Os seres humanos constroem sua identidade de acordo com o tempo, o contexto e a cultura (Joel & Vikhanski, 2020) e, assim, suas atitudes e comportamentos refletem o que é considerado normativo naquele momento para homens ou mulheres (Dewinter et al., 2017; Rosário & Schrimshaw, 2014; Stryker, 2017). Ao compararmos a biologia com a cultura, destacam-se dois conceitos importantes: sexo e gênero. O sexo é determinado pelo genótipo humano e pelas manifestações físicas corporais associadas, em que os cromossomos sexuais XX exibem anatomia feminina, os cromossomas sexuais XY exibem anatomia masculina e outras combinações entre os cromossomas X e Y exibem a anatomia intersexo (Fraccaro et al., 1962; Hakeem, 2018). O gênero é uma construção psicossocial sem localização física no corpo, centrada em características comportamentais, psicológicas e sociais (Hakeem, 2018; Macedo, 2018) e pode ser ou não congruente com o sexo (Lobo et al., 2023).
Quando uma pessoa se sente infeliz e desconfortável com o seu gênero e as expectativas culturais e sociais associadas a ele, exibindo uma incongruência entre sexo anatômico e o seu gênero, designa-se de disforia de gênero (American Psychology Association, 2009; Áran, 2006; DSM-V, 2013; Fisk, 1974; Stryker, 2017). Nessas situações, a expressão de gênero não segue as normas culturais, pelo que não cumpre atitudes estereotipadas, nem expectativas sociais (Forbe, 2011; Lobo et al., 2023; Zucker et al., 2016), resultando, geralmente, num desejo de mudança do indivíduo para outro gênero que melhor o identifique (Dhejne, Öberg, & Arver, 2014; American Psychology Association, 2013). Essa condição não está associada a qualquer distúrbio psicológico, tal como alucinação ou delírio, abuso de substâncias médicas ou razões biológicas (e.g., hermafroditas) (Castel, 2001; DSM-V). Existem várias terminologias que rotulam indivíduos que expressam essa condição, nomeadamente trans, transgênero, transexual, transexualismo, não conformidade de gênero e não binário (Cava, 2016; Macedo, 2018; Zucker et al., 2016).
De um ponto de vista histórico, o conceito de trans foi diferenciado do conceito de homossexualidade pelo médico alemão Magnus Hirschfeld em 1923 (Bauer, 2005; Castel, 2001; Drescher, 2015), tendo sido realizada a primeira vaginoplastia oito anos depois, em Berlim (Macedo, 2018; Trombetta, 2015). Nas décadas de 1960 e 1970, a sociedade tornou-se mais recetiva e empática com a comunidade gay e lésbica com a expansão dos movimentos feministas (Garton, 2004). Contudo, a discriminação de trans manteve-se por parte de membros da comunidade hétero, gay e lésbica (Macedo, 2018). Em 1980, apareceu pela primeira vez no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) como uma problemática em adolescentes e adultos, convertendo-se em perturbação de identidade de gênero catorze anos depois (Zucker et al., 2016). Mais tarde, a perturbação de identidade de gênero foi convertida em disforia de gênero no DSM-V (Associação Americana de Psiquiatria, 2013). Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) removeu da sua classificação oficial de doenças (CID-11) a perturbação de identidade de gênero, que considerava como doença mental a situação de pessoas trans (Lima & Antunes, 2020). A pesquisa sobre atitudes preconceituosas em relação a indivíduos transgênero tem recebido considerável atenção e gerado debates, especialmente dentro dos movimentos de defesa dos direitos LGBTQIAP+, que buscam aumentar a consciencialização, promover a mudança de comportamentos e reconhecer como crimes de ódio atitudes negativas contra a comunidade (ILGA, 2019; Zerbinati & Bruns, 2019).
Atitudes e crenças antagônicas em relação a homens e mulheres trans são denominadas transfobia, um fenômeno definido como uma antipatia, forte aversão emocional, sentimentos negativos, discriminação e hostilidade em relação a pessoas trans (Bockting et al., 2020; Hatch et al., 2022; Hill & Willoughby, 2005; Ozamiz-Etxebarria et al., 2020). Essas atitudese crenças podem manifestar-se de várias formas, incluindo preconceitos, estigmatização, violência verbal, física, exclusão social e ao assédio contra trans (Carroll et al., 2012; Hatch et al., 2022; Winter et al., 2009), impactando a qualidade de vida, oportunidades de emprego e bem-estar mental e físico (Carroll et al., 2012; Harcourt, 2006; Hatch et al., 2022). Por exemplo, os indivíduos trans tendem a sofrer mais ataques físicos e verbais dentro e fora do contexto escolar e profissional, bullying e cyberbullying, comparativamente a indivíduos cisgêneros (Aparicio-García et al., 2018; Barboza et al., 2016; Hatch et al., 2022;). Entende-se por indivíduos cisgêneros, doravante denominados por cis, pessoas cujo sexo anatômico se encontra em conformidade com a identidade de gênero (Lobo et al., 2023; Price et al., 2024). A transfobia muitas vezes resulta de falta de compreensão, desinformação, estereótipos prejudiciais em relação à identidade de gênero, baixo apoio familiar e pelos grupos de pares, conduzindo a uma baixa autoestima, altos níveis de stress, ansiedade e depressão, bem como ao isolamento e à ideação suicida em homens e mulheres trans (Grant et al., 2012; Hatch et al., 2022; Macedo, 2018; Tyler et al., 2020; Zeigler-Hill & Shackelford, 2020).
De acordo com o Programa de Monitorização de Assassinatos de Trans (TMM), no período de 2008 a 2023, os países com as maiores taxas absolutas de assassinatos de pessoas transgênero foram Brasil (1.841 indivíduos), México (701 indivíduos), EUA (406 indivíduos), Colômbia (254 indivíduos), Venezuela (134 indivíduos), Índia (125 indivíduos), Argentina (121 indivíduos), Honduras (118 indivíduos), Paquistão (106 indivíduos), Filipinas (88 indivíduos), Guatemala (70 indivíduos) e Turquia (65 indivíduos).
Em 2023, o Brasil continua a liderar o ranking de assassinatos de pessoas transgênero (75 indivíduos), seguido por México (33 indivíduos), EUA (23 indivíduos), Colômbia (18 indivíduos), Equador (17 indivíduos), Índia (11 indivíduos), Peru (11 indivíduos), Paquistão (6 indivíduos), Argentina (5 indivíduos), Guatemala (5 indivíduos), Turquia (3 indivíduos), Azerbaijão (2 indivíduos), Venezuela (2 indivíduos), Honduras (2 indivíduos), Indonésia (2 indivíduos), Itália (1 indivíduo), Espanha (1 indivíduo), Reino Unido (1 indivíduo), Chile (1 indivíduos), Sérvia (1 indivíduo), Grécia (1 indivíduo), Iraque (1 indivíduo), Uganda (1 indivíduo), Canadá (1 indivíduo), Armênia (1 indivíduo) e Eslováquia (1 indivíduo). É importante observar que, de 2022 a 2023, ocorreu uma expansão global de crimes de ódio contra pessoas trans, contudo os números em cada país diminuíram (exceto, por exemplo, no caso da Índia que aumentaram). De acordo com o TMM, 94% das vítimas eram mulheres trans, maioritariamente mulheres trans negras/não caucasianas, trabalhadoras sexuais, na faixa etária dos 19 aos 25 anos. No ano de 2023, ocorreram homicídios que foram reportados pela primeira vez nos países da Armênia, Bélgica e Eslováquia.
Segundo o TMM, de 2008 a 2023, estão registados dois casos de assassinato de pessoas trans, sendo que, em 2023, existiram 0 casos em Portugal. No entanto, é relevante salientar o desafio de obter estatísticas, uma vez que muitas vítimas de crimes de ódio não denunciam e o sistema não tem um suporte organizado para a realização delas (Saleiro & Ramalho, 2022). Contudo, em Portugal, de acordo com a Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, todos os cidadãos têm o direito à autodeterminação da identidade e expressão de gênero, bem como à proteção das características sexuais, o que salvaguarda os direitos de todas as pessoas, principalmente das que não se encaixam nos padrões de gênero normativos (Saleiro & Ramalho, 2022). Atualmente (2023), está ainda em debate a criminalização das terapias de conversão, proibição de cirurgias não consensuais em crianças intersexuais, o treinamento de competências de atendimento para profissionais de saúde e diretrizes de assistência médica para pessoas intersexuais (ILGA, 2022).
De acordo com a literatura, a precursão de atitudes transfóbicas é manifestada maioritariamente por indivíduos cisgêneros masculinos heterossexuais, com elevados níveis de religiosidade, atitudes sexistas, atitudes homofóbicas, apoiantes de partidos conservadores da direita, alta propensão à agressão, baixa empatia, com crenças muito vincadas sobre gênero binário e respetivos papéis de gênero, bem como crenças nos mitos acerca dos trans (Billard, 2018b; Campbell et al., 2019; Case & Stewart, 2013; Hatch et al., 2022; Nagoshi et al., 2008; Warriner et al., 2013). Segundo a literatura, atitudes e comportamentos negativos, manifestados tanto por homens cis quanto por mulheres cis, são mais direcionados para mulheres trans (MtF – indivíduos designados como homens no nascimento, mas que se identificam como mulheres) do que para homens trans (FtM – indivíduos designados como mulheres no nascimento, mas que se identificam como homens) (Bettcher, 2014; Nagoshi et al., 2008; Saleiro & Ramalho, 2022). De acordo com Carroll et al. (2012), participantes do sexo masculinos relataram menor disposição para interagir e atitudes mais negativas em relação a FtM do que em relação a MtF; por sua vez, as participantes femininas demostraram pontuações semelhantes para FtM e MtF (Carroll et al., 2012).
A literatura evidencia ainda uma ligação entre a transfobia e a empatia, demonstrando que pessoas com uma empatia mais elevada tendem a ter atitudes e crenças mais positivas em relação aos homens e mulheres trans (Kelley, 2020). Como aconteceu no estudo de Carol et al. (2012), Brown et al. (2017) e Sawaya & McCarty (2023), nos quais foi utilizado o Índice de Reatividade Interpessoal (Davis, 1983) para avaliar a empatia dos participantes, revelaram que as atitudes face a pessoas trans sofre um impacto com a empatia. De acordo com Mora et al. (2022), a empatia desempenha um papel preditivo nas atitudes face a pessoas trans e, quando implementada desde idades jovens, reduz a transfobia, estereótipos e promove um bom desenvolvimento.
Até ao momento, existem várias escalas publicadas para medir as atitudes e crenças negativas em relação às pessoas trans, sendo as mais utilizadas as seguintes: Genderism and Transphobia Scale (GTS; Hill & Willoughby, 2005), Transphobia Scale (TS; Nagoshi et al., 2008), Attitudes Toward Transgendered Individuals Scale (ATTI; Walch et al., 2012), Transgender Attitudes and Beliefs Scale (TABS; Kanamori et al., 2017), Transsexual Prejudice Scale (TPS; Case & Stewart, 2013), Transprejudice Scale (TS; Winter et al., 2009), Attitudes Toward Trans Men and Women (ATTMW; Billard 2018a) e Transgender Knowledge, Attitudes, and Beliefs Scale (T-KAB; Clark & Hughto, 2020). Traduzida e validada para a população portuguesa, existe apenas a Escala de Genderismo e Transfobia (GTS, Hill & Willoughby, 2005; versão portuguesa de Costa & Davies, 2012), que tem sido criticada por diversos autores. Mais especificamente, apesar dessa escala ter sido criada com base em três domínios teóricos distintos identificados por Hill (2002), sua análise acabou por revelar apenas dois fatores, o que levanta problemas concetuais (Tebbe et al., 2014). Essa escala apresenta ainda lacunas no que diz respeito à validade de conteúdo e à discriminante entre as subescalas (Billard, 2018a; Billard, 2018b; Nagoshi et al., 2008). Além disso, a Escala de Genderismo e Transfobia não se refere a indivíduos trans, mas apenas a “mulheres masculinas”, “homens masculinos” e “travestis”.
Desse modo, urge a necessidade de traduzir e validar para a população portuguesa uma escala que avalie diretamente e unicamente as atitudes em relação às pessoas trans e de forma separada das atitudes face à comunidade LGBTQIAP+. Após uma revisão de todas as escalas existentes, verificou-se que a ATTMW (Billard, 2018a), doravante designada de Escala de Atitudes em Relação a Homens e Mulheres Trans (EARHMT), é a que melhor se adequa. A escala original de Billard (2018a) obteve uma boa validade psicométrica e demonstrou ser um recurso valioso para avaliar as atitudes perante pessoas trans numa determinada população.
A escala é capaz de avaliar especificamente as atitudes voltadas para pessoas trans e não para a comunidade LGBTQIAP+ como um todo. O instrumento segrega os valores das atitudes perante FtM e MtF. Adicionalmente, é acessível e aplicável a uma ampla gama de participantes, pela sua fácil utilização e interpretação, quer pelo recurso a vocabulário simples, direto e objetivo, quer pelo número reduzido de itens, mas eficaz para a avaliação. Importa salientar que a EARHMT é a única escala que diferencia as atitudes negativas face a homens e a mulheres trans, tendo-se baseado em atitudes de um número elevado de indivíduos em relação a pessoas trans, e não em adaptações de atitudes em relação a outros grupos minoritários (e.g., homossexuais), nem em revisões da literatura. Essa escala tem ainda excelentes desempenhos nos testes estatísticos de validade, tanto para o contexto da Polônia (Konopka et al., 2020), quanto para o contexto de Espanha (López-Sáez et al., 2023) e para o contexto da Suécia (Durgé & Gunnarsson, 2021).
O presente estudo teve como principal objetivo traduzir e validar a EARHMT para a população portuguesa e analisar suas qualidades psicométricas. Com este estudo, procurou-se assim suprimir uma lacuna relativa à inexistência de um instrumento adequado para avaliar a transfobia disponível em para a população portuguesa. Esse instrumento, devidamente validado, demonstra utilidade tanto em ambientes de pesquisa como em contextos clínicos, forenses, desportivos e organizacionais.
Método
Participantes
A amostra deste estudo foi constituída por 632 participantes. Após a exclusão dos participantes que responderam, a menos de 50% das questões (n=21), os menores de 18 anos (n=2) e os de nacionalidade estrangeira (n=71), a nossa amostra final consistiu em 539 participantes. O número mínimo de indivíduos a incluir foi determinado com base nas recomendações de Hair Jr et al. (2005), que preconizam incorporar um n de cinco sujeitos por item (nesse caso, correspondendo a um mínimo de 120 participantes) (Tabela 1). A idade dos participantes estava compreendida entre os 18 e os 66 anos (Midade=27,25; DPidade=10,38). A maioria dos participantes era do sexo feminino (n=431; 80%), do gênero feminino (n=413; 76,6%) e heterossexuais (n=460; 85,3%). A maioria dos participantes referiram que eram solteiros (n=429; 79,6%), mas estavam envolvidos num relacionamento amoroso (n=331; 61,4%), tinham filhos (n=444; 82,4%) e não tinham pais divorciados (n=442; 82%). A maior parte tinha bacharelato/licenciatura (n=184; 34,20%), identificava-se com nível socioeconômico médio (n=331; 61,52%) e vivia numa cidade (n=321; 59,67%). A média de religiosidade dos participantes, numa escala de Likert de 7 pontos, era de 2,96 (DPreligiosidade = 1,61) e identificavam-se maioritariamente como católicos (n=394; 73,23). A maioria dos participantes não tinha amigos próximos (n=442; 82,16%) ou familiares (n=471; 87.55%) do grupo LGBTQIAP+.
Tabela 1 Características da amostra
Características | N(%) | Média | DP | Intervalo |
---|---|---|---|---|
Idade | 27,25 | 10,37 | 18-66 | |
Sexo | ||||
Feminino | 431(80%) | |||
Masculino | 108(20%) | |||
Género | ||||
Feminino | 413(76,6%) | |||
Masculino | 121(22,4%) | |||
Não-binário | 4(0,74%) | |||
Trans | 1(0,19%) | |||
Orientação Sexual | ||||
Heterossexual | 460(85,3%) | |||
Bissexual | 53(9,8%) | |||
Homossexual | 26(4,8%) | |||
Estado Civil | ||||
Solteiros | 429(79,6%) | |||
Casados | 68(12,6%) | |||
União de facto | 23(4,3%) | |||
Divorciados | 16(3%) | |||
Viúvos | 3(0,6%) | |||
Relacionamento amoroso | ||||
Sim | 331(61,4%) | |||
Não | 208(38,6%) | |||
Filhos | ||||
Sim | 444(82,4%) | |||
Não | 95(17,6%) | |||
Pais Divorciados | ||||
Sim | 97(18%) | |||
Não | 442(82%) | |||
Escolaridade | ||||
Doutoramento | 36(6,7%) | |||
Mestrado | 124(39,41%) | |||
Bacharelato/licenciatura | 184(34,20%) | |||
Ensino Secundário | 180(33,46%) | |||
2º ao 3º Ciclo | 10(1,86%) | |||
1º Ciclo | 3(0,56%) | |||
Nível socioeconómico | ||||
Baixo | 16(2,97%) | |||
Médio-baixo | 133(24,72%) | |||
Médio | 331(61,52%) | |||
Médio-alto | 58(10,78%) | |||
Alto | 1(0,19%) | |||
Residência | ||||
Cidade | 321(59,67%) | |||
Aldeia | 121(22,49%) | |||
Vila | 93(17,29%) | |||
Religiosidade | 2,96 | 1,61 | 1-7 | |
Religião | ||||
Católico | 394(73,23%) | |||
Ateu | 68(12,64%) | |||
Agnósticos | 14(2,61%) | |||
Budistas | 7(1,3%) | |||
Espíritas | 4(0,74%) | |||
Evangélicos | 2(0,38%) | |||
Testemunhas de Jeová | 1(0,19%) | |||
Protestantes | 1(0,19%) | |||
Pagão | 1(0,19%) | |||
Politeísta | 1(0,19%) | |||
Amigos da comunidade LGBTQIAP+ | ||||
Sim | 97(17,47%) | |||
Não | 442(82,16%) | |||
Família da comunidade LGBTQIAP+ | ||||
Sim | 66(12,27%) | |||
Não | 471(87,55%) |
Instrumentos
Questionário sociodemográfico. Os participantes responderam a questões sociodemográficas, tais como sexo, gênero, idade, nacionalidade, orientação sexual, estado civil, onde viviam (aldeia, vila ou cidade) estatuto socioecônomico, escolaridade, religião e nível de religiosidade, numa escala de Likert de 7 pontos (1 – Nada religioso; 7 – Extremamente religioso). Os participantes também foram questionados se tinham: 1. um relacionamento amoroso; 2. filhos; 3. experienciado o divórcio dos pais durante a infância (i.e., até aos 18 anos); e iv) amigos próximos ou familiares do grupo LGBTQIAP+.
Escala de Atitudes em Relação a Homens e Mulheres Trans (EARHMT; Billard, 2018a). A EARHMT é uma escala que mede as atitudes em relação a mulheres e homens trans. É constituída por duas subescalas, uma relacionada com as atitudes em relação aos homens trans (EARHT) e outra com as atitudes em relação às mulheres trans (EARMT). Cada subescala possui 12 itens que são respondidos por meio de uma escala de Likert de 7 pontos, variando de 1 (Discordo totalmente) a 7 (Concordo totalmente). A escala inclui itens como “Homens trans nunca serão homens de verdade” e “Mulheres trans estão a negar o seu DNA”. As pontuações médias são calculadas para cada subescala, com valores elevados indicando atitudes mais negativas em relação a homens e mulheres trans. No estudo original (Billard, 2018a), uma análise fatorial confirmatória (AFC) confirmou a estrutura de fator único de ambas as subescalas. Os resultados do estudo original também confirmaram a confiabilidade da escala por meio do cálculo dos valores de alfa Cronbach (como no estudo original) e do ômega de McDonald (αEARHT=0,93 e αEARMT=0,95; ωhEARHTn = 0,94 e ωhEARHTn = 0,95).
Índice de Reatividade Interpessoal (IRI; Davis, 1980, 1983; versão portuguesa traduzida e validada por Limpo et al., 2010). O IRI mede a empatia com base numa visão multidimensional, sendo composto por 24 itens. Os participantes devem avaliar cada item usando uma escala de Likert de 5 pontos, variando de 0 (Não me descreve bem) a 4 (Descreve-me muito bem). Exemplos de itens da escala incluem: “Tenho muitas vezes sentimentos de ternura e preocupação pelas pessoas menos afortunadas do que eu” e “Tendo a perder o controle em situações de emergência”. O IRI possui quatro subescalas: tomada de perspetiva, preocupação empática, desconforto pessoal e fantasia. O alfa de Cronbach na escala original (Davis, 1980) foi de 0,70 a 0,78 e na versão portuguesa (Limpo et al., 2010) foi de 0,74 a 0,83 para as diferentes subescalas, demonstrando boa consistência.
Procedimentos
Inicialmente foi obtido junto aos autores do instrumento original (EARHMT) o consentimento para a sua tradução e validação. Em seguida, foram realizados os procedimentos de tradução e retroversão das escalas da versão original em língua inglesa para a língua portuguesa (por exemplo, “Transgender women will never really be women” para “Mulheres trans nunca serão mulheres de verdade”; “Transgender men are denying their DNA” para “Homens trans estão a negar o seu DNA”). Em específico, os itens da versão original foram traduzidos por dois pesquisadores experientes em ambas as línguas, seguido por uma discussão item a item sobre a sua adequação linguística. Efetuou-se depois a retroversão para a língua inglesa, trabalho este realizado por uma tradutora-especialista, e comparou-se a versão original e a versão inglesa retraduzida. Por fim, discutiu-se com os restantes membros do laboratório sobre a adequação de cada item das subescalas à realidade linguística portuguesa e à temática dos relacionamentos íntimos LGBTQIAP+.
Os participantes foram recrutados por meio de redes sociais, nomeadamente do Instagram e do Facebook, assim como por meio do e-mail institucional universitário. As respostas dos participantes foram coletadas on-line, por meio do programa Qualtrics Research Suite (www.qualtrics.com). A participação no estudo foi voluntária e o anonimato dos participantes foi garantido, com o acesso aos dados restrito aos pesquisadores do estudo. Após a explicação dos objetivos e procedimentos, os participantes assinaram o termo de consentimento informado, conforme os procedimentos éticos do [OMITIDO PARA AVALIAÇÃO] e da Declaração de Helsínki (Associação Médica Mundial, 1983). Inicialmente, foram apresentadas as questões demográficas, seguidas da EARHMT e do IRI, de uma forma contrabalanceada. Em média, os participantes precisaram de 20 minutos para preencher o questionário.
Análise de Dados
Os dados coletados foram inseridos no ambiente Excel e posteriormente importados para o software estatístico Statistical Package for Social Sciences IBM SPSS Statistics (v.26, Armonk, New York, IBM Corp.), com o objetivo de estudar as características psicométricas da versão portuguesa do instrumento, incluindo sensibilidade, validade de construto, validade convergente e fidelidade. A análise foi iniciada pela distribuição das respostas para cada um dos itens por meio do cálculo dos coeficientes de assimetria e curtose. Após a análise fatorial exploratória, testou-se em que medida o modelo teórico subjacente ao racional do instrumento original se ajustava aos dados empíricos do presente estudo, por meio de uma análise fatorial confirmatória (Floyd & Widaman, 1995; Maia, 1996; Stapleton, 1997; Thompson & Daniel, 1996). A AFE e a AFC foram realizadas com a mesma amostra, uma vez que foram cumpridas as condições necessárias, como ter um tamanho de amostra grande, utilizar diferentes subconjuntos de itens para cada análise e assegurar que existe apenas um fator (ou que os fatores não estejam altamente correlacionados) (Kyriazos, 2018). Para a análise fatorial confirmatória, utilizou-se o software estatístico AMOS. (v.26, Armonk, New York, IBM Corp.).
Foi utilizado o estimador Maximum Likelihood (ML) considerando o tamanho da amostra, os indicadores (itens) serem contínuos e a distribuição dos indicadores ser normal (Jöreskog, 1969). Para avaliar o ajuste do modelo para o EARHMT, foram considerados os seguintes índices: qui-quadrado (χ2), Razão Qui-Quadrado por Graus de Liberdade (χ2/df; 3:1 ou menos indicam um bom ajuste), Índice de Ajuste Comparativo (CFI; ≥0,95 indicam um bom ajuste), Erro Médio Quadrático de Aproximação (RMSEA; <0,08 são considerados aceitáveis), Índice Tucker-Lewis (TLI; ≥0,90 indicam um bom ajuste), Resíduo Padrão Médio Quadrático (SRMR; < 0,05 são considerados bons), Índice de Adequação Global (GFI; ≥ 0,90 indicam um bom ajuste) e Critério de Informação de Akaike (AIC; valores mais baixos indicam um ajuste melhor) (Dash et al., 2023; Hair Jr et al., 2010; McDonald & Ho, 2002; Shi et al., 2018).
Para avaliar a validade convergente, foram realizadas correlações de Pearson entre EARHMT e as subescalas do IRI. A Variância Média Extraída (AVE) e a Confiabilidade Composta (CR) também foram calculadas. Posteriormente, os valores de consistência interna do instrumento foram avaliados por meio do cálculo do ômega de McDonald. Por fim, compararam-se os resultados do nosso estudo com aqueles do estudo original.
Resultados
Os resultados encontram-se organizados em cinco partes: 1. Análise da sensibilidade; 2. Validade de constru-to; 3. Validade convergente; 4. Análise da fidelidade; e v) Comparação com o instrumento original. O critério de p <0,05 foi utilizado para todos os testes.
Análise da Sensibilidade
Para determinar a sensibilidade dos instrumentos, ou seja, a capacidade de medirem com precisão a variabilidade nas respostas (Webster & Eren, 2014), realizou-se uma análise de frequências para os itens individuais, a fim de averiguar se todas as categorias de resposta estavam representadas na amostra. Para todos os itens, as cinco categorias de resposta estavam preenchidas e os coeficientes de assimetria e curtose variavam no intervalo entre -1 e +1. Essa análise revelou que não existia nenhum item crítico, demonstrando que todos os itens tinham sensibilidade para distinguir os participantes.
Validade de Construto
Para avaliar a validade de construto, realizou-se uma análise fatorial exploratória (AFE) de componentes principais (ACP) com rotação Varimax para a Escala de Atitudes em Relação a Homens Trans (EARHT) e para a Escala de Atitudes em Relação a Mulheres Trans (EARMT). Inicialmente, determinou-se se era possível proceder a uma análise dos componentes principais por meio do teste de esfericidade de Bartlett (p<0,001 para ambas as subescalas) e do teste de Kaiser-Meyer-Olkin (EARHT: 0,95; EARMT: 0,94). No estudo original (Billard, 2018a), os autores analisaram os itens correspondentes aos homens e às mulheres trans separadamente, de modo a desenvolver duas subescalas independentes. A extração forçada a 1 fator ocorreu com base na análise do gráfico de escarpa. Desse modo, no presente estudo, realizamos duas AFE, uma para cada subescala. A AFE realizada na EARHT produziu uma estrutura unifatorial explicativa de 60,71% e, na EARMT, uma estrutura unifatorial explicativa de 64,68%. Todos os itens apresentavam uma saturação ≥0,37 na EARHT e ≥0,68 na EARMT. Seguindo-se as recomendações de Almeida e Freire (1997), Pasquali (2001) e Field (2013), que determinam que valores de saturação nos fatores iguais ou superiores a 0,30 são significativos, todos os itens se mostraram adequados. A versão portuguesa das subescalas, com os itens que as compõem e os valores de saturação, está apresentados na Tabela 2 e 3.
Tabela 2 Subescala Escala de Atitudes em Relação a Homens Trans (EARHT) e respetivos valores das cargas fatoriais
Item | Saturação |
---|---|
EARHT 1. Homens Trans nunca serão homens de verdade. | 0,87 |
EARHT 2. Homens Trans não são realmente homens. | 0,80 |
EARHT 3. Homens Trans são apenas capazes de se parecer com homens, mas não são homens. | 0,88 |
EARHT 4. Homens Trans são incapazes de se aceitarem como realmente são. | 0,77 |
EARHT 5. Homens Trans estão a tentar ser quem eles não são. | 0,80 |
EARHT 6. Homens Trans parecem-me completamente normais.* | 0,37 |
EARHT 7. Homens Trans estão a negar o seu DNA. | 0,81 |
EARHT 8. Homens Trans não se podem apenas “identificar” como homens. | 0,77 |
EARHT 9. Homens Trans são desorientados. | 0,82 |
EARHT 10. Homens Trans não são naturais. | 0,78 |
EARHT 11. Homens Trans não compreendem o que realmente significa ser homem. | 0,85 |
EARHT 12. Homens Trans são instáveis emocionalmente. | 0,71 |
*Item invertido
Tabela 3 Subescala Escala de Atitudes em Relação a Mulheres Trans (EARMT) e respetivos valores das cargas fatoriais
Item | Saturação |
---|---|
EARMT 1. Mulheres Trans nunca serão mulheres de verdade. | 0,85 |
EARMT 2. Mulheres Trans são capazes de se parecerem com mulheres, mas não são mulheres. | 0,83 |
EARMT 3. Mulheres Trans não são realmente mulheres | 0,83 |
EARMT 4. Mulheres Trans estão a tentar ser alguém que não são. | 0,88 |
EARMT 5. Mulheres Trans não são naturais. | 0,80 |
EARMT 6. Mulheres Trans não compreendem realmente o que significa ser mulher. | 0,83 |
EARMT 7. Mulheres Trans não se podem apenas “identificar” como mulheres. | 0,80 |
EARMT 8. Mulheres Trans são incapazes de aceitarem quem realmente são. | 0,78 |
EARMT 9. Mulheres Trans apenas pensam que são mulheres. | 0,68 |
EARMT 10. Mulheres Trans estão a desafiar a natureza. | 0,77 |
EARMT 11. Mulheres Trans estão a negar o seu DNA. | 0,82 |
EARMT 12. Há algo único em ser mulher, que as Mulheres Trans nunca vão conseguir experienciar. | 0,78 |
Para avaliar em que medida o modelo teórico subjacente ao racional do questionário se ajustava aos dados empíricos do presente estudo realizou-se uma análise fatorial confirmatória (AFC) para cada subescala. A AFC da EARHT e da EARMT revelou um bom ajuste do modelo de 1 fator aos dados (Figuras 1 e 2). Como recomendado por Hu e Bentler (1999), foram analisados múltiplos índices de adaptação dos modelos, incluindo o qui-quadrado (x2earht=242,00; χ2earmt=240,121), os graus de liberdade (χ2/dfearht=4,75; χ2/dfearht=4,708), o Índice de Ajuste Comparativo (CFIearht=0,96; CFIearmt=0,96), Tucker-Lewis Index (TLIearht=0,95; TLIearmt=0,95), o Índice de Ajuste Normalizado (NFIearht=0,95; NFIearmt=0,95), o Índice de Ajuste Incremental (IFIearht=0,96; IFIearmt=0,96), Resíduo Padrão Médio Quadrático Padronizado (SRMRearht=0,03; SRMRearmt=0,03), Erro Médio Quadrático de Aproximação (RMSEAearht=0,08; RMSEAearmt=0,08), Resíduo Quadrático Médio (RMRearht=0,08; RMRearmt=0,08), Critério de Informação de Akaike (AICearht=319,996; AIC earmt=294,121) e Índice de Adequação Global (GFIearht=0,93; GFIearmt=0,93).
Validade Convergente
Para analisar a validade convergente da EARHMT, foi utilizada a medida de empatia (calculada por meio da IRI), através da análise da correlação bivariada das pontuações obtidas nas diferentes subscalas de ambos os instrumentos (Tabela 4). Os resultados demonstraram que existe uma correlação negativa da EARHT com as três das subescalas de IRI, tomada de perspetiva (r=−0,16, p = 0,000), preocupação empática (r=−0,22, p = 0,000) e fantasia (r=−0,26, p = 0,000). Da mesma forma, a EARMT também correlaciona negativamente com as subescalas tomada de perspetiva (r=−0,17, p = 0,000), preocupação empática (r=−0,22, p = 0,000) e fantasia (r=−0,27, p = 0,000). Isso indica que os participantes que têm atitudes mais negativas em relação a homens e mulheres trans, tendem a apresentar menores níveis de empatia. Adicionalmente, para analisar a validade convergente do instrumento, foi calculada a variância média extraída (VMEEARHT=0,61; VMEEARMT=0,65), que assume valores superiores a 0,50, indicando uma boa validade convergente (Hair Jr et al., 2020; Marôco, 2021).
Tabela 4 Correlações entre as subescalas da EARHMT e do IRI
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | |
---|---|---|---|---|---|---|
1 - EARHT | - | 0 94*** | − 0,16*** | − 0,22*** | 0,03 | − 0,26*** |
2 - EARMT | - | 0 17*** | − 0,22*** | 0,03 | − 0,27*** | |
3 - IRI Tomada de perspetiva | - | 0,44*** | − 0,16*** | 0,28*** | ||
4 - IRI Preocupação empática | - | 0,08 | 0,47*** | |||
5 - IRI Desconforto pessoal | - | 0,12* | ||||
6 - IRI Fantasia | - |
Análise da Fidelidade
Para determinar a consistência interna do instrumento, foi calculado o ômega de McDonald e a confiabilidade composta. Conforme sugerido na literatura, consideramos valores de ômega de McDonald e valores da confiabilidade composta superiores a 0,70 como indicadores de uma consistência interna muito boa (Bland & Altman, 1997; Hair Jr et al., 2020; Marôco, 2021). De acordo com os resultados obtidos, a EARHT obteve um ômega de McDonald de 0,94 e uma confiabilidade de 0,95, enquanto que a EARMT obteve um ômega de McDonald de 0,95 e uma confiabilidade composta de 0,96. Os resultados mostraram que ambas as subescalas apresentavam uma consistência interna elevada.
Discussão
O presente estudo teve como objetivo principal a tradução e validação da EARHMT (Billard, 2018a) e a análise das suas qualidades psicométricas. Verificou-se que as características psicométricas da versão portuguesa desse instrumento são adequadas, sugerindo que essa versão constitui uma medida apropriada para avaliar a transfobia.
Primeiramente, verificamos que todas as categorias de resposta estavam representadas em todos os itens. Em segundo lugar, o instrumento demonstrou ter uma validade de construto adequada. A estrutura unifatorial das duas subescalas – EARHT e EARMT – manteve-se na versão portuguesa, explicando 60,24% da variância na EARHT e 62,58% na EARMT. A análise fatorial exploratória indicou-nos ainda que todos os itens presentes nas duas subescalas atingiram valores elevados de saturação (Almada & Freire, 1997; Field, 2013; Pasquali, 2001), sendo adequados para a população portuguesa. De um modo semelhante ao artigo original (Billard, 2018a), realizaram-se análises fatoriais confirmatórias de modo a determinar se o modelo teórico se ajustava aos dados. Para obter valores de ajustamento mais adequados, recorremos a correlações de erro em ambas as subscalas, mais concretamente na EARHT o item 3 (“Homens Trans são apenas capazes de se parecer com homens, mas não são homens”) com o item 1 (“Homens Trans nunca serão homens de verdade”) e o item 2 (“Homens Trans não são realmente homens”) e, na EARMT, o item item 2 (“Mulheres Trans são capazes de se parecerem com mulheres, mas não são mulheres”) com o item 1 (“Mulheres Trans nunca serão mulheres de verdade”) e o item 3 (“Mulheres Trans não são realmente mulheres”), e o item 3 com o item 1. A proximidade semântica das frases e do conteúdo dos itens com erros correlacionados em ambas as escalas podem ser justificativas para a necessidade dos mesmos.
Os resultados mostraram que as estruturas unifatoriais de ambas as subescalas, subjacentes ao racional do instrumento original, tinham um ajuste adequado aos dados empíricos do presente estudo. Por exemplo, os indicadores CFI, TLI, NFI, IFI e GFI apresentaram valores superiores a 0,90, e os indicadores RMR, RMSEA e SRMR apresentaram valores iguais ou inferiores a 0,08, o que representa um bom ajustamento (Field, 2013; MacCallum & Austin, 2000). Em terceiro lugar, a análise da fidelidade demonstrou que ambas as subescalas apresentam uma elevada consistência interna, o que permite manter todos os itens da escala original, com valores de ômega de McDonald e confiabilidade composta superiores a 0,90 para ambas as subscalas (Bland & Altman, 1997; Hair Jr et al., 2020; Marôco, 2021).
Em termos de validade convergente, a escala mostrou ser igualmente satisfatória. Ambas as subescalas do EARHMT se correlacionaram de uma forma significativa e negativa com as subescalas de empatia geral do IRI, com exceção do Fator Desconforto Pessoal, indicando que pessoas com atitudes mais negativas perante pessoas trans revelam níveis mais baixos de empatia. Sabendo que a empatia é um preditor de atitudes negativas face a trans, torna-se essencial a implementação de estratégias e planos de intervenção psicossociais e psicoeducacionais que potencializem as competências de empatia para o desenvolvimento individual de cada pessoa e da sociedade em que se inserem (Mora et al., 2022; Sawaya & McCarty, 2023).
Uma limitação deste estudo prende-se com o uso da terminologia trans, uma vez que algumas pessoas poderão não estar familiarizadas com ela, o que pode ter contribuído para o fato de alguns participantes terem desistido de preencher o questionário. Além disso, a terminologia trans engloba vários conceitos (e.g., transgênero, transexual, não conformidade de gênero), podendo ser interessante estudar separadamente esses conceitos em estudos futuros. A amostra foi heterogênea, abrangendo homens e mulheres com diferentes idades, gêneros, orientações sexuais, níveis socioeconômicos, estruturas familiares, crenças religiosas, níveis educacionais e relações com pessoas LGBTQIAP+ (Krejcie & Morgan, 1970; Nunes & Primi, 2005; Ozamiz-Etxebarria et al., 2020; Wachelke et al., 2016). Porém, tratou-se de uma amostra por conveniência, uma vez que os dados foram recolhidos via on-line por meio do software Qualtrics, sendo acessível apenas a uma parte da população que possui internet e redes sociais, o que não a torna representativa de toda a população portuguesa (Miot, 2011; Wachelke et al., 2016). É ainda importante referir como limitação as críticas normalmente apontadas às medidas de autorrela-to, como a desejabilidade social, possíveis dificuldades na compreensão das instruções e das perguntas, e potenciais défictes na capacidade introspetiva do sujeito, que podem condicionar as suas respostas.
Concluindo, o instrumento EARHMT oferece uma medida válida, confiável, eficaz e útil para averiguar as atitudes e crenças negativas da população portuguesa em relação a homens e a mulheres trans, demonstrando-se bastante vantajosa para futuras investigações com essa população. O estudo e a mensuração da transfobia tem-se constituído importante na área da saúde física e mental, no combate à discriminação, na fomentação de legislação protetiva e na defesa dos direitos humanos fundamentais de cada pessoa, sendo fundamental para aplicação em contextos clínicos, forenses, desportivos, organizacionais e de investigação.