O falar em público é considerado um poderoso estressor psicossocial (Osório et al., 2008), podendo ser fonte de angústia e prejuízos significativos em contextos sociais e ocupacionais (Pull, 2012). De acordo com Ritchie (2016), para falar e realizar apresentações em público, é necessário que o indivíduo possua uma série de competências, como habilidades organizacionais (por exemplo, tempo de apresentação, organização e formatação do material visual utilizado) e uso adequado da linguagem profissional, corporal e do contato visual. Além disso, frente à tarefa de falar em público, cabe ao sujeito conseguir lidar de maneira adequada com várias manifestações que podem interferir na sua apresentação, tais como: tremores, sudorese, gagueira, taquicardia, rubor, relaxamento dos esfíncteres, falhas na memória (“branco”), entre outras manifestações (Oliveira & Duarte, 2004).
Estudos epidemiológicos demonstraram que, na população universitária, problemas relacionados ao falar em público são bastante comuns (Fernández et al., 2015; Marinho et al., 2019). Um estudo realizado por Marinho et al. (2017) foi avaliada a prevalência do medo de falar em público em 1.135 universitários de uma universidade pública de Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais. Os resultados indicaram que 63,9% da amostra relatou possuir medo de falar em público, sendo mais prevalente em mulheres (72,5%), nos estudantes que participavam de poucas atividades de fala em grupo (84,8%) e naqueles que autopercebiam suas vozes como negativas, com altura de voz para o agudo e volume de voz baixo (68,7%). Além disso, foi verificado que as mulheres apresentavam mais pensamentos negativos frente à situação de falar em público quando comparadas aos homens.
Durante o período de permanência na universidade, é bastante comum o contato dos alunos com apresentações de seminários em público (Celeste et al., 2018; Werdiningsih & Mukminatien, 2023) e avaliações orais, que possuem como objetivo avaliar a capacidade do estudante de criar e transmitir um argumento de maneira atrativa, informativa e persuasiva (Nash et al., 2016). No entanto, essas avaliações são geradoras de ansiedade (Lima & Soares, 2015), o que pode afetar drasticamente o desempenho acadêmico e a saúde dos universitários que apresentam déficits em habilidades de falar em público, resultando em reprovações e evasão do ensino superior (Zimbardo, 1982). Nesse sentido, Angélico et al. (2012) destacaram que um bom repertório de habilidades de falar em público pode ser considerado indispensável tanto para o desempenho acadêmico quanto social dos universitários.
No mercado de trabalho, possuir um repertório de habilidades de falar em público também é muito importante (Morreale et al., 2017), pois várias profissões exigem que o indivíduo, pelo menos em algumas situações, fale em público (Jones et al., 2012). Nessas ocasiões, é necessário que o profissional seja capaz de se comunicar de maneira clara e eficiente (Ortiz et al., 2016) ao apresentar, por exemplo, resultados de um projeto, as vantagens de um produto, ou transmitir as decisões de uma companhia para uma audiência (Bolívar-Cruz & Verano-Tacoronte, 2018).
Os altos níveis de ansiedade, vivenciados em situações de falar em público, podem estar associados a interpretações errôneas sobre as possíveis reações fisiológicas que serão experimentadas, medo de possíveis consequências aversivas, falta de preparo e familiaridade com a tarefa de falar em público (Clevenger & Phifer, 1959) e autoavaliações negativas (Rossi-Barbosa et al., 2023). Em um estudo realizado por Marinho et al. (2019) com 1.124 universitários, de ambos os sexos, variando entre 17 e 63 anos, foi observado que estes relatavam uma autopercepção de voz ruim, bem como não acreditavam que conseguiam captar e manter a atenção do ouvinte, apresentavam mais medo de falar em público.
Ao examinar as associações entre as manifestações comportamentais e subjetivas de ansiedade apresentadas por 72 universitários do curso de psicologia, de ambos os sexos, na faixa etária entre 17 e 30 anos (M=21 anos; DP=2,73), Angélico e Bauth (2020) verificaram que, quanto mais elaborado o repertório de habilidades sociais de falar em público e mais positivas as autoavaliações (cognições) frente a essa tarefa, menor foi o grau de ansiedade experimentado nessa situação. Em outro estudo realizado por Weeks e Zoccola (2015) com 81 estudantes de psicologia, de ambos os sexos e com idade média de 19,86 anos (DP=1,39), foi constatado que as cognições relacionadas ao medo de avaliações negativas prediziam o aumento nos níveis de ansiedade frente a tarefas de falar em público.
Considerando a alta prevalência do medo de falar em público na população universitária (Fernández et al., 2015; Marinho et al., 2017) e que tarefas de falar em público são comuns no ensino superior (Celeste et al., 2018), evidencia-se a relevância social e educacional de se avaliar os fatores, como as autoavaliações (cognições) sobre o próprio desempenho diante de tais tarefas e as características sociodemográficas e ocupacionais, associados a um bom repertório de habilidades sociais de falar em público, uma vez que estudos com essa temática são escassos na literatura. Além disso, falar em público é uma habilidade importante para os estudantes universitários aprenderem e praticarem à medida que progridem na educação e em suas carreiras profissionais (Spieler & Miltenberger, 2016, Gallego et al., 2020, Werdiningsih & Mukminatien, 2023), o que destaca a importância de se realizar esse tipo de avaliação em estudantes provindos de diferentes áreas do conhecimento (ciências humanas, exatas e biológicas) e instituições de ensino superior (privada e pública). Dessa forma, a presente pesquisa teve como objetivo investigar os fatores sociodemográficos, ocupacionais e cognitivos (autoavaliações ao falar em público) preditores das habilidades sociais de falar em público dos universitários.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 818 universitários, com idade variando entre 17 e 57 anos (M=23,04, DP=5,50), de ambos os sexos, pertencentes às áreas de ciências humanas (n=318), exatas (n=302) e biológicas (n=198) de duas instituições de ensino superior, uma pública (n=478) e outra privada (n=340), situadas em duas cidades do interior do estado de Minas Gerais. Os seguintes cursos de graduação da instituição pública compuseram a amostra desta pesquisa: Ciências Biológicas, Filosofia, Física, História, Letras, Medicina, Pedagogia, Psicologia, Química, Ciências Econômicas, Engenharia de Produção, Engenharia Elétrica, Engenharia Mecânica, Matemática, Administração, Arquitetura e Urbanismo, Artes Aplicadas, Ciência da Computação, Ciências Contábeis, Comunicação Social (Jornalismo), Educação Física, Geografia, Música, Teatro e Zootecnia. Na instituição particular, os cursos foram: Administração, Arquitetura e Urbanismo, Direito, Enfermagem, Engenharia Civil, Engenharia de Produção, Fisioterapia, Medicina Veterinária, Odontologia e Psicologia.
Instrumentos
Inventário de Habilidades Sociais (IHS-Del-Prette). Instrumento de autorrelato, composto por 38 itens, que correspondem a uma ação ou sentimento do indivíduo diante de uma situação social. O respondente deve indicar a frequência com que ele age ou se sente em relação a cada situação interpessoal apresentada, por meio de uma escala do tipo Likert, que varia de nunca ou raramente a sempre ou quase sempre. (Del Prette & Del Prette, 2001).
A análise das propriedades psicométricas, no estudo original desse instrumento, com universitários obteve os seguintes resultados: índices positivos de discriminação dos itens, variando de 3,0 a 16,7; índices positivos de correlação dos itens com o escore total, com apenas dois não significativos e 10 abaixo de 0,30; consistência interna satisfatória com um alfa de Cronbach de 0,75; e estrutura fatorial com cinco fatores principais, avaliada pelo método alfa com rotação Varimax, cujos coeficientes alfa variaram de 0,74 a 0,96, explicando 92,75% da variância total. Os fatores foram denominados enfrentamento e autoafirmação com risco (Fator 1), autoafirmação na expressão de sentimento positivo (Fator 2), conversação e desenvoltura social (Fator 3), autoexposição a desconhecidos e situações novas (Fator 4) e autocontrole da agressividade (Fator 5) (Del Prette et al., 1998). A fidedignidade foi avaliada por meio do método teste e reteste, obtendo-se um coeficiente de correlação de 0,90 (p=0,001) (Bandeira et al., 2000).
Self Statements During Public Speaking Scale (SSPS). Instrumento autoaplicável que visa avaliar a autopercepção do desempenho na situação específica de falar em público. Foi desenvolvida por Hofmann e DiBartolo (2000), tendo sido adaptada para o contexto brasileiro por Osório et al. (2008), passando a chamar-se Escala de Autoavaliação ao Falar em Público. Em suas instruções, solicita-se que o respondente imagine as coisas que ele costuma pensar, sobre si mesmo, quando se encontra em alguma situação em que tenha que falar em público, considerando até que ponto ele concorda com as situações e anotando suas respostas em escala Likert, variando de 0 (discordo totalmente) a 5 (concordo inteiramente).
As qualidades psicométricas do instrumento são adequadas, em termos de fidedignidade e validade. A correlação dos itens com o escore total variou entre 0,44 e 0,71. A consistência interna apresentou um alfa de Cronbach de 0,90 para a escala total, 0,80 para a subescala de autoavaliação positiva (Fator 1) e 0,78 para a subescala de autoavaliação negativa (Fator 2). Para esta última subescala, a pontuação dos itens é invertida, ou seja, quanto menor a média da pontuação, maior a avaliação negativa que o indivíduo tem de si (Osório et al., 2008). A validade de construto foi estudada por meio da análise da estrutura fatorial, realizada pela técnica de Análise dos Componentes Principais com rotação Varimax. Foram extraídos os dois fatores mencionados, que corresponderam conjuntamente 52% da variância dos dados. A validade discriminativa foi analisada por meio do teste t de Student, com o objetivo de averiguar a capacidade da SSPS em discriminar os sujeitos em função do sexo. De acordo com os resultados, apenas a subescala negativa mostrou-se discriminativa (t=-4,802; p<0,001), evidenciando que as mulheres obtiveram menor média de pontuação, ou seja, maior avaliação negativa de si (Osório et al., 2012).
Questionário Sociodemográfico e Ocupacional. Te m como objetivo avaliar as características sociodemográficas e ocupacionais dos estudantes universitários. Foram avaliados: sexo, idade, escolaridade, estado civil, status de moradia, instituição de ensino superior, curso de graduação em que se encontrava matriculado, se possuía outro curso de graduação concluído ou algum curso profissionalizante, se trabalhava ou possuía renda própria, qual sua profissão e se ela possui contato direto com outras pessoas ou atendimento ao público, o tipo de escola em que concluiu o ensino médio (privada ou pública), se possui algum tipo de deficiência e fazia uso de algum medicamento psicotrópico.
Procedimento
Foi utilizada a técnica de amostragem não probabilística denominada amostra proposital, cuja hipótese básica é de que, com um bom julgamento e uma estratégia apropriada, pode-se selecionar com cuidado os casos que devem ser incluídos na amostra e, assim, desenvolver amostras que sejam satisfatórias de acordo com as necessidades de uma pesquisa (Selltiz et al., 1987). O julgamento utilizado para a obtenção da amostra deste estudo foi a escolha de alunos matriculados no quinto período dos cursos de graduação, pois acreditou-se que nele: (a) os alunos já perfizeram metade do percurso na universidade e, dessa forma, tenham se estabelecido no curso em que estão matriculados; e (b) os alunos não tenham sido expostos ainda aos estágios curriculares obrigatórios, que podem promover o desenvolvimento ou aprimoramento de suas autoavaliações e habilidades sociais específicas de falar em público e, desse modo, interferir na interpretação dos resultados.
Em algumas ocasiões, durante a coleta de dados, foi necessário selecionar estudantes de períodos iniciais porque, para alguns cursos de graduação, o quinto período ou períodos anteriores já possuíam práticas de estágio em suas grades curriculares. Dessa forma, adotou-se como estratégia selecionar o período anterior mais próximo ao citado, em que os estudantes ainda não tivessem contato com esses estágios. Além disso, em casos que a turma submetida à aplicação dos instrumentos possuísse alunos de outros períodos, o pesquisador questionava se estes tinham experiência em estágios curriculares obrigatórios e, em caso afirmativo, informava sua dispensa da participação do estudo.
A aplicação dos instrumentos de medida foi realizada pelo pesquisador de forma coletiva, em sala de aula, mediante a autorização do coordenador do curso e do professor responsável pela disciplina ministrada no horário da coleta de dados. O pesquisador explicou aos alunos os objetivos e procedimentos do estudo, convidando-os a participar. Para aqueles que aceitaram, foi solicitada a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e, posteriormente, que o assinasse. Os alunos que não concordaram em participar, por qualquer motivo, foram dispensados da atividade.
Os universitários receberam, então, um caderno contendo os instrumentos na seguinte ordem: Questionário Sociodemográfico e Ocupacional, Inventário de Habilidades Sociais (IHS-Del-Prette) e Escala para Autoavaliação ao Falar em Público (SSPS). O procedimento completo de coleta de dados durou aproximadamente uma hora.
A realização desta pesquisa foi autorizada pelas duas instituições de ensino superior e devidamente aprovada pela Comissão de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPES) e Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) das universidades (CAAE nº 64713817.0.1001.5545 e nº 64713817.0.3001.5116, respectivamente). A coleta de dados ocorreu de acordo com as normas éticas, conforme a Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. A participação dos universitários foi voluntária e a coleta de dados realizada após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por eles e pelos coordenadores dos cursos de graduação de ambas as instituições.
Análise de Dados
Os dados coletados foram analisados por meio do programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0 para Windows. Os testes estatísticos foram conduzidos adotando-se o nível de significância de p<0,05. Foram realizadas análises estatísticas descritivas, por meio de cálculo de médias, desvios padrão e porcentagens para a descrição das características sociodemográficas e ocupacionais da amostra e para analisar os escores dos instrumentos IHS-Del-Prette e SSPS. O tamanho amostral obtido nesta pesquisa foi de 818 participantes, logo, conforme o teorema central do limite (Bussab & Morettin, 2017), pode-se afirmar que a distribuição amostral da média das observações se aproxima de uma distribuição normal e, por isso, adotou-se a inferência paramétrica para todas as análises realizadas neste estudo. Além disso, para todas as variáveis investigadas neste estudo (sociode-mográficas e ocupacionais), o escore total das habilidades sociais de falar em público (HSFP) apresentou distribuição normal, considerando os critérios propostos por George e Mallery (2010), com valores de assimetria e/ou curtose dentro de ±2.
Os dados relativos à idade, escores totais e fatoriais da SSPS e o escore total das habilidades sociais de falar em público (HSFP), extraído do IHS-Del-Prette, foram correlacionados por meio do teste de Correlação Linear de Pearson, respeitando os seguintes critérios de classificação da magnitude do relacionamento entre as variáveis: bem fraca (de 0,00 a 0,19); fraca (0,20 a 0,39), moderada (0,40 a 0,69); forte (0,70 a 0,89); e muito forte (0,90 a 1,0) (Cohen, 1988). Para a análise do escore geral da HSFP foram selecionados e somados os itens do IHS que melhor se ajustassem à habilidade de falar em público, a saber: itens 9 (“Evito fazer exposições ou palestras a pessoas desconhecidas”), 11 (“Em uma sala de aula ou reunião, se o professor ou dirigente faz uma afirmação incorreta, eu expresso meu ponto de vista”), 14 (“Faço exposição (por exemplo, palestras) em sala de aula ou no trabalho, quando sou indicado(a)”), 16 (“Em um grupo de pessoas conhecidas, se não concordo com a maioria, expresso verbalmente minha discordância”) e 29 (“Na escola ou no trabalho, quando não compreendo uma explicação sobre algo que estou interessado(a), faço as perguntas que julgo necessárias ao meu esclarecimento”). Esses itens tiveram em comum o componente de falar e/ou se expor em público, alguns deles com possibilidade de rejeição, réplica, ou de oposição por parte do(s) interlocutor(es) (Angélico et al., 2012).
Uma análise de regressão linear múltipla foi realizada para investigar o poder preditivo das características sociodemográficas, ocupacionais e cognitivas (referentes às autoavaliações ao falar em público) em relação às HSFP dos estudantes universitários. Para selecionar as variáveis sociodemográficas, ocupacionais e cognitivas que seriam utilizadas nesta análise, foi empregado o teste t de Student, ANOVA de um fator (com post hoc de Bonferroni) e o teste de Correlação Linear de Pearson. Dessa forma, foram utilizadas as variáveis identificadas como significativas (p<0,05) e, a partir de recomendações de Hosmer e Lemeshow (2000), aquelas com valores de p≤0,25. Esses autores recomendam que sejam utilizadas as variáveis que apresentarem p≤0,25, pois elas podem se tornar significativas após o uso do método Stepwise com critérios de entrada e saída estabelecidos em 0,10 e 0,15, respectivamente (Draper & Smith, 1998).
O tamanho do efeito foi calculado com base nas orientações de Field (2009) e classificado da seguinte forma: pequeno (0≤ d<0,3), médio (0,3≤ d<0,5) e grande (d ≥0,5). As fórmulas para obtenção dos tamanhos do efeito são exibidas abaixo.
a) Fórmula de cálculo do tamanho do efeito para teste t de Student. Leia-se r como tamanho do efeito, t para a estatística do teste t de Student e gl para os graus de liberdade.
b) Fórmula de cálculo do tamanho do efeito para ANOVA. Leia-se R o tamanho do efeito, SSM como soma de quadrados do modelo e SST como soma de quadrados total.
Resultados
Na análise das correlações entre as HSFP e as autoavaliações (cognições) frente a essa tarefa, foram observadas correlações positivas e significativas entre o escore total das HSFP e os escores total e das subescalas positiva e negativa da SSPS (r=0,55; r=0,44; r=0,51, respectivamente; p<0,001), todas com magnitude moderada. Esses resultados são concordantes com os dados de outro estudo, indicando que, quanto mais elaborado fosse o repertório de habilidades sociais de falar em público dos universitários, mais positivamente eles avaliaram os próprios desempenhos frente a esta situação (Angélico et al., 2018).
Na Tabela 1, encontram-se os dados relativos às análises das variáveis sociodemográficas e ocupacionais relacionadas ao escore geral da HSFP. Para a condução destas análises, foi utilizado o teste t de Student e ANOVA de um fator (com post hoc de Bonferroni) para variáveis categóricas e o teste de Correlação Linear de Pearson para variáveis contínuas.
Tabela 1 Análise Univariada das Variáveis Sociodemográfcas e Ocupacionais em Relação às HSFP
Variáveis | Categorias | n | HSFP | ||
---|---|---|---|---|---|
Média (DP) | Testes Estatísticos | Tamanho do Efeito (Classifcação) | |||
Sexo |
Masculino Feminino |
346 472 |
11,31 (4,14) 9,79 (4,46) |
t=4,946 p<0,001* |
0.17 (M) |
Estado Civil |
Sem companheiro Com companheiro |
753 65 |
10,36 (4,38) 11,31 (4,46) |
t=-1,678 p=0,094 |
0.06 (P) |
Status de moradia |
Sozinho Com alguém |
54 764 |
10,56 (5,12) 10,42 (4,33) |
t=0,184 p=0,855 |
0.024 (P) |
Instituição de Ensino Superior |
Privada Pública |
340 478 |
10,35 (4,46) 10,49 (4,34) |
t=-0,439 p=0,661 |
0.015 (P) |
Áreas do conhecimento |
Ciências Humanas Ciências Exatas Ciências Biológicas |
318 302 198 |
10,36 (4,43) 10,69 (4,36) 10,16 (4,35) |
F=0,938 p=0,392 |
0,048 (P) |
Outro curso de graduação |
Sim Não |
51 767 |
11,90 (4,22) 10,34 (4,38) |
t=-2,478 p=0,013* |
0.09 (P) |
Curso profssionalizante |
Sim Não |
239 579 |
10,98 (4,58) 10,21 (4,29) |
t=-2,312 p=0,021* |
0.08 (P) |
Ensino médio |
Pública Privada |
526 292 |
10,45 (4,56) 10,40 (4,06) |
t=0,178 p=0,859 |
0.00 (P) |
Trabalha ou possui renda própria |
Sim Não |
353 465 |
11,22 (4,50) 9,83 (4,20) |
t=-4,547 p<0,001* |
0.16 (M) |
Contato direto com o público ou outras pessoas no trabalho |
Sim Não |
284 534 |
11,39 (4,57) 9,92 (4,21) |
t=-4,611 p<0,001* |
0.16 (M) |
Possui algum tipo de defciência |
Sim Não |
19 799 |
10,84 (3,67) 10,42 (4,40) |
t=-0,411 p=0,681 |
0.01 (P) |
Medicamento psicotrópico |
Sim Não |
42 776 |
10,10 (4,73) 10,45 (4,37) |
t=0,512 p=0,609 |
0.02 (P) |
Idade | - | - |
r=0,106 p=0,002* |
- |
Nota. HSFP=Habilidades Sociais de Falar em Público; n=número de participantes; DP=desvio-padrão; t=t de Student; F=F de Fischer; r=coefciente de Correlação de Pearson. *=diferença ou relação signifcativa. P=Pequeno; M=Médio; G=Grande
Foram verificadas diferenças positivas e significativas nas variáveis categóricas sexo, outro curso de graduação, curso profissionalizante, trabalha ou possui renda própria e contato direto com o público ou outras pessoas no trabalho. Quanto às variáveis contínuas, observou-se que o escore geral da HSFP se correlacionou de forma positiva e significativa com a idade dos participantes. Dessa forma, constatou-se que os universitários do sexo masculino e aqueles que possuíam outro curso de graduação, curso profissionalizante, trabalho ou renda própria e contato direto com o público ou outras pessoas no trabalho, exibiam um repertório de habilidades sociais de falar em público mais elaborado. Além disso, pode-se afirmar que, quanto mais velhos eram os participantes, mais refinadas eram suas habilidades sociais frente à tarefa de falar em público. As variáveis sexo, trabalha ou possui renda própria e contato direto com o público ou outras pessoas no trabalho foram as que apresentaram maior tamanho de efeito, ou seja, moderado.
Para investigar os fatores sociodemográficos, ocupacionais e cognitivos (referente às autoavaliações ao falar em público) preditores da HSFP no modelo de regressão múltipla, foram selecionadas as variáveis sexo, estado civil, outro curso de graduação, curso profissionalizante, trabalha ou possui renda própria, contato direto com o público ou outras pessoas no trabalho e idade da Tabela 1 e a variável SSPS-Total, pois apresentaram p≤0,25 (Hosmer & Lemeshow, 2000). Em seguida, foi aplicado o método Stepwise, com probabilidades de entrada e saída estabelecidas em 0,10 e 0,15, respectivamente (Draper & Smith, 1998). Esse método apresenta o modelo final selecionado, cujas variáveis estão apresentadas na Tabela 2(SSPS-Total, sexo e trabalha ou possui renda própria).
Tabela 2 Análise de Regressão Linear Múltipla das Variáveis Sociodemográfcas, Ocupacionais e Cognitivas Associadas às HSFP
Variáveis | Beta | Erro Padrão | Beta Padronizado | t | p | Medidas de Ajuste |
---|---|---|---|---|---|---|
Constante | 2,153 | 0,527 | 4,088 | p<0,001 | R²=0,319 | |
SSPS-Total | 0,245 | 0,14 | 0,526 | 18,008 | p<0,001 | F=128,334 |
Sexo | -0,998 | 0,258 | -0,112 | -3,870 | p<0,001 | p<0,001 |
Trabalha ou possui renda própria | 0,818 | 0,258 | 0,092 | 3,177 | p=0,002 | DW=1,823 |
Nota. t=t de Student; p=probabilidade associada; SSPS=Escala de Autoavaliação ao Falar em Público; R²=coefciente de determinação F=F de Fischer; DW=índice de Durbin-Watson
Os resultados mostraram que a SSPS-Total foi a variável preditora mais importante comparativamente às demais. O modelo de regressão (F=128,334; p<0,001) é dado por: "HSFP=2,153+0,245 x SSPS-Total – 0,998 x Sexo + 0,818 x Trabalha ou possui renda própria". Esses resultados indicam que as habilidades sociais de falar em público eram mais desenvolvidas em indivíduos com mais autoavaliações positivas, nos homens e naqueles sujeitos que possuíam trabalho ou renda própria. As variáveis citadas foram apresentadas em ordem decrescente de importância para o modelo.
Discussão
O presente estudo permitiu observar as relações entre algumas variáveis sociodemográficas e ocupacionais dos universitários e HSFP. Os resultados encontrados neste estudo reforçam aqueles apresentados na literatura (Bolsoni-Silva & Loureiro, 2015), indicando que os universitários do sexo masculino e aqueles que possuíam emprego apresentavam um repertório de HSFP mais elaborados quando comparados às mulheres e universitários que não possuíam trabalho, bem como uma ausência de diferenças dessas habilidades entre os estudantes que moram sozinhos ou acompanhados. No que se refere ao sexo, supõe-se que esses resultados podem estar relacionados às demandas e expectativas socioculturais que são mais permissivas com os homens e mais restritas para as mulheres, tornando a tarefa de falar em público um desafio maior para o sexo feminino (Bauth et al., 2019).
Com relação aos efeitos positivos das variáveis idade e possuir trabalho ou renda própria, contato direto com público ou outras pessoas no trabalho, outro curso de graduação e/ou curso profissionalizante sobre o repertório de HSFP, acredita-se que esses achados possam ser explicados devido a um contato dos universitários mais velhos e/ou com demandas que requeiram essas habilidades, resultando, assim, em um melhor refinamento delas. De acordo com van Ginkel et al. (2015, 2016), as situações de falar em público promovem oportunidades para que os indivíduos desenvolvam suas competências de apresentações orais e reduzam o medo de falar em público. Ademais, os autores salientaram que o feedback de profissionais auxilia o aumento do senso de autoeficácia e refinamento da competência para apresentações orais.
No ambiente universitário, os alunos podem possuir mais oportunidades de praticar as suas capacidades de expressão oral e receber feedback de colegas e instrutores, auxiliando-os no desenvolvimento de suas habilidades de falar em público (Werdiningsih & Mukminatien, 2023). Nesse sentido, salienta-se que professores devam ser cuidados ao fornecer feedback corretivo a alunos em tarefas de falar em público para não propiciar um aumento no medo dessas tarefas. Além disso, comportamentos amigáveis e cooperativos dos professores podem ajudar a fazer com que os alunos se sintam dispostos e confortáveis para falar em aula (Ngoc & Dung, 2020).
No que se refere à análise de regressão, verificou-se que as variáveis preditoras para as HSFP, em ordem de importância, foram: SSPS-Total, sexo e trabalha ou possui renda própria. Nesse sentido, níveis mais positivos de autoavaliações ao falar em público, ser do sexo masculino e trabalhar ou possuir renda própria estão associados às HSFP mais elaboradas. Para Rossi-Barbosa et al. (2023), avaliações mais positivas da própria performance em falar em público estão associadas a habilidades de comunicação mais desenvolvidas e níveis mais baixos de medo de falar em público.
De maneira geral, o presente estudo possibilitou um avanço no conhecimento da área, considerando que não foram identificados estudos que investigassem a associação das autoavaliações ao falar em público com as HSFP de universitários. Em acréscimo, foi observada uma relação direta entre as autoavaliações ao falar em público e as habilidades sociais específicas dessa tarefa. Por conseguinte, evidencia-se a importância de se realizar esse tipo de avaliação, envolvendo as duas variáveis, no planejamento de programas que tenham como objetivo reduzir os déficits e promover um melhor desempenho em tarefas de falar em público. Verifica-se na literatura que, dentre as possibilidades de intervenção, o Treinamento de Habilidades Sociais, realizado em grupos, é indicado como uma alternativa efetiva para o desenvolvimento interpessoal na população universitária (Lima & Soares, 2015; Lopes et al., 2017).
Segundo Caballo (2003), as autoavaliações sobre o próprio desempenho social são um dos componentes cognitivos das habilidades sociais. Nesse sentido, segundo o autor, autoavaliações positivas estão presentes em comportamentos socialmente habilidosos. No que diz respeito às variáveis sociodemográficas e ocupacionais supracitadas, não foram encontrados outros estudos na literatura que investigassem seu poder preditivo em relação às HSFP, apontando a necessidade de outras pesquisas para análises mais consistentes.
Os resultados encontrados nesta pesquisa indicam a necessidade de novos estudos com amostras mais amplas, que incluam universitários de todas as áreas de conhecimento e tipos de instituição de ensino superior (pública e privada), distribuídos em diferentes regiões do país. Dessa forma, será possível assegurar maior validade externa aos dados obtidos. Além disso, destaca-se a importância de serem realizadas pesquisas longitudinais para verificar se ocorrem mudanças nos níveis de autoavaliações e das habilidades sociais de falar em público dos universitários, durante a sua permanência na graduação.