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Avaliação Psicológica
versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431
Aval. psicol. vol.15 no.2 Itatiba ago. 2016
Crianças e adolescentes intoxicados por chumbo: práticas maternas e problemas de comportamento1
Children and adolescents with lead poisoning: Childrearing practices and behavioral problems
Los niños y adolescentes envenenados por plomo: las prácticas maternas y trastornos de conducta
Denise Dascanio2,I; Anne Marie Germane Victorine FontaineII; Edna Maria MarturanoIII; Zilda A. P. Del PretteIV
IUniversidade Paulista
IIUniversidade do Porto
IIIUniversidade de São Paulo
IVUniversidade Federal de São Carlos
RESUMO
Este estudo teve por objetivo avaliar as práticas educativas maternas em crianças e adolescentes intoxicados por chumbo, bem como sua correlação com problemas de comportamento nos filhos. Foi utilizada uma versão reduzida do IEP para avaliar as práticas maternas e o SSRS-BR, versão professor, para problemas de comportamento. Participaram 155 estudantes, com idade média de 13 anos, pertencentes a três grupos: alta plumbemia (GAP), baixa plumbemia (GBP) e grupo de comparação (GC) e suas respectivas mães e professores. Os resultados indicaram que as mães das crianças do grupo GBP utilizavam mais práticas indutivas, menos coerção e mais negligência que os outros dois grupos. A análise de correlação indicou também que estratégias parentais inconsistentes estão associadas a maior probabilidade de emissão de problemas de comportamento pelos filhos. Os resultados sugerem uma associação entre as práticas educativas adotadas pelas mães e as condições de contaminação por chumbo dos filhos.
Palavras-chave: intoxicação; práticas de criação infantil; problemas de comportamento.
ABSTRACT
This study aimed to investigate childrearing practices as related to children and adolescents poisoned by lead, and their correlation with behavioral problems. The authors used a reduced version of the Inventory of Parental Styles (IEP) to assess parenting practices and the SSRS-BR for behavioral problems. Participants included 155 children and adolescents with an average age of 13 years who belonged to three groups: high blood-lead (GAP), low blood-lead (GBP) and a comparison group (GC); and their respective mothers and teachers. The results show GBPs mothers used more inductive practices, less coercion and more neglect than the other two groups. The correlation analysis also indicated that inconsistent parenting strategies are associated with higher probability of emission of behavioral problems in the children. The results suggest an association between the childrearing practices adopted by mothers and lead contamination conditions of the children.
Keywords: intoxication, childrearing practices, behavioral problems.
RESUMEN
El presente estudio tuvo como objetivo evaluar prácticas parentales con niños intoxicados por plomo y su correlación con los trastornos de conducta. Se utilizó una versión reducida del IEP (Inventario de Estilos Parentales) para evaluar las prácticas maternas y la versión maestro del SSRS-BR (Sistema de evaluación de habilidades sociales) para evaluar trastornos de conducta. Participaron 155 estudiantes, con edad media de 13 años y junto a sus madres y maestros, pertenecientes a tres grupos: plomo elevado en la sangre (GAP), bajos niveles de plomo (GBP) y grupos de comparación (GC). Los resultados indicaron que las madres de GBP utilizan prácticas más inductivas, con menos coacción y más negligentes que en los otros grupos. El análisis de correlación también indica que las prácticas parentales inconsistentes se asocian con una mayor probabilidad de emisión de los niños trastornos de conducta. Los resultados sugieren una asociación entre las prácticas adoptadas por las madres y las condiciones de contaminación de plomo de los niños.
Palabras-clave: intoxicación; prácticas parentales, trastornos de la conducta.
A intoxicação por chumbo afeta grande contingente populacional, principalmente nas regiões de maior produção industrial, e tem efeitos mais significativos em crianças e adolescentes do que em adultos (Dascanio etal., 2015; Marcus, Fulton, & Clarke, 2010). A literatura da área de toxicologia relaciona a alta plumbemia (acima de 10µg/dl) à hiperatividade, agressividade e problemas de comportamento (Chandramouli, Steer, Ellis, & Emond, 2009; Dascanio et al. 2015), além de diminuição da inteligência, percepção visual empobrecida e dificuldade de concentração (Marcus et al., 2010; Olympio, Gonçalves, Gunther, & Bechara, 2009). Portanto, a plumbemia é prejudicial ao desenvolvimento infantil, principalmente se aliada a outras variáveis ambientais e sociais, como a situação socioeconômica precária e a qualidade da estimulação oferecida pelos pais e pela escola (Dascanio, Valle, & Rodrigues, 2010).
Especificamente, crianças em condições de risco, como situação socioeconômica precária, abandono parental, monoparentalidade, abuso de drogas, exposição a agentes tóxicos, entre outros, podem ter seu desenvolvimento social e cognitivo comprometido se as práticas familiares não estabelecerem condições favoráveis (Dascanio et al., 2010; Leme, Del Prette, & Coimbra, 2013; Melchiori et al., 2010; Sabbag & Bolsoni-Silva, 2011). As pesquisadoras Dascanio e Valle (2007) apontaram que, como a contaminação por chumbo está relacionada a alterações comportamentais, há possibilidade de essas alterações influenciarem a forma de interação entre pais e filhos. Diante disso, ressaltaram a importância de desenvolver estudos no sentido de compreender os efeitos do chumbo no comportamento infantil e seu impacto no relacionamento familiar.
Cabe destacar o estudo de Melchiori et al. (2010) que objetivou avaliar a percepção sobre a contaminação e as implicações para o desenvolvimento infantil de crianças e adolescentes contaminados por chumbo, bem como dos adultos responsáveis por eles. Para isso, investigou 50 crianças e adolescentes na faixa de quatro a 13 anos, bem como 50 genitores, que relataram mais problemas de conduta nos filhos com plumbemia, além de alteração na rotina familiar, aumento das proibições e maior preocupação parental com higiene. A postura dos pais estava compatível com a repercussão do caso na época da contaminação, em 2002, quando os moradores de um bairro residencial de uma cidade do interior do estado de São Paulo foram orientados a sacrificar galinhas, a não consumir verduras rasteiras, ovos e leite e a não deixar as crianças andarem descalças e brincarem na rua, devido à contaminação por chumbo provocada pela exposição de resíduos tóxicos liberados por uma fábrica de baterias (Dascanio, 2012).
Ribeiro (2007) investigou, junto a crianças de três a cinco anos contaminadas por chumbo no sangue, o efeito de duas intervenções domiciliares diferentes: (a) uma em que as mães foram treinadas individualmente a lidar com os comportamentos deficitários de seus filhos (avaliados pelo Inventário Portage Operacionalizado); (b) outra em que as crianças recebiam um brinquedo novo semanalmente e eram ensinadas a utilizá-lo. Os dados indicaram que o maior ganho de novos comportamentos ocorreu no grupo em que as mães foram treinadas a estimular os comportamentos deficitários dos filhos. Esses estudos ilustram a importância das estratégias e práticas educativas utilizadas pelos pais no enriquecimento e rearranjo ambiental que, no caso da criança contaminada, podem contribuir para um desenvolvimento menos problemático.
Apesar de os estudos científicos a respeito da toxicologia do chumbo serem desenvolvidos há mais de um século, ainda são insuficientes as informações sobre os efeitos da contaminação no desenvolvimento das crianças e adolescentes (Bellinger, Stilles, & Needleman, 1992; Dascanio et al., 2015). Desde a década de 1980, Smith (1985) chama a atenção dos pesquisadores para o papel dos fatores sociais, que no seu entender, as pesquisas da época não controlavam adequadamente. Esse autor, após vários estudos epidemiológicos realizados desde 1979, concluiu que a maioria dos danos ocasionados pelo chumbo tinha outras variáveis interferindo, como as condições ambientais decorrentes da pobreza e a falta de estímulos oferecidos pelos pais.
As estratégias educativas dos pais para promover o desenvolvimento psicossocial dos filhos são abordadas pela literatura, desde a década de 1960, por meio de dois enfoques teóricos: alguns autores enfatizam as práticas parentais (Hoffman, 1994) enquanto outros focalizam os estilos parentais (Baumrind, 1971; Darling & Steinberg, 1993; Gomide, 2003; Maccoby & Martin, 1983). Embora não sejam conceitos incompatíveis entre si, quando se considera que todos, de forma geral, procuram investigar aspectos das interações pais e filhos, eles contemplam especificidades distintas (Pacheco, Silveira, & Schneider, 2008).
As estratégias utilizadas pelos pais para orientar o comportamento dos filhos em situações cotidianas específicas de interação recebem o nome de práticas educativas parentais (Hoffmam, 1994; Pacheco et al., 2008). Conforme Gomide (2011), as práticas educativas podem ser entendidas como padrões relativamente estáveis de comportamentos ou procedimentos que os pais utilizam na relação com os filhos, como, por exemplo, as de suporte (demonstrar interesse pelas atividades dos filhos, expressão de afeto e fornecimento de ajuda); de disciplina indutiva (dirigir a atenção da criança para as consequências de seu comportamento e para os sentimentos das outras pessoas) e de disciplina coercitiva (uso da autoridade ou de consequências aversivas para obter obediência), entre outras.
Já o termo estilo parental refere-se ao padrão global de características da interação dos pais com os filhos em diversas situações, que geram um clima emocional, caracterizando a forma como os pais lidam com as questões de poder e hierarquia na relação com os filhos, e as posições que adotam frente aos problemas disciplinares, ao controle do comportamento e à tomada de decisões (Darling & Steinberg, 1993). A expressão do comportamento parental pode apresentar afetividade, responsividade e autoridade.
A primazia dos estudos sobre parentalidade envolveu a distinção entre as práticas positivas, que favorecem o desenvolvimento de competências, e as negativas, que podem levar a problemas de comportamento. Baumrind (1971) iniciou os estudos nessa área propondo e definindo três estilos parentais: autoritativo, autoritário e permissivo. Na década de 1980, Maccoby e Martin (1983) reorganizaram a classificação dos estilos parentais de Baumrind, desmembrando o estilo permissivo em indulgente e negligente, a partir da combinação entre os diferentes níveis das dimensões: exigência e responsividade. Outra perspectiva sobre as práticas educativas parentais foi oferecida por Hoffman (1994), que dividiu as práticas parentais em indutivas e coercitivas. A distinção entre práticas favoráveis e desfavoráveis ao desenvolvimento também é reconhecida por Gomide (2011), que reúne a monitoria positiva e o comportamento moral entre as práticas educativas positivas e a negligência, a punição inconsistente, a monitoria negativa, a disciplina relaxada e o abuso físico e psicológico, entre as práticas educativas negativas.
Com base nessas classificações iniciais, algumas pesquisas passaram a investigar como cada estilo parental e/ ou a combinação entre eles pode repercutir nas relações entre pais e filhos, bem como influenciar o surgimento e/ou a manutenção dos problemas de comportamento em crianças e adolescentes (Marturano, Elias, & Leme, 2012). Diversos estudos têm indicado que as práticas parentais positivas e o estilo parental autoritativo (no inglês authoritative) têm uma influência positiva sobre o desenvolvimento de crianças e de adolescentes, em especial no desenvolvimento da competência social, no repertório de habilidades sociais, na autoestima e na independência (Baumrind, 1971; Sabbag & Bolsoni-Silva 2011; Sapienza, Aznar-Farias, & Silvares, 2009). Inversamente, os estilos parentais autoritários e as práticas parentais tidas como coercitivas, permissivas e inconsistentes estariam associadas a dificuldades comportamentais, problemas socioemocionais e baixo rendimento acadêmico das crianças (Bolsoni-Silva & Loureiro, 2011; Hildyard & Wolfe, 2002).
O tema das práticas educativas parentais tem sido objeto de diversos estudos, tanto na literatura estrangeira (Klahr, McGue,Iacomo, & Burt, 2011; Meesters & Muris, 2004), como na nacional (Bolsoni-Silva & Marturano, 2002; Bolsoni-Silva & Loureiro, 2011; Dascanio et al., 2010; Leme et al., 2013; Pacheco et al., 2008). No Brasil, o Inventário de Estilos Parentais IEP (Gomide, 2011) é o primeiro instrumento psicológico que visa a avaliar as práticas educativas parentais de crianças e adolescentes em situação de risco. A autora classificou como participantes em situação de risco aqueles oriundos de instituições que abrigam adolescentes de rua, usuários de álcool e drogas, infratores e vítimas de abuso sexual. Por isso, esse instrumento poderia ser adequado ao estudo de outras condições de risco ao desenvolvimento, incluindo a intoxicação infantil por chumbo, objeto do presente estudo.
Em resumo, pode-se concluir que as práticas educativas dos pais de crianças e adolescentes intoxicados por chumbo são variáveis importantes a serem investigadas, considerando-se o papel de mediador das relações do filho com o meio. Assim, ao lado dos comprometimentos que possam ser associados à plumbemia, os pais podem planejar e colocar em prática condições que favoreçam ou dificultem ainda mais o desenvolvimento dos filhos.
Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi avaliar as práticas educativas das mães de crianças com diferentes níveis de plumbemia, tanto na perspectiva das mães quanto na dos filhos, bem como correlacionar as práticas educativas maternas com os problemas de comportamento dos filhos, tal como avaliados pelos professores, de forma a ter diferentes informantes, em diferentes contextos, na avaliação do comportamento de crianças.
Considerando a revisão de literatura que associa plumbemia, bem como práticas parentais coercitivas e/ ou negativas, a problemas de comportamento, pode-se supor que as duas condições, quando presentes na mesma família, estariam relacionadas a mais problemas de comportamento nesse grupo, em comparação a grupos expostos somente às práticas parentais coercitivas ou à contaminação por chumbo. Pode-se supor, também, que crianças expostas ao chumbo, mas em famílias com práticas parentais positivas, teriam menos problemas de comportamento em comparação às crianças também expostas, mas em famílias sem esse perfil.
Método
Participantes
A amostra foi composta por 155 crianças e adolescentes, residentes na periferia de duas cidades do interior do estado de São Paulo, com nível socioeconômico predominantemente baixo, classe C, segundo avaliação pelo Critério Brasil do IBGE, (ABEP, 2010). A idade dos participantes variava de 8 a 17 anos, com idade média de 13 anos (DP=2,36), sendo 79 (51%) meninas e 76 (49%) meninos. Os participantes estavam matriculados no ensino fundamental e médio (escolaridade média de 7 anos, DP=2,42) de escolas públicas. Participaram, ainda, como informantes, as mães (N=102) e os professores (N=15) das crianças e adolescentes.
Dos 155 participantes, 50 apresentavam nível de chumbo no sangue acima de 10µg/dl (portanto, acima do valor máximo permitido pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 1992), com média de 14µg/dl (DP=3,54); denominado de grupo alta plumbemia (GAP); 55 apresentavam nível inferior a 5µg/dl (nível considerado não tóxico pela WHO), grupo baixa plumbemia (GBP) e 50 não realizaram o exame de plumbemia, sendo considerados como representativos da população em geral e, portanto, não intoxicados, denominado de grupo de comparação (GC).
Os 105 participantes com histórico de exposição ao chumbo residiam na mesma cidade, no interior do estado de São Paulo, com aproximadamente 340 mil habitantes e foram expostos à contaminação ambiental por chumbo a partir da emissão de resíduos tóxicos pelas chaminés de uma fábrica de baterias. O diagnóstico da intoxicação desses participantes ocorreu no ano de 2002, embora a fábrica atuasse na região desde 1958. O nível de plumbemia desses participantes foi avaliado por profissionais de saúde em exames laboratoriais do Instituto Adolfo Lutz (São Paulo/Brasil) a partir da técnica de espectrometria de absorção atômica, por forno de grafite, com corretor Zeeman, modelo SIMAA 6000 Perkin Elmer.
Já os participantes do grupo de comparação residiam em outra cidade, também no interior do mesmo estado, e não possuíam histórico de exposição ao metal, como residir próximo a tráfego urbano ou a indústrias de baterias, porém não houve a realização de exames laboratoriais nesses participantes. Esse grupo foi tomado como representativo da população geral, em relação à ausência de chumbo no sangue.
A Tabela 1 apresenta a distribuição dos participantes em cada grupo, considerando a idade, série escolar, nível socioeconômico e tempo de residência na região contaminada por chumbo.
A comparação entre os grupos em relação a essas variáveis foi obtida por meio de análises estatísticas inferenciais, procurando evitar diferenças estaticamente significativas (p<0,05), de forma que os grupos fossem equivalentes. A equivalência entre os grupos foi confirmada em relação ao sexo (χ2=0,058, p<0,81); idade (F=0,28, p<0,973), série escolar (F=0,317, p<0,729) e nível socioeconômico (F=2,25, p<0,11). Nos dois grupos de participantes que viviam em um ambiente contaminado por chumbo, o tempo de residência era muito similar e para muitos foi seu único local de moradia, desde o nascimento.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da UNESPBauru (Processo nº 2651/46/01/09) em 18/12/2009. Todos os requisitos da Resolução nº. 196, de 10 de outubro de 1996 que regulamenta a pesquisa com seres humanos foram atendidos neste estudo.
Instrumentos
Inventário de Estilos Parentais (IEP).
O IEP foi publicado por Gomide (2011), a partir de cinco pesquisas de validação do instrumento. Compõese de 42 itens que são respondidos em uma escala de três pontos de acordo com a frequência estimada de ocorrência (nunca, às vezes, sempre). A estrutura fatorial do IEP agrupa os itens em sete escalas de práticas educativas, cada uma delas com seis itens: duas caracterizadas como positivas, promotoras de comportamentos pró-sociais (monitoria positiva e comportamento moral) e cinco caracterizadas como negativas, por comprometerem o desenvolvimento saudável e aumentarem a probabilidade de comportamento antissocial (negligência, abuso físico, disciplina relaxada, punição inconsistente e monitoria negativa). O IEP pode ser respondido pelos pais sobre as práticas educativas adotadas em relação ao filho e pelos filhos sobre as práticas educativas utilizadas por seus pais. As questões são basicamente as mesmas e adaptadas ao tipo de respondente. A estrutura fatorial original do IEP apresenta propriedades psicométricas adequadas, porém, ao ser testado com a presente amostra, a consistência interna necessária somente foi obtida com uma versão reduzida do instrumento (Dascanio, 2012), com estrutura fatorial similar, mas somente com 31 itens, sendo essa versão reduzida a ser utilizada neste estudo. Na versão para mães, os itens foram distribuídos nas seguintes subescalas: Negligente (α=0,86; itens: 5, 6, 10, 11, 18, 24, 25, 31, 32, 34, 36, 37 e 39); Coercitiva (α=0,74; itens:3, 7, 13, 14, 27, 28, 35, 42) e Indutiva (α=0,75; itens: 1, 8, 9,15 20, 21, 22, 23, 29, 41). Na versão para filhos, foram obtidas as subescalas: Indutiva (α=0,76; itens: 2, 8, 9, 15, 16, 22, 23, 29, 36, 37, 41); Coercitiva (α=0,75; itens: 3, 6, 14, 21, 24, 27, 28, 31, 32, 38 e 39) e Inconsistente (α=0,66; itens: 10, 11, 12, 13, 17, 18, 19, 20, 33).
Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais (SSRS-BR).
Trata-se de um instrumento de relato de habilidades sociais, comportamentos problemáticos e competência acadêmica, produzido por Gresham e Elliott (1990), com tradução e validação semântica para o português (Bandeira, Del Prette, Del Prette, & Magalhães, 2009). Nesse estudo, foi utilizada apenas a versão para professor quanto à avaliação de problemas de comportamento. O instrumento apresentou consistência interna satisfatória para este estudo: na escala de problemas de comportamento total, o valor de alfa foi de 0,93; para problemas de comportamento externalizante, alfa = 0,94 e internalizante, alfa = 0,87.
A escolha do professor como informante do repertório social se deve à importância de incluir diferentes informantes, em diferentes contextos, na avaliação do comportamento de crianças (Del Prette & Del Prette, 2009) e, também, porque as mães tendem a perceber menos problemas de comportamento em seus filhos do que os professores (Bolsoni-Silva, Marturano, Pereira, & Manfrinato, 2006).
Procedimentos
Coleta de dados.
A aplicação do IEP junto às crianças e os adolescentes foi realizada nas escolas, com autorização prévia da direção e dos pais, e ocorreu de forma individual, em sala cedida pela direção. O professor que respondeu ao instrumento SSRS-BR sobre cada participante foi indicado pela direção da escola. A pesquisadora solicitou à direção que indicasse aquele professor cujo contato diário com o participante facilitasse responder ao instrumento.
A assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o preenchimento dos itens do Critério Brasil (para avaliação socioeconômica) e do IEP, versão pais, foram realizados pelas mães na residência. Tanto para as mães como para os estudantes, o IEP foi aplicado em forma de entrevista de modo a garantir a compreensão pelos participantes.
Análise de Dados.
As respostas aos instrumentos foram inseridas em planilha do programa PASW-18 for Windows. Procedeuse então, nesse programa, às análises estatísticas pertinentes.
Com base na versão reduzida do IEP, específica para essa amostra, foi feita a comparação entre os grupos (grupo alta plumbemia vs. grupo baixa plumbemia vs. grupo comparação) em relação às práticas educativas parentais, por meio da Análise Multivariada de Variância (MANOVA), precedida pela confirmação dos seus pressupostos. Para garantir a robustez da observação, foram realizadas análises de simetria (1,96 desvios padrões) e recorreu-se à medida mais conservadora (critério de Pillai) para considerar significativos os efeitos principais ou de interação (Marôco, 2010). Sempre que os efeitos significativos foram verificados, realizou-se, subsequentemente, o teste post hoc de Bonferroni para as variáveis dependentes em questão. Em seguida, foram realizadas as correlações, por meio do teste de Spearman, entre as variáveis do IEP e as do SSRS-BR, referentes a problemas de comportamento externalizante e internalizante.
Resultados
Inicialmente, apresentam-se os resultados da comparação (MANOVA) entre os grupos: alta plumbemia vs. baixa plumbemia vs. comparação, para as práticas educativas e os problemas de comportamento (Tabela 2). Em seguida, são apresentadas as correlações entre as práticas educativas e os problemas de comportamento.
A comparação revelou diferença entre os grupos em todas as práticas quando o respondente foi a mãe: prática indutiva F=6,00; p<0,01; ?p 2=0,073; r = 0,88), prática negligente F=15,98; p<0,01; ?p 2=0,174; r=0,99, e prática coercitiva F=34,36; p<0,01; ?p 2=0,311; r=1,00. Em relação à prática positiva indutiva, o GBP apresentou escore mais alto que os grupos GAP e GC. Em relação às práticas negativas, o escore em negligente foi maior para GBP e não diferenciou GC e GAP; na prática coercitiva ocorreu o contrário, com GBP menor que GAP e GC, que também não se diferenciaram entre si. Quando as práticas foram avaliadas pelos filhos, houve diferença apenas para a prática negativa inconsistente F = 11,17; p<0,01; ?p 2=0,128; r=0,99, com piores resultados para o GAP do que para os outros dois grupos (GC e GBP), que não apresentaram diferença entre si.
Observou-se, também, uma diferença significativa entre os três grupos para as variáveis: problemas de comportamento externalizante F=16,34; p<0,01; ?p 2=0,177; r=1,00, internalizante F=18,45; p<0,01; ?p 2=0,195; r=1,00 e total F=24,11; p<0,01; ?p 2=0,241; r=1,00. As análises post-hoc revelaram que os participantes do GAP e do GBP apresentaram mais problemas de comportamento total, externalizante e internalizante que os participantes do GC.
Para detalhar a associação entre práticas educativas maternas e problemas de comportamento, procedeu-se também a correlação entre as práticas educativas e os problemas de comportamento. Os resultados são apresentados na Tabela 3.
Observou-se correlação positiva significativa apenas entre a prática educativa inconsistente, versão filho, e problemas de comportamento externalizante (p=0,032), internalizante (p=0,031) e total (p=0,023), sugerindo que, quanto maior a utilização de estratégias parentais inconsistentes, maior a probabilidade de emissão de problemas de comportamento pelos filhos. Não foram encontradas correlações entre as práticas educativas avaliadas pelas mães e os problemas de comportamento.
Discussão
Neste estudo, a comparação entre práticas parentais de famílias com filhos apresentando diferentes níveis de plumbemia permitiu detectar diferenças entre as práticas educativas parentais utilizadas, sugerindo uma associação entre as práticas educativas adotadas pelas mães e as condições de contaminação por chumbo dos filhos (Dascanio et al., 2010), ainda que nem sempre na direção suposta. Os dados não permitiram apontar uma relação linear entre o grau de plumbemia e o continuum positivo-negativo das práticas parentais, mas levam à reflexão sobre a quantidade de variáveis, como o nível de escolaridade dos pais, a qualidade da estimulação, da supervisão fornecida aos filhos e o nível socioeconômico, que podem alterar essa relação, quando se consideram as condições específicas vivenciadas pelas crianças contaminadas por chumbo na presente amostra.
Iniciando-se pelos resultados das práticas parentais, avaliadas pelas mães, pode identificar que, no caso da prática parental positiva indutiva (que se baseia em explicações, negociações, expressão de sentimentos positivos e estabelecimento de limites com consistência), as mães do grupo baixa plumbemia relataram utilizar mais que as mães das crianças do grupo de comparação, não diferindo estatisticamente do grupo de crianças com alta plumbemia. Com relação às práticas negativas, as mães das crianças com alta plumbemia apresentaram escores similares aos do grupo de comparação, ambos indicativos de menos negligência e mais coerção que as do grupo de baixa plumbemia.
Esse resultado enseja a discussão de que à medida que as mães controlavam mais os comportamentos dos filhos, de forma a evitar que entrassem em contato com ambientes contaminados, é possível que tal controle fosse percebido por elas como coercitivo. Essa hipótese se apoia no estudo de Melchiori et al. (2010), feito com parte da amostra deste estudo, sobre a percepção das crianças contaminadas e de seus genitores sobre a plumbemia, no qual foi encontrada uma associação entre a intoxicação e a percepção da doença. Essa percepção pode estar associada a alguma ambivalência nas práticas educativas: ao mesmo tempo em que punem, buscando controlar mais o comportamento do filho, também dispensam mais atenção e cuidado, por considerar que estão doentes. Outra questão é buscar entender, pelo menos nessa amostra específica, o que poderia ter levado as mães das crianças com baixa plumbemia, a apresentarem mais práticas educativas indutivas e menos coerção, ainda que com mais negligência que os dois outros grupos?
Considerando esses resultados aparentemente díspares, uma explicação possível remete às condições sociais precárias a que estiveram expostas as crianças intoxicadas. Quanto aos dados positivos (menos práticas coercitivas e mais práticas indutivas), é possível que as mães das crianças dos dois grupos com plumbemia tenham sido afetadas, de algum modo, pelas políticas de assistência social, implementadas pelos órgãos de saúde local à época da contaminação. Lembrando que, no ano de 2002, quando ocorreu a descoberta da contaminação por chumbo na região, a Secretária Municipal da Saúde em parceria com universidades realizou a assistência psicossocial às crianças contaminadas (Dascanio, 2012). Mesmo que não diretamente alvo dessas políticas, as mães de crianças com baixa plumbemia podem ter assimilado, de algum modo, os padrões que estavam sendo disseminados para os pais de crianças com alta plumbemia. Assim, mesmo tendo filhos com menos problemas de comportamento do que aqueles afetados pelo chumbo, tais orientações podem ter levado essas mães a adotarem estratégias educativas mais positivas com seus filhos. Adicionalmente, essas mães tinham, como comparação mais imediata, as crianças com alta plumbemia, o que poderia gerar algum alívio, suficiente para práticas mais relaxadas ou negligentes, já que seus filhos estariam, teoricamente, menos afetados pela plumbemia. Acredita-se que esse resultado deve ser avaliado com bastante cautela, pois os grupos alta e baixa plumbemia residiam na mesma região e estavam vivendo sob contingências semelhantes, diferente do grupo de comparação que não tinha o histórico de contaminação para permear a sua rotina.
Vale destacar que as perguntas que envolvem a prática parental negligente referem-se a: Meu trabalho atrapalha a atenção que dou ao meu filho (Questão 4); Deixo o meu filho sozinho em casa a maior parte do tempo (Questão 18); Meu filho sente que não dou atenção a ele (Questão 25), entre outras. Há que se considerar ainda que, no período da descoberta da contaminação por chumbo na região, muitas mães de filhos contaminados pelo metal deixaram seus vínculos empregatícios para cuidar das crianças, visto que estas careciam de maior supervisão. Na época, a mídia divulgava com frequência que as crianças não poderiam brincar na rua ou andar descalças, pois o bairro não possuía asfalto, nem beber o leite ou verdura cultivados na região, pois havia o risco de contaminação (Dascanio, 2012). Uma hipótese é que as mães das crianças de baixa plumbemia poderiam ter se avaliado, em comparação ao maior volume de cuidados requeridos das mães das crianças com alta plumbemia, como mais negligentes.
Ao comparar os problemas de comportamento com os diferentes níveis de plumbemia, os dados mostraram que os participantes do grupo sem plumbemia apresentavam, tal como esperado, menos problemas de comportamento que os com alta e baixa plumbemia (Chandramouli et al., 2009; Marcus et al., 2010). No entanto, os pais dessas crianças relataram utilizar estratégias coercitivas no mesmo nível que os pais de crianças com alta plumbemia, sugerindo que, nesse caso, a variável plumbemia pode ter forte relação com os problemas de comportamento apresentados. Outro aspecto é que as práticas negativas apresentadas estejam relacionadas a uma valorização cultural da coerção como recurso eficaz para conseguir a obediência dos filhos (Vasconcelos & Souza, 2006). Segundo alguns autores (Sabbag & Bolsoni-Silva 2011; Vasconcelos & Souza, 2006), os pais usualmente apresentam dificuldades em estabelecer limites aos filhos, recorrendo muitas vezes às práticas educativas negativas, que são utilizadas por vários motivos, dentre eles porque suprime imediatamente os comportamentos-problema dos filhos. Todavia, as práticas educativas parentais negativas podem gerar contracontrole, ressentimento e mágoa nos filhos; além de não ensinarem qual o comportamento mais desejado, apenas punem o comportamento inadequado das crianças, oferecendo ainda modelos de agressividade (Sabbag & Bolsoni-Silva 2011; Vasconcelos & Souza, 2006). Destarte, como as práticas coercitivas têm relação com problemas de comportamento nos filhos (Bolsoni-Silva & Marturano, 2008; Hildyard & Wolfe, 2002), as crianças com alta plumbemia sob práticas educativas coercitivas estariam, portanto, em duplo risco de problemas de comportamento.
Outro dado esperado e encontrado, referente às práticas negativas, foi a inconsistência parental (considerando o filho como avaliador) ter se relacionado positivamente com problemas de comportamento, confirmando a literatura da área (Carvalho & Gomide, 2005; Bolsoni- Silva & Marturano, 2008). Esse modo de agir dos pais, que prima pela inconstância nas consequências, ora punindo, ora ignorando, ora até aplaudindo um comportamento em função do seu estado emocional, permite que o filho aprenda a discriminar o humor dos pais e não a adequação do comportamento (Gomide, 2003), favorecendo a ocorrência de problemas de comportamento.
Nesse estudo, observou-se diferença entre a avaliação feita pelos filhos e pelas mães. Quando o filho foi o avaliador das práticas educativas, observou-se diferença entre os grupos apenas para a prática inconsistente com escores mais altos para o grupo de alta plumbemia, o que é coerente com a noção de que essas crianças trazem mais desafios para os seus pais.
Em resumo, os dados desse estudo, de natureza correlacional, não autorizam estabelecer uma relação direcional entre plumbemia e práticas parentais, mas impõem reconhecer os múltiplos fatores (nível socioeconômico e estimulação fornecida pela família e escolas) que podem ter mediado a qualidade da relação pais-filhos com diferentes níveis de plumbemia.
Contudo, é importante destacar algumas de suas limitações, entre elas o instrumento e o tipo de informação dele resultante: por basear-se em relato dos participantes e não na observação direta dos comportamentos de pais e filhos, os dados dependem da capacidade destes para discriminar comportamentos que apresentam na relação familiar e são mais suscetíveis à influência da desejabilidade social. Esses aspectos podem ser razoavelmente controlados por meio de avaliações cruzadas, como no presente estudo, em que mães e filhos avaliaram as práticas educativas.
Outro aspecto é que o professor foi o avaliador dos problemas de comportamento de crianças e adolescentes e, considerando que os professores do ensino médio têm um tempo de convívio menor e, portanto, de observação do comportamento desses alunos, sua avaliação pode ter sido prejudicada. Ainda, que no presente estudo o número de participantes crianças e adolescentes foram similares, estudos futuros poderiam realizar a autoavaliação dos problemas de comportamentos, bem como pelos pais.
Em relação ao nível de intoxicação por chumbo, não foi realizado o exame de plumbemia no grupo de comparação para confirmar a ausência da contaminação. Entende-se que estudos futuros devem garantir essa condição, aumentando o rigor metodológico das análises.
É importante destacar a contribuição metodológica deste estudo com a utilização de diferentes grupos de plumbemia e um grupo de comparação representativo da população em geral, bem como, o controle de variáveis que poderiam ser responsáveis pela diferença entre os grupos como: condição social; idade, sexo e escolaridade, fato que torna os grupos equivalentes aumentando a confiabilidade dos resultados obtidos, como sugere Smith (1985).
O fato de obter resultados contrários à literatura, também enseja questões que podem ser objeto de novos estudos. Ademais, o alerta aos pesquisadores quanto ao cuidado metodológico que deverá ser adotado em estudos como este. Em particular, pode-se destacar a importância de investigar variáveis mediadoras ou moderadoras para a relação entre práticas parentais e plumbemia. De todo modo, espera-se que esses resultados apontem indicadores relevantes para se pensar em estratégias de proteção, visando minimizar o impacto de situações de riscos ambientais em ocasiões semelhantes e ampliar as estratégias governamentais na área da saúde pública.
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recebido em outubro de 2015
reformulado em fevereiro de 2016
aprovado em março de 2016
Sobre os autores
Denise Dascanio: é doutora em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos, docente da Universidade Paulista de Bauru e faz parte do grupo de pesquisa Relacionamento Interpessoal e Habilidades Sociais.
Anne Marie G. V. Fontaine: é doutora em Psicologia, professora catedrática da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da U. do Porto (Portugal), membro do Centro de Psicologia da U. do Porto, no qual coordena a linha Cultura, Normatividade e Diversidade. É atualmente coordenadora do projecto Europeu Intergenerational Family Solidarity across Europe.
Edna Maria Marturano: é doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professora sênior da Universidade de São Paulo, na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e pesquisadora 1-A do CNPq.
Zilda A. P. Del Prette: é doutora em Psicologia, com pós-doutorado no exterior em Habilidades Sociais, professora titular sênior, vinculada ao Departamento de Psicologia e ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSCar, bolsista de produtividade em Pesquisa do CNPq (Pq-1A) e coordenadora do Grupo Relações Interpessoais e Habilidades Sociais.
1Este estudo é parte da pesquisa de doutorado da primeira autora, sob orientação da última e contou com a colaboração dos demais autores em diferentes etapas. Os autores agradecem o apoio financeiro da CAPES (Processo 0153-7/11) por meio de bolsa de doutorado sanduíche no exterior à primeira autora, sob co-orientação da segunda.
2Endereço para correspondência: Rua Sebastião Pregnolato, 6-70, apto 14C, Jd. Auri Verde, 17047-145, Bauru-SP. Tel.: (19) 99228-3019 / (14) 3208-3927. E-mail: denisedascanio@yahoo.com.br