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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.15 no.spe Itatiba ago. 2016

 

 

Avaliação da personalidade no contexto do trânsito: revisão de literatura

 

Personality assessment in traffic psychology: A literature review

 

Evaluación de la personalidad en el contexto del tránsito: revisión de la literatura

 

 

Jocemara Ferreira Mognon1, I; Fabián Javier Marín RuedaII

ICentro Universitário Unibrasil
IIUniversidade São Francisco

 

 


RESUMO

O objetivo do estudo foi analisar as publicações sobre a avaliação da personalidade em motoristas na base de dados Periódicos CAPES, no período de 2000 a 2015, por meio dos descritores personality and traffic or traffic accidents or traffic violations. Foram encontrados 141 artigos, dos quais 108 artigos não se enquadravam nos critérios de inclusão ou estavam repetidos nos descritores. Com isso, 33 artigos foram analisados e os resultados indicaram que diversos traços de personalidade, dentre eles a extroversão, busca por emoção, agressividade, hostilidade, ausência de normas, impulsividade, raiva, estresse e tendência em assumir riscos, relacionaram-se com infrações, violações e comportamentos de risco no trânsito. Discute-se a necessidade da realização de estudos nacionais que aprofundem a temática e permitam, de fato, endossar a necessidade de avaliação obrigatória do construto personalidade no processo de obtenção e renovação da Carteira Nacional de Habilitação.

Palavras-chave: psicologia do trânsito, avaliação psicológica, personalidade.


ABSTRACT

The present study reviewed publications on driver personality assessments published between 2000-2015, using the descriptors “personality and traffic” or “traffic accidents” or “traffic violations” in the CAPES database. Searches yielded 141 matches, of which 108 did not meet the established inclusion criteria or were duplicates. The remaining 33 studies were inspected. Overall results revealed that several personality traits correlated positively to traffic violations and unsafe driving, including extraversion, sensation-seeking, aggressiveness, hostility, non-conformity, impulsivity, anger, stress and risk-proneness. Further research on the role of personality in traffic psychology is encouraged, and the findings are discussed in light of the implications of adopting mandatory personality assessment as a standard procedure in obtaining or renewing driver licenses in Brazil.

Keywords: traffic psychology, psychological assessment, personality.


RESUMEN

El objetivo del estudio fue analizar las publicaciones sobre la evaluación de la personalidad de conductores en la base de datos Periódicos CAPES, en el período comprendido de 2000 a 2015, por medio de los descriptores personality and traffic or traffic accidents or traffic violations. Fueron encontrados 141 artículos, de los cuales 108 no se ajustaban a los criterios de inclusión o se repetían en los descriptores. De esa forma, 33 artículos fueron analizados y los resultados indicaron que diversos rasgos de personalidad, como extraversión, búsqueda de emociones, agresividad, hostilidad, ausencia de normas, impulsividad, rabia, estrés y tendencia para asumir riesgos, se relacionaron con multas, infracciones y comportamientos de riesgo en el tránsito. Se discute la necesidad de realizar estudios nacionales que profundicen la temática y de hecho permitan respaldar la necesidad de evaluación obligatoria del constructo personalidad, en el proceso para la obtención y renovación de la libreta de chofer en Brasil.

Palabras-clave: psicología del tránsito, evaluación psicológica, personalidad.


 

 

Diante de sua importância para explicar os comportamentos das pessoas, a personalidade é definida como padrões de comportamento e atitudes peculiares de um determinado indivíduo (Allport, 1973), a qual tem sido estudada nos mais diversos contextos. Especificamente no contexto do trânsito, o interesse envolve definir quais traços de personalidade poderiam estar relacionados ou predizer às condutas de risco. No Brasil, a avaliação da personalidade começou oficialmente em 1953, quando o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) tornou obrigatório o chamado “exame psicotécnico” a todos os motoristas profissionais (Vieira, Pereira, & Carvalho, 1953) e, em 1962, aos candidatos à Carteira Nacional de Habilitação – CNH. Na resolução atual, a de nº 425/2012, continua sendo determinando que a personalidade seja um dos processos psíquicos a serem aferidos na avaliação psicológica pericial.

Apesar de a resolução destacar a importância da personalidade para o comportamento do condutor, poucos têm sido os estudos realizados no Brasil que analisam o papel dos traços de personalidade no envolvimento de comportamentos de risco, infrações e acidentes de trânsito (Silva & Alchieri, 2007). Os autores realizaram uma revisão da literatura sobre a temática entre anos 1956 a 2006 e encontraram apenas 15 artigos publicados. Segundo eles, os resultados dos estudos são restritos quanto à possibilidade de generalizações e não justificam empiricamente a necessidade de continuar sendo aferida na avaliação psicológica pericial.

A partir do ano de 2006, é possível verificar que ainda poucos estudos foram publicados no Brasil com foco nesse construto na avaliação no trânsito. No estudo de Bartholomeu (2008) foram investigados os traços de personalidade avaliados pelo Modelo dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade – Big Five, em 74 motoristas. Os resultados indicaram que os traços de extroversão e abertura foram os que apareceram mais relacionados com as condutas de risco elaboradas a partir das infrações do trânsito brasileiro. No estudo de Tawamoto e Capitão (2010), o objetivo foi comparar os indicadores de agressividade e irritabilidade de 50 motoristas infratores e 50 não infratores, no entanto, não foram encontradas diferenças significativas entre os dois grupos de motoristas.

Os traços de impulsividade e a busca por sensação foram analisados na pesquisa de Pasa (2013). Foram comparados 158 motoristas infratores e 181 considerados não infratores. Os resultados indicaram que os escores em impulsividade foram maiores nos motoristas infratores, contudo, não foram encontradas diferenças para a busca por sensação. Mognon e Santos (2014) também buscaram investigar a impulsividade, a autoeficácia para dirigir e o desengajamento moral em 500 motoristas em processo de renovação da CNH. No que se refere à impulsividade, os resultados indicaram que os motoristas que relataram maior dificuldade em manter o foco em uma determinada tarefa ou atividade por um tempo prolongado sem se dispersar, tiveram mais chances de ter envolvimento em infrações de trânsito.

Importante destacar que a escassez de estudos na área de Psicologia do trânsito no Brasil não se restringe ao construto ou a um período. Historicamente, desde a primeira revisão da literatura sobre a área, realizada por Spagnhol (1985), ficou evidenciado que mesmo após três décadas da obrigatoriedade dos exames psicológicos no Brasil, haviam sido publicados apenas seis artigos que discutiam as causas para envolvimento em acidentes de trânsito e a validade dos exames psicológicos.

Nas revisões realizadas sobre as produções científicas em base de dados como Redalyc, SciELO, PePSIC, Lilac e Pubmed sobre Psicologia do Trânsito nos últimos cinco anos (Cardoso, 2011; Fiori & Caneda, 2014; Oliveira et al., 2015; Sampaio & Nakano, 2011), foi evidenciada uma produção escassa, com diversas limitações, dentre elas, necessidade de amostras mais representativas compostas por um número maior de participantes e de diversas regiões do Brasil, bem como, avaliação de motoristas que possuem as mais diversas categorias da CNH. Outro dado importante que as revisões têm mostrado é que grande parte dos estudos se referem à busca por evidências de validade para os instrumentos psicológicos, no entanto, devido ao pequeno número de publicações ainda são necessários maiores investimentos na construção, adaptação, ou mesmo, busca de novas evidências de validade, principalmente, que possibilitem predizer comportamentos de risco no trânsito.

Nesse sentido, a falta de estudos que analisem a evidência de critério dos instrumentos tem sido uma crítica contundente que recaí sobre a Psicologia do Trânsito (Silva & Alchieri, 2007). No entanto, a questão sobre a preditividade dos instrumentos psicológicos não é algo somente discutido no Brasil. No âmbito internacional, essa problemática motivou o desenvolvimento do estudo de Clarke e Robertson (2005), no qual foi realizada uma meta-análise em 47 artigos da relação entre o envolvimento em acidentes e as dimensões de personalidade avaliadas pelo Big Five. Os resultados indicaram que baixos escores em realização e socialização, bem como altos escores em extroversão, foram preditores válidos e generalizáveis para o envolvimento em acidentes de trânsito.

Também analisando a produção científica internacional, Santos, Boff e Konflanz (2012) realizaram uma revisão com o intuito de verificar a ligação entre o envolvimento em infrações ou acidentes de trânsito e características de personalidade nos motoristas. Foi utilizada a base de dados eletrônica Scopus entre os anos de 2000 a 2011, e foram selecionados e analisados 13 artigos. Os resultados do levantamento indicaram que a busca por emoções, ausência de normas, raiva, agressividade, hostilidade, tendência de assumir riscos e sensibilidade à recompensa eram alguns dos traços de personalidade descritos nos estudos que poderiam influenciar indiretamente os comportamentos dos motoristas. Com isso, os autores concluíram que existem evidências científicas que justificam a necessidade de avaliação dos traços de personalidade nos motoristas.

Diante do apresentado e, especificamente, sobre o estudo de Santos et al. (2012), foi suscitado o interesse em analisar os traços de personalidade e comportamentos de risco no trânsito em uma base de dados maior, como o Periódicos CAPES, a fim de somar aos achados e possibilitar discussões sobre as lacunas na literatura científica. Diante disso, este estudo teve como objetivo realizar um levantamento da literatura sobre aspectos da personalidade de motoristas publicados entre os anos de 2000 a 2015.

 

Método

Foi realizado um levantamento de artigos científicos na base de dados eletrônica Periódicos CAPES, a qual oferece acesso a textos completos disponíveis de mais de 21 mil revistas nacionais e internacionais, e de 126 bases de dados com resumos de documentos em todas as áreas do conhecimento. Os critérios de inclusão utilizados foram os seguintes: (a) artigos completos; (b) estudos empíricos; (c) artigos que continham o termo exato “personality” no título e no assunto os descritores traffic OR traffic accidents OR traffic violations; (e) com determinação do ano de publicação de 01 de janeiro de 2000 a 30 de junho de 2015; (f) artigos que quando analisado a seção do método haviam utilizado instrumentos psicológicos para avaliar a personalidade.

Por sua vez, os critérios de exclusão foram: (a) estudos que fogem à temática personalidade de motoristas; (b) estudo de caso, intervenção, revisões da literatura, discussão sobre modelos teóricos; (c) estudos duplicados em outros ou no mesmo descritor (d) estudos que não possuíam a versão completa do artigo disponível na base de dados; (e) estudo em que a avaliação da personalidade não envolvia o uso de instrumentos psicológicos.

 

 

Inicialmente foi realizada a leitura do resumo dos 141 artigos, excluindo 84 do descritor traffic, 19 do descritor traffic accident e 5 do traffic violations. Os 108 artigos foram excluídos com base nos critérios estabelecidos, principalmente, por não se tratar da temática, e sim de outros assuntos, como traumatismo craniano, personalidade de crianças e adolescentes, intervenção, sensibilidade de ruído, transtornos de personalidade (borderline e depressão), violência doméstica, pontualidade, tráfego aéreo, pedestre, motivos para cessar o ato de dirigir, motivação, bem como por não ser artigo empírico, e sim de revisão da literatura, intervenção, estudo de caso e apresentação de modelos teóricos. Após a recuperação do artigo completo, a seção do método era analisada e, caso não tivesse sido utilizado instrumentos psicológicos na avaliação da personalidade, ele também era excluído.

Do total, 33 artigos foram analisados na íntegra, publicados entre 2000 e 2015. Os resultados foram organizados em dois grupos. No primeiro grupo, as publicações foram incorporadas por temática com base no modelo dos Cinco Grandes Fatores. Vale a ressalva que será utilizada neste estudo a nomenclatura usualmente usada no Brasil para o Modelo dos Cinco Grandes Fatores (Extroversão, Neuroticismo, Socialização, Realização e Abertura à experiência) apesar de se notar que internacionalmente alguns autores nomeiam os fatores de maneiras distintas (Hutz et al., 1998). Segundo os autores, o neuroticismo pode também ser chamado de estabilidade emocional e a faceta realização à abertura de conscienciosidade ou escrupulosidade. Por sua vez, a amabilidade pode ser designada de socialização ou agradabilidade. No segundo grupo, estão artigos que avaliaram outros aspectos da personalidade, como a impulsividade, busca por sensação, otimismo, raiva, lócus de controle e sensibilidade à recompensa/punição.

 

Resultados e Discussão

Modelo dos Cinco Grandes Fatores

Os objetivos dos estudos nesse grupo foram investigar a relação dos traços de personalidade e os comportamentos de risco no trânsito. Na Tabela 1, são apresentados os respectivos autores dos estudos, ano de publicação, país de origem da amostra, número de participantes, idade, tipo da amostra e os instrumentos utilizados para avaliar a personalidade.

 

 

Na Tabela 1, é possível verificar que, dos 33 artigos analisados, em 18 deles foram utilizados instrumentos para avaliação da personalidade baseados no Modelo dos Cinco Grandes Fatores. Segundo Hutz et al. (1998), esse modelo representa um avanço teórico e metodológico, descrevendo as características de personalidade de forma consistente e replicável. Dentre os resultados, O NEO-PI foi o instrumento mais utilizado nos estudos, aparecendo em oito publicações. Isso possivelmente se deva ao fato de ser um dos instrumentos de personalidade mais conhecidos atualmente. Verifica-se ainda na tabela que Herzberg (2009) utilizou em sua pesquisa o NEO-Five Factor Inventory (NEO-FFI) que é uma versão reduzida do NEO-PI. Também é possível observar, que em quatro publicações foi utilizado o International Personality Item Pool (IPIP), que é um instrumento de domínio público e foi desenvolvido exclusivamente para o desenvolvimento de pesquisas, já que o NEO-PI e o Big Five são instrumentos comercializáveis. Por sua vez, o Big Five Inventory (BFI), que é um instrumento de autorrelato mais breve, foi utilizado em apenas três estudos. Quanto à descrição dos achados de cada publicação, primeiro serão descritos os estudos em que as cinco facetas relacionaram-se com comportamentos de risco, posteriormente, os estudos que obtiveram resultados significativos para as demais facetas, extroversão, socialização e neuroticismo.

No estudo de Eensoo, Harro, Pullmann, Allik e Harro (2007), os autores verificaram que os motoristas com comportamentos mais arriscados no trânsito apresentaram maior impulsividade, bem como menores escores em abertura, socialização e realização. O mesmo objetivo teve Herzberg (2009) e a amostra estudada foi agrupada. Os motoristas caracterizados por baixos escores em neuroticismo e valores acima da média nos demais traços de personalidade apresentaram menor probabilidade em conduzir em estado de embriaguez e seguir com o sinal vermelho. Por sua vez, os motoristas que apresentaram escores acima das médias em neuroticismo e abertura, baixos escores em realização e socialização, mas com pontuações médias em extroversão, apresentaram diferença significativa com maior envolvimento em acidentes de trânsito, mais violações e maior frequência em dirigir embriagado.

No que se referem aos motoristas profissionais, os resultados do estudo de Seibokaite e Endriulaitiene (2010) indicaram que aqueles com níveis mais elevados de extroversão, socialização, realização e menores níveis de neuroticismo, foram menos propensos à condução arriscada. Assemelhando-se em parte, no estudo de Benfield et al. (2007), que a condução agressiva foi associada a altos escores em extroversão, baixos em socialização, realização e abertura. Os resultados da pesquisa de Harris et al. (2014) evidenciaram que as mulheres com maior pontuação em socialização, realização, abertura e neuroticismo foram mais propensas à direção segura. Ao contrário, aquelas com maiores escores em extroversão e agressividade, e menor em socialização e realização, pontuaram mais em condução agressiva. Nota-se nos estudos uma divergência nos resultados no que se referem, principalmente, à faceta extroversão.

A extroversão é uma das características de pessoas que buscam interação social, são comunicativas, ativas e assertivas. Em dois estudos encontrados no levantamento, os motoristas infratores e não infratores foram agrupados e foram encontradas diferenças para essa faceta. Renner e Anderle (2000) verificaram que o grupo de motoristas infratores apresentou diferenças significativas com maiores médias nas escalas de extroversão e busca por aventura. Igualmente, no estudo de Lev et al. (2008), os autores observaram um estilo cognitivo diferente nos motoristas infratores, com menor escore em tomada de decisão, mas com maior sensibilidade à recompensa e mais extrovertidos.

A qualidade das relações interpessoais do indivíduo e a sua relação com o trânsito também têm sido bastante abordada nos trabalhos. Os resultados do estudo de Dahlen, Edwards, Tubré, Zyphur e Warren (2012) indicaram que a direção agressiva se relaciona de maneira positiva com raiva e negativa com socialização, bem como prediz o desempenho na direção. Ademais, os cinco fatores de personalidade e a raiva explicaram 36% da conduta agressiva dos motoristas e 7% do desempenho na direção. A faceta socialização dos instrumentos baseados no Modelo dos Cinco Grandes Fatores agrupa traços, como o altruísmo, o qual tem sido um dos mais citados nos resultados das publicações. Por exemplo, Ulleberg (2001) agrupou os jovens motoristas em seis tipos, devido às diferenças de comportamentos de risco na direção, atitudes em relação à segurança, percepção de risco e envolvimento em acidentes de trânsito. Apenas dois grupos foram identificados como de alto risco para o trânsito. O primeiro foi formado por motoristas do sexo masculino, com baixos níveis de altruísmo e ansiedade, e altos níveis de busca de sensação, irresponsabilidade e agressividade. Por sua vez, os motoristas do segundo grupo relataram altos escores em busca de emoção, agressividade, ansiedade e raiva na direção.

Na pesquisa de Ulleberg e Rundmo (2003), também foi encontrado que o altruísmo, a ansiedade e as atitudes de segurança no trânsito predisseram positivamente a percepção de risco, enquanto que a busca por sensação, ausência de normas e agressividade apresentaram relação negativa com atitudes de segurança no trânsito. Além do mais, a percepção de risco em conjunto com as atitudes de segurança no trânsito, apareceram como mediadores negativos na explicação dos comportamentos de risco na direção.

Machin e Sankey (2008) verificaram que a variável excesso de velocidade apresentou relação positiva com percepção de risco, probabilidade de acidente, ausência de normas e raiva, e relação negativa com aversão para assumir risco e altruísmo. Além disso, os motoristas com maior probabilidade de envolvimento em acidentes foram os que apresentaram maiores escores em busca por sensação, e menor em altruísmo. Ao contrário, os que apresentaram aversão em assumir riscos apresentaram baixos escores em busca por sensação e alto em altruísmo. Por fim, o excesso de velocidade dos motoristas foi explicado pelos escores baixos em altruísmo e altos em busca por sensação, probabilidade de envolvimento em acidentes e aversão ao risco. No estudo de Lucidi et al. (2010), os resultados indicaram que os motoristas de alto risco no trânsito, com escores altos em ausência de normas, busca por emoção, hostilidade e baixo em altruísmo e ansiedade foram os que apresentaram diferenças significativas com maiores médias em envolvimento de infrações, erros, violações, acidentes de trânsito, além de baixa percepção para a possibilidade de envolvimento em acidentes.

Ge et al. (2014) encontraram o estresse correlacionado de maneira positiva com raiva e com os fatores da condução perigosa (conduzir quando não está bem, de forma agressiva, arriscada e dirigir embriagado) e negativa com altruísmo. Nos resultados não foi encontrada relação significativa entre estresse e busca por emoção, nem com infrações de trânsito dos últimos três anos e com acidente. No entanto, foi verificado que o estresse foi um preditor significativo para condução perigosa, bem como o efeito do estresse sobre o comportamento de condução perigosa foi mediado pelo traço da personalidade raiva. No estudo de Mallia et al. (2015), foi identificada que as atitudes positivas em relação ao trânsito apresentaram-se associadas positivamente com altruísmo e de maneira negativa com busca por emoção, ausência de normas, erros, lapsos e violações. Além disso, a hostilidade associou-se positivamente com violações e erros, enquanto que a ansiedade apareceu associada com lapsos. Por fim, apenas as violações apareceram relacionadas com envolvimento em acidentes de trânsito.

O neuroticismo é outra faceta do modelo dos Cinco Grandes Fatores que foi encontrada nos estudos e se relaciona com afetos positivo/negativo e instabilidade emocional. No estudo de Jovanovic, Stanojevic e Stanojevic (2011), os resultados indicaram que o traço de neuroticismo correlacionou-se de maneira positiva com raiva e de maneira indireta com agressividade na direção, bem como os fatores socialização e realização correlacionaram-se negativamente com raiva e agressividade durante a condução. A hostilidade é uma das facetas do neuroticismo e nos resultados de Gomez-Fraguela e Gonzalez-Iglesias (2010), juntamente com busca por emoção, reações de ira e condução lenta, explicaram as violações das normas. As violações interpessoais foram melhor explicadas pela busca por emoção, hostilidade, reação de ira e descortesia. Os erros na direção foram explicados positivamente pela hostilidade, reação de ira e presença policial; e negativamente pelas variáveis Ordem e Confiança. Por sua vez, os lapsos foram positivamente explicados pelas variáveis Depressão, Ansiedade e Condução lenta; e de forma negativa pela ordem e ansiedade social.

Os resultados da pesquisa de Lucidi, Mallia, Lazuras e Violani (2014) mostraram que as atitudes mais positivas sobre regras de trânsito apareceram relacionadas positivamente com ansiedade e negativamente com hostilidade, infração de trânsito, lapsos e erros. Além disso, a condução arriscada foi positivamente relacionada com maior envolvimento em infrações e acidentes de trânsito. Na intenção de avaliar também o envolvimento em acidentes de trânsito, Oltedal e Rundmo (2006) encontraram relações significativas entre irritabilidade, ausência de normas, agressividade e busca por emoção com envolvimento em acidentes de trânsito em que houve danos materiais. Além disso, foi verificado que as variáveis Busca por emoção, Agressividade, Irritabilidade, Ausência de normas e Sexo, contribuíram com 37% na explicação dos comportamentos de risco no trânsito.

Com base nos estudos relatados até o momento, que utilizaram instrumentos baseados no modelo dos Cinco Grandes Fatores, os fatores extroversão, socialização e neuroticismo se mostraram relacionados com violações na direção, infrações e acidentes de trânsito, baixa percepção de risco, condução arriscada e agressiva. Além dos fatores de personalidade comumente avaliados pelos instrumentos baseados nos Cinco Grandes Fatores, os trabalhos reunidos no segundo agrupamento focaram especificamente outros aspectos da personalidade, como pode ser observado na Tabela 2.

 

 

Verifica-se, na Tabela 2, uma grande diversidade de instrumentos utilizados nos estudos, no entanto, verifica- se ainda que os construtos comumente avaliados são Impulsividade, Busca por emoção, Raiva, Agressividade, Lócus de controle, Ausência de normas e Sensibilidade à recompensa/punição. Os estudos foram realizados geralmente em países da América do Norte ou da Europa. No entanto, os pesquisadores da China também têm demonstrado interesse em estudar o comportamento dos motoristas. No que se refere às amostras utilizadas nos estudos, verifica-se que foram utilizados geralmente quantidades acima de 200 participantes, motoristas jovens e a universidade foi um dos possíveis lugares para a realização da coleta dos dados.

No que se refere aos estudos, Castellà e Pérez (2004) encontraram que o comportamento infrator no trânsito tende a apresentar relação com uma menor crença dos motoristas de que serão punidos pelos seus atos, e maior senso de recompensa, por exemplo, que ao dirigir mais rápido irão chegar mais cedo ao trabalho. Além disso, os homens tenderam mais a sensibilidade à recompensa, enquanto que as mulheres mais a sensibilidade à punição. Entretanto, Constantinou, Panayiotoua, Konstantinou, Loutsiou-Ladda, & Kapardis (2011) encontraram que os fatores de personalidade não estão diretamente relacionados com envolvimento em infrações de trânsito, mas às variáveis Desinibição, Falta de planejamento e Sensibilidade à recompensa apresentaram-se associados com o fator violações, o qual estaria diretamente associada com infrações de trânsito, do mesmo modo que experiência de condução.

Na pesquisa de Chen (2007), foi verificado que embora os motoristas com escore significativamente maior em agressividade apresentaram maior frequência no uso do telefone celular, não houve diferenças significativas no envolvimento em acidentes de trânsito. A respeito da agressividade, Jovanovic et al. (2011) encontraram que ela foi mais bem explicada pela motivação, raiva e principalmente, por atitudes, como dirigir com pressa, desrespeito com os outros e pelo prazer de correr riscos enquanto dirige.

Delhomme, Chaurand e Paran (2012) verificaram que tanto a busca por emoção quanto a raiva na direção predizem os comportamentos passados de excesso de velocidade, assim como as intenções futuras de praticar esse comportamento pelo motorista. Entretanto, a busca por emoção apareceu como melhor indicador de excesso de velocidade do que a raiva. Do mesmo modo, na pesquisa de Maxwell, Grant e Lipkin (2005), os resultados indicaram que os motoristas considerados com maiores níveis de raiva foram mais propensos a se envolver em atos agressivos, cometer violações, como excesso de velocidade, e seguir, mesmo quando o sinal estava vermelho. Vingilis et al. (2013) encontraram que os motoristas que gostam de exceder a velocidade e praticam manobras/ acrobacias apresentaram diferenças significativas com maiores médias em busca por emoção, competitividade, agressividade na direção, tendência de assumir riscos e infrações de trânsito.

No estudo de Li et al. (2014), foi possível verificar que os motoristas apresentaram médias significativamente baixas em raiva na direção, no entanto, os motoristas com maiores níveis tendiam a ser mais jovens, de uma cidade mais congestionada, com menor quilometragem semanal e maior experiência na direção. Foi verificado também que a raiva na direção apresentou relação com condução agressiva. Além disso, fatores referentes à raiva, como condução lenta, presença da polícia e gestos hostis de outros motoristas, foram os que mais contribuíram para a condução agressiva.

Da mesma forma como encontrado no estudo de Li et al. (2014), a raiva tem se mostrado um fator que pode levar o motorista a dirigir agressivamente. No entanto, Stephens e Ohtsuka (2014) buscaram acrescentar nessa relação as crenças de controle na direção e o otimismo, que se refere a quanto o motorista atribui de habilidade a si. Nessa perspectiva, os resultados indicaram que a raiva e as crenças de controle na direção são responsáveis por 37% na explicação da direção agressiva.

No estudo de Cheng et al. (2012), os resultados indicaram que os motociclistas infratores apresentaram menor controle inibitório, maior busca por assumir riscos e também na tomada de decisão para a condução arriscada. No entanto, a impulsividade não teve papel explicativo no comportamento de risco. Tais resultados diferem do encontrados por Pearson et al. (2013), no que se refere à impulsividade, que mostraram que o fator urgência apareceu correlacionado positivamente com erros, lapsos, violações e uso de telefone celular na direção. O fator planejamento foi correlacionado de maneira negativa e significativamente com erros de condução, violações e uso de telefone celular na direção. O fator busca por emoção foi positivamente correlacionado com violações e uso de telefone celular de condução. Além disso, o uso do telefone celular quando está dirigindo correlacionou-se moderadamente com erros, lapsos e violações.

Falco et al. (2013) encontraram que os traços de personalidade, as normas sociais e a percepção de risco têm uma influência importante no comportamento de risco na direção. Especificamente, o modelo indicou que os traços de personalidade (busca por emoção, ausência de normas, lócus de controle e raiva na direção) predizem negativamente a percepção de risco e de forma positiva os comportamentos de risco. Além disso, os traços de personalidade e normas sociais juntos predizem a percepção de risco, a qual negativamente prediz comportamentos de risco.

Na pesquisa de Beanland et al. (2014), os resultados indicaram que os domínios da personalidade – antagonismo e afetividade negativa, previram as violações, ao passo que afetividade negativa e desinibição contribuíram na predição de erros e lapsos. Além disso, a hostilidade, que é uma das facetas da afetividade negativa, foi a melhor preditora de violações agressivas, enquanto que, a tendência em assumir riscos e a hostilidade predisseram melhor as violações. Em acréscimo, irresponsabilidade, insegurança de separação e busca por atenção foram preditores de lapsos.

Luczak e Tarnowski (2014) dividiram os motoristas em três grupos. No primeiro ficaram os motoristas profissionais (n=46) que nunca haviam causado acidentes de trânsito fatais ou com vítimas e sem acidentes com danos materiais nos últimos dois anos. No grupo dois, motoristas com as mesmas características citadas anteriormente, no entanto, composto por motoristas amadores (n=7 5). No grupo três, foram agrupados os motoristas amadores (n=74), com pelo menos dois anos de condução e que já causaram acidentes rodoviários fatais ou com danos de ferimento as vítimas. Os resultados mostraram-se contraditórios e indicaram maiores níveis de neuroticismo, impulsividade e busca por sensação para o grupo II e não para o grupo III, como era esperado pelos autores. A literatura tem mostrado muitas controvérsias no que se refere à avaliação da personalidade e a variável Acidente de trânsito. Do mesmo modo, no estudo de Özkan e Lajunen (2005), os resultados indicaram que os motoristas com maior escore em lócus de controle interno, ou seja, aqueles que atribuem às causas dos acidentes a si mesmos tenderam a apresentar maior número de acidentes, infrações, erros e violações.

Diante dos resultados dos estudos, é possível verificar que uma gama de fatores pode estar ligada aos comportamentos de risco na direção. Pode-se resumir que as características de personalidade desse segundo grupo de estudos, que mostraram relação positiva com infrações, acidentes de trânsito e comportamentos de risco (erros, lapsos e violações), foram sensibilidade à recompensa, agressividade, raiva, busca por emoção, impulsividade, afetividade negativa e lócus de controle interno.

Com base nos resultados encontrados nos estudos, foi possível verificar que alguns traços de personalidade apresentaram relações com infrações de trânsito, violações e comportamentos de risco na direção. Dentre eles, altos escores em extroversão, busca por emoção, agressividade, hostilidade, ausência de normas, impulsividade, maior sensibilidade à recompensa, raiva, estresse e tendência em assumir riscos (Castellà & Pérez, 2004; Constantinou et al., 2011; Dahlen et al., 2012; Delhomme et al., 2012; Eensoo et al., 2007; Falco et al., 2013; Ge et al., 2014; Lev et al., 2008; Li et al., 2014; Lucidi Mallia, Lazuras, & Violani, 2014; Lucidi et al., 2010; Maxwell Grant, & Lipkin, 2005; Pearson et al., 2013; Renner & Anderle, 2000; Stephens & Ohtsuka, 2014; Oltedal & Rundmo, 2006; Ulleberg, 2001; Ulleberg & Rundmo, 2003; Vingilis et al., 2013), além de níveis baixos de altruísmo, de abertura e socialização (Eensoo et al., 2007; Lev et al., 2008; Ulleberg, 2001).

Na revisão realizada por Santos, Boff e Konflanz (2012), com o mesmo objetivo do presente estudo, também são descritos tais traços e aspectos como importantes e que justificam a importância de avaliar a personalidade dos motoristas. Ainda, os resultados acrescentaram importância do traço extroversão para explicar o comportamento do condutor tal como em outros estudos no Brasil e internacionalmente (Bartholomeu, 2008; Clarke & Robertson, 2005) e também da impulsividade (Pasa, 2013; Mognon & Santos, 2014).

No que se refere à ansiedade, os resultados dos estudos têm se mostrado contraditórios, uma vez que em alguns (Gomez-Fraguela & Gonzalez-Iglesias, 2010; Lucidi et al., 2010; Mallia et al. 2015; Renner & Anderle, 2000) os resultados mostraram relação com comportamentos de risco e, em outros (Lucidi et al., 2014; Ulleberg, 2001), ela aparece associada com a segurança no trânsito. Nos estudos, não é discutido, mas uma hipótese para essa diferença verificada nos resultados é a questão dos níveis, já que níveis baixos de ansiedade são benéficos na vida das pessoas e as ajudam a enfrentar a situação. No entanto, em excesso, podem de fato levar o motorista a ocasionar erros e lapsos na direção.

Outro aspecto interessante de ser discutido é que, apesar dos resultados dos estudos mostrarem uma relação entre violações e acidentes de trânsito (Machin & Sankey, 2008; Mallia et al., 2015), eles devem ser avaliados de maneira separada. Em relação a isso, Wåhlberg (2003) já discutia a necessidade do cuidado metodológico ao estudar acidentes de trânsito, pois haveria dois tipos, àqueles em que os motoristas foram responsabilizados pelo acidente e aqueles em que foram apenas vítimas. Além disso, são importantes para análise, as consequências dos acidentes, se eles causaram feridos e mortos ou apenas dados materiais. No estudo de Oltedal e Rundmo (2006) foram encontradas diferenças nos traços de personalidade irritabilidade, ausência de normas, agressividade e busca por emoção, mas somente para os motoristas que haviam sofrido acidentes com danos materiais. Em outros estudos sem essa distinção entre culpado e vítima, os resultados indicaram que os motoristas com acidentes apresentaram maiores escores em busca por sensação, neuroticismo, abertura, lócus de controle interno e baixos escores em realização, socialização, e especialmente em altruísmo (Herzberg, 2009; Machin & Sankey, 2008; Özkan & Lajunen, 2005), sendo que muitos desses traços estão também associados com infrações de trânsito. No entanto, verifica-se que os estudos considerando a variável acidentes de trânsito são em número bem menores que os que avaliaram as infrações de trânsito.

Acredita-se que este estudo ajudará os psicólogos que realizam avaliação psicológica pericial de motoristas nas clínicas credenciadas ao Detran e também os que realizam recrutamento e seleção de motoristas profissionais, principalmente em relação a quais aspectos de personalidade seriam mais importantes de serem avaliados, mais especificamente no que se refere às infrações de trânsito. Essa credibilidade nos resultados dos estudos está no fato que foram realizados em diversos lugares do mundo e em muitos deles foram utilizadas análises estatísticas mais sofisticadas, como regressões e equações estruturais, que permitem predizer comportamentos e pensar em relações causais. No entanto, como pode ser verificado nos resultados, a maior parte dos estudos foi realizado com amostras de motoristas jovens (com idades por volta de 18 a 35 anos) e que dirigiam automóveis. Ademais, alguns estudos não descreviam no tópico instrumentos as qualidades psicométricas dos instrumentos que estavam utilizando na sua pesquisa. Esses aspectos limitam a generalização dos resultados, pois a falta de preocupação com a qualidade dos instrumentos de personalidade utilizados nos estudos pode levar a resultados e conclusões precipitadas.

Diante disso, é necessário que os pesquisadores brasileiros busquem realizar estudos empíricos avaliando os aspectos de personalidade que foram apresentados neste trabalho por meio dos instrumentos já desenvolvidos e com evidências de validade para o contexto brasileiro. Além disso, que tenham como objetivo a construção e/ ou a busca de novas evidências de validade para os instrumentos já existentes, principalmente, analisando variáveis, como Envolvimento em infrações e acidentes de trânsito, obtidas por meio de autorrelato ou com a ajuda dos órgãos de trânsito. Tais recomendações são necessárias, pois somente com estudos nacionais, de preferência longitudinais, que analisem a preditividade dos instrumentos, com análises estatísticas mais robustas, com amostras diversificadas de todas as regiões do país e das mais diversas categorias de CNH, é que será possível, de fato, afirmar que a personalidade deve obrigatoriamente continuar sendo aferida na avaliação psicológica pericial no contexto do trânsito.

 

Referências

As referências assinaladas com um asterisco referem-se aos manuscritos utilizados na presente revisão.

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recebido em outubro de 2015
reformulado em maio de 2016
aprovado em agosto de 2016

 

 

Sobre os autores

Jocemara Ferreira Mognon: é psicóloga, mestre, doutoranda em Psicologia no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco e bolsista CAPES. É colaboradora do Centro Universitário Unibrasil.
Fabián Javier Marín Rueda: é é Psicólogo, doutor em Psicologia pela Universidade São Francisco – Itatiba, professor do Programa de Pós Graduação Strictu-Sensu da Universidade São Francisco – Itatiba e bolsista produtividade pelo CNPq.


1E-mail para correspondência: jocemognon@gmail.com


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