). Por meio de análise de regressão entre as cinco dimensões e os outros fenômenos, três delas apresentaram evidência de validade incremental, em predição de sintomas. A escala também recebeu estudos de validade baseada na estrutura interna (Baer et al., 2008) e de análises de DIF (Baer, Samuel, & Lykins, 2011). Além disso, recebeu um estudo de adaptação com amostra brasileira (Barros, Kozasa, Souza, & Ronzani, 2014).

No estudo da versão brasileira, os autores efetuaram adaptação dos itens a partir de uma amostra de adultos (N=395), sendo uma parte composta por meditadores, os quais também responderam a uma escala de bem-estar subjetivo. A análise fatorial indicou uma versão com sete fatores (dois fatores se subdividiram). Segundo os autores, o fator Descrever dividiu-se em função da formulação dos itens, de forma que eram positivos no quarto fator e negativos no quinto. Agir com consciência dividiu-se em comportamentos de Piloto automático e comportamentos de agir distraidamente.

O alfa de Cronbach total foi 0,81 e por fatores: (a) não julgamento (α=0,78), (b) agir com consciência – piloto automático (α=0,79), (c) observar (α=0,76), (d) descrever – positivo (α=0,76), (e) descrever–-negativo (α=0,75), (f) não reatividade (α=0,68) e (g) agir com consciência-distração (α=0,63) (Barros et al., 2014).

Escala Filadélfia de Mindfulness (PHLMS; Cardaciotto, Herbert, Forman, Moitra, & Farrow, 2008)

A escala é composta por 20 itens e avalia a frequência com que os respondentes experimentaram as situações descritas nas assertivas, na última semana, utilizando- se de uma escala de cinco pontos, em que 0 significa nunca e 4 com muita frequência. São exemplos de itens: “Tento me distrair quando sinto alguma emoção desagradável” e “Digo-me que não deveria ter certos tipos de pensamentos”.

Para a construção do teste, os autores organizaram um pool com 105 itens a partir da definição do construto para Kabat-Zinn (1990) e Bishop et al. (2004). Os itens foram encaminhados para cinco juízes, com o objetivo de verificar a validade de conteúdo e aparente. Como coeficiente de validade de conteúdo, foi utilizado o índice estatístico V (retenção de itens), o qual fez restar 58 itens. A concordância entre os juízes indicou boa representação de ambos os fatores propostos.

Para os estudos de validação, a escala com 58 itens foi aplicada em um grupo de universitários estadunidenses (N=559). Foi efetuada análise fatorial exploratória com fatoração pelos eixos principais e rotação Promax, mantendo-se apenas os itens que carregavam acima de 0,45, gerando uma versão com 25 itens. Por meio da avaliação da consistência interna, reduziram-se outros cinco itens, restando 20 na versão final. Os estudos psicométricos confirmaram a hipótese de bifatorialidade. Os rótulos dados aos fatores foram Consciência, que se refere ao monitoramente contínuo da experiência do tempo presente, associado à regulação da atenção, e Aceitação, que reflete a atitude de não julgamento das próprias experiências (pensamento, emoção e sensação).

Análises de confiabilidade foram feitas para cada uma das subescalas com 10 itens cada. Para a subescala Consciência foi obtido coeficiente alfa de Cronbach de 0,81, com correlação item-total variando de 0,43 a 0,60 e as correlações inter-item entre 0,13 e 0,15. Para a subescala Aceitação, o alfa de Cronbach foi de 0,85, a correlação item-total variou entre 0,47 e 0,67 e as correlações inter-item de 0,17 a 0,54. Além disso, foram efetuadas correlações com outras medidas, como a MAAS e o Inventário de Depressão de Beck, indicando validade pela associação com outras variáveis.

Um estudo de adaptação e validação do instrumento para o Brasil foi realizado por Silveira, Castro, e Gomes (2012). Após a tradução e retrotradução, os autores efetuaram a aplicação on-line do instrumento traduzido, associado a outras medidas, em uma amostra de adultos (N=703). A partir dos dados coletados, foi realizada uma análise dos componentes principais, na qual foram encontrados quatro fatores com autovalor superior a 1 e com variância explicada de 54,9%. A análise do scree plot revelou a estrutura bifatorial. Foi feita a análise da consistência interna dos fatores, na qual foram obtidos alfas de Cronbach de 0,85 e de 0,81 para o primeiro e segundo fator, respectivamente.

Medida de Mindfulness para crianças e adolescentes (CAMM; Greco, Baer, & Smith, 2011)

A CAMM é, atualmente, a única medida para avaliar mindfulness em populações infanto-juvenis americanas, com idade a partir dos nove anos de idade. Essa medida compõe-se por 10 itens, avaliados em uma escala de cinco pontos, relativos à frequência da consciência sobre o tempo presente, sendo que 0 significa nunca é verdade e 4, sempre é verdade. São exemplos de itens: “Presto atenção em meus pensamentos” e “Fico chateado comigo por ter certos tipos de pensamento”.

A compreensão do construto mindfulness no instrumento se baseia na perspectiva teórica abordada no instrumento KIMS (Escala Kentuck de Mindfulness). A definição do construto na KIMS compõe-se de quatro facetas, das quais foram aproveitadas apenas três, a saber, Observar, que significa o grau com o que respondente percebe ou reage aos fenômenos internos, Agir com consciência, que indica a consciência centrada no tempo presente e envolvida na atividade corrente, e Aceitar sem julgar, que se refere à observação da consciência não julgadora e aberta para experienciar eventos internos. A quarta faceta (Descrever) foi excluída em consideração à população e à solução fatorial.

Os autores geraram, inicialmente, 25 itens, os quais foram encaminhados para quatro juízes efetuarem a análise semântica. Desse procedimento, nenhum item foi recusado, sendo, então, administrados em 428 alunos do 5º ao 9º anos do ensino fundamental estadunidense (N=334). Os itens foram submetidos à análise fatorial exploratória, usando fatoração pelos eixos principais, com rotação oblíqua. A análise do scree plot revelou que seriam possíveis soluções com um, dois ou três fatores, todavia, a solução unifatorial foi a mais adequada. Em observância ao aspecto teórico associado à população infantil, os autores optaram por retirar os nove itens referentes à faceta Observar, processo que resultou na manutenção de 16 itens. Os autores efetuaram análise fatorial exploratória (fatoração pelos eixos principais, com rotação oblíqua) e dez, dos 16 itens, carregaram com mais de 0,40 na solução unifatorial. Em observância a isso, optaram por manter apenas esses dez itens, que apresentou alfa de Cronbach de 0,80.

Posteriormente, os autores efetuaram análise fatorial confirmatória (N=332), apresentando índices que denotam boa adequação. Por fim, foram verificadas evidências de validade convergente e incremental (N=319), revelando que escores em CAMM correlacionaram-se positivamente com qualidade de vida e competência acadêmica, e negativamente com reclamações somáticas e supressão de pensamentos. Esse instrumento também possui um estudo de adaptação para a população infantil holandesa (Bruin et al., 2011).

 

Discussão

Esta revisão objetivou mapear estudos de construção e validade de oito medidas para avaliar atenção plena. Puderam ser destacados os principais aspectos referentes à dimensionalidade, itens (quantidade e exemplos) e formato das instruções, público-alvo, evidências de validade e precisão e estudos de adaptação transcultural.

No tocante à dimensionalidade, observou-se que a atenção plena é operacionalizada de maneira diversificada. Os estudos revelaram principalmente soluções bifatoriais (Cardaciotto et al., 2008; Lau et al., 2006) e de quatro componentes (Feldman et al., 2007; Walach et al., 2006). A versão mais extensa compõe-se por cinco facetas (Baer et al., 2006). Apesar dos diferentes componentes, o modelo unifatorial para a explicação do construto também pode ser observado (Brown & Ryan, 2003; Lau et al., 2006; Walach et al., 2006).

Dentre os componentes propostos, aqueles derivados da perspectiva meditativa (aceitação, não reatividade e consciência) foram os mais frequentemente trabalhados. Diferentemente, o componente Atenção foi o menos operacionalizado nos instrumentos analisados. Nenhum instrumento utilizou indicadores da atenção plena derivados da terceira perspectiva, sugerindo menor aceitação dela pela comunidade científica, por questões diversas (Hart et al., 2013; Siegling & Petrides, 2014).

Em relação às medidas analisadas, destaca-se a forma como se deu a seleção dos itens na análise de juízes, cujo método foi qualitativo em sete dos estudos, não tendo sido referidas análises baseadas na verificação da concordância entre eles. Todos os instrumentos analisados apresentam evidências de validade baseada na estrutura interna e também oferecem evidências de validade por meio da relação com outras variáveis. O uso do método teste-reteste foi o mais frequente para estimar a precisão entre os variados instrumentos analisados. O reduzido número de itens nos instrumentos (Carvalho, Nunes, Primi, & Nunes, 2012), variando de 10 a 39 (M=22) também pode prejudicar a precisão de alguns fatores analisados, contudo a pequena quantidade de itens facilita a utilização dos instrumentos tanto na prática profissional como em pesquisas. Essa questão deve ser considerada em estudos futuros.

Puderam ser observados diferentes estudos de adaptação e validação transcultural para diferentes países e populações, incluindo amostras brasileiras. Também é válido ressaltar que, em todos os estudos analisados, as amostras compuseram-se por sujeitos meditadores, populações clínicas de quadros diversos e população geral, tendo esses mesmos perfis sido replicados nos estudos nacionais. Isso aponta a necessidade e o desafio de explorar a atenção plena em outros contextos, envolvendo outros perfis de participantes, vislumbrando campos onde consciência e atenção sejam importantes.

O objetivo principal deste artigo foi detalhar o processo de criação e validação de algumas escalas de atenção plena utilizadas nas pesquisas internacionais e, para isso, foram analisadas oito medidas. Foi possível destacar que, dentre as três perspectivas para a compreensão do fenômeno, imperam elementos derivados da perspectiva meditativa. Além disso, o componente Atenção tem sido pouco explorado na operacionalização do construto, o que indica a necessidade de construção de instrumentos que integrem os diversos componentes representativos das perspectivas para a compreensão do fenômeno. Adicionalmente, faz- -se necessário apontar uma limitação para esta revisão, qual sejam os estudos de adaptação transcultural, dentre os quais, alguns não foram contemplados nesta revisão, uma vez que o ritmo da produção científica nesse âmbito tem crescido consideravelmente. Espera-se que sejam feitos mais estudos de construção, adaptação, validação e precisão de medidas para mindfulness, de modo a fornecer ferramentas adequadas para atuação do psicólogo com interesse no fenômeno.

 

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recebido em novembro de 2014
reformulado em julho de 2015
aprovado em julho de 2015

 

 

Sobre os autores

Jeferson Gervasio Pires: é mestrando em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina- UFSC, na linha de Avaliação em Saúde e Desenvolvimento.
Maiana Farias Oliveira Nunes: é doutora em psicologia pela Universidade São Francisco e pesquisadora colaboradora da UFSC e da UFRGS.
Marcelo Marcos Piva Demarzo: é doutor em patologia pela Universidade de São Paulo e professor adjunto da Universidade Federal de São Paulo, professor assistente da Universidade Católica de Santos e Senior Fellow do International Primary Care Research Leadership Programme (Department of Primary Care Health Sciences, University of Oxford).
Carlos Henrique Sancineto da Silva Nunes: é doutor em psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor Adjunto II da Universidade Federal de Santa Catarina e colaborador com atividades de pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade São Francisco. É membro do conselho deliberativo do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica.


1Endereço para correspondência: Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Psicologia, Trindade, 88040-970, Florianópolis-SC. Tel.: (48) 9177-0656. E-mail: jefersongp@gmail.com


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