A resiliência tem sido entendida como uma capacidade relevante para o enfrentamento dos desafios apresentados pela sociedade moderna (Brandão & Nascimento, 2019; Walker, 2020). Embora não seja possível identificar uma definição consensual, nota-se que há uma tendência em afirmar que a resiliência seja uma característica positiva envolvida nos processos de adaptação individual e na moderação dos efeitos negativos do estresse diante da exposição a um evento adverso (Castillo et al., 2016; Garmezy, 1974; Masten & Barnes, 2018; Reppold et al., 2012; Rutter, 2012; Satapathy et al., 2020).
Ao longo das últimas cinco décadas, nota-se um esforço científico crescente em compreender os diferentes aspectos desenvolvimentais da resiliência, as características da pessoa resiliente, os fatores de risco e de proteção envolvidos na promoção de comportamentos resilientes e os processos de avaliação da resiliência (Castillo et al., 2016; Masten, 2018; Rutter, 2012; Oliveira & Nakano, 2018, 2019). Dentre esses temas, a avaliação da resiliência é uma das áreas que tem experimentado maiores desafios. Isto porque, como consequência das diversas áreas de interesse, há divergências sobre a origem, a estrutura e a expressão da resiliência (Masten, 2020). Tais questões impactam de forma importante o processo de construção de medidas objetivas. Como resultado desse cenário, ainda que existam propostas de instrumentos para a avaliação da resiliência (Satapathy et al., 2020), há críticas importantes acerca da validade desses materiais, uma vez que, especialmente as escalas de autorrelato, são mais bem caracterizadas como instrumentos de ajustamento social (Reppold et al., 2012). Por essas razões, nota-se que estratégias qualitativas são mais comumente empregadas em processos avaliativos (Oliveira & Nakano, 2018, 2019).
Diante dessas questões, destaca-se a necessidade, amplamente discutida na literatura, de que instrumentos adequados e com acúmulo de evidências suficientes sejam apresentados, a fim de que o fenômeno-alvo seja avaliado e que as conclusões decorrentes dessa avaliação sejam coerentes à expressão do fenômeno nas diferentes faixas etárias (Ambiel & Carvalho, 2017; Aera et al., 2014; Freitas & Damásio, 2017; Reppold et al., 2014).
Visando colaborar com a diminuição dessa lacuna, um instrumento chamado Marcadores de Resiliência Infantil (MRI) foi desenvolvido (Oliveira & Nakano, 2020). O material tem como fundamentação teórica o modelo de resiliência proposto por Castillo et al. (2016), no qual entende-se que a resposta resiliente é produto da interação de seis elementos fundamentais: a identificação de uma situação de risco (vulnerabilidade), a adaptação positiva (coping), o manejo de emoções para alcançar um desfecho positivo (inteligência emocional), a avaliação positiva de sua história (bem-estar subjetivo), a capacidade de manejo comportamental acadêmico (locus de controle) e a busca por excelência em suas atividades (habilidade).
Considerando as críticas previamente citadas quanto aos formatos tradicionalmente utilizados para avaliação da resiliência (Reppold et al., 2012), assim como a orientação presente na literatura quanto a seleção de estratégias de avaliação na infância (Borges & Baptista, 2018), o formato selecionado para os itens foi o de julgamento situacional. Dessa forma, o instrumento é composto por 22 itens, apresentados como pequenas histórias. As personagens principais, chamam-se Nino e Nina, por serem abreviações de menino e menina. Essas personagens, alternam-se em cada história, experimentando uma situação desafiadora típica do cotidiano infantil, como perder-se dos cuidadores em uma loja, decidir entre lazer e responsabilidades escolares, mediar conflitos entre pares, dentre outras situações (Oliveira & Nakano, 2021). No momento em que a personagem deve decidir como agir, a história é interrompida e solicita-se ao avaliando que ele selecione uma, entre três opções, que melhor corresponde ao que ele faria, caso fosse a Nina ou o Nino.
As qualidades psicométricas do material foram investigadas em diversas oportunidades. Inicialmente, as autoras buscaram construir as opções de respostas por meio de entrevistas cognitivas; participaram 20 crianças com idades entre oito e 12 anos (M=8,95; DP=0,99). Para a seleção das opções que compõem o instrumento, colaboraram 16 juízes, mestres e doutores em avaliação psicológica, que classificaram as repostas como resilientes, aceitáveis e não resilientes. Esses mesmos juízes também avaliaram a pertinência teórica das histórias com base no modelo de resiliência de Castillo et al. (2016). Após essas ações, o material ainda foi submetido a um estudo piloto, do qual participaram 43 crianças com idades representantes dos extratos extremos da população-alvo, isto é, de 8 e de 12 anos, sendo 24 crianças alunos do 3º ano do ensino fundamental e 19 crianças, do 6º ano. Os participantes relataram bom entendimento dos contextos e vocabulários presentes nas histórias (Oliveira & Nakano, 2020).
Também foi investigada a estrutura interna do instrumento, meio da análise fatorial confirmatória. O estudo contou com a participação de 461 crianças (M=9,75; DP=1,25), sendo 48,37% (n = 223) meninas. O estudo apontou para a adequação dos dados a uma estrutura bifatorial composta por um fator geral e seis fatores específicos, sendo eles: vulnerabilidade, coping, inteligência emocional, bem-estar subjetivo, locus de controle e habilidade, corroborando o modelo teórico (Oliveira et al., 2021). Quanto a precisão do MRI, dois estudos foram realizados. O primeiro, conduzido juntamente ao anterior, analisou os coeficientes do α de Cronbach, que variaram entre 0,44 e 0,86. O valor inferior foi observado para o fator Bem-estar subjetivo e o mais alto para o fator geral (Oliveira et al., 2021). O segundo estudo avaliou a precisão por teste-reteste. Deste, participaram 155 crianças, 45,80% do sexo feminino (n=71), com idades entre oito e 12 anos (M=10,10; DP=1,41). Os dados foram coletados com intervalo de duas semanas e analisados por meio dos coeficientes de correlação de Spearman, cujos valores variaram de 0,31 (Bem-estar Subjetivo) a 0,77 (fator geral; Oliveira & Nakano, 2021).
Quanto a relação com variáveis externas, foram realizados dois estudos. O primeiro, do tipo critério, buscou compreender se o MRI era capaz de diferenciar as médias dos participantes considerando seus contextos de origem. Assim, colaboram 500 crianças, (n=277; 55,40%) meninos, com idades entre oito e 12 anos (M=9,86; DP =1,28), divididos em cinco grupos: crianças de escola pública rural, crianças de escola pública em contexto de violência urbana, crianças de escola particular bilíngue, crianças de escola pública que frequentavam atividades em Organizações da Sociedade Civil (OSC) em contraturno escolar e um grupo de atletas de base de times de futebol. Os resultados foram submetidos à análise da variância, que indicou diferença significativas nas médias dos diferentes grupos, destacando-se o grupo de crianças que, além da escola, frequentavam atividades em OSCs (Oliveira et al., 2019).
O segundo estudo referente à relação do MRI com variáveis externas, foi do tipo divergente e investigou os coeficientes de correlação entre os escores do MRI e da Escala de Stress Infantil (ESI – Lipp & Lucarelli, 2005). Foram observadas correlações negativas, de baixa magnitude e significativas entre o fator Inteligência emocional (MRI) e os fatores Reações psicológicas com componentes depressivos, Reações psicofisiológicas e Total (ESI). Também foram identificadas correlações baixas e significativas entre o fator Locus de controle (MRI) e Reações psicológicas com componentes depressivos (ESI), entre o fator Habilidade (MRI) e o fator Reações Psicológicas (ESI), e o Fator Geral (MRI) e o fator Reações psicológicas com componentes depressivos (ESI; Oliveira & Nakano, 2021).
Dentre as diversas possibilidades de investigação das qualidades psicométricas realizadas junto ao instrumento, nota-se a ausência de estudos voltados à análise dos itens, por meio da Teoria de Resposta ao Item (TRI). Esse tipo de análise baseia-se no pressuposto de que a resposta que um avaliando oferece a um item está diretamente relacionada ao nível que esse sujeito possui do traço latente, isto é, da aptidão, característica ou constru- to avaliado pelo item (Conde & Laros, 2007; Pasquali, 2018). Nesse caso, os traços relacionados à resiliência.
O desenvolvimento desse tipo de estudo visa somar novas evidências de validade para o instrumento, por meio da análise da propriedade de seus itens, consistindo em outro modo de se investigar as evidências de validade com base na estrutura interna, dada a possibilidade de se usar os resultados para dar sentido à escala formada pelos itens e, consequentemente, dar origem a uma proposta de interpretação dos dados (van der Linden & Hambleton, 1996). Isso porque a avaliação dos itens, por meio da aplicação da TRI, contribui para a quantificação dos níveis de habilidade dos sujeitos favorecendo a diferenciação entre indivíduos que apresentem recursos resilientes adequados daqueles que precisariam de suporte para o desenvolvimento desse potencial (Primi, 2004).
Estudos dessa natureza são escassos na literatura voltada à construção de instrumentos para avaliação da resiliência (DeSimone et al., 2016). É possível que esse quadro esteja associado ao fato de que os processos de avaliação da resiliência tradicionalmente são realizados a partir de estratégias qualitativas, como entrevistas e análise de discurso (Oliveira & Nakano, 2018). Portanto, ao empregar esse tipo de análise, espera-se que seja possível apresentar informações suficientemente aprofundadas sobre as características psicométricas do instrumento, especialmente dos itens que o compõem, o que vem sendo chamado de propriedade dos itens. Adicionalmente, são estimados os níveis de habilidades dos participantes da pesquisa na variável psicológica de interesse (theta). Tal método permite o estudo da associação entre as propriedades dos itens e dos sujeitos por meio do procedimento mapa de itens, por exemplo (Embretson & Reise, 2000).
Dito de outra forma, o presente estudo tem como objetivo aprofundar a compreensão das qualidades psicométricas do instrumento Marcadores de Resiliência Infantil (Oliveira & Nakano, 2022), fazendo-se valer, para isso, da análise de resposta ao item a fim de compreender as propriedades dos itens, assim como estimar os níveis de habilidade apresentados pelos participantes da pesquisa.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 461 crianças (223 do sexo feminino e 238 do sexo masculino), com idade entre oito e 12 anos (M=9,75; DP=1,25), sendo 413 alunos de escolas públicas e 48 de escola particular, localizadas em cidades da Região Metropolitana de Campinas e da Grande São Paulo. O detalhamento dessas informações é apresentado na Tabela 1.
Tabela 1 Detalhamento Sociodemográfico dos Participantes
Sexo feminino (n=223) | Sexo masculino (n=238) | Total (n=461) | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
F | % | F | % | F | % | |
Tipo de escola | ||||||
Pública | 198 | 88,79 | 215 | 90,34 | 413 | 89,59 |
Particular | 25 | 11,21 | 23 | 9,66 | 48 | 10,41 |
Total | 223 | 100 | 238 | 100 | 461 | 100 |
Ano escolar | ||||||
2º ano | 4 | 1,79 | 10 | 4,20 | 14 | 3,04 |
3º ano | 65 | 29,15 | 58 | 24,37 | 123 | 26,68 |
4º ano | 58 | 26,01 | 45 | 18,91 | 103 | 22,34 |
5º ano | 53 | 23,77 | 64 | 26,89 | 117 | 25,38 |
6º ano | 42 | 18,83 | 59 | 24,79 | 101 | 21,91 |
7º ano | 1 | 0,45 | 2 | 0,84 | 3 | 0,65 |
Total | 223 | 100 | 238 | 100 | 461 | 100 |
Idade | ||||||
8 | 47 | 21,08 | 42 | 17,65 | 89 | 19,31 |
9 | 66 | 29,60 | 53 | 22,27 | 119 | 25,81 |
10 | 48 | 21,52 | 65 | 27,31 | 113 | 24,51 |
11 | 42 | 18,83 | 52 | 21,85 | 94 | 20,39 |
12 | 20 | 8,97 | 26 | 10,92 | 46 | 9,98 |
Total | 223 | 100 | 238 | 100 | 461 | 100 |
Instrumento
Marcadores de Resiliência Infantil (MRI; Oliveira & Nakano, 2022). O instrumento tem como objetivo avaliar características resilientes em crianças com idades entre oito e 12 anos. É composto por 22 itens, em formato de breves histórias. As personagens principais são apresentadas como tendo a idade do avaliando. Em cada item, as personagens encontram-se em situações desafiadoras presentes no cotidiano infantil, cabendo ao respondente selecionar uma opção, dentre três apresentadas, que represente a forma como agiria caso estivesse na mesma situação da personagem principal. As opções de resposta são pontuadas como zero (resposta não resiliente), um (resposta adequada) e dois (resposta resiliente). Importante informar que a apresentação dessas opções é randomizada visando não favorecer o estabelecimento de um padrão automático ao longo da tarefa.
O MRI é composto por seis fatores específicos e um fator geral, cuja estrutura corrobora o modelo teórico que embasou a construção do material (Castillo et al., 2016), de modo que o primeiro fator é chamado de Vulnerabilidade, contém quatro itens. O segundo fator, denominado Coping, possui três itens. Por sua vez, o terceiro fator recebe o nome de Inteligência Emocional e possui quatro itens. O quarto fator, chama-se Bem-estar Subjetivo, contém três itens. O quinto fator, chamado de Locus de controle, possui cinco itens. O sexto fator, Habilidade, contém três itens. O fator Geral, portanto, é a soma de todos os itens, possuindo 22 itens, cuja pontuação máxima é 44 pontos. O material é composto por um caderno de aplicação colorido e ilustrado, folha de resposta ilustrada e folha de apuração para o avaliador, sendo, esta última, acompanhada de crivo de correção.
Procedimentos
Inicialmente o presente estudo foi submetido à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CAAE 66606517.5.0000.5481). Tendo sido aprovado, foram contatadas, por conveniência, escolas públicas e particulares, de modo que foi possível contar com a colaboração de três instituições pertencentes à Região Metropolitana de Campinas, e uma instituição de ensino localizada na Grande São Paulo, no Estado de São Paulo.
Encerrados os trâmites éticos iniciais, foram agendadas visitas às escolas, ocasiões em que correram as testagens, de forma coletiva em sala de aula e, em alguns casos, a aplicação ocorreu em um outro ambiente adequado disponibilizado pela escola, como biblioteca e sala de apoio. Comumente, o tempo necessário para a condução da aplicação do instrumento se deu por volta de 50 minutos, envolvendo o acolhimento inicial, a explicação da atividade, a aplicação do instrumento e o acolhimento final.
Análise de Dados
Para a análise dos itens, considerando sua natureza politômica, empregou-se o modelo Rasch-Andrich Rating Scale Model, estimado por meio do método Joint Maximum Likelihood, fazendo uso do software WINSTEPS 3.7 (Linacre, 2015). Para avaliação dos itens, estimou-se seus níveis de dificuldade, fixando a média da dificuldade dos itens em zero. Avaliou-se também os índices de ajuste (infit e outfit), bem como a correlação item-theta. Para interpretação dos índices de ajuste, foram consideradas as recomendações da literatura, sendo apontados como desajustes aqueles índices abaixo de 0,5 e superiores a 1,5, especialmente no infit. São esperadas também correlações item-theta maiores do que 0,30 (Wright & Masters, 1982).
Tendo em vista o tamanho reduzido dos fatores e considerando a existência do fator geral do instrumento (Oliveira et al., 2021), optou-se por realizar essas análises para o fator geral, sob a hipótese de que, dessa forma, seriam extraídas informações mais relevantes do funcionamento dos itens do MRI, configurando, assim, o que é denominado na literatura de unidimensionalidade essencial (Linacre, 2015). Portanto, para a dimensão avaliada, no caso o fator geral, foi construído o mapa de itens com o objetivo de estimar a quantidade média de habilidade (theta) necessária para o sujeito pontuar em cada item. Para avaliar a relação entre a dificuldade dos itens e os níveis de habilidades apresentados pelas pessoas, o procedimento mapa de itens será apresentado.
Por fim, o funcionamento diferencial dos itens (DIF) foi estimado considerando-se o sexo e a idade dos participantes. Como critério para avaliar a presença do DIF, foram seguidas as orientações da literatura (Jaloto, 2022; Pasquali, 2018), portanto, assumiu-se que um valor da estatística contraste, que indica diferença nos parâmetros de dificuldade do item estimado para os diferentes grupos, maior do que 0,50, positivo ou negativo, associado ao nível de significância estimado pela probabilidade Mantel-Haenszel menor do que 0,05, indicam a presença de DIF no item. Vale ressaltar que, para identificação do modelo, o método de ancoragem fixa a parâmetros das pessoas, nível de theta, liberando as estimativas de dificuldade dos itens para cada grupo, o que permite a comparação entre eles (Linacre, 2015). Cabe, ainda, informar que as idades dos participantes foram agrupadas, sendo o primeiro grupo composto pelas idades de oito e nove anos, e o segundo grupo composto por participantes com idades de dez, 11 e 12 anos. Isso se deu em função de hipóteses desenvolvimentais, considerando as habilidades de leitura e escrita e autonomia para realização da tarefa (Oliveira & Nakano, 2020).
Resultados
A primeira análise visou estimar a dificuldade dos itens e a adequação do ajuste destes ao modelo. Em relação ao ajuste, tal procedimento permite detectar diferenças entre o que foi predito pelo modelo e os dados que foram observados empiricamente (Smith Jr., 2004). Assim, fez-se uso de dois índices: infit (objetiva verificar as discrepâncias nos itens, cuja dificuldade se encontra próxima ao nível de habilidade do sujeito) e outfit (discrepância nos itens extremos da escala). Visando favorecer a compreensão das temáticas dos itens, a Tabela 2 apresenta os resultados relacionados à dificuldade dos itens com duas informações: a identificação por fator e a ordem de apresentação dos itens aos avaliandos.
Tabela 2 Propriedades dos Itens
Identificação do item nos fatores | Ordem de apresentação do item | b | infit | outfit | item-theta |
---|---|---|---|---|---|
BS3 | 17 | 0,78 | 1,10 | 1,25 | 0,30 |
V1 | 5 | 0,54 | 1,45 | 1,43 | 0,41 |
C1 | 7 | 0,49 | 0,93 | 0,86 | 0,62 |
V2 | 9 | 0,48 | 0,76 | 0,83 | 0,41 |
C2 | 11 | 0,44 | 0,69 | 0,76 | 0,49 |
H2 | 6 | 0,39 | 1,25 | 1,23 | 0,46 |
V4 | 21 | 0,25 | 0,98 | 0,97 | 0,49 |
IE3 | 18 | 0,12 | 0,90 | 0,81 | 0,58 |
LC1 | 8 | 0,05 | 0,89 | 0,85 | 0,60 |
V3 | 15 | 0,02 | 1,17 | 1,14 | 0,49 |
IE1 | 3 | −0,03 | 0,91 | 0,89 | 0,48 |
H1 | 2 | −0,06 | 1,13 | 1,23 | 0,34 |
LC5 | 20 | −0,07 | 1,07 | 1,06 | 0,49 |
H3 | 16 | −0,13 | 0,71 | 0,72 | 0,57 |
IE2 | 10 | −0,13 | 1,40 | 1,42 | 0,40 |
LC3 | 13 | −0,17 | 0,85 | 0,79 | 0,53 |
LC4 | 19 | −0,17 | 0,92 | 0,73 | 0,60 |
C3 | 14 | −0,34 | 0,93 | 0,72 | 0,62 |
LC2 | 12 | −0,45 | 0,89 | 0,70 | 0,61 |
BS2 | 4 | −0,50 | 1,19 | 1,20 | 0,36 |
BS1 | 1 | −0,62 | 1,14 | 1,13 | 0,42 |
IE4 | 22 | −0,88 | 1,16 | 0,89 | 0,48 |
Notas. V=Fator Vulnerabilidade; C=Fator Coping; IE=Fator Inteligência emocional; BS=Fator Bem-estar subjetivo; LC=Fator Locus de Controle; H=Fator Habilidade; b=dificuldade dos itens; item-theta=correlação item-theta
Os resultados, conforme apresentados na Tabela 2, indicaram que nenhum item apresentou desajuste no infit nem no outfit. Os valores mostraram-se dentro dos considerados ideais (entre 0,5 e 1,5), indicando a adequação dos itens para avaliação do traço latente. Os infits variaram entre 0,69 e 1,45, e os outfits oscilaram entre 0,70 e 1,43. De modo geral, todos os itens apresentaram correlação moderada e alta com o theta, indicando a adequação desses itens em recuperar o nível de theta dos respondentes. Ainda, o indicador de precisão utilizado pelos modelos da família Rasch person reliability sugeriu bom nível de precisão ao instrumento com coeficiente igual a 0,78.
Em seguida, o mapa de itens (Figura 1) foi elaborado de modo que sua visualização permitisse a interpretação das pontuações dos sujeitos, considerando-se os diferentes níveis da escala, ou seja, os thetas. Do lado esquerdo, são apresentados os resultados referentes às pessoas e, do lado direito, aos itens. A quantidade de # indica a concentração de pessoas em cada nível de habilidade (# = 4 pessoas). Em relação aos intervalos marcados na figura, o M representa a média (sendo importante notar que ela é diferente para as pessoas e para os itens), o S representa uma unidade do desvio padrão (positivo ou negativo) e o T representa duas unidades do desvio padrão.
De acordo com a Figura 1, os participantes apresentaram níveis de habilidade localizados entre −1 e +3,3. Em relação aos itens, eles apresentaram dificuldade entre −0,9 e +0,8. Os itens que apresentam melhor capacidade de discriminar indivíduos que apresentam níveis mais elevados de marcadores de resiliência são os que apresentam dificuldade mais elevada, no caso, BS3 (item 17), C1 (item 7), V1 (item 5) e V2 (item 9). Por sua vez, os itens IE4 (item 22) e o BS1 (item) foram aqueles que apresentaram menor nível de dificuldade. Assim, os indivíduos que apresentaram nível de habilidade mais elevado, possuem alta probabilidade de selecionar a opção cujo desfecho indica um comportamento adaptativo positivo, ou seja, resiliente. Ao contrário, os indivíduos com baixos níveis de habilidade possuem baixa probabilidade de selecionar as opções resilientes nesses itens.
Tais resultados apontam para o fato de que, para essa amostra, o teste apresentou mais itens que se concentraram na parte média/baixa do construto, conforme é possível observar na Figura 1.
Por fim, o funcionamento diferencial dos itens (DIF) foi investigado, considerando-se o sexo (G1 = feminino; G2=masculino) e idade dos participantes (G1 = 8 e 9 anos; G2=10, 11 e 12 anos). Sendo estas últimas agrupadas em função de características desenvolvimentais (Oliveira & Nakano, 2020, 2022).
Os resultados indicaram seis itens com DIF: três em relação a idade (13,63% dos itens) e três em relação a sexo (13,63% dos itens). Considerando-se a idade, os itens IE2 (item 10), LC1 (item 8) e H2 (item 6) atenderam aos dois critérios (DIF contrast e probabilidade). No caso do IE2 e H2, o funcionamento diferencial favorece os indivíduos com maior idade (10 a 12 anos), sendo mais fácil para eles. Nesse sentido, tal grupo precisa de menos habilidade para marcar a alternativa mais resiliente. No item LC1 acontece o contrário, sendo mais fácil para os menores (8 e 9 anos).
Para sexo, os itens V1 (item 5), BS3 (item 17) e H1 (item 2) apresentaram funcionamento diferencial. Em relação ao V1, ele apresentou DIF a favor do sexo feminino, sendo a dificuldade mais baixa para elas (0,22) do que para os participantes do sexo masculino (0,76) sendo que os dois critérios, DIF contrast e probabilidade, foram atendidos. Os outros itens, BS3 e H1, apresentaram DIF a favor do sexo masculino, sendo mais fácil de ser endossado pelos meninos, visto que eles precisam de menor nível de theta para endossarem a alternativa resiliente. Novamente, ambos os critérios para determinar o funcionamento diferencial do item foram atendidos.
Discussão
Considerando a importância da resiliência para a sociedade atual (Brandão & Nascimento, 2019; Walker, 2020), assim como a necessidade de desenvolvimento de instrumentos com acúmulo suficiente de evidências de validade (Ambiel & Carvalho, 2017; AERA et al., 2014; Freitas & Damásio, 2017; Reppold et al., 2014), o presente estudo foi realizado tendo como objetivo o aprofundamento das qualidades psicométricas de um instrumento para avaliação resiliência na infância chamado Marcadores de Resiliência Infantil (MRI, Oliveira & Nakano, 2020).
Conforme apresentado, o material foi investigado em diversas oportunidades, indicando razoável precisão (Oliveira et al., 2021) e evidências de validade de conteúdo, de estrutura interna, de relação com variáveis externas do tipo critério e divergente (Olivera & Nakano, 2020, 2021; Oliveira et al., 2019; Oliveira et al., 2021). Entretanto, não havia sido realizado estudo voltado à análise dos itens, sendo este o foco do presente estudo.
Investigações dessa natureza têm sido incentivadas, uma vez que o modelo estatístico da TRI favorece a compreensão da probabilidade de um indivíduo endossar um item em função de sua habilidade (Conde & Laros, 2007). Existem dois pressupostos centrais na TRI, sendo eles: a independência local e a unidimensionalidade. Pasquali (2018, p.19) afirma que, quando “mantidas constantes as aptidões que afetam o teste, menos o theta dominante, as respostas dos sujeitos a quaisquer dois itens são estatisticamente independentes” e, portanto, apresentam independência local. Por sua vez, na unidimensionalidade pressupõem-se que o conjunto de itens avalie apenas uma variável latente (Pasquali, 2018). Fundamentando-se no pressuposto da unidimensionalidade e considerando a estrutura interna do MRI (Oliveira et al., 2021), optou-se por realizar a análise dos itens a partir do fator geral do instrumento. Tal decisão apoiou-se, ainda, na quantidade de itens presentes em cada fator, pois o maior fator possui cinco itens, sendo mais frequente no instrumento fatores com três itens. Diante de tais decisões, procedeu-se com a análise deles.
Tabela 3 Funcionamento Diferencial dos Itens segundo Idade e Sexo
Itens | Nº do item no MRI | DIF – Grupo Idade | DIF – Grupo Sexo | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
b G1 | b G2 | DIF constr. | p | b G1 | b G2 | DIF constr. | p | ||
V1 | 5 | 0,48 | 0,58 | −0,10 | 0,5823 | 0,22 | 0,76 | −0,54 | 0,0003 |
V2 | 9 | 0,44 | 0,51 | −0,07 | 0,3619 | 0,56 | 0,42 | 0,14 | 0,4598 |
V3 | 15 | −0,01 | 0,02 | −0,02 | 0,3828 | 0,04 | 0,02 | 0,02 | 0,8297 |
V4 | 21 | 0,16 | 0,31 | −0,14 | 0,3513 | 0,28 | 0,22 | 0,05 | 0,7905 |
C1 | 7 | 0,31 | 0,62 | −0,31 | 0,0265 | 0,22 | 0,68 | −0,46 | 0,0263 |
C2 | 11 | 0,58 | 0,32 | 0,26 | 0,0423 | 0,44 | 0,44 | 0,00 | 0,6132 |
C3 | 14 | −0,51 | −0,22 | −0,28 | 0,1590 | −0,61 | −0,18 | −0,43 | 0,4391 |
IE1 | 3 | 0,07 | −0,09 | 0,16 | 0,2635 | −0,03 | −0,03 | 0,00 | 0,5743 |
IE2 | 10 | 0,29 | −0,50 | 0,79 | 0,0000 | −0,01 | −0,21 | 0,20 | 0,3724 |
IE3 | 18 | −0,14 | 0,30 | −0,44 | 0,0071 | 0,09 | 0,15 | −0,06 | 0,7373 |
IE4 | 22 | −1,03 | −0,78 | −0,25 | 0,1090 | −0,97 | −0,82 | −0,15 | 0,7229 |
BS1 | 1 | −0,36 | −0,82 | 0,46 | 0,0345 | −0,59 | −0,62 | 0,02 | 0,9044 |
BS2 | 4 | −0,27 | −0,69 | 0,43 | 0,2330 | −0,44 | −0,54 | 0,10 | 0,7479 |
BS3 | 17 | 0,84 | 0,73 | 0,11 | 0,1983 | 1,09 | 0,51 | 0,58 | 0,0065 |
LC1 | 8 | −0,33 | 0,28 | –0,61 | 0,0002 | -0,09 | 0,14 | −0,23 | 0,9128 |
LC2 | 12 | −0,45 | −0,45 | 0,00 | 0,7789 | −0,68 | −0,32 | −0,35 | 0,9501 |
LC3 | 13 | −0,25 | −0,10 | –0,15 | 0,1380 | –0,23 | –0,13 | –0,10 | 0,4037 |
LC4 | 19 | −0,37 | −0,04 | –0,34 | 0,1126 | –0,40 | –0,03 | –0,37 | 0,2971 |
LC5 | 20 | −0,28 | 0,07 | –0,35 | 0,1221 | –0,12 | –0,03 | –0,09 | 0,5252 |
H1 | 2 | 0,02 | −0,12 | 0,14 | 0,8203 | 0,29 | –0,34 | 0,63 | 0,0084 |
H2 | 6 | 0,73 | 0,11 | 0,62 | 0,0001 | 0,59 | 0,22 | 0,37 | 0,0237 |
H3 | 16 | –0,06 | −0,17 | 0,11 | 0,5133 | 0,03 | –0,23 | 0,26 | 0,0105 |
Nota. Grupo Idade: G1=8 e 9 anos, G2=10 a 12 anos; Grupo Sexo: G1=feminino, G2=masculino, Itens: V=Fator Vulnerabilidade, C=Fator Coping, IE=Fator Inteligência emocional, BS=Fator Bem-estar subjetivo, LC=Fator Locus de Controle, H=Fator Habilidade b=dificuldade, DIF constr.=contraste, p=probabilidade
Inicialmente, buscou-se estimar a dificuldade dos itens e a adequação do modelo. Os resultados apontaram que os itens BS3 (item 17), V1 (item 5) e C1 (item 7) apresentam-se como de maior dificuldade, ou seja, é necessário que o avaliando possua um nível mais elevado da habilidade investigada para que selecione o desfecho resiliente na história. Do ponto de vista dos contextos desses itens, cabe informar que o item BS3 apresenta a personagem principal em uma situação escolar, sendo solicitada a realizar uma redação sobre sua história de vida, ponderando aspectos positivos e negativos. Por sua vez, no item V1 (item 5) a personagem está em casa sem a presença de seus cuidadores e, nesse período, escuta barulhos diferentes e deve decidir como agir. Já no item C1 (item 7), a personagem principal e seus amigos quebram, sem intenção, a janela da casa de um vizinho e precisam decidir como lidar com a situação. Como pode-se observar, o contexto desses itens apresenta desafios mais complexos em comparação àqueles que tipicamente são experimentados na infância (Masten, 2018, 2020).
Por outro lado, os itens BS2 (item 4), BS1 (item 1) e IE4 (item 22), segundo os resultados, requerem menor habilidade resiliente para serem endossados. Os contextos apresentados nesses itens referem-se: a ponderar as diferenças positivas entre suas próprias experiências em comparação as de um colega, a identificar aspectos vantajosos na escolha de um presente em comparação à escolha do presente, feita pelo irmão e mediar a escolha de uma atividade quando o grupo de colegas querem coisas diferentes, respectivamente. Tais contextos mostram-se mais frequentes no cotidiano infantil, de modo que a habilidade de resolução dessas situações possa ser desenvolvida, com maior intensidade, ao longo da infância.
No que diz respeito aos índices de ajuste, os resultados apontaram para adequação dos itens, não sendo sugerida a exclusão de nenhum destes. Essas informações, isto é, o fato de não serem requeridas exclusões de itens, apontam para o acúmulo de evidências sobre a qualidade teórica e empírica dos itens, observado ao longo do processo de construção do MRI, pois, segundo Oliveira e Nakano (2020), incialmente as autoras desenvolveram 30 itens. Estes foram analisados por juízes que sugeriram a exclusão de três itens em função da ausência de concordância. Após essas ações, o material foi submetido à investigação de sua estrutura interna (Oliveira et al., 2021) que indicou a exclusão de outros cinco itens, uma vez que as cargas fatoriais identificadas apresentaram valores inferiores a 0,30. Assim, diante dessas informações, adicionadas ao resultado dos ajustes dos itens observadas neste estudo, pode-se afirmar que o conjunto de itens que compõem o MRI mostram-se adequados para a avaliação da resiliência na infância.
Quanto aos resultados observados junto ao mapa de itens, nota-se que a amostra investigada apresentou boa variabilidade da habilidade resiliente. Por sua vez, a dificuldade dos itens variou entre −0,9 e +0,8. Esses dados apontam para uma boa adequação da extensão da faixa de theta coberta pelo MRI sobre o fenômeno. Isto porque, ao estudar a resiliência os pesquisadores têm abandonado a noção de invulnerabilidade e assumido uma compreensão processual da resposta resiliente, defendendo que a resiliência é presente de forma indistinta na população (Garmezy, 1974; Masten, 2018, 2020; Rutter, 2012). Nesse sentido, embora seja teoricamente coerente que o material apresente maior número de itens que sejam sensíveis à níveis baixos de resiliência, pois favorecerá a identificação de indivíduos com necessidades de suporte para o desenvolvimento e fortalecimento de estratégias de adaptação positiva, é necessário ponderar que características específicas da amostra de participantes desta pesquisa, como o fato de estarem em cidades economicamente bem desenvolvidas para os padrões nacionais e, possivelmente, terem maior acesso a estratégias de enfrentamento, possam indicar que os participantes apresentem bons níveis de resiliência. Assim, é necessário que os resultados sejam compreendidos com parcimônia.
Outro aspecto investigado neste estudo diz respeito ao funcionamento diferencial dos itens, sendo analisadas as variáveis sexo e idade. Com relação a idade, foram observados três itens com DIF, os itens IE2 (item 10) e H2 (item 6) favoreceram os participantes com maior idade, enquanto o LC1 (item 8) favoreceu os participantes mais jovens. Considerando os itens IE2 e H2 pode-se ponderar que o contexto apresentado pelas personagens requer habilidades adquiridas a partir de experiências prévias. No item IE2, a personagem percebe a mãe brava ao chegar em casa em decorrência de uma situação vivida no trabalho. Por sua vez, no item H2, a professora da disciplina preferida da personagem solicita que os alunos se voluntariem para uma atividade extra. Observa-se que nessas duas situações, há especificidades que implicam na maturidade de diferenciar-se emocionalmente do problema (IE2) e envolver-se voluntariamente em uma tarefa que não envolve um reforço direto, como a nota escolar, por exemplo (Castillo et al., 2016).
Por outro lado, o item LC1 (item 8) favoreceu as crianças com idades menores, isto é, oito e nove anos. Ao observar o contexto do item, é possível identificar hipóteses, também desenvolvimentais que justifiquem esse funcionamento. No referido item, a personagem deve decidir entre sair para brincar com amigos ou realizar as atividades escolares. Conforme apresentado por Masten (2020), na adolescência, há uma maior valorização da relação com os pares no desenvolvimento de estratégias de adaptação positiva. A autora afirma que, em situações de catástrofes, adolescentes que possuem boa percepção de seu pertencimento na comunidade e com os pares apresentam melhores estratégias de adaptação positiva. Assim, é possível que já em pré-adolescentes, como é o caso da população investigada neste estudo, exista uma tendência em preferir a companhia dos pares em detrimento de responsabilidades, pois tal ação fortaleceria a percepção de pertencimento.
Quanto aos itens que apresentaram DIF em função da variável sexo, observou-se que o item V1 (item 5) favoreceu o grupo de meninas, enquanto os itens BS3 (item 17) e o H1 (item 2) favoreceram os meninos. Como apresentado anteriormente, o item V1 tem como contexto a personagem sozinha em casa e percebendo barulhos estranhos. Dentre as opções de resposta existem as seguintes possibilidades: ligar para um adulto e fechar-se em um cômodo seguro; esconder-se e sair para descobrir a razão dos barulhos. A pontuação das respostas, a partir da avaliação dos juízes se deu da seguinte forma, opção resiliente, adequada e não resiliente, respectivamente (Oliveira & Nakano, 2020). Assim, o que se pode notar é as meninas, com maior frequência optam pelo desfecho no qual protegem-se e procuram suporte de um adulto, por sua vez, os meninos tendem a selecionar o desfecho no qual expõem-se ao risco ao tentar descobrir a razão dos barulhos. Segundo Cosentino-Rocha e Linhares (2013), comportamentos de recuo diante de eventos que provoquem medo são mais presentes, e tolerados socialmente, em meninas. Ao passo que se espera que meninos apresentem o enfrentamento do medo com maior prontidão. Desse modo, pode-se hipotetizar que a expressão do comportamento resiliente pode ser experimentado e construído socialmente de diferentes maneiras considerando os papéis sociais femininos e masculinos (Masten, 2020; Oliveira, 2022).
Quando tomamos os contextos dos itens BS3 e H1, nota-se que são apresentadas situações em que a personagem deve ponderar sua história de vida para realizar uma redação e avaliar qual comprometimento deseja ter para integrar o time de vôlei da escola. Para o primeiro contexto, deve-se ponderar o que Masten (2020) afirma sobre as diferenças na expressão do sofrimento em grupos de meninas e meninos. Segundo a autora, meninas tendem a apresentar maior frequência de comportamentos internalizantes em comparação aos meninos. Considerando que as opções de reposta desse item apresentam os seguintes desfechos: deixaria as coisas tristes para trás e pensaria somente nas felizes (resiliente), pensaria que vivo mais experiências felizes em comparação as tristes (adequada) e prefiro não pensar em minha vida (não resiliente), nota-se que as meninas tendem a endossar os desfechos não resilientes em comparação aos meninos. Para o item H1, o contexto apresentado é esportivo, embora a opção de modalidade tenha sido o vôlei, é possível que aspectos culturais ainda presentes em nossa sociedade quanto a representatividade da mulher e o envolvimento destas no esporte possam influenciar as respostas dos participantes (Hill et al., 2018)
Por fim, cabe ponderar que a decisão tomada em realizar a análise dos itens a partir do fator geral mostrou-se valiosa por favorecer uma gama ampliada de informações sobre o MRI, não apenas no que diz respeito à distribuição da dificuldade e sensibilidade dos itens, de modo a compreender suas contribuições para a avaliação da resiliência, mas sobretudo para o funcionamento específico de alguns desses itens, assim como para as conclusões possíveis decorrentes do uso do material.
Ainda que os dados obtidos apontem para resultados favoráveis, é importante ponderar que o estudo foi conduzido com uma amostra de participantes de somente um Estado brasileiro, ainda em cidades economicamente bem desenvolvidas para os padrões nacionais. Portanto, é possível que amostra de participantes apresente vieses no que diz respeito ao acesso a estratégias de enfrentamento, de modo que é possível que haja diferenças nos funcionamentos dos itens quando analisadas amostras de outros Estados e regiões do país. Portanto, novos estudos que avaliem essas possíveis diferenças devem ser realizados.
Considerações Finais
Estudos de análise dos itens têm sido estimulados na literatura nacional e internacional em processos de investigação das qualidades psicométricas de instrumentos (Conde & Laros, 2007; Pasquali, 2018; Primi, 2004), pois contribuem para a compreensão da estrutura interna, auxiliam na organização das informações obtidas por meios dos itens, assim como favorecem a interpretação dos dados. Embora estudos dessa natureza não sejam frequentes (DeSimone et al., 2016), é possível afirmar que as contribuições decorrentes dessa análise para o MRI foram relevantes para o aprofundamento do funcionamento e das características psicométricas do material. Considerando o caráter cumulativo dessas características, sugere-se que estudos futuros sejam realizados ampliando a amostra de participantes, buscando maior variabilidade das regiões políticas a fim de que sejam analisados aspectos normativos no material. Adicionalmente, estudos que busquem os possíveis funcionamentos diferenciais dos itens em amostras com exposição a diferentes condições de vulnerabilidade podem colaborar para o aprofundamento das compreensões do instrumento.