Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Avaliação Psicológica
versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431
Aval. psicol. vol.18 no.3 Itatiba jul./set. 2019
https://doi.org/10.15689/ap.2019.1803.ed
EDITORIAL
O controle da desejabilidade social no autorrelato usando quádruplas de itens
A desejabilidade social é um fenômeno observado quando um indivíduo responde a itens de escalas e inventários de forma a tentar causar uma impressão favorável (Paulhus, 1991). A problemática tem sido objeto de estudo psicométrico desde a década de 50 do século passado (Cf. Edwards, 1953), situando-se dentro da categoria dos chamados "vieses de método" (Podsakoff, MacKenzie, Lee, & Podsakoff, 2003). O presente editorial ilustra como a composição de escalas balanceadas pode proporcionar o subsequente controle estatístico da desejabilidade social. A técnica descrita é especialmente útil para a escrita de itens de autorrelato de inventários de personalidade ou psicopatologia avaliados em escala de tipo Likert.
Peabody (1967) propôs que a variância pertinente à desejabilidade social poderia ser controlada a partir de uma construção balanceada dos itens de uma escala. Para tanto, o autor estabeleceu que seria possível decompor o conteúdo de um item de personalidade em duas partes: conteúdo descritivo, ou seja, a parte que se refere ao traço avaliado, e conteúdo valorativo, a parte que se refere à desejabilidade social do comportamento descrito pelo item. Esse esquema é ilustrado na Tabela 1, que toma como exemplo o caso de adjetivos descritores de extroversão. Como se pode ver, a solução proposta por Peabody consiste em construir os itens de um instrumento em quádruplas balanceadas, em que o pesquisador manipula o conteúdo descritivo e o conteúdo valorativo de cada item. A ideia é que não apenas o instrumento possua itens cobrindo os polos inferior e superior da extroversão, mas que também cada polo contenha igual número de descritores desejáveis e indesejáveis. No exemplo apresentado, altos níveis de extroversão estão representados pelos adjetivos "tagarela" (que tende a ser pejorativo) e "comunicativo" (que tende a ser desejável). Por sua vez, baixos níveis de extroversão estão representados por "retraído" (que tende a ser pejorativo) e "introspectivo" (que tende a ser desejável).
Elaborar itens seguindo esse procedimento apresenta vantagens. Como evidenciado em diversos estudos empíricos, esse delineamento permite extrair um fator geral de desejabilidade social, separando o viés dos demais fatores de traço (Pettersson et al., 2014; Pettersson, Turkheimer, Horn, & Menatti, 2012; Saucier, Ostendorf, & Peabody, 2001). Isso possibilita, em um modelo de equações estruturais, obter melhores estimativas da verdadeira capacidade preditiva dos fatores de traço quanto a outras variáveis externas, sendo controlado o viés da desejabilidade. Como também argumentado por Mirowsky e Ross (1991), o escore bruto de um conjunto balanceado seguindo esse delineamento resulta controlado não apenas pelo viés da desejabilidade social, mas também pelo viés da aquiescência. Isso pode proporcionar um ordenamento mais preciso dos respondentes quanto ao seu nível verdadeiro no traço latente.
Não obstante, são raros os instrumentos de personalidade ou psicopatologia cujos itens seguem o delineamento da Tabela 1. Mais comumente, instrumentos são compostos por itens que expressam comportamentos desejáveis em um dos polos do traço e comportamentos indesejáveis no outro polo. Por exemplo, os marcadores reduzidos da personalidade (Hauck Filho, Machado, Teixeira, & Bandeira, 2012) apresenta os adjetivos "quieta", "tímida" e "inibida" para o polo inferior da extroversão, e "comunicativa" e "desembaraçada" para o polo superior. Em outras palavras, são contemplados apenas os quadrantes 1 (baixa extroversão e baixa desejabilidade) e 4 (alta extroversão e alta desejabilidade) da Tabela 1. Disso, resulta que o escore total da escala pode conter variância erro sistemática decorrente da desejabilidade social.
Para ilustrar as vantagens de construir escalas com base no delineamento de quádruplas de Peabody, foi feita uma simulação de dados para o presente editorial. Para o modelo verdadeiro, um conjunto de 16 itens foram especificados para serem indicadores de um fator geral e de dois fatores de traço, A e B, todos eles ortogonais entre si. Na Tabela 1, a primeira coluna apresenta adjetivos hipotéticos representativos dos itens simulados, enquanto as colunas dois, três e quatro descrevem o delineamento da simulação de dados. Todos os itens com conteúdo valorativo positivo foram especificados para terem cargas positivas entre 0,30 e 0,60 no fator geral, enquanto itens negativamente valorativos foram criados de modo a terem cargas entre −0,30 e −0,60 no fator geral. Ou seja, o fator geral foi simulado de forma a representar a desejabilidade social. Além disso, como visto na Tabela 1, os oito primeiros itens foram simulados para carregar no fator de traço A (hipoteticamente, "audácia"). Desses, os quatro primeiros foram especificados para terem cargas positivas da ordem de 0,50, enquanto os demais foram criados para terem carga −0,50. Algo análogo foi efetuado para os itens de nove a 16, simulados para carregarem no fator de traço B (hipoteticamente, "extroversão"). Os quatro primeiros itens carregavam 0,50 nesse segundo fator de traço, enquanto os quatro seguintes carregavam −0,50.
A partir desse modelo verdadeiro (populacional), foram simulados dados de 1.000 respondentes. Os dados foram, na sequência, analisados de duas maneiras: 1) com todos os itens, condição denominada "escala balanceada", já que cada fator se encontra representado por duas quádruplas, conforme Peabody (1967); e 2) suprimindo-se os itens 1, 2, 7 e 8 do fator A, condição denominada "não balanceada", contendo apenas itens indesejáveis no polo positivo do traço A e apenas itens desejáveis no polo negativo. A análise de ambos os conjuntos de dados foi feita a partir de uma rotação exploratória bifactor ortogonal Jenrich-Betler com três fatores, sendo um fator geral e dois fatores específicos (Mansolf & Reise, 2016). As cargas fatoriais obtidas em cada caso foram analisadas quanto à sua congruência com os fatores teóricos da simulação-desejabilidade, traço A e traço B. A simulação dos dados foi conduzida com o pacote simsem (Pornprasertmanit, Miller, & Schoemann, 2013), enquanto as análises fatoriais e de congruência foram feitas com o pacote psych (Revelle, 2014).
Como se pode ver na Tabela 1, a solução contendo dos dois fatores representados por quádruplas de itens produziu três fatores altamente coerentes com a simulação de dados. Enquanto o fator geral capturou, exclusivamente, a desejabilidade social, os fatores específicos F1 e F2 capturaram apenas os traços A e B, respectivamente. As congruências foram bastante elevadas, de 0,97 a 1,00 (congruências podem ser interpretadas analogamente a correlações com o padrão esperado de cargas dada a simulação). Em contraste, na condição em que o traço A foi avaliado por meio de uma escala não balanceada, os resultados foram marcadamente diferentes. Mais especificamente, as cargas produzidas para os fatores geral e específico F1 resultaram coerentes com mais de um dos fatores teóricos da simulação de dados. Isso significa que, ao retirar os itens de modo a produzir uma escala não-balanceada para o traço A, a análise fatorial não mais pôde produzir um fator puramente de desejabilidade social e um fator puramente do traço A. Apenas o fator específico F2 se mostrou exclusivamente coerente com o traço B.
O exemplo ilustra o ponto principal do presente editorial: a capacidade da análise bifator de isolar um fator de desejabilidade social depende de os itens analisados terem sido construídos seguindo o delineamento de quádruplas de Peabody (1967). Se o pesquisador ou a pesquisadora segue o procedimento aqui descrito, torna-se possível estimar as verdadeiras cargas dos itens nos fatores de traço após eliminar a desejabilidade social. Também se torna viável obter escores mais precisos para os respondentes e melhores estimativas de validade externa para o instrumento. Ou seja, são muitos os benefícios decorrentes do procedimento! Espera-se que o editorial possa estimular colegas a fazerem uso da técnica das quádruplas de itens, potencialmente útil em situações em que o controle da desejabilidade social é necessário.
Nelson Hauck Filho
Editor-chefe
Felipe Valentini
Editor Associado
Referências
Edwards, A. L. (1953). The relationship between the judged desirability of a trait and the probability that the trait will be endorsed. Journal of Applied Psychology, 37(2), 90-93. doi: 10.1037/h0058073 [ Links ]
Hauck Filho, N., Machado, W. de L., Teixeira, M. A. P., & Bandeira, D. R. (2012). Evidências de validade de marcadores reduzidos para a avaliação da personalidade no modelo dos cinco grandes fatores. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(4), 417-423. doi: 10.1590/S0102-37722012000400007 [ Links ]
Mansolf, M., & Reise, S. P. (2016). Exploratory Bifactor Analysis: The Schmid-Leiman Orthogonalization and Jennrich-Bentler Analytic Rotations. Multivariate Behavioral Research, 51(5), 698-717. doi: 10.1080/00273171.2016.1215898 [ Links ]
Mirowsky, J., & Ross, C. E. (1991). Eliminating Defense and Agreement Bias from Measures of the Sense of Control: A 2 X 2 Index. Social Psychology Quarterly, 54(2), 127. doi: 10.2307/2786931 [ Links ]
Paulhus, D. L. (1991). Measurement and control of response styles. In J. P. Robinson, P. R. Shaver, & L. S. Wrightsman (Eds.), Measures of personality and social psychological attitudes (pp. 17-59). San Diego, CA: Academic Press. [ Links ]
Peabody, D. (1967). Trait inferences: Evaluative and descriptive aspects. Journal of Personality and Social Psychology, 7(4, Pt.2), 1-18. doi: 10.1037/h0025230 [ Links ]
Pettersson, E., Mendle, J., Turkheimer, E., Horn, E. E., Ford, D. C., Simms, L. J., & Clark, L. A. (2014). Do maladaptive behaviors exist at one or both ends of personality traits? Psychological Assessment, 26(2), 433-446. doi: 10.1037/a0035587 [ Links ]
Pettersson, E., Turkheimer, E., Horn, E. E., & Menatti, A. R. (2012). The General Factor of Personality and Evaluation. European Journal of Personality, 26(3), 292-302. doi: 10.1002/per.839 [ Links ]
Podsakoff, P. M., MacKenzie, S. B., Lee, J.-Y., & Podsakoff, N. P. (2003). Common method biases in behavioral research: A critical review of the literature and recommended remedies. Journal of Applied Psychology, 88(5), 879-903. doi: 10.1037/0021-9010.88.5.879 [ Links ]
Pornprasertmanit, S., Miller, P., & Schoemann, A. M. (2013). simsem: SIMulated structural equation modeling (version 0.5-3) [R package]. Retrieved from http://simsem.org [ Links ]
Revelle, W. (2014). psych: Procedures for Personality and Psychological Research. R package version 1.4.3. CRAN Project. Retrieved from http://cran.r-project.org/web/packages/psych/psych.pdf [ Links ]
Saucier, G., Ostendorf, F., & Peabody, D. (2001). The non-evaluative circumplex of personality adjectives. Journal of Personality, 69(4), 537-582. [ Links ]