De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019), em 2019, 383.286 divórcios foram concedidos em 1ª instância ou por escrituras extrajudiciais no país. O levantamento demonstrou ainda aumento gradativo nos índices de rupturas conjugais desde o ano de 2015, apresentando uma queda de apenas 0,5% no ano de 2018. Além do Brasil, estudos têm apontado o crescimento dos índices de separações em outros países (Al-Zamil et al., 2016; Amato, 2014; García et al., 2016; Gómes-Ortiz et al., 2017; Kolodziej-Zaleska & Przybyta-Basista, 2016).
Frente às mudanças sociais ocorridas na instituição familiar nas últimas décadas, muitas pesquisas surgiram com o intuito de investigar o efeito da ruptura conjugal na saúde e no bem-estar dos ex-cônjuges e dos filhos, atribuindo, por vezes, um caráter patológico ao divórcio (Amato, 2014; Homem et al., 2009). Pesquisas de revisão da literatura científica (Amato, 2014; Kelly & Emery, 2003) evidenciaram um número representativo de estudos empíricos que, ao comparar filhos(as) de pais casados e divorciados/separados, associaram o divórcio a problemas emocionais, comportamentais e de saúde, bem como ao baixo desempenho acadêmico dos filhos. Essa visão negativa, divulgada por muitos anos, exerceu influência na estigmatização de crianças e de famílias que vivenciaram o divórcio (Kelly & Emery, 2003).
Não obstante, alguns autores defendem que a configuração familiar por si só não interfere no desenvolvimento de crianças e de adolescentes, e sim, a qualidade das relações estabelecidas no contexto parental (Morgado et al., 2013; Wagner et al., 1999). Nesse sentido, destaca-se que, independentemente da configuração familiar (pais casados ou divorciados), os aspectos negativos associados ao desenvolvimento infantil poderiam ser explicados pela presença de psicopatologia em um dos pais, pelo estilo parental inconsistente e pelos baixos níveis de suporte social (Gómes-Ortiz et al., 2017; Morgado et al., 2013; Nunes-Costa et al., 2009; Potter, 2010).
Partindo dessa premissa, Roseiro e colaboradores (2020) afirmam que a presença de outros fatores de risco aumenta a probabilidade de sofrimento infantil frente à ruptura conjugal dos pais. Para tanto, Silva et al. (2019) ressaltam a importância de diferenciar conjugalidade (relativo à díade conjugal) e parentalidade (relativo ao exercício da atividade parental) para a manutenção dos vínculos após a dissolução do casamento.
De forma geral, o divórcio pode ser considerado um evento estressor que pode ocasionar: declínio no padrão de vida da família em decorrência da divisão de bens entre o ex-casal, mudança de casa, alteração da rotina e dos hábitos familiares, perda do contato diário com um dos pais, relação conflituosa entre os pais e divergências no exercício da parentalidade (Amato, 2014). Segundo Oliveira e Crepaldi (2018), o divórcio parental deve ser compreendido a partir de uma visão sistêmica, considerando os aspectos pessoais, relacionais e contextuais da família, o que inviabiliza explicações lineares e unicausais. Apesar dos inúmeros fatores que interferem no bem-estar de crianças diante do divórcio dos pais, considera-se o conflito interparental como um processo de desentendimento entre duas figuras parentais, o qual exerce influência no desenvolvimento infantil.
Para Sani (2017), a vivência para a criança de conflitos interparentais ocasiona sérias implicações ao seu ajustamento global, chegando a desenvolver comportamentos desadaptativos que podem persistir a curto, médio e longo prazos. A literatura demonstra associações positivas significativas entre o conflito interparental e problemas de comportamento, sintomas de ansiedade, depressão, somatização dos filhos (Lamela & Figueiredo, 2016) e níveis mais elevados de problemas de saúde mental infantil (O’Hara et al., 2019).
A partir dessa perspectiva, esse estudo teve como objetivo avaliar o estado emocional de crianças filhas de pais divorciados expostas a diferentes índices de conflito interparental, a partir do construto emoção, avaliado por meio da seleção de cores no Teste Pirâmides Coloridas de Pfister (TPC). Embora existam diversas pesquisas, sobretudo internacionais, que abordem a temática divórcio e conflito interparental, a literatura carece de estudos com a população infantil nesse contexto com uso do Pfister, o que demonstra a originalidade desta investigação.
De acordo com Villemor-Amaral (2015), as cores têm sido utilizadas como forma de expressão emocional desde os primórdios da humanidade, estando presentes no simbolismo das manifestações artísticas, culturais, rituais religiosos e na vida dos indivíduos. Para a autora, a cor é um estímulo natural que auxilia na percepção dos objetos, de modo que as impressões produzidas pela cor causam efeitos diversos no estado emocional das pessoas.
O psiquiatra suíço Herman Rorschach foi um dos pioneiros a identificar os diferentes tipos de respostas emocionais expressas pela cor, podendo revelar indicadores de controle e maturidade emocional (Miguel et al., 2016). Assim como Rorschach, Max Pfister, arquiteto, bailarino e cenógrafo, pautado em sua experiência com as cores e formas, percebeu a relevância da experiência subjetiva que as cores produziam nas pessoas e, com isso, criou o teste das pirâmides coloridas (Villemor-Amaral et al., 2014). Os estudos brasileiros indicaram evidências de validade para uso do Pfister com crianças, dentre eles, pode-se citar: Cardoso et al. (2018), Farah et al. (2014) e Villemor-Amaral et al. (2012).
Quanto ao indicador uso das cores, em uma pesquisa realizada por Villemor-Amaral et al. (2015), foi constatado que o emprego das cores divergiu de acordo com o sexo e a idade da criança, sob influência de fatores culturais. Frente ao exposto, formulou-se a seguinte hipótese: a escolha das cores no TPC pelas crianças poderá divergir conforme o grau de exposição ao conflito dos pais de forma que crianças expostas a altos índices de conflito interparental poderão apresentar comprometimento emocional.
Método
Participantes
A amostra foi composta por 27 crianças, sendo a maioria do sexo feminino (F=16; M=11). A idade dos participantes variou entre sete e 11 anos (M=8,96; DP =1,40). Foram considerados critérios de inclusão para participação na pesquisa: apresentar idade de sete a 12 anos de idade incompletos quando realizada a coleta de dados e dispor de condições físicas e psicológicas de desenvolvimento típico, com base em informações fornecidas pelos seus pais ou responsáveis quanto à presença de doenças físicas e/ou psicológicas. Assim sendo, uma criança foi excluída da amostra por ser portadora de daltonismo, o que inviabilizou a aplicação de um dos instrumentos de coleta de dados.
Instrumentos
Escala de Percepção dos Filhos sobre o Conflito Interparental (Children’s Perception of Interparental Conflict Scale – CPIC). Escala construída por Grych et al. (1992), baseada na teoria cognitiva-contextual de Grych e Fincham (1990) e desenvolvida para avaliar a percepção dos filhos sobre o conflito parental de seus pais. Nesse estudo, foi utilizada a adaptação de Hameister (2015), cuja versão brasileira é composta por 51 itens medidos a partir de uma escala tipo Likert de três pontos a partir de três alternativas (falso, mais ou menos verdadeiro e verdadeiro). O coeficiente alfa de Cronbach obtido para a escala na presente amostra foi de 0,65.
Teste Pirâmides Coloridas de Pfister (TPC). Instrumento expressivo, de caráter lúdico e não verbal, que fornece informações “sobre a maneira como a pessoa é estimulada pela carga emocional das situações e como expressa suas emoções” (Villemor-Amaral, 2014). Para os resultados, foi utilizada apenas a variável frequência das cores. No que diz respeito aos parâmetros psicométricos, os estudos de validade realizados com esse instrumento demonstraram a alta sensibilidade do TPC para a avaliação dos indicadores emocionais infantis (Villemor-Amaral, 2014). No TPC, cada cor possui um significado: o azul se relaciona ao controle emocional e à adaptação ao meio; o vermelho está associado à extroversão, irritabilidade, impulsividade e agressividade; o verde trata da esfera social, no que diz respeito ao contato e aos relacionamentos afetivos; o violeta refere-se à tensão e à ansiedade; o laranja indica produtividade e ambição; o amarelo reflete sinais de extroversão bem canalizada e adaptada ao ambiente; o marrom representa energia, ação e dinamismo; o preto se relaciona às características de repressão ou inibição afetiva; o branco está associado à fragilidade e à estabilidade precária da personalidade; e, por último, o cinza, que aponta para carência afetiva e insegurança emocional (Chagas, 2015; Villemor-Amaral, 2015).
Procedimentos
O presente estudo é parte de uma pesquisa de mestrado, cujo projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com seres humanos da Área das Ciências Humanas e Sociais sob o CAAE 77949317.6.0000.5690. Primeiramente, realizou-se o levantamento dos processos judiciais de divórcio, em tramitação, em duas comarcas de cidades do interior do estado de Mato Grosso, iniciados nos meses de janeiro de 2016 a dezembro de 2017, que abordavam a temática divórcio (consensual e litigioso) e cujos filhos apresentassem entre sete e 12 anos de idade incompletos. Foram excluídos os processos que a pesquisadora responsável atuou como perita no processo e quando da impossibilidade em estabelecer contato com as partes.
Após a seleção de processos, extraiu-se dos autos judiciais informações relativas ao contato telefônico das partes, sendo possível o contato telefônico com 43 pais, mães ou responsáveis. O convite para a participação na pesquisa foi realizado por telefone aos pais e/ou responsáveis pela criança. Foi solicitado o consentimento dos pais/responsáveis por meio da assinatura do Consentimento Livre e Esclarecido (CLE), bem como a concordância da criança em participar da pesquisa pelo Assentimento Livre e Esclarecido. A coleta de dados foi realizada em apenas um encontro e os instrumentos foram administrados individualmente.
A partir do resultado obtido na Escala de Percepção dos Filhos sobre o Conflito Interparental, a amostra foi dividida em três grupos: grupo de baixa exposição ao conflito interparental (G1), de média exposição ao conflito interparental (G2) e de elevada exposição ao conflito interparental (G3). A Escala de Percepção dos filhos sobre o Conflito Interparental (CPIC) foi utilizada para organizar os grupos quanto à exposição ao conflito interparental. Para a divisão dos grupos, foi realizado o procedimento Rank Cases do Statistical Package for the Social Sciences for Windows (SPSS) em sua versão 21.0, que permitiu fracionar a amostra em grupos aproximadamente proporcionais.
Em seguida, foram analisadas as estatísticas descritivas da amostra obtendo-se dados sobre a média, desvio padrão, resultado mínimo e máximo apresentado pelos grupos por meio do SPSS 21.0. A partir disso, foi realizada a análise estatística inferencial por meio do Teste de Kruskal Wallis e do Teste Exato de Fisher dos dados obtidos no TPC. O nível de significância adotado foi de p≤0,05. Para avaliar a magnitude do efeito, foi calculado o d de Cohen, adotando-se como valores de referência: d=0,20 como um efeito de pequena magnitude; d=0,50 como moderada; e d=0,80 como grande (Cohen, 1992).
Resultados
Inicialmente, foi realizada a organização dos grupos de exposição ao conflito interparental com base na Escala de Percepção dos Filhos sobre o Conflito Interparental (CPIC). A CPIC considera um intervalo na pontuação de 74 (mínima) a 126 (máxima) pontos. Nessa amostra, foi identificado valor mínimo de 84 pontos e valor máximo de 122 pontos. Assim sendo, o G1 (84-96 pontos) foi composto por oito crianças, o G2 (97-103 pontos), por nove participantes e o G3 (105-122 pontos), por dez crianças. Para verificar a equivalência entre os grupos, quanto ao sexo e à idade, foram realizadas análises estatísticas, que não indicaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (valor de p≤0,05). Quanto ao sexo, empregou-se o teste exato de Fisher (p=0,792) e para a idade, foi utilizado o teste Kruskal Wallis (χ2=2,33 e p = 0,312).
Para a descrição dos resultados do TPC, serão apresentadas as estatísticas descritiva e comparativa da frequência das cores, considerando aqui os valores que apresentaram diferenças estatísticas significantes. Quanto ao uso das cores, a Tabela 1 apresenta a estatística descritiva (média e desvio padrão), da variável frequência das cores nas três pirâmides executadas pelos grupos.
Tabela 1 Análise Descritiva da Frequência das Cores nas Três Pirâmides do TPC
Cores | G1 – M(DP) | G2 – M(DP) | G3 – M(DP) | Cores | G1 – M(DP) | G2 – M(DP) | G3 – M(DP) |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Az4* | 2,12 (2,10) | 1,55 (1,50) | 1,90 (1,66) | Vi3* | 1,12 (1,72) | 2,55 (3,08) | 1,50 (1,35) |
Az3* | 1,12 (0,64) | 2,00 (2,00) | 1,80 (1,54) | Vi2* | 2,00 (1,30) | 1,88 (1,53) | 2,30 (2,11) |
Az2* | 1,87 (1,24) | 2,11 (0,78) | 1,90 (1,59) | Vi1* | 1,87 (1,72) | 2,22 (1,30) | 1,50 (1,50) |
Azl* | 1,12 (1,80) | 2,22 (1,39) | 3,90 (4,38) | Vi Total | 5,00 (2,39) | 6,66 (3,84) | 5,30 (3,65) |
Az Total | 6,25 (1,98) | 7,88 (1,16) | 9,50 (2,99) | La2* | 2,00 (1,60) | 2,88 (2,14) | 1,80 (1,47) |
Vm4* | 1,25 (1,03) | 1,00 (1,32) | 1,40 (1,34) | La1* | 3,50 (3,20) | 2,11 (1,45) | 0,70 (0,82) |
Vm3* | 1,37 (1,68) | 1,33 (1,00) | 1,10 (0,87) | La Total | 3,50 (3,20) | 5,00 (2,06) | 2,50 (1,71) |
Vm2* | 2,50 (1,19) | 2,66 (2,12) | 4,30 (3,52) | Am2* | 1,37 (1,18) | 1,66 (1,65) | 2,20 (1,75) |
Vml* | 2,87 (1,72) | 2,66 (1,58) | 2,40 (1,89) | Am1* | 3,00 (2,44) | 2,66 (1,93) | 3,10 (2,42) |
Vm Total | 8,00 (3,38) | 7,66 (3,60) | 9,20 (3,15) | Am Total | 1,37 (2,92) | 4,33 (1,50) | 5,30 (3,49) |
Vd 4* | 0,87 (0,99) | 1,55 (1,58) | 0,90 (0,99) | Ma2* | 0,75 (1,16) | 0,66 (0,86) | 0,50 (0,52) |
Vd 3* | 1,50 (1,06) | 1,33 (1,73) | 1,20 (1,03) | Ma1* | 1,25 (1,03) | 0,77 (0,44) | 1,10 (1,59) |
Vd2* | 2,62 (3,02) | 1,66 (1,00) | 1,20 (1,13) | Ma Total | 2,00 (2,00) | 1,44 (1,13) | 1,60 (1,57) |
Vdl* | 1,62 (2,06) | 2,11 (1,26) | 2,20 (2,04) | Pr | 3,12 (1,88) | 1,22 (1,20) | 1,40 (1,26) |
Vd Total | 6,62 (2,50) | 6,66 (3,24) | 5,50 (2,06) | Br | 3,87 (4,67) | 2,22 (2,16) | 3,40 (4,62) |
Ci | 2,25 (1,58) | 1,88 (1,45) | 1,30 (1,33) |
Nota. M=(Média), DP=(Desvio Padrão), Mín.=(Mínimo), Máx.=(Máximo), Az=(Azul), Vm=(Vermelho), Vd=(Verde), Vi=(Violeta), La=(Laranja), Am=(Amarelo), Ma=(Marrom), Pr=(Preto), Br=(Branco) e Ci=(Cinza).
*As variações 1, 2, 3 e 4 referem-se às diferentes tonalidades de cores
Nota-se que a cor mais utilizada pelo G1 foi o vermelho (M=8,00 e DP=3,38), seguido do verde (M=6,62 e DP=2,50) e do azul (M=6,25 e DP=6,25). Por outro lado, as cores menos utilizadas por esse grupo foram o amarelo (M=1,37 e DP=2,92) e o marrom (M=2,00 e DP=2,00). Já no G2, houve predomínio no uso das cores azul (M=7,66 e DP=3,60) e vermelha (M=7,66 e DP=3,60), sendo reduzida a utilização das cores preta (M=1,22 e DP=1,20) e marrom (M=1,44 e DP=1,13) por esse grupo. Por fim, o G3 apresentou maior utilização das cores azul (M=9,50 e DP=2,99) e vermelha (M=9,20 e DP=3,15). Em contrapartida, menor utilização das cores cinza (M=1,30 e DP=1,33) e preta (M=1,40 e DP=1,26).
Para comparar os grupos quanto à frequência das cores, o teste de Kruskal-Wallis foi utilizado. Os resultados indicaram que apenas na cor azul os grupos apresentaram diferenças estatisticamente significativas [χ2(2) = 6,372; p = 0,041]. O post-hoc do referido teste demonstrou que o G1 difere do G3, com valor de p=0,036, demonstrando que o G3 apresentou maior frequência (MED=3,00) no emprego da cor azul do que o G1 (MED = 1,50).
Quando realizada a magnitude do efeito para o emprego das cores no TPC, esta foi categorizada como alta, além da cor azul, nas cores preta e laranja, apresentadas na Tabela 2.
Tabela 2 Magnitude de Efeito Alta quanto à Cor no TPC na Comparação entre os Grupos
Variáveis | G1 (n=08) | G2 (n=09) | d de Cohen |
---|---|---|---|
M (DP) | M (DP) | ||
Pr | 3,12 (1,88) | 1,22 (1,20) | 1,22 |
G1 (n=08) | G3 (n=10) | ||
M (DP) | M (DP) | ||
Az Total | 6,25 (1,98) | 9,50 (2,99) | 1,25 |
G2 (n=09) | G3 (n=10) | ||
M (DP) | M (DP) | ||
La1 Total | 2,11 (1,45) | 0,70 (0,82) | 1,21 |
La Total | 5,00 (2,06) | 2,50 (1,71) | 1,32 |
Nota. M=(Média), DP=(Desvio Padrão), Az=(Azul), La=(Laranja), Pr=(Preto)
Comparando-se o G1 e G2, houve maior uso do preto em crianças expostas a um menor índice de conflito interparental. Quando comparados o G1 e G3, constatou-se uso mais frequente da cor azul em crianças que perceberam altos níveis de conflito interparental. Foram identificadas magnitudes do efeito classificadas como alta, quanto ao emprego da cor laranja entre o G2 e o G3, mais especificamente, na tonalidade La1. Os resultados demonstraram que o G2 utilizou mais a cor laranja quando comparado ao G3.
Ao comparar a frequência das cores com as referências da amostra normativa do teste (Villemor-Amaral, 2014), obteve-se as classificações diminuído, médio e aumentado em relação ao uso das cores, as quais serão apresentadas na Tabela 3.
Tabela 3 Frequência quanto à Classificação no Emprego das Cores no TPC
Az | Vm | Vd | Vi | La | Am | Ma | Pr | Br | Ci | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
f | f | f | f | f | f | f | f | f | f | ||
G1 | Diminuído | 2 | 3 | 2 | 3 | 2 | 2 | 0 | 0 | 1 | 0 |
Médio | 6 | 3 | 5 | 5 | 4 | 3 | 7 | 6 | 5 | 6 | |
Aumentado | 0 | 2 | 1 | 0 | 2 | 3 | 1 | 2 | 2 | 2 | |
G2 | Diminuído | 0 | 2 | 3 | 3 | 0 | 2 | 2 | 3 | 2 | 1 |
Médio | 8 | 4 | 4 | 3 | 6 | 5 | 7 | 6 | 6 | 6 | |
Aumentado | 1 | 3 | 2 | 3 | 3 | 2 | 0 | 0 | 1 | 2 | |
G3 | Diminuído | 1 | 1 | 3 | 3 | 6 | 1 | 3 | 2 | 2 | 3 |
Médio | 3 | 5 | 7 | 4 | 2 | 6 | 6 | 7 | 6 | 6 | |
Aumentado | 6 | 4 | 0 | 3 | 2 | 3 | 1 | 1 | 2 | 1 |
De forma geral, observou-se que os grupos G1 e G2 demonstraram predominância de classificação média quanto ao emprego das cores e o G3 revelou maiores alterações nessas variáveis, especificamente, na cor azul (aumento) e laranja (diminuição), o que pode indicar excesso de controle emocional (azul aumentado) e baixa produtividade (laranja diminuído). Essas alterações apresentadas pelo G3 também foram reforçadas quando investigada a comparação entre os grupos para cada uma das cores. Os achados identificaram que apenas as cores azul e laranja apresentaram significância estatística.
No que diz respeito ao indicador de frequência da cor azul, os resultados foram semelhantes aos obtidos na amostra normativa do teste (Villemor-Amaral, 2014). Em contrapartida, foram constatadas diferenças estatisticamente relevantes nesse indicador quando comparados os grupos G1 e G3 (p=0,025) e G2 e G3 (p=0,032), bem como na comparação dos três grupos (p=0,007). Os dados indicam que, quanto mais a criança é exposta ao conflito interparental, o uso da cor azul é mais frequente.
No que tange o indicador frequência da cor laranja, os resultados encontrados identificaram que os grupos G1 e G2 apresentaram resultados compatíveis com a amostra normativa do teste quanto ao uso da cor laranja (Villemor-Amaral, 2014). Contudo, verificou-se diferenças estatisticamente significativas (p = 0,017) apenas entre os grupos G2 e G3. Enquanto o G2 revelou resultados médios e aumentados na utilização da cor laranja, constatou-se o rebaixamento dessa cor no G3.
Discussão
O objetivo do presente estudo foi avaliar o estado emocional de crianças filhas de pais divorciados expostas a diferentes índices de conflito interparental a partir do construto seleção de cores no Teste Pirâmides Coloridas de Pfister (TPC). De acordo com os dados obtidos, a cor mais utilizada pelas crianças deste estudo foi o azul, que, segundo Villemor-Amaral (2014), é a cor mais frequente usada por crianças. Tal cor está relacionada à capacidade de controle e adaptação.
Em estudo realizado por Chagas (2015) com crianças e adolescentes para a normatização do TPC para esse público, também foi encontrado como cor mais utilizada a azul. De acordo com Areco (2018), a presença da cor azul pode demonstrar a presença de mecanismos de regulação emocional. Ademais, na faixa etária das crianças estudadas (7 a 11 anos), indica-se um momento de aprendizagem de emoções a partir de crenças adquiridas, bem como a compreensão de emoções mistas, como a culpa (Franco & Santos, 2015), reafirmando os achados da presente pesquisa.
Já a cor vermelha, mais utilizada pelo G1 (de baixa exposição), está ligada à extroversão, à irritabilidade, à impulsividade e à agressividade. Tais resultados vão ao encontro do estudo de precisão e validade do TPC de Farah et al. (2014), no qual a cor vermelha foi a mais empregada em um grupo de 200 crianças. Esses dados indicam que as cores mais usadas pelos grupos deste estudo são as mesmas cores amplamente utilizadas por crianças em estudos normativos (Villemor-Amaral, 2014) e de validade (Farah et al., 2014).
O uso da cor preta foi maior em crianças expostas a um menor índice de conflito interparental (G1 e G2). O preto se caracteriza como uma cor acromática e pode sugerir evitação do estímulo colorido e, portanto, indícios de repressão das emoções (Villemor-Amaral, 2014). Em estudos realizados por Villemor-Amaral et al. (2012), Chagas (2015) e Farah (2010) constataram que as crianças mais velhas apresentaram maior uso da cor preta. Uma explicação possível para o aumento do emprego da cor preta em crianças nos anos que antecedem a adolescência, segundo Farah (2010), é que, nessa fase, a criança vivencia um período de intensas mudanças, além de estar inserida em um contexto em que precisa aceitar as regras e, para isso, utiliza como “freio” a inibição.
Outra variação quanto ao emprego da cor preta entre o G1 e G2 pôde ser explicado pela faixa etária dos participantes. Dessa forma, considerando que os grupos G1 e G2 apresentaram uso médio quanto a cor preta, a maior utilização do preto pelo G1 pode ser explicada pela razão desse grupo ser composto por crianças com faixa etária mais avançada, além de 50% de seus componentes apresentarem idade de 11 anos. Em contrapartida, o G2 foi composto por crianças mais novas.
Quanto à comparação entre o G1 e G3, constatou-se o uso mais frequente da cor azul em crianças que perceberam altos níveis de conflito interparental. Conforme Villemor-Amaral (2014), o uso do azul está associado ao controle emocional. Considerando o aspecto cultural quanto ao uso das cores, Villemor-Amaral et al. (2015) identificaram que a cor azul é mais empregada por meninos do que por meninas no TPC. No entanto, tal análise não justifica o uso mais frequente do azul pelo G3, já que esse grupo apresentou o mesmo número de participantes tanto para o sexo feminino quanto para o sexo masculino. Isso sugere que o G3 apresentou uma tendência maior a evitar ou a se distanciar de situações muito estimuladas afetivamente, bem como revelou níveis aumentados de controle emocional (Villemor-Amaral, 2014).
Uma explicação possível para os referidos resultados pelo G3 pode ser pelo fato de que as crianças da presente pesquisa tendem a apresentar habilidades vinculadas à compreensão do meio e das situações por meio da mobilização de recursos psicológicos e sociais, permitindo, assim, que a criança lide com mudanças ou situações de vida (Vasco et al., 2010), que, nesse caso, pode ser decorrente dos conflitos interparentais vivenciados, sendo essa habilidade mais evidente no grupo de alta exposição.
Foram constatadas magnitudes do efeito classificadas como alta quanto ao emprego da cor laranja entre o G2 e o G3, mais especificamente, na tonalidade La1. Os resultados demonstram que o G2 utilizou mais a cor laranja quando comparado ao G3. O laranja relaciona-se à energia, à disposição e à produtividade (Villemor-Amaral, 2014). Nesse sentido, o uso reduzido dessa cor no G3 pode revelar indícios de passividade ou submissão, bem como repressão das emoções (Villemor-Amaral, 2015), ou seja, crianças com maior exposição aos conflitos interparentais podem apresentar aspectos emocionais mais retraídos e inibidos que crianças menos expostas aos conflitos interparentais. O maior uso do laranja, por sua vez, pode refletir maior criatividade em crianças, conforme descrito no estudo de Villemor-Amaral et al. (2014).
Conforme Oliveira (2010), ambientes familiares mais repressivos, pouco comunicativos e com muitas regras, podem ser inibidores do desenvolvimento criativo nas crianças. Todavia, relações parentais mais conflituosas podem levar algumas crianças a serem criativas, ou seja, desenvolvendo recursos criativos para compensar o ambiente limitador, bem como, às suas frustrações.
Por outro lado, no que tange ao emprego da cor azul, foram constatadas diferenças estatisticamente relevantes na comparação dos grupos G1 e G3 (p = 0,025), G2 e G3 (p=0,032), bem como na comparação dos três grupos (p=0,007). Os dados indicam que à medida que a criança é exposta ao conflito interparental, ela tende a utilizar com mais frequência a cor azul. A partir disso, entende-se que a alta exposição ao conflito interparental pode provocar sentimentos de inferioridade, retraimento, insatisfação, rigidez, excesso de controle e tendência a evitar situações com forte teor emocional (Villlemor-Amaral, 2014; 2015).
Esses achados estão em consonância com outros estudos que comprovam a relação entre o nível de conflito interparental percebido e as alterações emocionais em crianças (Casimiro, 2014; Negrão & Giacomozzi, 2015; Stallman & Ohan, 2016). Quanto ao aspecto social, uma pesquisa realizada por Davies et al. (2018) constatou que crianças que vivenciaram intensos conflitos interparentais apresentaram aumento quanto à insegurança emocional. Outra evidência é de que, quanto mais conflitos os pais manifestam após o divórcio, maior a incidência de sentimentos depressivos nas crianças (Kalmijn, 2016). Da mesma forma, Casimiro (2014) identificou que, quanto maior for a percepção da exposição ao conflito interparental aos filhos, maior o nível de problemas emocionais e comportamentais apresentados pelas crianças.
Os dados apresentados quanto aos indicadores emocionais retratam a influência da percepção do conflito interparental nas características emocionais das crianças. Assim sendo, constatou-se que as crianças que perceberam altos níveis de conflito interparental revelaram alterações quanto ao controle emocional, à energia e à produtividade. Diante do exposto, os resultados obtidos nessa investigação confirmaram a hipótese de que o conflito interparental interfere negativamente no estado emocional dos filhos. Isso significa que crianças que percebem altos níveis de conflito interparental podem revelar menor energia e disposição, inibição e passividade (Villemor-Amaral, 2014), além da contenção quanto à expressão da criatividade (Villemor-Amaral et al., 2014).
Considerações Finais
O divórcio acarreta mudanças significativas na família, principalmente, na vida dos filhos. Além de ser um evento estressor, o presente estudo demonstrou que crianças que vivenciam o processo de ruptura conjugal dos pais e expostas a altos índices de conflito interparental podem apresentar excessivo controle emocional, rigidez e repressão de sentimentos em situações com muito estímulo afetivo. Outra característica apresentada por crianças que perceberam altos níveis de conflito interparental se refere à passividade, inibição, insegurança, sentimentos de inferioridade, baixa produtividade, o que sugere prejuízos ao desenvolvimento infantil. Isso indica que existe uma estreita relação entre o conflito interparental e o bem-estar infantil.
Considerando que são escassas as pesquisas e publicações acerca do Teste Pirâmides Coloridas de Pfister (TPC), destaca-se que a presente pesquisa apresenta contribuições sociais e científicas. No que diz respeito às contribuições sociais, fornece dados complementares para o uso do teste Pfister em crianças expostas em situações de conflito interparental e a identificação de aspectos emocionais, o que pode orientar a busca por recursos protetivos que irão moderar ou minimizar os efeitos negativos do divórcio e do conflito parental na vida dos filhos. No que tange às contribuições científicas, o estudo apresenta uma análise das cores utilizadas no teste Pfister, ampliando, assim as interpretações e compreensões da aplicabilidade de tal instrumento.
Entretanto, cabe destacar algumas limitações do estudo. Primeiramente, a amostra que constituiu o estudo foi uma amostra de conveniência e pouco representativa e, portanto, os resultados devem ser analisados com cautela. Sugere-se estudos futuros com um número amostral maior e em diferentes regiões do país. Por fim, outra limitação se refere ao aspecto metodológico quanto à coleta de dados, que se restringiu à apenas dois instrumentos e a uma única fonte de dados: a criança.
Assim sendo, destaca-se a necessidade de novas pesquisas para uma maior compreensão acerca da temática. Por fim, sabe-se que o conflito é inerente ao desenvolvimento do indivíduo e às relações humanas, podendo acarretar efeitos benéficos ou maléficos às pessoas. A partir disso, compreender como os conflitos são vivenciados pelas famílias e as consequências deste processo aos seus membros permite desenvolver estratégias de intervenção que promovam a qualidade das relações familiares e, consequentemente, a saúde psíquica do indivíduo.