As habilidades sociais (HS) podem ser compreendidas como um conjunto diversificado de comportamentos sociais que colaboram para a competência social, capacidade de articular pensamentos, sentimentos e ações em função de objetivos pessoais e de demandas da situação e da cultura, causando consequências benéficas para o indivíduo e para a relação com as demais pessoas (Caballo, 2018; Del Prette & Del Prette, 2018). As HS podem ser desenvolvidas por meio de programas de intervenção, como o treinamento de habilidades sociais (THS) em grupo com crianças, a fim de favorecer a aprendizagem de comportamentos socialmente adequados, melhorar as condições de relacionamento com pares e com familiares, além de reduzir a emergência de problemas de comportamento (Del Prette & Del Prette, 2018).
Indica-se que a avaliação de habilidades sociais de crianças seja multimodal, isto é, realizada com diferentes procedimentos e instrumentos (entrevistas, inventários, observação, análise de desenhos), para que gerem indicadores (frequência, adequação, dificuldade e importância de comportamentos sociais) para mapear, de modo mais completo, os déficits e as HS já desenvolvidas pelas crianças a fim elaborar intervenções mais efetivas e coerentes com as demandas e necessidades delas (Del Prette & Del Prette, 2017; Gates et al., 2017). Além disso, recomenda-se diversos informantes, como a própria criança, seus pais ou cuidadores, professores e pares (Del Prette & Del Prette, 2017), corroborando os preceitos para a realização de pesquisas com crianças e adolescentes (Cummings et al., 2000). Quando as técnicas e instrumentos são aplicados em pesquisas com crianças, é necessário que sejam adequados em relação às propriedades psicométricas (confiabilidade e validade), à linguagem e ao período de desenvolvimento (Campos-Ramos & Barbato, 2014; Kellet & Ding, 2004).
Embora pesquisas relacionadas à intervenção, de modo geral, utilizem métodos quantitativos (Brannen, 2017), é possível, a partir da indicação de uma avaliação multimodal das HS, considerar o emprego de técnicas e instrumentos mistos para compreender os efeitos e os significados para os participantes de THS em grupos infantis. Nesse sentido, O’Cathain et al. (2013), em uma revisão sistemática sobre a relação de técnicas qualitativas e ensaios clínicos randomizados, identificaram que métodos qualitativos podem contribuir para otimizar intervenções e para gerar evidências de eficácia em programas na área da saúde.
Quanto aos instrumentos descritos para a avaliação de HS, no Brasil, Freitas et al. (2016) compararam o Inventário de Habilidades Sociais, Problemas de Comportamento e Competência Acadêmica, versão brasileira do SSRS, em suas duas edições (SSRS-BR, 2009 e SSRS-BR2, 2015). Três pesquisas internacionais analisaram a qualidade psicométrica de medidas para avaliar HS (Bellini & Hopf, 2007; Gresham et al., 2011). Outras investigações utilizaram métodos mistos para avaliar as HS após um programa de intervenção: além de dados quantitativos, foram realizadas entrevistas em profundidade (Olsson et al., 2016) e grupos focais com pais (Cheung et al., 2021; Rose & Anketell, 2009).
Considerando a importância da aquisição de HS na infância e, consequentemente, dos treinamentos, a necessidade de realizar avalições multimodais das HS antes e depois de intervenções, e que as revisões de literatura publicadas até o momento não tiveram como foco analisar especificamente as medidas de avaliação de HS de crianças participantes de intervenções, o propósito desta revisão integrativa de literatura foi identificar as técnicas e os instrumentos utilizados para avaliar THS em grupo com crianças de seis a 12 anos, com desenvolvimento típico ou atípico no contexto brasileiro e internacional. A partir da literatura da área das habilidades sociais, espera-se encontrar, na presente pesquisa bibliográfica, técnicas variadas de avaliação de treinamentos de habilidades sociais em grupo com crianças tanto sob uma perspectiva quantitativa quanto qualitativa, aplicadas a múltiplos informantes, como crianças e cuidadores, sejam pais e/ou professores (Del Prette, & Del Prette, 2017; Gates et al., 2017).
Foi adotada a definição de crianças com desenvolvimento típico como aquelas que se desenvolvem dentro do esperado para sua idade cronológica, incluindo relacionamento, comportamento e aprendizagem escolar. Já o desenvolvimento atípico está associado a síndromes genéticas, deficiência intelectual, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno Global do Desenvolvimento e deficiências sensoriais, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (2005).
Método
Fontes de Informação e Estratégia de Busca
A coleta de dados foi realizada em cinco bases: 1. Scientific Electronic Library Online (SciELO); 2. Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), que capturou artigos da Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde, do Index Psi Periódicos Técnico-Científicos e da Medline; 3. Web of Science (WoS); 4. Scopus; 5. Psycinfo. Para cada base, criou-se uma estratégia de acordo com os descritores e palavras-chave previamente identificados por meio de publicações na área e de uma pesquisa no Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). Além disso, foram feitos testes nas bases de dados citadas e no Portal CAPES. A pesquisa foi realizada em abril de 2022 com as seguintes combinações: (a) "habilidades sociais" AND (crianças OR infância), no SciELO; (b) "habilidades sociais" AND (treinamento OR intervenção OR programa) AND (crianças OR infância), na BVS; e (c) psychology AND (meaning OR efficacy OR effect* OR representation OR comprehension OR perception OR conception) AND (training OR coaching OR intervention) AND “social skills” AND child*, nas demais bases. Buscaram-se artigos, revisados por pares e publicados com texto completo de 2009 a 2022 em português, inglês e espanhol.
Critérios de Elegibilidade
Na primeira etapa da revisão integrativa - identificação do problema de pesquisa e do objetivo (Hopia et al., 2016) -, foram estabelecidos como critérios de inclusão: artigos empíricos, com método quantitativo e/ou qualitativo, pesquisas que apresentassem treinamentos de habilidades sociais ou competência social em grupo, com crianças com desenvolvimento típico ou atípico, com idade entre seis e 12 anos. Excluíramse: dissertações, teses, livros, artigos teóricos, revisões de literatura e resenhas; estudos de validação de instrumento ou aqueles com delineamento correlacional ou survey; pesquisas cujas intervenções foram realizadas apenas com pais (pai e mãe), professores(as) e/ou outros cuidadores, sem a participação da criança - mesmo que o objetivo fosse avaliar o impacto do treinamento com essa população no comportamento de crianças; intervenções individuais, ou por meio de computadores, ou que o THS fizesse parte do grupo controle; e quando o treinamento foi desenvolvido simultaneamente ao tratamento com substâncias.
Seleção de Estudos e Extração de Dados
A partir da busca realizada, foram encontrados 810 artigos (SciELO: n=102; BVS: n=294; WoS: n=13; Scopus: n=162; Psycinfo: n=239) cujos títulos, palavras-chave e resumos foram lidos. Nessa etapa, selecionaram-se as publicações (n=88) que atendiam ao objetivo deste estudo. Após a exclusão de artigos duplicados (n=18), foram lidas 70 publicações na íntegra pela mesma autora e por duas juízas pesquisadoras da área, com foco na temática de HS. Após a análise de juízas, foi composta a amostra final desta revisão (n=37). Os manuscritos selecionados foram lidos novamente e foram extraídas e analisadas as seguintes informações: local em que as pesquisas foram realizadas, características dos participantes dos treinamentos e medidas de avaliação da intervenção.
Resultados e Discussão
Foram analisados 37 artigos, dos quais 24 foram produzidos no contexto internacional e 13, no Brasil. Quanto às produções internacionais, o maior número de produções foi realizada no Canadá (n=4), seguido da Holanda (n=3), Austrália (n=3), Estados Unidos (n=3) e Noruega (n=2). Foi encontrado apenas um estudo de pesquisadores do México, Reino Unido, França, Suécia, Alemanha, Irã, Vietnã, Espanha, Argentina e China. Referente às características dos participantes dos treinamentos, foram encontrados 19 estudos com crianças com desenvolvimento típico e 18, com atípico, conforme as Tabelas 1 e 2. Apenas um estudo brasileiro investigou o THS com crianças com desenvolvimento atípico (Ferreira & Munster, 2017).
Tabela 1 Caracterização dos Estudos com Crianças com Desenvolvimento Típico
Autores e ano | Idade | Contexto |
---|---|---|
Silva e Murta (2009) | Entre 11 e 14 anos | Programa de Atenção Integral à Família (PAIF) |
Naves et al. (2011) | Entre 7 e 10 anos | Escolas |
Fragoso et al. (2012) | Entre 8 e 12 anos | Instituição de acolhimento infantil |
Lopes et al. (2013) | Crianças com baixo rendimento acadêmico com idade média de 9,4 anos | Escola |
Koposov et al. (2014) | Idade média: 10,6 anos | Não especificado |
Elias e Marturano (2014) | Crianças encaminhadas com queixa escolar com idade entre 7 e 11 anos | Clínica-escola de Psicologia |
Havighurst, e al. (2015) | Crianças com risco de transtorno de conduta com idade média de 7,05 anos | Escola |
Batista e Marturano (2015) | Entre 6 e 8 anos | Núcleo de convivência e fortalecimento de vínculos |
Elias e Marturano (2016) | Entre 6 e 10 anos | Escola |
Falcão et al. (2016) | Entre 7 e 9 anos com comorbidade de problemas internalizantes e externalizantes | Escola |
Elias e Amaral (2016) | Idade média: 9 anos e 11 meses | Escola |
Montiel e Bartholomeu (2016) | 10 anos com queixas de problemas de conduta e dificuldades de aprendizagem | Escola |
Silva et al. (2016) | Crianças vítimas ou espectadoras de bullying com idade média de 11,28 anos | Escola |
Dang et al. (2017) | Idade média: 8,71 anos | Escola |
Panayiotou et al. (2019) | Idade média: 9,17 anos | Escola |
Romero et al. (2019) | Entre 8 e 10 anos | Escola |
Tillman e Prazak (2019) | Entre 6 e 12 anos | Escola |
Souza et al. (2019) | Entre 10 e 13 anos | Escola |
Souza et al. (2021) | Entre 10 e 13 anos | Escola |
Nota. Elaborado pelas autoras
Tabela 2 Caracterização dos Estudos com Crianças com Desenvolvimento Atípico
Autores e ano | Diagnóstico e faixa etária | Contexto |
---|---|---|
Barrera e Schulte (2009) | Sobreviventes de tumores cerebrais, entre 8 e 18 anos | Hospital |
Weiss et al. (2013) | TEA de alto funcionamento em dois grupos etários de 8 a 11 anos e 12 a 14 anos | Não especificado |
Freitag et al. (2013) | TEA de alto funcionamento, Asperger e autismo atípico, entre 8 e 20 anos | Hospital |
Dekker et al. (2014) | TEA entre 10 e 12 anos | Instituições de saúde mental infantil |
Schulte et al. (2014) | Tumor no Sistema Nervoso Central, entre 7 e 18 anos | Não especificado |
Waugh e Peskin (2015) | TEA e Asperger, entre 4 e 7 anos | Não especificado |
Radley et al. (2015) | TEA, entre 11 e 12 anos | Clínica universitária |
Wilkes-Gillan et al. (2016) | TDAH, entre 5 e 11 anos | Clínica e domicílio das crianças |
Guivarch et al. (2017) | TEA sem deficiência intelectual com idade média de 9 anos e 9 meses | Hospital psiquiátrico infantil |
Ferreira e Munster (2017) Najafabadi et al. (2018) | Deficiência intelectual, entre 7 e 14 anos | Não especificado |
TEA, entre 5 e 12 anos | Não especificado | |
Dekker et al. (2019) | TEA, Asperger, ou Transtorno Invasivo do desenvolvimento, com idade média de 11 anos | Centro de saúde mental infantil |
Jonsson et al. (2019) | TEA, entre 7 e 17 anos | Serviço de saúde mental para crianças e adolescentes |
Russo et al. (2019) | TDAH, entre 8 e 11 anos | Não especificado |
Chester et al. (2019) | TEA, entre 8 e 12 anos | Clínica universitária de Psicologia |
Kylliäinen et al. (2020) | TEA, entre 8 e 12 anos | Clínica universitária e clínica comunitária |
Cheung et al. (2021) | TEA, entre 6 e 14 anos | Não especificado |
Nota. TEA=Transtorno do Espectro Autista. TDAH=Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Elaborado pelas autoras
Conforme observado na Tabela 3, dos 13 estudos brasileiros, 10 utilizaram somente instrumentos padronizados para avaliação de THS em grupo com crianças. Três optaram por realizar uma avaliação processual da intervenção utilizando baralho de sentimentos e checklist de metas intermediárias, ficha de avaliação da sessão e observação direta com base em um protocolo para avaliação dos comportamentos. Apenas três estudos fizeram uso de entrevistas qualitativas: com pais, mães ou responsáveis pelas crianças (Silva & Murta, 2009); com professores e administradores da instituição de ensino da criança, antes e durante a intervenção para identificar se os comportamentos aprendidos tinham sido generalizados para outras situações (Naves et al., 2011); e apenas com professores (Souza et al., 2021).
Tabela 3 Instrumentos e Técnicas Utilizadas para Avaliar Treinamentos de Habilidades Sociais
Autores | Medidas e respondentes |
---|---|
Baralho de Sentimentos (adolescentes) | |
Silva e Murta (2009) | Roteiro de entrevista (país) |
Checklist de Metas Intermediárias (pesquisadora) | |
Barrera e Schulte (2009) | Social Skills Rating System (SSRS); Pediatric Quality of Life (PedsQL); Cancer Module; Child Behavior Checklist (CBCL) (pais) |
SSRS; PedsQL; Cancer Module; CBCL; Child Depression Inventory (CDI); Youth Self Report (YSR) (crianças) | |
Naves et al. (2011) | Observação direta (pesquisadoras) |
Entrevista (diretores e educadores) | |
Fragoso et al. (2012) | Escala de Conducta Asertiva para Niños (CABS); Escala de Depresión para Niños (CDS); Inventario de Autoestima para Niño; Escala de Ansiedad Manifiesta en Niños - revisada (CMAS-R) (crianças) |
Lopes et al. (2013) | SSRS (pais e professores) |
SSRS-BR e Ficha de avaliação da sessão (crianças) | |
Weiss et al. (2013) | Social Skills Improvement System Rating Scales (SSIS); The Acceptance and Action Questionnaire-II (AAQ-II) (pais) |
SSIS; The Self-Perceptions Profile for Children (SPPC) (crianças) | |
Social Responsiveness Scale (SRS); Strength and Difficulties Questionnaire (SDQ); CBCL (pais) | |
Freitag et al. (2013) | SDQ; SRS (professores) |
Depressions inventar fur Kinder und Jugendliche (DIKJ); Autoavaliação (qualitativa) sobre motivação e satisfação; Eletrencefalograma (crianças) | |
SSRS; Subescala Social Functioning do PedsQL (pais) | |
Schulte et al. (2014) | SSRS; Subsescala Social Problems do CBCL; Subescala Social Functioning do PedsQL (crianças) |
SSRS; Subescala Social Problems do CBCL (professores) | |
Koposov et al. (2014) | SSRS (crianças, pais e professores) |
Dekker et al. (2014) | Vineland Adaptive Behavior Scales - Survey Version; SSRS; Efficacy of Social Skills Training in Autism (ESTIA); Entrevista (pais) |
SSRS (professores) | |
Questionários não especificados (crianças) | |
Observação (pesquisadores) | |
Elias e Marturano (2014) | Escala Comportamental Infantil A2 (ECI) (pais) |
Teste de Desempenho Escolar (TDE); Child Interpersonal Problem Solving (CHIPS) (crianças) | |
Havighurst et al. (2015) | Maternal Emotional Style Questionnaire (MESQ; Subescala de expressividade negativa do Self-Expressiveness in the Family Questionnaire; Eyberg Child Behavior Inventory 6 (ECBI) (pais) |
The Kusche Affective Inventory - revisada (KAI-R) (crianças) | |
SDQ; Social Competence Rating Scale (SCRC) (professores) | |
Batista e Marturano (2015) | SSRS (crianças e professores) |
Waugh e Peskin (2015) | Social Responsiveness Scale-Second Edition (SRS-2); Theory of Mind Inventory (ToMI) (pais) |
Revised Version of the Strange Stories Test (crianças) | |
Radley et al. (2015) | Autism Social Skills Profile (ASSP) (crianças) |
Análises de tarefas das habilidades-alvo (pesquisadores) | |
Elias e Marturano (2016) | SSRS-BR (professores) |
CHIPS; TDE (crianças) | |
CBCL (pais) | |
Falcão et al. (2016) | CBCL (professores) |
Protocolo de observação (pesquisadores) | |
Elias e Amaral (2016) | TDE (crianças) |
SSRS (professores) | |
Montiel e Bartholomeu (2016) | Teste de Habilidades Sociais em Crianças para o Ensino Fundamental (THAS-C) (crianças) |
Silva et al. (2016) | Escala de Agressão e Vitimização entre Pares (EVAP); Sistema Multimídia de Habilidades Sociais para Crianças (SMHSC); Escala sociométrica (crianças) |
Deckers et al. (2016) | Social Skills Observation (SSO); Screen for Child Anxiety and Related Emotional Disorders (SCARED-71); ADHD-Q (pais) |
Subescala de solidão da ToM test-R (crianças) | |
SSO (professores) | |
Wilkes-Gillan et al. (2016) | The Test of Playfulness (ToP) (pesquisadores) |
Guivarch et al. (2017) | Social-Emotional Profile (SEP); Childhood Autism Rating Scale (CARS) (cuidadores) |
Empathy Quotient (EQ) (pais) | |
Ferreira e Munster (2017) | SSRS-BR (professores) |
Dang et al. (2017) | Student Behavior Questionnaire (SBQ); SSRS (crianças) |
Bruininks-Oseretsky Test of Motor Proficiency (BOTMP) (pesquisadores) | |
Najafabadi et al. (2018) | Autism treatment evaluation checklist (ATEC); Gilliam Autism Rating Scale-second edition (GARS-2) (pais) |
Dekker et al. (2019) | Vineland; ESTIA; SSRS (pais) |
SSRS (professores) | |
Panayiotou et al. (2019) | Social Skills Improvement System-Social Emotional Learning edition (SSIS-SEL); School Environment subscale of the Kidscreen-270; Scores do teste nacional de matemática leitura e escrita (crianças) |
SDQ (professores) | |
SRS-2; Adaptive Behavior Assessment System II (ABAS-II); Perceived Stress Scale (PSS) (pais) | |
SRS-2; ABAS-II (professores) | |
Jonsson et al. (2019) | OSU Autism Clinical Global Impression scale (CGI); Developmental Disabilities modification of the Children’s Global Assessment Scale (DD-CGAS) (treinador) |
Stress in Children Questionnaire (SiC) (crianças) | |
Russo et al. (2019) | Test de evaluación de habilidades cognitivas en la solución de problemas interpersonales (EVHACOSPI) (crianças) The Matson Evaluation of Social Skills in Youngsters (MESSY) (pais e crianças) Cuestionario de Habilidades de Interacción Social (CHIS) (pais) |
Chester et al. (2019) | Social Skills Improvement System (SSIS) (pais e professores) Social Competence with Peers Questionnaire-Adult (SCP-A) (pais e professores) Social Competence with Peers - Child version (SCP-C) (crianças) |
Romero et al. (2019) | Test Wally de Sentimientos; Test de Evaluación de Habilidades Cognitivas de Resolución de Problemas Interpersonales (EVHACOSPI); Escala de Resolución de Problemas Sociales; Escala de Atribución Infantil (crianças) Escala de Habilidades Sociales; Escala de Calificación de Conductas Disruptivas (pais e professores) |
Tillman e Prazak (2019) | Perguntas abertas para crianças, pais e professores acerca das habilidades sociais das crianças |
Souza et al. (2019) | SSRS (crianças, pais e professores) Teste de Desempenho Escolar (TDE) (crianças) |
Kylliãinen et al. (2020) | Social Responsiveness Scale (SRS) (pais e professores) NEPSY-II e FEFA-2 (crianças) |
Cheung et al. (2021) | Social Skills Improvement System Rating Scales (SSIS-RS; versão chinesa); Grupo focal ou entrevistas; Goal Attainment Scaling (GAS) (pais) Strange Stories Test; Theory of Mind Inventory (ToMI-2) (crianças) |
Souza et al. (2021) | SSRS (crianças, pais e professores) Teste de Desempenho Escolar (TDE) (crianças) Observação (diário de campo) Entrevista (professora) |
Nota. Elaborado pelas autoras
Das 24 pesquisas internacionais, 19 utilizaram apenas escalas, inventários e questionários para avaliar o treinamento. Apenas três estudos utilizaram medidas quantitativas e qualitativas (Cheung et al., 2021; Dekker et al., 2014; Freitag et al., 2013). Quanto às técnicas qualitativas, destaca-se a utilização da entrevista com crianças e adolescentes (Freitag et al., 2013) e entrevistas individuais ou grupos focais com os pais (Cheung et al., 2021; Dekker et al., 2014). Tillman e Prazak (2019) utilizaram somente questões abertas sobre as habilidades sociais das crianças e entrevistaram-nas, seus pais e professores.
Em oito das 37 pesquisas, foram utilizados métodos observacionais. Para classificá-los como métodos quantitativos, identificou-se se havia atribuição de valores numéricos às respostas ou a submissão a análises estatísticas, hipóteses formuladas previamente, ou se objetivava apreender especificamente um aspecto. As observações qualitativas caracterizam-se por apresentar descrições do ambiente, dos eventos e das pessoas observadas (Bauer & Gaskell, 2017). Seis observações foram classificadas como quantitativas, pois o foco dos pesquisadores centrou-se em comportamentos específicos e quantificáveis, além de terem hipóteses prévias acerca do comportamento (Silva & Murta, 2009), utilizarem protocolos e o índice de concordância entre observadores (Falcão et al., 2016; Kylliäinen et al., 2020; Naves et al., 2011) e apresentarem as evidências de validade dos métodos observacionais (Deckers et al., 2016; Wilkes-Gillan et al., 2016). Apenas em um estudo pode-se caracterizar a observação como qualitativa, com uso de diário de campo (Souza et al., 2021). Em uma pesquisa, os autores não descreveram suficientemente o método, o que não permitiu a sua classificação (Dekker et al., 2014).
A análise dos estudos selecionados indicou a preponderância de métodos quantitativos em detrimento dos qualitativos, corroborando os achados de Tezer et al. (2019), que identificaram o predomínio de medidas quantitativas em pesquisas referentes a habilidades sociais infantis e encontraram menos estudos qualitativos ou com métodos mistos. No entanto, pesquisas qualitativas podem ser realizadas em ensaios clínicos randomizados para proporcionar a compreensão da complexidade das intervenções e dos contextos sociais no quais elas são testadas (O’Cathain et al., 2013). Questiona-se, a partir disso, a dicotomia entre os métodos quantitativos e qualitativos de pesquisa, pois parece haver um juízo de valores em relação às abordagens, como se um método ou outro acabasse por emergir como superior (Brannen, 2017).
Em pesquisas relacionadas à aquisição de HS, há indicações de que métodos qualitativos podem colaborar para a avaliação de intervenções (Cheung et al., 2021; Olsson et al., 2016; Rose & Anketell, 2009), embora tais técnicas sejam utilizadas, geralmente, em estudos preliminares (Rose & Anketell, 2009). No estudo de Barrera e Schulte (2009), os participantes relataram efeitos benéficos do THS, mas não referiram melhora significativa em nenhuma das medidas padronizadas. Considerando a satisfação dos participantes com a intervenção, as autoras concluíram que as respostas a questionários padronizados podem não refletir totalmente as experiências sociais ou os efeitos do treinamento.
Além disso, identificou-se a predominância do uso de apenas uma técnica de avaliação (questionários ou escalas) das habilidades sociais desenvolvidas durante as intervenções, contrariando as recomendações de experts na área (Del Prette & Del Prette, 2017; Gates et al., 2017). Referente ao instrumento para avaliação de HS mais utilizado nas pesquisas, evidenciou-se o SSRS, citado em 13 estudos (sete brasileiros e seis internacionais), aspecto que corrobora as indicações de Freitas et al. (2016) e pode se justificar à medida que o instrumento é considerado mais abrangente por proporcionar a comparação da opinião de três informantes (pais, professores e criança) e está diretamente ligado à intervenção. Também é relevante destacar que o SSRS pode ser considerado um instrumento relativamente fácil e prático de ser utilizado com todas as populações que podem respondê-lo, favorecendo a aplicação quanto ao tempo destinado à coleta de dados (Gates et al., 2017).
Das 13 pesquisas com o SSRS, cinco utilizaram o instrumento em suas três versões (para crianças, pais e professores) (Lopes et al., 2013; Koposov et al., 2014; Schulte et al., 2014; Souza et al., 2019; Souza et al., 2021). Um estudo utilizou as versões para professores e crianças (Batista & Marturano, 2015) e, em outro, aplicaram-se os instrumentos com pais e crianças (Barrera & Schulte, 2009). Em três investigações, apenas professores responderam (Elias & Amaral, 2016; Elias & Marturano, 2016; Ferreira & Munster, 2017) e, em uma, apenas crianças foram as respondentes (Dang et al., 2017). Em duas pesquisas, as informações foram coletadas com pais e professores (Dekker et al., 2014; Dekker et al., 2019).
Entretanto, o SSRS não prevê itens ou dimensões que abarquem crianças com desenvolvimento atípico, mais especificamente com TEA. No Brasil, a SSRS-BR está validada para crianças de seis a 13 anos com desenvolvimento típico e com deficiência intelectual (Freitas et al., 2016). Para Gresham et al. (2011), o Social Skills Improvement System Rating Scales (SSIS-RS) oferece a pesquisadores e profissionais que avaliam o comportamento social de crianças e jovens uma conceituação mais ampla dos principais comportamentos, incluindo subescalas de TEA, bullying, comunicação e engajamento, e resultados de avaliação com qualidade psicométrica superior quando comparado ao SSRS.
No presente estudo, foram encontradas 13 pesquisas no contexto internacional, com crianças com diagnóstico de TEA. Apenas três delas utilizaram o SSIS-RS (Chester et al., 2019; Cheung et al., 2021; Weiss et al., 2013) para avaliação da intervenção. Nas demais, as HS foram avaliadas por meio de: SRS, SRS-2, SSRS, ESTIA (Efficacy of Social Skills Training in Autism), ASSP (Autism Social Skills Profile), SSO, SEP (Social-Emotional Profile), EQ, ATEC (Autism treatment evaluation checklist), GARS-2 (Gilliam Autism Rating Scale-second edition), ABAS-II (Adaptive Behavior Assessment System) e Vineland. O ESTIA é um questionário (não publicado) respondido pelos pais a respeito das habilidades sociais específicas que as crianças com TEA aprendem durante o THS (Dekker et al., 2019). A ASSP mensura o funcionamento social geral de crianças e adolescentes com TEA (Bellini & Hopf, 2007) e a SSO foi elaborada para observação e avaliação de HS de crianças com TEA por meio de um sistema de classificação. Até o presente momento nenhum estudo examinou as propriedades psicométricas da versão do SSO utilizada por Deckers et al. (2016).
O SEP mede a competência social, auxilia na distinção de questões emocionais e comportamentais e torna possível medir os efeitos de uma intervenção (Guivarch et al., 2017). Não há informações, entretanto, de que o SEP se destina especificamente a sujeitos com TEA. O EQ foi elaborado para identificar se a empatia de crianças com TEA é alterada após a participação no grupo de THS (Guivarch et al., 2017). A GARS-2 avalia a interação social, a comunicação e os comportamentos estereotipados em crianças com TEA por meio do relato de pais ou responsáveis e professores (Najafabadi et al., 2018). O ABAS-II mensura habilidades cognitivas, sociais e práticas em casa, escola e nos momentos de lazer (Jonsson et al., 2019). Por fim, a Vineland foi utilizada nos estudos a fim de caracterizar o funcionamento adaptativo (Dekker et al., 2014; Dekker et al., 2019).
Quanto aos participantes dos estudos analisados, as crianças aparecem como respondentes em 28 publicações. Dentre estas, três apresentaram as crianças como as únicas participantes que preencheram as medidas de avaliação. Esse dado é relevante, pois, historicamente, pesquisadores da área de Psicologia do Desenvolvimento e de outros campos do conhecimento consideravam as crianças mais comumente como objetos de estudo do que sujeitos de pesquisa (Campos-Ramos & Barbato, 2014). Perspectivas mais contemporâneas de pesquisa com crianças reconhecem-nas como as pessoas mais apropriadas para fornecer informações sobre si e seus problemas, desde que as formas de investigação sejam adaptadas ao seu n desenvolvimental (Kellet & Ding, 2004). No entanto, o risco de os participantes de pesquisas com intervenções realizarem avaliações sobre si é que eles tendem a superestimar as melhorias percebidas em suas habilidades sociais (Gates et al., 2017). Por isso, é indicado que se incluam, dentro das possibilidades das investigações diversos informantes, a fim de permitir que o fenômeno seja capturado por meio de diferentes perspectivas (Cummings et al., 2000), além de identificar se os comportamentos aprendidos no THS foram generalizados para outros contextos.
Considerações Finais
Embora métodos quantitativos estejam associados à pesquisa com intervenção, estudos na área de treinamentos de habilidades sociais em grupos com crianças indicam a importância da realização de avaliação com diferentes instrumentos e técnicas e com múltiplos informantes. Quanto ao primeiro aspecto, diversos instrumentos padronizados e observações sistemáticas foram utilizados nas investigações citadas. Não foram encontradas, nas bases pesquisadas, investigações que se propusessem a identificar os significados atribuídos pelos participantes à sua experiência de participar de um THS em grupo. Com isso, foi possível identificar uma lacuna na literatura sobre estudos que tenham pesquisado o que as crianças sentiram, pensaram e vivenciaram em intervenções de habilidades sociais em grupo e, consequentemente, das metodologias que possibilitariam acessar tais informações. Assim, refuta-se a hipótese de que técnicas variadas de avaliação de treinamentos de habilidades sociais em grupo com crianças seriam predominantemente encontradas em uma mesma pesquisa, conforme indicação da literatura da área (Del Prette & Del Prette, 2017; Gates et al., 2017). Nesta revisão, houve preponderância de estudos que utilizaram apenas medidas padronizadas (quantitativas) para avaliar a intervenção aplicada, com menor proporção de estudos qualitativos ou mistos.
Identificou-se também que alguns estudos realizados com crianças com TEA utilizaram instrumentos como o SSRS, destinados a crianças sem as características do espectro autista. Além disso, notou-se que não há estudos de evidências de validade do SSIS-RS no Brasil, bem como não foram encontradas publicações no contexto brasileiro, com os descritores adotados, acerca de pesquisas com crianças com TEA. A ausência de tais estudos dificulta a elaboração e replicação de intervenções relacionadas às HS com essapopulação no Brasil.
Além disso, propõe-se em estudos futuros a substituição da dicotomia historicamente estabelecida entre pesquisas com abordagens quantitativas e qualitativas, pela adoção de métodos mistos que possam favorecer a apreensão integral dos fenômenos estudados. Na presente proposta, considerar-se-ia, por exemplo, que medidas objetivas e padronizadas nem sempre abarcariam completamente o que se aprendeu e vivenciou em um THS.
Outro aspecto que merece destaque em pesquisas com populações infantis é a inclusão das crianças como informantes principais a respeito de si mesmas. Entretanto, é necessário atentar-se aos métodos utilizados para a obtenção das informações e os possíveis vieses, como a desejabilidade social. Na presente revisão, diferentes estudos incluíram múltiplos informantes, isto é, além de consultarem as crianças, pais, professores e pesquisadores participaram do processo de avaliação do treinamento de habilidades sociais em grupo, confirmando a hipótese, baseada na literatura, de que o processo de avaliação de intervenções requer a participação de diversos informantes.