Le bien-être serait hédonique, eudémonique et bien plus
É notável o desenvolvimento da Psicologia Positiva ao longo das últimas duas décadas (Reppold et al., 2019). Esse movimento tem contribuído para um maior equilíbrio de investimentos entre as pesquisas em psicologia que buscam a superação de transtornos e dêficits psicológicos e aquelas que buscam conhecimentos que permitam o desenvolvimento de características psicológicas saudáveis e as forças pessoais (Lomas et al., 2021). Em consonância com esse movimento, a presente pesquisa teve como principal objetivo a adaptação da Optimal Functioning in Society Scale (Escala de Funcionamento Ótimo na Sociedade – OFISS) (Chénard-Poirier et al., 2023) para o português brasileiro e estimar suas primeiras evidências de validade e precisão nesta população. Este instrumento operacionaliza uma nova perspectiva multidimensional do bem-estar proposta por Vallerand (2013; 2015), que compreende o funcionamento ótimo na sociedade por meio do bem-estar psicológico, físico, relacional, alto desempenho no principal campo de atuação e contribuição para a sociedade.
Sendo o bem-estar um dos principais temas de investigação em Psicologia Positiva, nota-se a presença de diferentes concepções deste construto, dentre elas destacam-se a hedônica e a eudaimônica. O bem-estar na perspectiva hedônica pode ser entendido como a felicidade e o prazer na própria vida (Hutz et al., 2014) e é denominado de Bem-Estar Subjetivo (BES; Kansky, & Diener, 2021). Este construto consiste na interpretação subjetiva que os indivíduos fazem da própria vida e ancora-se em três aspectos fundamentais: na subjetividade, visto que a percepção em relação ao bem-estar está relacionada diretamente a experiência individual; o entendimento de que o bem-estar envolve tanto afetos negativos, como positivos; e o fato de que o bem-estar inclui uma medida global, não limitando-se a somente um aspecto da vida (Diener, 1984). Desse modo, o BES é definido como a avaliação afetiva e cognitiva da vida e pode ser compreendido como o autojulgamento e auto-avaliação do sujeito sobre as circunstâncias ambientais, respostas comportamentais e as consequências desse processo (Diener, 1984; Diener & Emmons, 1984; Diener & Lucas, 2000; Diener et al., 2004).
Por sua vez, o bem-estar na perspectiva eudaimônica está relacionado ao significado, ao propósito de vida e ao funcionamento pleno (Hutz, 2014), bem como ao processo de autorrealização por meio do envolvimento em atividades pessoalmente significativas (Chénard-Poirier & Vallerand, 2023), e pode ser denominado como Bem-Estar Psicológico (BEP; Ryff & Keyes, 1995). Ryff (1989) introduz o conceito de Bem-Estar Psicológico, fundamentado na compreensão de que o estudo sobre o funcionamento positivo dos sujeitos também engloba aspectos a longo prazo, bem como os desafios experienciados durante a vida. Desse modo, o BEP ao incluir o sentido de propósito na vida, estabelecimento de relações positivas e o sentimento de autorrealização, dá enfoque à felicidade e à expressividade individual.
Tal perspectiva foi operacionalizada a partir de seis dimensões denominadas relações positivas com outros, autonomia, domínio sobre o ambiente, crescimento pessoal, propósito na vida e autoaceitação (Ryff, 1989). Como resultado, esta operacionalização viabilizou a construção da Psychological Well-being Scale (PWBS). A PWBS tem apresentado boas qualidades psicométricas quando adaptada para diferentes culturas (e.g., Machado et al., 2013). Por esta razão, nota-se o crescimento do interesse de pesquisadores sobre o BEP e suas associações com indicadores de saúde (Ryff, 2017), relacionamentos familiares, trabalho e outras atividades comunitárias (Ryff, 2014).
Embora se observe, no movimento da Psicologia Positiva, um relativo consenso quanto a importância das perspectivas hedônica e eudaimônica para compreensão do bem-estar, diferentes autores têm apontado para a necessidade de compreensão do bem-estar enquanto um construto global (Vallerand, 2013; 2021). Neste sentido, o bem-estar global corresponde a um construto multidimensional mais amplo, que expressa o funcionamento de um indivíduo em diferentes esferas psicossociais (Seligman, 2011; Vallerand, 2015), algumas delas não cobertas por esses modelos. A título de exemplo, Vallerand (2013) destaca a falta de referências ao bem-estar físico, sob a justificativa de que a saúde física não deveria ser desconsiderada numa avaliação do bem-estar humano. Da mesma maneira, o referido autor ainda destaca a importância da avaliação das contribuições sociais, pois entende que pessoas com elevados níveis de bem-estar contribuem para suas comunidades e sociedades em geral.
Tais aspectos já haviam sido contemplados na literatura sob a forma dos estudos referentes aos impactos do altruísmo sobre o bem-estar subjetivo (Seligman, 2011). Entretanto, ainda são escassos indicadores empíricos desta relação incluindo tais elementos (a saber bem-estar físico e contribuições sociais) no modelo teórico de compreensão do bem-estar psicológico. Assim, nota-se uma lacuna importante na literatura.
Neste sentido, a proposta de Vallenrad (2013; 2015; 2021) denominada Funcionamento Ótimo na Sociedade (OFIS) se mostra promissora ao favorecer a compreensão do bem-estar enquanto um construto global e multidimensional. Tal proposta adquire valor, quando se reflete sobre a compreensão de saúde defendida pela Organização Mundial da Saúde (1948), onde se entende a saúde para além da ausência de doença, tendo-se a expressão desta em diferentes domínios da vida, como os aspectos físicos, os psicológicos e os sociais.
Segundo Vallerand (2013; 2015) o bem-estar global pode ser compreendido pelas dimensões físicas, sociais e psicológicas do bem-estar. Portanto, o OFIS é entendido como “estado de funcionamento ótimo caracterizado por um alto nível de bem-estar psicológico, físico e social, um alto nível de desempenho no campo de atividade principal, bem como a percepção de contribuir para a comunidade ou sociedade em geral” (Chénard-Poirier & Vallerand, 2021, p. 40). Com isso, Chénard-Poirier et al. (2023) propuseram a construção da Optimal Functioning in Society Scale (OFISS), que têm como intuito mensurar o funcionamento ótimo na sociedade por meio de seis dimensões que representam o bem-estar psicológico e físico, nível de desempenho na ocupação atual, qualidade das relações românticas e não-românticas estabelecidas, e a percepção de contribuição para a comunidade a qual pertence ou sociedade em geral.
Estudos das propriedades psicométricas da OFISS realizados por meio da Análise Fatorial Exploratória (AFE) e Análise Fatorial Confirmatória (AFC), junto a amostras de trabalhadores e estudantes, deram suporte a estrutura interna composta por seis fatores oblíquos (correlacionados entre si), todos apresentando bons indicadores de precisão, bem como evidências de invariância forte do modelo de medida em função das diferentes profissões, grupos etários, sexo e estado civil (Chénard-Poirier et al., 2023; Vallerand & Bragoli-Barzan, 2019). Evidências de validade baseadas na relação com variáveis externas também foram observadas por meio da associação positiva e significativas entre os fatores da OFISS e indicadores de florescimento (PERMA-Pro/iler), emoções (The Differential Emotion Scale), vitalidade (Ryan & Frederick Scale), satisfação com a vida (SWLS) e saúde física (World Health Organization Quality of Life Questionnaire).
Por fim, Chénard-Poirier et al. (2023) avaliaram a plausibilidade do modelo teórico no qual a paixão pelos estudos, do tipo harmoniosa e obsessiva, deveriam predizer as dimensões que compõe a OFISS, bem como o papel mediador da satisfação das necessidades básicas nesta relação. Os resultados forneceram fortes suportes empíricos ao modelo indicando que a paixão do tipo harmoniosa possibilita o funcionamento ótimo dos estudantes por meio da satisfação das necessidades psicológicas e, em contrapartida, a paixão do tipo obsessiva tem impacto negativo na satisfação das necessidades, prejudicando a experiência de bem-estar nos diferentes níveis.
Considerando a adequabilidade da OFISS para operacionalização do modelo do bem-estar global/funcionamento ótimo proposto por Vallerand (2013; 2015), e potencialidade do instrumento em fomentar a realização de pesquisas de um modelo ainda não estudado no contexto brasileiro, o presente estudo teve como principal objetivo adaptar a OFISS para o português brasileiro. E para isso, estimar evidências de validade com base no conteúdo, estrutura interna e relação com outras variáveis (bem-estar subjetivo), bem como avaliação da precisão. Baseando-se na literatura, hipotetizou-se que a versão brasileira da OFISS replique o modelo oblíquo de seis fatores, e apresente bons índices de precisão para os fatores que compõem a escala. Por fim, esperou-se verificar correlações positivas significativas entre os fatores da OFISS e satisfação com a vida e afetos positivos, bem como relações negativas com os afetos negativos.
Método
Participantes
A amostra foi composta por 228 participantes, com idades entre 18 e 72 anos (M=32,3, DP=12,4), de ambos os sexos, sendo 71,5% feminino. Dentre os respondentes, 56,6% afirmaram ser solteiros e 38,6% eram casados ou estavam em uma união estável. Em relação ao nível de escolaridade, 44,3% dos respondentes possuíam Ensino Superior incompleto, 26,3% Pós-Graduação completa, 15,4% Ensino Superior completo e, dentre os participantes 72,6% eram provenientes da região Sudeste do Brasil (especificamente 9,7% Sul, 8,8% Norte, 8% Nordeste e 0,9% Centro-Oeste).
Instrumentos
Optimal Functioning in Society Scale (Escala de Funcionamento Ótimo na Sociedade) (OFISS, Chénard-Poirier et al., 2023). O instrumento visa mensurar o bem-estar por meio de uma perspectiva multidimensional. É composto por 23 itens organizados em seis subescalas que demostraram bons índices de precisão em sua versão original, a saber: bem-estar psicológico (4 itens, ex. “Tenho um propósito claro para a minha vida”; α = 0,90), bem-estar físico (3 itens, ex. “Em geral, como você considera que está a sua saúde?”; α = 0,96), performance no campo de atuação principal (4 itens, ex. “Concluo adequadamente as tarefas que tenho que fazer”; α=0,85), qualidade dos relacionamentos românticos (4 itens, ex. “É/foi enriquecedor”; α = .97), qualidade dos relacionamentos não românticos (4 itens, ex. “Inspira/inspirou confiança”; α = .97) e contribuição a comunidade ou sociedade em geral (4 itens, ex. “Tenho um impacto positivo na minha comunidade ou sociedade”; α = .94). Os itens do instrumento são respondidos por meio de chave de resposta do tipo Likert que varia de 1 (discordo fortemente) a 7 (concordo fortemente). Com exceção da subescala bem-estar físico que conta com uma escala de 10 pontos variando entre 0 (ruim) a 10 (excelente), pois, conforme apontados pelos autores, nesta subescala buscou-se representar um contínuo com polos positivos e negativos comumente representados nas medidas de indicadores de saúde física. Vale destacar, que nas subescalas de relacionamento romântico os respondentes poderiam se referir a um relacionamento atual, e caso não estivessem em um relacionamento, a qualidade de relacionamentos passados.
Escala de Afetos Positivos e Negativos (PANAS, versão reduzida, Zanon & Hutz, 2014). O instrumento tem como objetivo mensurar os afetos positivos (AP) e negativos (AN) por meio de 20 adjetivos (AP: amável, entusiasmado, AN: angustiado, rancoroso), que são respondidos em formato Likert de cinco pontos, que variam entre 1 – “Discordo totalmente” e 5 – “Concordo totalmente”. A escala apresentou bons indicadores de precisão para todos os fatores, a saber: AP α=0,84 (responsável por 46% da variância) e AN α=0,90 (fator responsável por 47,05% da variância) (Nunes et al., 2019). No presente estudo a escala também apresentou bons indicadores de precisão para todos os fatores (AP: α=0,88, ω=0,89; AN: α=0,91, ω = 0,91).
Escala de Satisfação com a Vida (SWLS, Zanon et al., 2014). A SWLS foi construída inicialmente por Diener et al. (1985) e adaptada por Giacomoni e Hutz (1997). A escala visa avaliar a satisfação com a vida, a qual é respondida por meio de cinco itens (ex. “Minhas condições de vida são excelentes”, “Se eu pudesse viver a minha vida de novo eu não mudaria quase nada”) com chave de resposta do tipo Likert de sete pontos, que variam entre 1 – “Discordo totalmente” e 5 – “Concordo totalmente”. De acordo com o estudo dos autores, a escala apresentou boa consistência interna (α=0,91) e, de forma semelhante, no presente estudo a escala também demonstrou bom indicador de precisão (α=0,87, ω = 0,88).
Procedimentos
O projeto foi submetido ao Comitê de Ética e ao ser aprovado, os instrumentos foram alocados na plataforma online Google Forms, e o link foi compartilhado nas redes sociais dos autores e suas redes de contatos. O formulário era composto pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e, em seguida, ao concordar em participar e informar ter 18 anos ou mais de idade, foram disponibilizados os instrumentos, apresentados na seguinte ordem: questionário sociodemográfico, OFISS, PANAS e SWLS. Estimou-se que o formulário tenha sido concluído em aproximadamente 15 minutos.
No que concerne à adaptação transcultural do instrumento, a partir da autorização do autor da versão original da escala, a OFISS foi traduzida de forma independente por três especialistas em avaliação psicológica e bilíngues do inglês para o português brasileiro. As versões obtidas foram comparadas e avaliadas por um comitê composto por três pesquisadores, especialistas no campo da psicologia com ênfase em avaliação psicológica e psicometria, para identificação de possíveis discrepâncias semânticas, e com isso, realizou-se a síntese das traduções produzidas. Como resultado, obteve-se, então, uma única versão traduzida do instrumento, considerando os aspectos culturais específicos da língua portuguesa no Brasil. A versão adaptada foi encaminhada para o e-mail de três juízes especialistas em psicologia positiva e conhecimentos em psicometria, e a partir das avaliações realizadas foi calculado o CVC. Todos os itens apresentaram resultados que variaram entre 0,80 e 1,00 nos três critérios: relevância teórica, pertinência prática, clareza de linguagem.
Em seguida, foi realizada uma avaliação da OFISS em sua versão brasileira pelo público-alvo (12 sujeitos de ambos os sexos, com idades superiores a 18 anos). A cada item lido os participantes relataram seu entendimento sobre o conteúdo do item, se tiveram dificuldade para interpretá-lo, e, também, eram estimulados a sugerir alterações que julgassem necessárias. De forma geral, os respondentes apresentaram boa compreensão, sem dificuldades para interpretação e resposta. Por fim, a escala foi enviada a um tradutor, que realizou a retrotradução do português brasileiro para o inglês. Os pesquisadores que realizaram a síntese dos instrumentos avaliaram as versões para que averiguassem possíveis discrepâncias entre os conteúdos. Com isso, concluiu-se que não havia divergências importantes entre as duas versões, mantendo a OFISS com o conteúdo proposto pelo autor do estudo original.
Análise de dados
A primeira etapa constituiu-se na tradução e adaptação transcultural do instrumento, para isso foi elaborado um documento para avaliação de conteúdo da OFISS por juízes especialistas (segunda etapa), enquanto na terceira fase, foi realizado um estudo piloto para a avaliação da interpretabilidade dos itens. A quarta etapa, se caracterizou como a retrotradução da versão brasileira do instrumento para a língua inglesa. Para avaliar se o conteúdo dos itens da versão brasileira do instrumento estava alinhado ao objetivo da OFISS estimou-se evidências de validade de conteúdo em função da clareza de linguagem, pertinência prática e relevância teórica. Para tanto, foi adotado o Coeficiente de Validade de Conteúdo (CVC) (Hernández-Nieto (2002), e foi considerado aceitável os itens com CVC total acima de 0,80, de acordo com a literatura (Nakano & Siqueira, 2012).
Para avaliação da estrutura interna do instrumento empregou-se análise fatorial exploratória (AFE) no software Factor (Lorenzo-Seva & Ferrando, 2013). A fatorabilidade da matriz de dados foi verificada pelo critério de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO>0,7) e pelo Teste de Esfericidade de Bartlett (p>0,05) (Tabachnick & Fidell, 2019). Para indicação do número de fatores a serem retidos na estrutura fatorial foram utilizados os seguintes métodos: 1. Análise Paralela (AP), baseada nos Minimum Rank Factor Analysis, que contou com 500 matrizes de correlação estimadas aleatoriamente pelo método de permutação (Timmerman & Lorezo-Seva, 2011) e; 2. a Exploratory Graph Analysis EGA, estimada no ambiente R por meio do pacote EGAnet (Golino & Epskamp, 2017). A AFE propriamente dita foi realizada com método de estimação Unweighted Least Squares (ULS), e rotação oblíqua Promin.
Ademais, para avaliação dos indicadores de precisão da OFISS foi realizada a estimação de coeficientes alfa de Cronbach e ômega de McDonald. Conforme indicado pela literatura, para ambos os coeficientes, valores iguais ou superiores a 0,7 foram considerados como bons indicadores de precisão (Tabachnick & Fidell, 2019). Para verificar evidências de validade baseadas na relação com variáveis externas (afetos positivos, afetos negativos e satisfação com a vida), foi empregada a análise de correlação, por meio do coeficiente de Pearson. Foram considerados indicadores de significância níveis de p<0,05. As magnitudes das correlações foram interpretadas a partir da classificação proposta por Cohen (1988), sendo −0,09 a 0,09 descritas como nulas, 0,10 a 0,29 pequenas, 0,30 a 0,49 medianas e 0,50 a 1,0 grandes, que foram verificadas com o auxílio do softwareJamovi (2020).
Resultados
Inicialmente foram verificados os indicadores de adequação da matriz fatorial para a realização da AFE, os quais indicaram adequação aos dados, KMO=0,879, χ2 de Bartlett=(235) 5230,8 e p<0,00001. A partir dos indicadores que sugeriram a fatorabilidade da matriz de correlação, foi realizado o método de retenção de fatores. Nota-se, por meio da análise paralela, que somente os quatro primeiros fatores estimados por meio dos dados reais apresentaram porcentagens de variâncias explicadas (41,1; 12,9; 10,9; 8,6 e 6,5 respectivamente) superiores aos valores alocados no percentil 95 dentre os dados aleatórios (9,9; 9,0; 8,4; 7,8 e 7,3, respectivamente). Ademais, recorreu-se a um segundo método de retenção de fatores, a EGA (Golino & Epskamp, 2017), que indicou a pertinência da extração de seis fatores. Conforme observado na Figura 1.

Nota. l=desempenho acadêmico e no trabalho/estudos; 2=bem-estar psicológico; 3=contribuição para comunidade/sociedade em geral; 4=relacionamentos afetivos românticos; 5=relacionamentos afetivos não-românticos e 6=bem-estar físico
Figura 1 Resultados da Exploratory Graph Analysis
Desse modo, considerando o modelo teórico e a solução indicada pelos métodos de retenção, realizou-se a AFE forçando a solução para contenção de seis fatores. Na Tabela 1 são apresentadas as cargas fatoriais e a comunalidade dos itens, bem como as correlações entre os fatores.
Tabela 1 Modelo de seis fatores da OF1SS e correlação entre fatores
Itens | Fatores OFISS | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
RNR | DAT | BP | BF | CS | RR | h2 | |
1 | −0,10 | −0,05 | 0,92 | −0,13 | 0,05 | −0,01 | 0,73 |
2 | −0,05 | 0,00 | 0,90 | −0,07 | 0,06 | −0,02 | 0,78 |
3 | 0,02 | 0,02 | 0,84 | 0,01 | −0,04 | 0,00 | 0,72 |
4 | 0,06 | −0,01 | 0,78 | 0,05 | 0,00 | 0,01 | 0,69 |
5 | 0,02 | −0,01 | 0,01 | 0,92 | 0,01 | 0,08 | 0,89 |
6 | 0,04 | −0,01 | −0,03 | 0,92 | −0,01 | 0,09 | 0,85 |
7 | −0,07 | 0,03 | 0,03 | 0,87 | 0,00 | 0,05 | 0,78 |
8 | 0,04 | 0,64 | 0,00 | 0,00 | 0,09 | 0,01 | 0,53 |
9 | −0,05 | 0,97 | −0,02 | 0,02 | −0,06 | −0,01 | 0,81 |
10 | −0,07 | 0,88 | 0,07 | 0,00 | −0,06 | −0,05 | 0,71 |
11 | 0,17 | 0,54 | −0,05 | −0,05 | 0,12 | 0,09 | 0,51 |
12 | 0,02 | 0,04 | −0,03 | −0,02 | 0,02 | 0,86 | 0,76 |
13 | 0,00 | −0,03 | 0,01 | −0,07 | 0,04 | 0,93 | 0,89 |
14 | −0,06 | 0,03 | 0,05 | −0,06 | −0,09 | 0,93 | 0,85 |
15 | 0,00 | −0,03 | −0,02 | −0,06 | 0,00 | 0,98 | 0,92 |
16 | 0,89 | 0,03 | −0,06 | 0,04 | 0,02 | 0,04 | 0,83 |
17 | 0,91 | 0,01 | 0,02 | −0,01 | 0,02 | 0,00 | 0,88 |
18 | 0,94 | −0,08 | 0,07 | −0,01 | −0,06 | −0,03 | 0,81 |
19 | 0,94 | 0,03 | −0,01 | 0,00 | −0,02 | 0,00 | 0,88 |
20 | −0,01 | −0,02 | 0,05 | 0,02 | 0,87 | 0,00 | 0,81 |
21 | 0,01 | 0,00 | 0,06 | 0,00 | 0,81 | 0,05 | 0,77 |
22 | −0,03 | 0,00 | 0,00 | −0,02 | 0,98 | −0,02 | 0,92 |
23 | −0,01 | 0,00 | −0,08 | 0,00 | 0,99 | −0,02 | 0,91 |
Correlação | RNR | DAT | BP | BF | CS | RR | |
RNR | - | ||||||
DAT | 0,44 | - | |||||
BP | 0,45 | 0,57 | - | ||||
BF | 0,14 | 0,18 | 0,23 | - | |||
CS | 0,48 | 0,53 | 0,59 | 0,23 | - | ||
RR | 0,26 | 0,29 | 0,50 | 0,06 | 0,38 | - | |
Precisão | RNR | DAT | BP | BF | CS | RR | |
Alfa | 0,95 | 0,85 | 0,90 | 0,93 | 0,95 | 0,95 | |
Ômega | 0,95 | 0,86 | 0,91 | 0,94 | 0,95 | 0,95 |
Nota. Valores de correlação apresentados para p<0,05. Fatores OFIS: BP=bem-estar psicológico; BF=bem-estar físico; DAT=desempenho acadêmico e no trabalho/estudos; RR=relacionamentos afetivos românticos; NR=relacionamentos afetivos não-românticos; CS=contribuição para comunidade/sociedade em geral; h2=comunalidade
Como é possível observar na Tabela 1, não houve carga cruzada dos itens com valor superior ou igual a 0,30, o agrupamento dos itens replicou a versão original do instrumento e as cargas fatoriais significativas variaram entre 0,54 e 0,99. A matriz de correlação entre os fatores demonstrou relações que variaram entre 0,06 e 0,57. E de acordo com a AP, o modelo de seis fatores foi capaz de explicar 87,70% da variância dos dados. Por fim, conforme apresentado na Tabela 1, todos os fatores que compõe a OFISS apresentaram bons indicadores de precisão.
No que concerne as estatísticas descritivas (ver Tabela 2), na variável funcionamento ótimo na sociedade, o fator sobre bem-estar físico obteve a maior média (M=7,53; DP=1,65), enquanto o fator bem-estar psicológico obteve o menor escore médio (M=5,01; DP=1,44). Satisfação com a vida, por sua vez, obteve escore médio de 5,02 (DP= 1,24). Ainda, afetos positivos apresentou escore médio de 3,76 (DP=0,81) e afetos negativos 2,04 (DP=0,86).
Tabela 2 Análises descritivas dos instrumentos
Fatores OFISS | Descritivas | |
---|---|---|
M | DP | |
BP | 5,05 | 1,44 |
BF | 7,53 | 1,65 |
DAT | 5,20 | 1,26 |
RR | 5,10 | 1,81 |
RNR | 5,25 | 1,45 |
CS | 5,27 | 1,43 |
SV | 5,02 | 1,24 |
AP | 3,76 | 0,81 |
AN | 2,04 | 0,86 |
Nota. M=Média, DP=Desvio-padrão; Fatores OFISS: BP=bem-estar psicológico; BF=bem-estar físico, DAT=desempenho acadêmico e no trabalho/estudos; RR=relacionamentos afetivos românticos; RNR=relacionamentos afetivos não-românticos; CS=contribuição para comunidade/sociedade em geral; SV=satisfação com a vida; Fatores PANAS: AP=afetos positivos; AN=afetos negativos
No que se refere a busca por evidências de validade baseadas na relação com outras variáveis, foi realizada análise de correlação de Pearson. Como é possível observar na Tabela 3, os fatores referentes a OFISS relacionaram-se de forma positiva e significativa com satisfação com a vida (r=0,14 – 0,54) e afetos positivos (r=0,23 – 0,38), em contrapartida, relacionaram-se negativamente com afetos negativos (r=−0,13 – −0,42). As magnitudes das relações variaram entre fracas e fortes.
Tabela 3 Correlação entre as variáveis funcionamento ótimo, satisfação com a vida e afetos
Fatores | SV | AP | AN |
---|---|---|---|
BP | 0,54** | 0,38** | −0,42** |
BF | 0,28** | 0,38** | −0,29** |
DAT | 0,24** | 0,31** | −0,23** |
RR | 0,32** | 0,23** | −0,13* |
RNR | 0,14* | 0,30** | −0,19** |
CS | 0,32** | 0,35** | −0,26** |
Nota. *p<0,05; **p<0,01; Fatores OFISS: BP=bem-estar psicológico; BF= bem-estar físico; DAT= desempenho acadêmico e no trabalho/estudos; RR=relacionamentos afetivos românticos; RNR=relacionamentos afetivos não-românticos; CS=contribuição para comunidade/sociedade em geral; SV=satisfação com a vida; Fatores PANAS: AP=afetos positivos; AN=afetos negativos
Discussão
O movimento da Psicologia Positiva tem proposto a busca por evidência de construtos e fenômenos que apontem para as possibilidades de uma experiência humana saudável (Ryff, 2022). Neste sentido, o presente trabalho teve como objetivo investigar as qualidades psicométricas iniciais da Optimal Functioning in Society Scale (OFISS) em sua adaptação para o português brasileiro. Os resultados obtidos sugerem adequação do processo de adaptação do instrumento com indicadores de evidências de validade baseada no conteúdo. A análise da estrutura interna, por meio da AP e AFE assegurou evidências de validade com base na estrutura interna ao reproduzir o modelo teórico e os resultados da versão original do instrumento com seis fatores oblíquos (bem-estar psicológico, bem-estar físico, desempenho no principal campo de atuação, qualidade dos relacionamentos românticos, qualidade dos relacionamentos não românticos e contribuição para a comunidade ou sociedade em geral). Adicionalmente, evidências de validade com base na relação com o bem-estar subjetivo foram observadas.
Deve-se destacar que as ações voltadas a adaptação e a busca por evidências de validade de conteúdo, cujos valores foram superiores a 0,80, indicaram que a representação dos comportamentos postulados por Vallenrad (2013; 2015; 2021) e Chénard-Poirier et al. (2023) quanto ao funcionamento ótimo na sociedade são representativos na população brasileira. Investimentos desta natureza se mostram relevantes ao desenvolvimento científico em Psicologia Positiva, uma vez que a adaptação de instrumentos permite a operacionalização de modelos teóricos e o teste empírico deste modelo em culturas diferentes daquela para qual foi desenvolvido (AERA et al., 2014). Possibilitando a avaliação da reprodutibilidade deste modelo e a compreensão de que o construto apresenta significado semelhante entre os diferentes grupos culturais ou se é culturalmente específico (Flores & Lee, 2019).
Ainda nesta direção, os resultados da AFE apontaram para a adequação do modelo e da estrutura dos itens do instrumento junto a população brasileira, reproduzindo a partir de um modelo exploratório os resultados observados por Chénard-Poirier et al. (2023). Em amostras compostas por trabalhadores estadunidenses na ocasião, o modelo de seis fatores oblíquos explicou 85,8% da variância total dos dados, e os indicadores de precisão variaram entre α=0,85 e α=0,97. Por sua vez, em uma amostra composta por estudantes universitários americanos, Chénard-Poirier et al. (2023), realizou análise fatorial confirmatória com seis fatores a qual também demonstrou adequação da OFISS, χ2(215) = 541,307, p<0,05, CFI=0,954, TLI=0,946, RMSEA=0,059, (I.C. 90% [0,053 – 0,065]). Na amostra que compõem o presente estudo, os indicadores de precisão variaram entre ω =0,856 e ω =0,976. Destaca-se, também, que a correlação entre os fatores da escala, corroboraram as expectativas de coerência da medida, de modo que o conjunto de informações obtidas indicam que os objetivos de adaptação da OFISS para o contexto brasileiro e estimativas de primeiras evidências de validade com base no conteúdo e na estrutura foram satisfatoriamente alcançadas (AERA et al., 2014).
No que concerne aos resultados sobre a relação da OFISS com outras variáveis, nota-se que os resultados obtidos vão ao encontro dos achados presentes na literatura. As medidas utilizadas para estudo de convergência com OFISS estão alinhadas a uma perspectiva hedônica do bem-estar, isto é, o BES (Hutz et al., 2014; Kansky, & Diener, 2021). Tais medidas, portanto, estão associadas a aspectos subjetivos da percepção quanto a satisfação com a vida e a presença de afetos. As relações mais fortes observadas entre as dimensões da OFISS e a SV estão associadas ao fator Bem-estar Psicológico (OFISS), Relacionamentos Românticos (OFISS) e Contribuição para a comunidade/sociedade em geral (OFISS), estando tais componentes associados na literatura como indicadores positivos de avaliação e percepção de BES (Diener, 1984; Diener & Emmons, 1984; Diener & Lucas, 2000; Diener et al., 2004; Seligman, 2011; Vallerand, 2021; Vallerand & Bragoli-Barzan, 2019).
Ainda no que diz respeito a relação entre a OFISS e a SV, nota-se que os resultados suportam evidências iniciais quanto aos indicadores de bem-estar quando incluídos domínios como o bem-estar físico e as contribuições sociais, cujos coeficientes apontaram para a presença de uma relação moderada entre estes domínios (Vallenrad, 2013; 2015; 2021). Tais dados reforçam a reflexão proposta por Vallerand (2013) quanto a relevância da inclusão destes aspectos em processos de compreensão e de avaliação do bem-estar enquanto um construto global e multidimensional.
Considerando a relação entre as dimensões da OFISS e a PANAS, os resultados também corroboram com a compreensão hedônica, uma perspectiva experiencial do bem-estar, uma vez que as correlações de bem-estar psicológico e bem-estar físico estão alinhadas positivamente com os afetos positivos, bem como negativamente com os afetos negativos. Tais resultados também foram encontrados por Chénard-Poirier et al. (2023) cujas correlações indicaram as mesmas direções e forças na relação da OFISS com afetos, sentido de vida e satisfação com a vida, os quais foram interpretados pelos autores como as primeiras evidências de validade convergente e divergente da versão original do instrumento.
Por sua vez, cabe destacar que outras relações com direções e magnitudes esperadas foram identificadas para os fatores bem-estar físico, desempenho acadêmico e relacionamentos não-românticos com as medidas de satisfação com a vida e de afetos. Estes resultados sugerem a ampliação do modelo de bem-estar como proposto por Vallerand (2013; 2015; 2021). As mesmas evidências também foram observadas por Chénard-Poirier et al. (2023), as quais os autores destacaram a importância da inclusão de bem-estar físico, a contribuição à sociedade, desempenho na área de atuação e relacionamentos, dimensões que tradicionalmente não compõem os modelos avaliativos, porém têm se mostrado relevante na compreensão multidimensional do bem-estar. Essas conclusões são consistentes com a posição epistemológica da OFISS de que o bem-estar é um construto multidimensional à medida que abrange múltiplas áreas do funcionamento humano.
Considerações finais
O refinamento dos estudos em Psicologia Positiva tem colaborado para o aprofundamento das compreensões quanto ao bem-estar, neste sentido o presente estudo contribui para a operacionalização destes aspectos. A OFISS, portanto, possibilita investigações empíricas para verificar o funcionamento ótimo na sociedade, uma perspectiva multidimensional deste construto (Vallerand & Bragoli-Barzan, 2019). A partir dos resultados obtidos na presente pesquisa é possível inferir que os objetivos estabelecidos, de adaptar a OFISS para o português brasileiro e estimar suas primeiras evidências de validade, foram alcançados e, ainda, as hipóteses elencadas, a partir da proposta teórica, foram confirmadas. Sugerindo a potencialidade do instrumento que pode ser utilizado por pesquisadores e profissionais brasileiros. Contudo, limitações do estudo podem ser indicadas, como a amostra por conveniência, composta majoritariamente por sujeitos do sexo feminino e provenientes da região Sudeste do Brasil. Desse modo, sugere-se que novas evidências de validade sejam aferidas, como a verificação das propriedades dos itens via TRI e a proposta de normas interpretativas. Ademais, recomenda-se que outras variáveis sejam exploradas e que novos modelos conceituais sejam testados, como estudos que associem as dimensões da OFISS com medidas do bem-estar pautadas na perspectiva eudaimonicas.