A satisfação parental é a sensação de prazer dos pais nas interações diárias com os filhos, estando intrinsecamente relacionada ao atendimento das expectativas destes sobre a parentalidade (Wydra & O’Brien, 2018). No contexto da adoção, ela prevê um satisfatório funcionamento familiar ( Smith-McKeever, 2006 ; Wydra & O’Brien, 2018), refletindo prazer nas relações pais-filhos e atendimento das expectativas parentais ( Nalavany et al., 2009 ; Wydra & O’Brien, 2018).
Estudos mostram que atender às expectativas dos pais por adoção pode melhorar a estabilidade e a qualidade das relações familiares (Wydra & O’Brien, 2018; Foli et al., 2012 ). Por outro lado, Santos-Nunes et al. (2018) encontraram que expectativas mais realistas dos pais foram associadas à maior satisfação parental e menor percepção de problemas comportamentais nos filhos. Além disso, o estresse parental elevado foi relacionado a maiores percepções de problemas comportamentais nas crianças. O estudo de Almeida et al. (2021) também observou que a insatisfação dos pais com a adoção aumentou a possibilidade de que eles considerassem interromper a adoção. Ainda, neste estudo os pais com sintomas de transtornos mentais apresentaram maior probabilidade de pensar em dissolver a adoção.
A baixa satisfação parental na adoção geralmente decorre do estresse enfrentado pelos pais diante dos desafios de adaptação familiar e da falta de apoio, especialmente logo após a chegada do filho adotivo ( Lancaster et al., 2017 ). Nesse momento, por vezes ocorrem problemas de comunicação entre pais e filhos, bem como questões emocionais e comportamentais na família, resultando em menor coesão familiar e apego inseguro dos filhos aos pais por adoção ( Nalavany et al., 2009 ; Smith-McKeever, 2006 ). Pensando nisso, destaca-se como essencial considerar a baixa satisfação parental como um indicador de possíveis fracassos da adoção ( Smith-McKeever, 2006 ; Zosky et al., 2005 ).
Diante da importância da satisfação parental nos desfechos positivos relacionados à adoção, torna-se importante o desenvolvimento de pesquisas sobre o tema. Em relação aos estudos quantitativos, a disponibilidade de instrumentos para mensurar a satisfação parental no contexto brasileiro ainda é restrita. Atualmente, há um instrumento conhecido como Escala de Estresse Parental ( Berry & Jones, 1995 ; Brito & Faro, 2017 ) que possui três subescalas, sendo uma delas denominada "satisfação parental". Nesta subescala, os itens avaliam benefícios emocionais, tais como amor, alegria e diversão, bem como um senso de enriquecimento pessoal e crescimento emocional associados à parentalidade. Em um estudo de validação para o português brasileiro, a escala demonstrou satisfatória consistência interna, com um coeficiente alfa de Cronbach de 0,81 ( Brito & Faro, 2017 ). Contudo, é importante ressaltar que esta subescala é parte de um instrumento que mede principalmente o estresse, e não foi especificamente desenvolvida para abordar o contexto da parentalidade por adoção.
Apesar da importância, já ressaltada, da satisfação parental na adoção, não foram encontrados instrumentos para avaliação desse construto no Brasil em buscas não sistemáticas realizadas na Biblioteca Virtual em Saúde [BVS], e mais especificamente nas bases de dados Lilacs e SciELO. Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo realizar a adaptação transcultural para o português brasileiro e levantar evidências de validade de conteúdo, de estrutura interna e do tipo convergente, bem como evidências de fidedignidade, da Escala de Satisfação Parental na Adoção ( Parental Adoption Satisfaction Scale [PASS]; Wydra, 2013 ). Para o levantamento de evidências de validade do tipo convergente foram utilizadas a Escala de Estresse Parental (EEPa; Brito & Faro, 2017 ), o Inventário de Percepção da Vinculação Materna (IPVM; Boeckel et al., 2011 ) e o Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20; Gonçalves et al, 2008 ). Esses instrumentos foram escolhidos por haver associação na literatura entre maior satisfação com adoção e maior coesão familiar, menor estresse parental e menor quantidade de sintomas de transtornos mentais comuns ( Almeida et al. 2021 ; Lancaster et al., 2017 ; Nalavany et al., 2009 ; Santos-Nunes et al., 2018 ; Smith-McKeever, 2006 ).
A PASS avalia o grau de satisfação dos cuidadores com sua decisão de adotar. Foi originalmente desenvolvida por uma psicóloga e pesquisadora dos EUA para avaliar a satisfação com vários tipos de adoção (incluindo acolhimento institucional e as agências privadas nos EUA). Destaca-se que essa é a primeira adaptação transcultural e validação da escala, não sendo encontrados estudos com a PASS para outras culturas. A escala foi elaborada por Wydra (2013) após revisão da literatura sobre como o construto era avaliado. Os itens foram elaborados e reformulados com base em sugestões de revisores especialistas no tema da adoção até a versão final ( Wydra, 2013 ).
Método
Procedimento de Tradução e Adaptação da PASS
Os procedimentos de adaptação e de tradução foram propostos baseados nas etapas sugeridas por Borsa et al. (2012) , divididos em seis: 1. Tradução do instrumento para o novo idioma; 2. Síntese das versões traduzidas; 3. Avaliação da síntese por experts ; 4. Avaliação pelo público-alvo; 5. Retrotradução ( back-translation ); 6. Avaliação da versão retrotraduzida pela autora original. O primeiro passo, que consistiu na tradução inicial da versão em inglês para o português brasileiro, foi feito por três psicólogas, uma delas com doutorado e as outras duas com mestrado em psicologia. Todas com conhecimento da língua inglesa, com experiência na área de adoção e falantes nativas do idioma da tradução. No segundo passo, foi feita uma síntese entre as versões traduzidas por três dos autores, comparando-as conforme as divergências semânticas, idiomáticas, linguísticas, contextuais e conceituais, obtendo-se um consenso entre os pesquisadores.
A terceira etapa consistiu na avaliação de experts da versão traduzida. Para isso foram selecionadas por conveniência quatro juízas. Duas delas com experiência na área de avaliação psicológica e outras duas com expertise na temática da adoção. Em relação à titulação, três juízas eram doutoras e uma mestra em Psicologia. As experts foram convidadas por e-mail e após o aceite, receberam um documento por e-mail com os itens originais da escala em inglês, e a síntese das traduções. Foi perguntado a elas sobre o quanto (de 0 a 5) concordavam com a tradução, além disso, havia um espaço para comentários. As considerações das juízas foram compiladas para análise da equipe de pesquisadores.
A quarta etapa do processo consistiu na avaliação da escala pelo público-alvo, ou seja, cuidadores que passaram pelo processo de adoção ( Borsa et al., 2012 ). Nesse sentido, foi feito um grupo focal composto por nove pais e mães por adoção com idades entre 29 e 60 anos ( M =43,9; DP =8,4 anos), sendo cinco mães e quatro pais. O grupo focal foi conduzido por duas das autoras presencialmente, em uma clínica de psicologia. Estas mães e estes pais foram recrutados por conveniência em um grupo de apoio à adoção parceiro do Núcleo de Pesquisa e Intervenção em Famílias com Bebês e Crianças (NUFABE). Eles haviam adotado há mais de dois anos e se voluntariaram para outros estudos do grupo de pesquisa, sendo convidados por este motivo. Em relação à escolaridade, uma das mães relatou ter ensino médio completo, cinco participantes curso técnico e três ensino superior, dentre eles uma mãe com mestrado. Ademais, oito participantes eram casados e um solteiro.
Feitas as alterações pertinentes sugeridas pelo público-alvo, passou-se para a quinta etapa. Esta consistiu em, com a versão final da escala, revisada e sintetizada, traduzir reversamente ( backtranslation ) para o idioma de origem do instrumento. Nessa etapa, três retrotraduções foram feitas por falantes nativos da língua inglesa e que tinham o português brasileiro como segunda língua. Depois disso, realizou-se uma síntese entre as versões por três dos autores, obtendo-se uma versão final em inglês. Por fim, na sexta etapa, essa versão final foi avaliada por Maria Ann Wydra, autora da versão original do instrumento.
Procedimento do estudo de evidências de validade da PASS
Após a conclusão do processo de adaptação transcultural, iniciou-se a coleta de dados para os estudos de evidências de validade e fidedignidade. Esta coleta também foi feita com uma amostra de conveniência e o critério de elegibilidade era ser pai ou mãe por adoção. A pesquisa ocorreu exclusivamente de forma online, através da plataforma do Google Formulário, e o tempo para responder aos instrumentos era de aproximadamente 15 minutos. O link foi amplamente divulgado pelas redes sociais, principalmente no Instagram do grupo de pesquisa de parte dos autores (NUFABE) e no perfil pessoal deles. Além disso, foram feitas publicações no Facebook em grupos de adoção e divulgações por e-mail , a partir de uma lista fornecida pelos participantes adotantes que contribuíram com estudos anteriores do NUFABE. Esses disponibilizaram seus e-mails para serem convidados para pesquisas futuras no tema da adoção. Um e-mail individual foi enviado para cada um dos potenciais participantes.
O formulário consistia em um questionário sociodemográfico, a Escala de Satisfação Parental com a Adoção ( Wydra, 2013 ), a Escala de Estresse Parental ( Brito & Faro, 2017 ), o Inventário de Percepção de Vinculação Materna ( Boeckel et al., 2011 ) e o SRQ-20 ( Gonçalves et al, 2008 ). Não é possível estimar o número de pessoas convidadas que tiveram acesso à pesquisa, tendo em vista a divulgação em diferentes redes sociais. Dentre as 200 respostas, apenas uma foi excluída do estudo final pelo fato de a mesma pessoa ter respondido duas vezes sobre o mesmo filho.
A amostra foi composta por 199 participantes (91,5% mulheres), com idades entre 23 e 66 anos ( M =43,4; DP =7,4) que residiam, principalmente, na região Sudeste (55,3%) e na região Sul (34,2%). A maioria dos participantes se declarou heterossexual (91,0%) e predominantemente branca (72,4%). Além disso, a maioria da amostra era casada (71,4%), tinha pós-graduação completa (42,2%), e com renda mensal entre 3 e 6 salários-mínimos (32,7%). Por fim, a maioria não tinha filhos biológicos (72,4%) e realizou a adoção com o cônjuge (86,9%). A Tabela 1 apresenta as principais características sociodemográficas dos participantes.
Tabela 1 Características Sociodemográficas dos Participantes (n=199)
Características | % | N | Características | % | N |
---|---|---|---|---|---|
Gênero | Status de relacionamento | ||||
Mulher | 91,5 | 182 | Casado | 71,4 | 142 |
Homem | 8,5 | 17 | _ Solteiro | 10,1 | 20 |
Região | União Estável | 11,5 | 23 | ||
Sudeste | 55,3 | 110 | Separado/Divorciado | 4,0 | 8 |
Sul | 34,2 | 68 | Namorando | 1,5 | 3 |
Nordeste | 5,0 | 10 | Viúvo | 1,5 | 3 |
Centro-Oeste | 3,5 | 7 | Escolaridade | ||
Norte | 1,0 | 2 | Ensino Fundamental | 2 | 4 |
Fora do País* | 1,0 | 2 | _ Ensino Médio | 8,5 | 17 |
Orientação Sexual | Curso Técnico | 3,5 | 7 | ||
Heterossexual | 91,0 | 181 | Ensino Superior | 33,7 | 67 |
Gay | 3,5 | 7 | Pós-graduação | 52,2 | 104 |
Bissexual | 2,0 | 4 | Renda | ||
Lésbica | 2,0 | 4 | Até um salário mínimo | 0,5 | 1 |
As sexual | 1,5 | 3 | _ De 1 a 3 salários mínimos | 18,1 | 36 |
Cor Autodenominada | _ De 3 a 6 salários mínimos | 32,7 | 65 | ||
Branca | 72,4 | 144 | De 6 a 9 salários mínimos | 17,1 | 34 |
Parda | 20,6 | 41 | De 9 a 12 salários mínimos | 13,6 | 27 |
Preta | 5,5 | 11 | De 12 a 15 salários mínimos | 6,0 | 12 |
Amarela | 1,5 | 3 | Mais de 15 salários mínimos | 12,1 | 24 |
Nota.
*Os participantes são brasileiros, realizaram o processo de adoção no Brasil, mas no momento da coleta de dados estavam no exterior
Instrumentos
Questionário Sociodemográfico: Um questionário sociodemográfico foi elaborado para este estudo a fim de caracterizar a amostra. Consistiu em 13 perguntas relacionadas ao cuidador, abordando características como idade, estado, orientação sexual, status de relacionamento, escolaridade etc.
Escala de Satisfação Parental com a Adoção (PASS): A PASS é composta por 10 itens mensurados em uma escala do tipo Likert de 7 pontos, variando entre 1=“Discordo Totalmente” a 7=“Concordo Totalmente”. O item sete tem um caráter negativo e deve ser pontuado inversamente. Os escores variam de 10 a 70 e quanto mais alta a pontuação maior o nível de satisfação. A PASS foi construída com base na literatura sobre adoção, bem como avaliada por profissionais da área e psicólogos, com vistas a garantir a validade de conteúdo da escala. Outros estudos de validade não foram conduzidos no estudo original. Em relação à fidedignidade, o instrumento original apresentou uma consistência interna adequada com alfa de Cronbach de 0,93 ( Wydra, 2013 ). Além disso, em um outro estudo a escala também apresentou estimativas de consistência interna de 0,93, também considerada satisfatória ( Wydra & O'Brien, 2018 ).
Escala de Estresse Parental (EEPa): A EEPa foi originalmente construída por Berry e Jones (1995) . A versão adaptada para o Brasil é constituída por 16 itens, com oito questões que avaliam a satisfação dos(as) pais/mães com a parentalidade e oito itens que estão relacionados aos estressores parentais. É instrumento de autorrelato, respondido em escala Likert de cinco pontos, variando entre 0=“Discordo Totalmente” e 4=“Concordo Totalmente”. No estudo de evidências de validade para o português brasileiro, uma análise fatorial exploratória indicou a presença de duas subescalas, denominadas de estressores parentais (8 itens) e satisfação parental (8 itens). Essa solução fatorial demonstrou indicadores adequados, atestando a validade da estrutura interna da EEPa. A EEPa apresentou também evidências de validade concorrente com a Escala de Estresse Percebido ( r =0,45; p <0,001) e com o Inventário de Práticas Parentais ( r =- 0,40; p <0,001). A fidedignidade foi calculada para a escala global, apresentando um alfa de Cronbach de 0,81 que atestou adequada consistência interna ( Brito & Faro, 2017 ).
Inventário de Percepção da Vinculação Materna (IPVM): O IPVM é um instrumento construído para avaliar a vinculação dos pais ou cuidadores com a criança. A versão adaptada para o Brasil é constituída por 26 itens, divididos em dois fatores, sendo o primeiro Interação e Afeto e o segundo Percepção Materna ( Boeckel et al., 2011 ). O inventário é de autorrelato, respondido em uma escala Likert de cinco pontos, variando de “1=Quase Nunca” à “5=Sempre”. Os escores dos itens variam de 26 a 130, obtidos pela soma total dos escores do inventário, sem a necessidade de inversão de pontos. Maiores escores são indicativos de maior vinculação. Quanto às propriedades psicométricas, o IPVM possui evidências satisfatórias de validade da estrutura interna, com análise fatorial exploratória que agrupou os itens nos dois fatores descritos. Em relação à fidedignidade, a consistência interna foi de alfa de Cronbach igual a 0,91 para o fator 1 (satisfatória), mas de 0,48 para o fator 2 (insatisfatória), possivelmente devido ao pequeno número de itens que o compõe (seis) ( Boeckel et al, 2011 ).
Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) - versão em português do Brasil: A SRQ-20 é uma escala de triagem psiquiátrica para transtornos mentais não psicóticos, englobando principalmente os sintomas de depressão e ansiedade, ou seja, Transtornos Mentais Comuns (TMC) ( Beusenberg, et al., 1994 ). É composta por 20 questões com opções de resposta sim ou não, que listam os sintomas em quatro escalas - ansiedade e depressão, sintomas somáticos, energia vital reduzida e pensamentos depressivos. Cada resposta afirmativa é pontuada “1”, e “0” para não, o resultado final é dado por uma pontuação total. Evidências de validade da estrutura interna para a versão brasileira foram averiguadas por Gonçalves et al. (2008) , que constataram correlações significativas entre quase todos os itens entre si, indicando que eles medem o mesmo construto. Em relação à fidedignidade, o alfa de Cronbach de 0,86 para a escala global indicou uma satisfatória consistência interna ( Gonçalves et al., 2008 ).
Procedimentos Éticos
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Rio Grande do Sul conforme o CAAE: 58061816.4.1001.5334 e parecer número 3.640.178. A privacidade de todos os participantes, assim como o sigilo e confidencialidade dos dados foram garantidos. Todos os participantes precisavam aceitar e concordar com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para participar da pesquisa. Caso algum participante apresentasse desconforto ou necessitasse de apoio após a participação na pesquisa, disponibilizou-se um e-mail para contato com a equipe de pesquisa para solicitar atendimento. Ademais, durante o estudo, o grupo de pesquisa responsável ofertou suporte psicológico gratuito aos participantes por meio de um programa de treinamento parental e de psicoterapia breve familiar.
Procedimentos de análise dos dados
No estudo de adaptação transcultural, as análises dos dados foram realizadas de maneira qualitativa e quantitativa. Para as etapas de síntese da tradução e retrotradução, as informações foram compiladas em arquivos do Excel, e os autores consideraram os comentários e diferenças de linguagem para sintetizar ou fazer adequações nas traduções. Todas as discussões da equipe de pesquisa foram feitas considerando critérios teóricos, bem como os de equivalência semântica, idiomática, linguística, contextual e conceitual para a modificação dos itens ( Borsa et al., 2012 ). Para a análise das juízas, cada item recebia uma nota de 1 a 5 em relação à qualidade da tradução, em que a pontuação 1 refletia uma baixa qualidade da tradução/adaptação transcultural e 5 uma alta qualidade. O acordo entre as pontuações das quatro juízas foi analisado por meio do Coeficiente de Validade de Conteúdo (CVC) para cada item. Foram aceitos valores de concordância maiores que 0,70 para considerar o item adequado ( Borsa, et al., 2012 ; Hernández-Nieto, 2002 ). Adicionalmente, os comentários das juízas, quando considerados pertinentes, orientaram mudanças nos itens baseadas nos comentários, como exemplo, para alterar palavras ou suprimir expressões. Os comentários do público-alvo da escala também foram considerados pela equipe para melhoria dos itens.
Os dados dos participantes do estudo psicométrico foram analisados por meio de estatísticas descritivas, como médias, desvios-padrão e porcentagens. Para verificar as evidências de validade relacionadas à estrutura interna da escala PASS foi realizada uma análise fatorial confirmatória (AFC). As correlações dos itens com o fator foram consideradas satisfatórias quando os coeficientes eram iguais ou maiores que 0,30 ( Pasquali, 2005 ). Como trata-se de uma escala breve, com 10 itens, com covariâncias esperadas entre os itens, todos medindo uma dimensão geral da satisfação parental com o processo de adoção, um modelo teórico unidimensional foi hipotetizado (Flora et al., 2017).
A AFC foi implementada no Programa JASP, versão 14.0. Para verificar a qualidade do ajuste do modelo foi utilizado o qui-quadrado e os índices Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA), Comparative Fit Index (CFI) e Tucker-Lewis Index (TLI). Para o qui-quadrado, os resultados são interpretados em relação à probabilidade associada, sendo que valores menores indicam um melhor ajuste entre o modelo hipotético e os dados obtidos. Para o RMSEA, os valores devem ser baixos (menores que 0,08), e para o CFI e TLI devem ser acima de 0,90, ou preferencialmente, 0,95 ( Brown, 2006 ). Para avaliar evidências de fidedignidade da escala, foram utilizados os índices de alfa de Cronbach e o Ômega de McDonald. São considerados valores acima de 0,70 como satisfatórios ( Marôco, 2010 ). O uso dos dois coeficientes é justificado pelo fato de que embora o alfa de Cronbach seja o indicador mais usado, ele pode superestimar a fidedignidade do instrumento. O Ômega de McDonald é menos restritivo, permitindo que os itens tenham pesos diferentes, funcionando como uma replicação da fidedignidade do instrumento ( Malkewitz et al., 2023 ).
Para verificar evidências de validade relacionadas a variáveis externas, do tipo convergente, da PASS, foram feitas correlações de Spearman desta medida com a escala de Estresse Parental (em suas dimensões Estressores Parentais e Satisfação Parental), com a Escala de Vinculação Materna (em suas dimensões Interação e Afeto e Percepção Materna) e com o SRQ-20. Esperavase correlações significativas entre todas as variáveis, interpretando-se a magnitude por meio das indicações de Cohen (1992) , sendo elas: entre 0,10 e 0,29 correlações baixas; entre 0,30 e 0,49 médias; e entre 0,50 e 1, altas. A análise de Spearman foi escolhida pelo fato de a PASS apresentar distribuição fortemente assimétrica, de acordo com o teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov (p < 0,001). Eram esperadas correlações negativas entre a PASS com a escala EEPa e com o SRQ-20 e positivas com o IVPM. Essa hipótese se baseou no estudo de Almeida et al. (2021) que constatou que pais por adoção que apresentavam mais sintomas de transtornos mentais e uma maior insatisfação com a parentalidade tinham maior probabilidade de considerar a dissolução da adoção, envolvendo a ruptura dos vínculos com a criança. Além disso, outros estudos também indicaram os sintomas de psicopatologia como um fator de risco para a satisfação parental no período pós-adoção, assim como para a manutenção dos vínculos ( Brooker et al., 2015 ; Waid & Alewine, 2018 ).
Resultados
Adaptação transcultural da PASS
Durante o processo de tradução da escala, na primeira etapa, as tradutoras optaram pela inclusão dos termos “meu/minha” e “filho(a)” para evitar vieses de sexo. Na etapa de avaliação dos juízes, o CVC foi satisfatório para todos os itens. O menor acordo entre as juízas foi em relação à qualidade da tradução do item 8 (0,85), seguido dos itens 4 e 9 (0,90) e Item 3 (0,95). Todos os outros itens tiverem acordo total em relação à adequação (1). Alterações nos itens foram feitas pela equipe de pesquisa diante de comentários considerados pertinentes. No item 3, “Sinto-me capaz de lidar com as questões relacionadas à adoção do meu/minha filho(a)” o artigo “as” foi retirado para dar um sentido mais geral à questão, como em sua versão em inglês. A expressão “as questões” poderia ser entendida pelo público-alvo como algo específico, por exemplo, do processo legal de adotar, quando o que se pretende é uma compreensão das mudanças que perpassam todo o processo da adoção. No item 8, o termo “quão bem” foi retirado por não ser uma expressão usada cotidianamente. O item 9 foi alterado para deixá-lo mais curto e consequentemente mais fácil de entender. A Tabela 2 compara os itens antes e depois de alterados.
Tabela 2 Versões dos Itens da PASS Antes e Após a Avaliação dos Juízes e do Público-Alvo
Item | Versão Anterior Versão Posterior | |
---|---|---|
Etapa dois: avaliação das juízas | ||
3 | Sinto-me capaz de lidar com as questões relacionadas à adoção do meu/minha filho(a) | Sinto-me capaz de lidar com questões relacionadas à adoção do meu/minha filho(a) |
8 | Estou feliz com o quão bem meu/minha filho(a) adotivo(a) se adaptou à nossa família | Estou feliz com a forma positiva como meu/minha filho(a) adotivo(a) se adaptou à nossa família |
9 | Se eu tivesse que fazer tudo de novo, tomaria a mesma decisão de adotar meu/minha filho(a) | Se eu tivesse que fazer tudo de novo, decidiria novamente adotar meu/minha filho(a) |
Etapa três: avaliação pelo público-alvo | ||
4 | A adoção de meu/minha filho(a) não é mais A adoção de meu/minha filho(a) não tem sido mais estressante do que a nossa família esperava estressante do que a nossa família esperava | |
8 | Estou feliz com a forma positiva como meu/minha Estou feliz com a forma como meu/minha filho(a) filho(a) adotivo(a) se adaptou à nossa família adotivo(a) se adaptou à nossa família |
Já na etapa do público-alvo, pequenas alterações foram realizadas. Foi sugerido pelo grupo, e incluído pela equipe de pesquisa, o termo “tem sido” no item 4, a fim de que a escrita se adequasse a outro item em que também aparece este termo. Neste mesmo item foi sugerido a retirada da palavra “não”, porque, segundo o grupo, o entendimento da frase seria mais fácil. Entretanto, essa modificação acarretaria uma alteração de sentido do mesmo, por isso não foi acatada. No item “Nunca questiono minha decisão de ter adotado meu/ minha filho(a)” também foi sugerido a retirada da expressão “nunca”, o que também alteraria o sentido do item da versão original, portanto essa sugestão também não foi acatada. A sugestão de retirada da palavra “positivo” no item 8 foi seguida pelos autores. Os participantes argumentaram que essa expressão poderia suscitar dúvidas na interpretação dos respondentes futuros, uma vez que a palavra transmitiria a ideia de algo extremamente bom e sem intercorrências e que o processo de adoção altera a estrutura familiar, logo períodos de reordenação familiar são esperados, e algumas vezes momentos neutros também dizem de uma boa adaptação da criança à família. A Tabela 2 sintetiza as alterações feitas nos itens nesta etapa do processo. A versão retrotraduzida na quinta etapa ( backtranslation ) foi avaliada pela autora da escala original Maria Ann Wydra, que retornou aos pesquisadores confirmando que a versão brasileira mantinha o mesmo sentido dos itens da versão original.
Análise de evidências de estrutura interna
A análise paralela confirmou a estrutura unidimensional hipotetizada. Na primeira análise, a estrutura unidimensional apresentou os seguintes índices de ajuste: χ2=167,01 Graus de liberdade=33; p <0,001; CFI=0,93; TLI=0,93; RMSEA=0,14 (IC de 95%: 0,12 - 0,16). O primeiro modelo fatorial apresentou ajustes aceitáveis, com exceção do RMSEA, que ficou com um valor muito acima do esperado. Visando melhorar estes ajustes foram identificados dois índices de modificação potencialmente relevantes: a covariância entre o item 1 (Estou satisfeito[a] com a adoção do meu/minha filho[a]) e o item 5 (Sabendo o que sei agora, acredito que a adoção do(a)meu/minha filho(a) foi uma boa decisão) e entre o item 1 e o item 9 (Se eu tivesse que fazer tudo de novo, decidiria novamente adotar meu/minha filho[a]). A possibilidade de excluir algum dos itens foi descartada, porque, apesar da covariância entre eles, todos contribuem com informações diferentes e complementares para a escala. O item 1 avalia de forma mais generalista a satisfação com a adoção. O item 5 refere-se à reflexão sobre a decisão feita no passado após a convivência com o filho(a). Por fim, o item 9 relaciona-se a ligação afetiva com o(a) filho(a), mesmo face às dificuldades do processo da adoção. Considerando que teoricamente essa covariação é esperada, os ajustes foram realizados em uma nova rodada de análise. Ao realizar essas modificações, os índices de ajuste melhoraram consideravelmente (χ2=114,43; Graus de liberdade=33; p <0,001; CFI=0,95; TLI=0,94). O RMSEA permaneceu com valor acima do esperado (0,12; IC de 95%: 0,09 - 0,14), mas dessa vez com o limite inferior do intervalo de confiança mais próximo ao nível exigido. A fidedignidade composta do fator, assim como o alfa de Cronbach e o Ômega de McDonald também foram adequados (acima de 0,70). As cargas fatoriais finais dos itens, do segundo modelo de AFC, podem ser observadas na Tabela 3 . Os itens apresentaram cargas fatoriais adequadas, todas superiores a 0,65. Também são reportados os índices de fidedignidade pelo alfa de Cronbach e o ômega de McDonald.
Evidências de validade do tipo convergente
A Tabela 4 apresenta os resultados dos coeficientes de correlação entre a PASS e as dimensões das escalas EEPa e IVPM e com o SRQ-20. Os resultados indicaram que houve correlações negativas e estatisticamente significativas entre a PASS e as dimensões das escalas EEPa e com o SRQ-20 e positivas com as dimensões do IVPM. A magnitude das correlações da PASS com a duas dimensões da EEPa e com o EVPM na dimensão de interação e afeto foram altas, e entre a PASS e a dimensão de percepção materna na IVPM e com o SRQ-20 foram médias, considerando o critério de Cohen (1992) . Esses dados indicam que quanto menores os níveis de estresse parental, de insatisfação parental e de sintomas de saúde mental, maior a satisfação dos participantes com a adoção. Além disso, quanto maior a vinculação materna, em suas dimensões Interação e Afeto e Percepção Materna, maior a satisfação com a adoção.
Discussão
Este estudo teve como objetivos a adaptação transcultural e avaliação de evidências de validade e fidedignidade da Escala de Satisfação Parental com a Adoção. A PASS ( Wydra, 2013 ) emergiu como um instrumento promissor para essa avaliação. No entanto, antes da adaptação transcultural para o Brasil, seu uso estava restrito ao contexto estadunidense, com estudos apenas de validade de conteúdo ( Wydra, 2013 ) e de consistência interna ( Wydra, 2013 ; Wydra & O'Brien, 2018 ). O presente estudo representa um avanço para as pesquisas de adoção no Brasil ao fornecer um instrumento novo, com evidências de validade de conteúdo, de estrutura interna e do tipo convergente, sendo um avanço inclusive às investigações da versão original da PASS ( Wydra, 2013 ; Wydra & O'Brien, 2018 ).
A abordagem sistemática e com múltiplas etapas adotada durante a adaptação da PASS garantiu rigor ao processo de adaptação transcultural, conferindo validade de conteúdo à versão brasileira conforme diretrizes da American Educational Research Association , da American Psychological Association e do National Council on Measurement in Education ( AERA et al., 2014 ). A ênfase dada à equivalência semântica, idiomática e conceitual, por meio de tradução, avaliação de juízes e feedback do público-alvo, garantiu que a PASS capturasse aspectos específicos da cultura brasileira, além de incorporar especificidades do processo legal da adoção que é diferente no Brasil em relação ao contexto de criação do instrumento ( Silva et al., 2018 ). Além disso, a inclusão dos termos "meu/minha" e "filho(a)" refletiu um compromisso em evitar vieses de gênero, demonstrando sensibilidade e adaptação às mudanças sociais contemporâneas.
O processo de adaptação transcultural passou por várias etapas cuidadosamente projetadas. Na primeira fase, os itens foram traduzidos de forma independente por três pesquisadoras, garantindo uma compreensão adequada das variações em relação ao idioma original. A síntese das versões em português e a colaboração entre as tradutoras asseguraram a clareza conceitual dos itens. A avaliação das juízas na terceira etapa enriqueceu a qualidade da tradução, incorporando sugestões valiosas para melhorar a clareza e a compreensão. A experiência de algumas das juízas com as leis brasileiras e com o tema da adoção permitiu efetuar mudanças nos itens para que a população-alvo da escala possa avaliar de forma coerente e contextualizada o que é proposto ( Borsa et al., 2012 ). A inclusão do público-alvo nas etapas de avaliação também contribuiu para a validade de conteúdo da PASS, permitindo que a escala refletisse autenticamente a experiência dos pais adotivos brasileiros. Todas essas etapas estão de acordo com recomendações da literatura de referência para a adaptação transcultural de instrumentos ( Borsa et al., 2012 ; Morgado et al., 2017 ).
Em relação aos estudos de evidências de validade, a adequação da estrutura interna da versão brasileira da PASS e a validade convergente da escala com medidas que avaliam construtos teoricamente relacionados fornecem subsídios para seu uso no contexto e para os fins propostos, conforme recomenda a AERA et al. ( 2014 ). A confirmação da estrutura unidimensional hipotetizada, tendo o modelo fatorial sido estabelecido conforme recomendações da área ( Flora & Flake, 2017 ), e realizando ajustes teóricos com base na análise paralela, ressalta a aderência da escala adaptada à sua proposta original. As evidências de validade convergente confirmam a versão brasileira da PASS como uma medida abrangente, permitindo uma compreensão mais profunda da complexidade da experiência parental na adoção.
A análise de evidências de validade da estrutura interna foi concluída após duas análises confirmatórias da estrutura unifatorial. Nenhum dos dois modelos fatoriais apresentaram valores satisfatórios de RMSEA, mesmo após aplicados dois índices de modificação no segundo modelo. Contudo, inconsistências entre os índices de ajuste aproximados são comuns e as interpretações geralmente requerem um grau de julgamento por parte dos pesquisadores para determinar se um modelo é significativamente melhor do que um modelo concorrente ( Browne & Cudeck 1992 ; Lai & Green 2016 ). Além disso, o RMSEA pode sofrer influência em amostras pequenas, se comportando de maneiras não intencionais ( Rigdon, 1996 ). Por isso, os autores optaram por continuar com o modelo apresentado, visto que todos os outros ajustes (CFI, TLI e qui-quadrado) e as cargas fatoriais estavam adequadas. Além disso, o limite inferior do RMSEA no intervalo de confiança (0,09) está muito próximo do parâmetro considerado aceitável.
Os resultados obtidos por meio de análises de correlação entre os instrumentos também forneceram evidências de que a PASS apresenta qualidades psicométricas adequadas. Espera-se que as correlações entre instrumentos que medem construtos teoricamente relacionados sejam mais moderadas do que as correlações entre instrumentos que medem o mesmo construto em estudos de validade convergente. A correlação entre a satisfação parental com a adoção com menores níveis de estresse, menor número de sintomas de saúde mental e uma maior vinculação materna confirmou achados de estudos empíricos ( Almeida et al., 2021 ; Foli et al., 2012 ; Lancaster et al., 2017 ; McGlone et al., 2002 ). Portanto, as correlações entre os instrumentos corroboram a expectativa teórica, confirmando evidências de validade convergente da PASS com instrumentos que medem construtos relacionados.
A fidedignidade da escala foi avaliada utilizando o alfa de Cronbach e o Ômega de McDonald. Ambos os coeficientes apresentaram índices adequados de consistência interna (Maroco, 2010), apontando para a fidedignidade da PASS na amostra brasileira e confirmando as análises do instrumento em sua versão original ( Wydra, 2013 ; Wydra & O'Brien, 2018 ). Embora o valor de Ômega tenha sido um pouco mais alto, as diferenças nas magnitudes em relação ao alfa de Cronbach são esperadas, tendo em vista que os dois coeficientes utilizam diferentes métodos de estimação. O alfa de Cronbach considera apenas as correlações interitens, ou seja, a correlação entre cada par de itens da escala. Por outro lado, o Ômega de McDonald é estimado a partir das variâncias e covariâncias dos itens, considerando tanto as correlações interitens, quanto as variâncias dos itens. McDonald (1999) demonstrou que o Ômega é idêntico ao alfa de Cronbach se todos os itens tiverem as mesmas cargas fatoriais e maior que o alfa se os itens tiverem cargas fatoriais diferentes, fato confirmado no presente estudo. O uso dos dois coeficientes avança o que é comumente apresentado nos estudos de fidedignidade de instrumentos, incluindo os estudos de consistência interna da versão estadunidense da PASS que apresentaram apenas o alfa de Cronbach ( Wydra, 2013 ; Wydra & O'Brien, 2018 ). Além disso, traz dados adicionais sobre a confiabilidade da versão brasileira da PASS, já que o uso apenas do alfa de Cronbach apresenta limitações ( Sijtsma, 2009 ).
Em relação às amostras dos estudos de evidências de validade e fidedignidade, é notável que a maioria dos participantes foi composta por mulheres, heterossexuais, brancas e com renda alta. Esse viés de gênero está de acordo com resultados de outros estudos sobre a parentalidade biológica, em que geralmente há maior participação de mães ( Pazzagli et al., 2018 ). A literatura discute que os homens tendem a pensar menos sobre sua parentalidade e a relação com os filhos em comparação com as mães ( Pazzagli et al., 2018 ), o que pode explicar a menor participação deles em estudos sobre o tema. Os resultados deste estudo apontam para uma possível tendência semelhante no contexto da adoção, com os homens apresentando menor envolvimento em estudos sobre o assunto em relação às mulheres.
O presente estudo reforça a importância de que os profissionais que trabalham com adoção no Brasil estejam atentos à satisfação parental com a adoção como um relevante indicador do ajuste familiar, assim como já apontado por Santos-Nunes et al. (2018) . Assim, a PASS pode contribuir como esse processo, sendo um instrumento breve, simples e de fácil aplicação, o que permite recomendá-lo para a avaliação psicossocial e intervenção nos processos de adoção no contexto nacional e para estudos futuros nesta temática. Destacam-se algumas possibilidades de uso clínico da PASS, como a avaliação, a intervenção e o acompanhamento dos processos de adoção. Como instrumento para avaliar a satisfação parental de famílias adotivas, a PASS pode ajudar os profissionais a compreenderem melhor a experiência dos pais adotivos e a identificar áreas de preocupação ou necessidades específicas. Já na intervenção clínica, os profissionais podem utilizar as informações da avaliação para trabalhar os aspectos em que os pais estão menos satisfeitos ou enfrentando desafios. As intervenções podem envolver suporte emocional, aconselhamento familiar, programas de educação parental ou encaminhamento para outros serviços de apoio. Em relação ao monitoramento de progressos das intervenções, a PASS pode ser reaplicada periodicamente com as famílias em intervenção para monitorar os progressos e avaliar a eficácia das intervenções implementadas. É importante ressaltar que a aplicação da PASS na prática clínica deve ser feita por profissionais qualificados, como psicólogos, assistentes sociais ou outros profissionais de saúde mental, que tenham conhecimento e experiência em trabalhar com famílias adotivas.
Em relação ao contexto de pesquisa, o desenvolvimento de estudos e de instrumentos de avaliação psicológica específicos para a área de adoção no Brasil pode auxiliar a preencher lacunas de conhecimento, permitindo compreender as complexidades únicas enfrentadas por famílias adotivas. A utilização de instrumentos validados e específicos para os fins propostos possibilita identificar desafios, oferecer suporte direcionado, monitorar a evolução ao longo do tempo e embasar políticas públicas e práticas clínicas cientificamente respaldadas. Além disso, o uso de instrumentos contribui para a comparabilidade entre os estudos, permitindo a construção de uma base de conhecimento contextualizada para a compreensão das experiências culturais, sociais e legais que influenciam a adoção no Brasil.
Diante do exposto, destaca-se que esta pesquisa contribui com a produção de estudos quantitativos sobre a adoção no Brasil, tendo em vista que nacionalmente a maior parte da produção científica é qualitativa ( Silva et al., 2018 ). Os resultados obtidos são importantes, uma vez que não foram encontrados instrumentos específicos para avaliar a satisfação com a adoção ou medir aspectos relacionados no contexto brasileiro. Contudo, é preciso relatar algumas limitações. Em relação à amostra do estudo psicométrico, pelo fato de ter sido selecionada por conveniência e de forma on-line, a maioria das famílias que participaram tinham um nível socioeconômico mais favorecido, limitando o alcance daqueles que não tiveram acesso à divulgação da pesquisa. Em relação à seleção, houve predominância de participantes do sul e sudeste, o que é um limite à representatividade geográfica da pesquisa. Sugere-se que estudos futuros possam incluir uma maior variação amostral, tanto em termos geográficos quanto socioeconômicos. Além disso, por se tratar do primeiro estudo sobre o instrumento, somente algumas evidências de validade foram investigadas, demandando a continuidade dos estudos psicométricos em consonância com recomendações da AERA et al. ( 2014 ). Contudo, apesar das limitações, este estudo coloca em destaque a importância de estudar as famílias por adoção para a promoção do seu bem-estar e, por consequência, das crianças adotadas, proporcionando um ambiente saudável para seu crescimento e desenvolvimento.