A inclusão de pessoas com necessidades especiais é um tema que vem ganhando espaço dentro da perspectiva global de busca pela igualdade e respeito à diversidade ( Oliveira et al., 2022 ). Para que tal meta possa ser atingida, tais princípios precisam ser incorporados a diversos contextos, sendo que, dentre eles, talvez o mais importante seja o escolar. Visa-se assim que as referências históricas marcadas pela segregação, preconceito e rejeição possam ser superadas, de modo a garantir o acesso à educação e permanência de pessoas com qualquer tipo de necessidade especial ( Göransson et al., 2022 ).
Diversos documentos internacionais que garantem o direito à educação especial em todos os níveis de ensino foram desenvolvidos na última década ( Navarro-Mateu et al., 2021 ), almejando-se que o público-alvo da educação especial tenha acesso à educação de qualidade e em igualdade com outros indivíduos que não pertencem a essa modalidade de ensino ( Byrne, 2022 ). No Brasil, diversas regulamentações na educação especial foram criadas de modo a incluir três tipos de estudantes: aqueles que apresentam deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, de modo a garantir, a estes, direito a atendimento educacional especializado, independente de qual seja sua condição ( Rosa & Lima, 2022 ).
Entretanto, ainda que a legislação brasileira defina, de forma explícita, as políticas públicas na área da educação, somente sua existência não é suficiente para seu cumprimento na prática ( Vieira, 2010 ). Dentre as principais dificuldades, a identificação desses alunos se mostra um ponto importante, dada a subnotificação dos casos ( Dainez et al., 2022 ). Segundo dados do Censo Escolar de 2023 (Instituto Nacional de Estudos de Pesquisas Anísio Teixeira, 2022), cerca de 3,16% dos estudantes matriculados na educação básica fazem parte da educação especial. Destes, 50,0% encontram-se matriculados na condição de estudantes com deficiência intelectual (DI) e 0,05% como estudante com altas habilidades/superdotação (AH/SD).
Parte dessa dificuldade pode ser compreendida perante a constatação de que a identificação desses estudantes, comumente, se marca pelo uso de critérios baseados na conveniência prática, de modo que eles variam amplamente enquanto decisão para a admissão de um estudante em programas especiais ( Silverman & Gilman, 2020 ). A ausência de procedimentos e critérios de identificação consistentes faz com que muitos desses alunos não sejam classificados com precisão ( Matthews & Rhodes, 2020 ). Dentre os procedimentos mais comuns, pode-se destacar a utilização de testes de avaliação da inteligência como único critério ou ainda a identificação realizada com base somente na indicação do professor ( Nakano, 2022 ). Ambos os critérios se mostram questionáveis, apesar de continuarem a ser uma prática padrão na identificação ( Ricciardi et al., 2020 ).
Em uma situação idealizada, a realização de um processo de triagem de possíveis déficits, transtornos e potenciais elevados, envolvendo todos os estudantes matriculados no país, em todos os níveis de ensino, seria a solução mais promissora e justa. No entanto, sabemos que tal medida se mostra inviável em larga escala, especialmente se considerarmos que esse tipo de avaliação é longo, possui um custo elevado e teria que envolver muitos profissionais capacitados para tal tarefa ( Nakano & Campos, 2019 ). Além disso, acabaria por incluir, desnecessariamente, indivíduos que não possuem nenhum comportamento indicador de DI ou AH/SD.
Diante dessas limitações, medidas padronizadas de desempenho escolar têm sido empregadas como método alternativo na triagem de indicadores da presença de AH/ SD do tipo cognitiva. Nos Estados Unidos, por exemplo, os resultados no Scholastic Aptitude Test (SAT) e American College Test (ACT) já têm sido empregados na identificação dos superdotados ( Sternberg et al., 2021 ; Vu et al., 2019 ). É importante esclarecer que o tipo de conteúdo avaliado nas provas marca-se pelo conhecimento acumulado ao longo da escolarização sendo, portanto, uma medida de inteligência cristalizada. Desse modo, pode-se pensar nos desvios normativos como indicadores de DI e de AH/SD.
Sabendo que o Brasil conta com diversas avaliações escolares em larga escala, por exemplo, o Sistema de Avaliação do Ensino Básico (SAEB), Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), bem como provas estaduais de avaliação do rendimento escolar, a adoção de alguma sistemática de avaliação baseada nos resultados dessas provas pode ser considerada uma alternativa à ausência de identificação do público-alvo da educação especial ( Veltrone & Mendes, 2011 ), ampliando seu uso para a identificação dos estudantes que apresentam déficit.
Nesse contexto, a proposta do estudo aqui apresentado fez uso do resultado dos estudantes nessas avaliações educacionais em larga escala para identificação de dois grupos que apresentam desempenho cognitivo que destoa da média, de modo a possibilitar uma primeira triagem desses estudantes. De um lado, os chamados estudantes com deficiência intelectual, compreendidos como indivíduos que apresentam funcionamento intelectual significativamente abaixo da média ( American Psychiatric Association , 2023 ) e, de outro lado, alunos com AH/SD, ou seja, aqueles que apresentam potencial acadêmico e cognitivo significativamente acima da média ( Renzulli, 2014 ). Considerando-se que não é mais exigida a apresentação de um laudo confirmando a existência de deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e AH/ SD para que o acesso a apoio pedagógico seja possível ( Frederico & Laplane, 2020 ), a utilização de formas acessíveis de avaliação se mostra uma alternativa à ausência de identificação.
Sabe-se que, historicamente, as pessoas com deficiência têm enfrentado obstáculos importantes para acesso a uma educação adequada às suas necessidades ( Gallert & Pertile, 2022 ) e, de forma similar, alunos com AH/ SD nem sempre são identificados, deixando de receber atenção educacional especializada ( Martins et al., 2023 ). É nesse contexto que a identificação desses alunos se mostra importante para o fomento de potencialidades, fornecer suporte nas fragilidades relacionadas ao desenvolvimento, bem como, auxiliar na decisão acerca das medidas educativas mais adequadas ao sujeito ( Almeida et al., 2013 ). Ou seja, visando garantir o acesso a uma educação de qualidade, inclusiva e não discriminatória e que proteja esses indivíduos de qualquer forma de violência e negligência ( Volpato & Chemin, 2022 ).
Isso porque o ingresso dos alunos na educação especial no ensino regular traz, além da necessidade de enfrentar as próprias limitações, a vivência de diferenças, discriminação e preconceito ( Dias & Pingoello, 2016 ) e dificuldades de natureza pedagógica e socioemocional ( Oksendal et al., 2019 ). Essas situações ocorrem, de forma mais frequente, entre crianças e adolescentes que apresentam necessidades educacionais especiais ( Oliveira & Barbosa, 2012 ).
Como exemplo podemos citar a presença de violência no contexto da educação especial ( Phil et al., 2018 ). Pesquisadores têm verificado que alunos com deficiência se mostram mais vulneráveis a sofrer violência escolar por parte de colegas, professores e funcionários da escola devido a estereótipos e preconceitos ( Njelesani et al., 2022 ; Swearer et al., 2012), até quatro vezes mais do que os outros estudantes ( Jones et al., 2012 ). Apesar dessa estimativa, quase nada se sabe sobre a violência que essas crianças sofrem na escola ( Njelesani, 2019 ; Njelesani et al., 2018 ).
Outro aspecto importante se refere ao bullying . Pesquisas nessa temática tem demonstrado que estudantes superdotados são mais vítimas do que os estudantes regulares ( González-Cabrera et al., 2022 ). Entretanto, apesar de prática frequente, a investigação sobre bullying envolvendo superdotados ainda se mostra extremamente limitada ( Peterson, 2016 ). As consequências podem se manifestar sob a forma de abandono e desinteresse escolar, ausência de sentimento de pertencimento, vivência de violência escolar, isolamento social e baixa autoestima, aspectos já bastante comuns nos alunos da educação especial ( Tessaro et al., 2022 ). É importante ressaltar que pesquisas voltadas à investigação de bullying ou violência escolar no contexto da educação especial se limitam a enfocar um dos públicos-alvo (deficientes ou superdotados), não havendo estudos que comparem esses dois grupos.
Diante do cenário apresentado, considerando-se as matrículas na educação especial na última década ( Rodrigues, 2022 ), a hipótese trabalhada é a de que o número de estudantes identificados no Censo Escolar não reflete a totalidade dos indivíduos que atendem os critérios para serem inseridos nessa modalidade. Nesse sentido, a pesquisa buscou alcançar dois objetivos: 1. considerando-se o desempenho escolar em uma medida padronizada, identificar os estudantes que apresentam indicadores de DI e AH/SD e seu perfil sociodemográfico e 2. verificar se os dois perfis de estudantes apresentam diferenças, quando comparados aos estudantes sem nenhuma dessas condições, em relação a variáveis como pertencimento escolar, vivência de bullying e violência escolar.
Método
Participantes
Um banco de dados coletados em 2019 foi utilizado nas análises, contendo os resultados de 100.081 estudantes do 5º e 9º ano do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio em uma prova padronizada de desempenho escolar realizada por um Estado brasileiro. Dentre os participantes, a idade variou entre 10 e 19 anos ( M =14,7 anos; DP =2,61), sendo, aproximadamente, metade de cada sexo.
Em relação à escolaridade, 37,0% são estudantes do 3º ano do ensino médio, 24,1% do 5º ano do ensino fundamental e 38,9% do 9º ano do ensino fundamental. A localização das escolas é predominantemente urbana (98,1%), sendo 90,9% estaduais e 9,01% municipais. A maior parte dos alunos estuda no período da manhã (65,9%), seguidos pela tarde (21,5%) e noite (12,6%). No ano analisado (2019), 6.358 escolas participaram da avaliação, envolvendo um total de 645 municípios.
Instrumentos
1. Desempenho escolar: envolve questões de múltipla escolha relativas à língua portuguesa e matemática. Na prova de matemática, contendo 24 questões, o aluno deve solucionar a questão proposta escolhendo, dentre as quatro alternativas, a correta. Na prova de língua portuguesa, contendo 24 questões, deve interpretar textos apresentados e escolher, dentre as quatro alternativas, a correta.
2. Pertencimento escolar: cinco itens foram traduzidos e adaptados da Panorama Student Survey ( 2019 ). Os estudantes responderam a questões como: “O quanto as pessoas na sua turma entendem você?”, dentro de uma escala Likert de cinco pontos, cujos descritores seguiam o conteúdo do item (1=não entendem nada a meu respeito; 5=entendem completamente).
3. Bullying: a partir da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2019, seis itens dicotômicos (sim/ não) foram adaptados para avaliar bullying como vítima (exemplo de item: Nos últimos 30 dias, seus colegas lhe esculacharam, zombaram, zoaram, caçoaram, mangaram, intimidaram ou humilharam por causa da sua cor ou raça?) e um item para avaliar bullying como intimidador (exemplo de item: Nos últimos 30 dias, você esculachou, zombou, mangou, intimidou ou caçoou algum de seus colegas da escola tanto que ele(a) ficou magoado(a), aborrecido(a), ofendido(a) ou humilhado(a)?).
4. Violência física ou psicológica: a partir da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2019, oito itens, sendo quatro referentes ao ambiente escolar (exemplo de item: Na escola, com que frequência você presencia um amigo ou conhecido sofrer violência psicológica [gritos, xingamentos, ameaças ou outras ofensas verbais, bullying etc.]?) e quatro referentes ao ambiente doméstico (exemplo de item: Na sua casa, com que frequência você sofre violência física [tapas, socos, pontapés etc.]?) foram respondidos pelos estudantes. O formato da resposta é do tipo Likert de quatro pontos (“1 - Muito pouco” a “4 - Muito”).
Procedimentos
Os convites para a participação das escolas na prova foram realizados pela Secretaria de Educação local, que também garantiu autorização ética para o estudo. A coleta de dados ocorreu em 2019 por meio de aplicações em lápis e papel, de forma coletiva em sala de aula. Seguindo o delineamento Blocos Incompletos Balanceados (BIB), foram elaborados sete cadernos, com cada aluno respondendo apenas um caderno.
Inicialmente a nota de cada aluno em português e matemática foi somada, de forma a dar origem a uma única medida de desempenho escolar. A partir do cálculo da média e desvio padrão obtida pela amostra total, os participantes foram separados em três grupos: 1. aqueles que apresentaram desempenho igual ou abaixo a dois desvios padrão, classificados com desempenho rebaixado e possível indicador de DI, 2. dois desvios padrão acima da média, classificados como desempenho cognitivo elevado (possível indicador de AH/SD acadêmica) e aqueles que não se enquadram em nenhuma das condições (considerados grupo regular, ou seja, com desempenho na média).
Tal critério foi adotado, considerando-se a recomendação da literatura científica, a saber: o DSM-5 ( American Psychiatric Association , 2023 ) que classifica a deficiência intelectual como um funcionamento intelectual significativamente abaixo da média (cerca de dois desvios padrões abaixo) e o critério mais usualmente utilizado na identificação das AH/SD, o qual envolve o resultado, em teste de inteligência, dois desvios padrão acima da média normativa ( McIntosh et al., 2018 ).
Análise dos dados
Após a identificação dos participantes de cada grupo critério (indicadores de DI e de AH/SD), o perfil desses estudantes foi analisado, no Estudo 1, considerando-se sua distribuição em relação a variáveis sociodemográficas: sexo, idade, ano escolar, nível socioeconômico, rede de ensino que frequenta, período em que estuda e se é identificado, no banco de dados, como estudante que apresenta necessidades especiais. O teste t de Student e a análise de regressão linear foram utilizados para identificar diferenças de médias entre os grupos.
No estudo 2, variáveis psicológicas dos estudantes, a saber, pertencimento escolar, rendimento escolar, vivência de bullying e violência escolar foram investigadas nos três grupos (estudantes com indicadores de DI, AH/SD e sem indicadores desses quadros) visando-se identificar diferenças entre eles. Para as variáveis sexo e identificação como estudante com necessidades especiais (NE), o teste t foi aplicado e, nas demais variáveis, a Análise Univariada da Variância. Todas as análises foram conduzidas nos programas estatísticos JASP e JAMOVI, tendo-se utilizado, como critério para determinar a significância do resultado, o valor de p ≤0,05.
Estudo 1: Quantos são os estudantes que apresentam indicadores de DI e AH/SD e qual seu perfil sociodemográfico?
A partir da estimativa da média ( M =511,59) e desvio padrão ( DP =84,70) da amostra total na soma das pontuações nas provas de matemática e português, o critério para seleção dos participantes foi aplicado. Desse modo, o ponto de corte adotado para indicadores de DI (-2DP) foi de M =342,19 e, para indicadores de AH/SD foi de M =680,99.
O primeiro grupo, composto por estudantes que apresentam possíveis sinais indicadores de déficit cognitivo, foi composto por 2.287 estudantes, cerca de 2,3% da amostra total, sendo que a pontuação média desse grupo foi de 287,25 ( DP =25,01). O segundo grupo, de estudantes com sinais indicadores de altas habilidades/superdotação contemplou um total de 2.149 alunos (2,1%), os quais apresentaram, em média, 729,21 pontos na soma das disciplinas ( DP =23,29).
As características sociodemográficas dos grupos são apresentadas na Tabela 1 , sendo importante destacar que, no caso da idade, dada a ampla faixa etária englobada (10 a 19 anos), optou-se por apresentar somente a média de idade de cada grupo, nesta e nas análises seguintes que envolveram essa variável. Os dados são apresentados na Tabela 1 .
Tabela 1 Dados Sociodemográficos dos Grupos
Variável sociodemográfica | Grupo | Deficiência | Regular | AH/SD | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
F | % | F | % | F | % | ||
Sexo | Feminino | 953 | 41,67 | 47861 | 50,30 | 1047 | 48,72 |
Masculino | 1.334 | 58,33 | 47284 | 49,69 | 1102 | 51,28 | |
5o EF | 2.150 | 94,01 | 35100 | 36,89 | 1665 | 77,47 | |
Ano escolar | 9o EF | 131 | 5,72 | 21891 | 23,00 | - | - |
3o EM | 6 | 0,26 | 38153 | 40,10 | 484 | 22,52 | |
manhã | 1.403 | 61,34 | 62595 | 65,78 | 1719 | 79,91 | |
Período | tarde | 881 | 38,52 | 20345 | 21,38 | 144 | 6,70 |
noite | 3 | 0,13 | 12205 | 12,82 | 286 | 13,30 | |
Necessidades especiais | sim não | 161 | 7,04 | 1221 | 1,28 | 13 | 0,60 |
2.126 | 92,96 | 93924 | 98,71 | 2136 | 99,39 | ||
Idade | M | DP | M | DP | M | DP | |
11,20 | 1,31 | 14,80 | 2,58 | 16,65 | 1,18 | ||
Dependência administrativa | Estadual | 1.523 | 66,59 | 86849 | 91,28 | 2117 | 98,51 |
Municipal | 764 | 33,40 | 8296 | 8,71 | 32 | 1,48 | |
Localização | Rural | 64 | 2,79 | 1725 | 1,81 | 46 | 2,14 |
Urbana | 2.223 | 97,20 | 93420 | 98,18 | 2103 | 97,85 | |
III | 22 | 0,34 | 253 | 0,26 | 4 | 0,18 | |
IV | 1.572 | 24,78 | 16,662 | 17,44 | 186 | 8,65 | |
Nível socioeconómico | V | 4.230 | 66,69 | 64.214 | 67,22 | 1.304 | 60,65 |
VI | 516 | 8,13 | 1.432 | 14,90 | 652 | 30,32 | |
VII | - | - | 52 | 0,05 | 2 | 0,14 |
Os dados sociodemográficos demonstraram a predominância do sexo masculino nos dois grupos critério (indicadores de deficiência e indicadores de superdotação). Somente no grupo regular há maior número de participantes do sexo feminino. Considerando-se o ano escolar, os grupos critérios são compostos, maioritariamente por estudantes do 5º ano do ensino fundamental, ao passo que estudantes do 3º ano do ensino médio são maioria no grupo regular. Nos três grupos, a maior parte dos participantes estuda no período da manhã, em escolas estaduais e de localização urbana.
O nível socioeconômico (NSE) foi estimado com base no grau de escolaridade dos pais, posse de bens de consumo duráveis na residência e renda familiar, dentro de uma escala entre 0 e 10 (muito baixo até muito alto). No nível muito baixo, por exemplo, as famílias têm rendimento igual ou menor que um salário mínimo e predominam pais e mães com nível de instrução, no máximo, fundamental. É comum as casas não terem mais do que um banheiro e um quarto para dormir. Em termos de bens elementares, geralmente têm, no máximo, uma televisão e uma geladeira. Já no nível mais alto são incluídas famílias com rendimento acima de cinco salários mínimos e o pai e/ou a mãe quase sempre com nível superior. Predominam casas com três ou mais quartos e três ou mais banheiros, além de as famílias, em geral, possuírem mais de uma geladeira, mais de um computador e mais de um automóvel. No caso da amostra, o nível 5 foi o mais predominante em todos os grupos, classificado como médio, de maneira que é usual as famílias terem rendimento acima de dois salários mínimos e o pai ou a mãe terem, pelo menos, o ensino médio. As famílias também costumam ter aspirador de pó, dois ou mais celulares, mais de uma televisão e terem assinatura de TV a cabo ou de Streaming. Neste nível a maioria das famílias têm computador e automóvel.
Em relação à identificação, no banco de dados, como estudante que apresenta necessidades especiais, diferentemente do esperado, a maior parte do grupo com indicadores de deficiência (92,96%) e do grupo com indicadores de superdotação (99,39%) não são identificados pela escola e não se encontram matriculados na modalidade da educação especial. Além disso, ressalta-se que, dentre o grupo considerado regular, 1.221 estudantes são indicados como aqueles que apresentam necessidade especial no banco de dados utilizado, o que representa 1,2% da amostra, sendo importante ressaltar que tal classificação pode incluir outros tipos de necessidades especiais não analisadas no presente estudo (por exemplo, deficiência física).
Após a identificação dos estudantes, a influência dessas variáveis no desempenho escolar foi estimada. A estatística descritiva para cada grupo na nota total da prova, separada por variável de interesse, é apresentada na Tabela 2 , juntamente com o resultado dos testes estatísticos utilizados.
Tabela 2 Estatística Descritiva por Grupo, Variável Sociodemográfica e Resultado de Teste Estatístico
Variável | Indicadores de DI | Indicadores de AH/SD | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Medida | M | DP | t(p) | d | M | DP | t (p) | d | |
F | 258,54 | 44,45 | 5,528 (<0,001) | 728,71 | 22,26 | -1,183 (0,237) | |||
Sexo | 0,140 | -0,051 | |||||||
M | 252,04 | 48,18 | 729,80 | 24,23 | |||||
Necessidades | sim não | 255,43 | 53,71 | 0,174 (0,862) | 0,011 | 729,90 | 17,24 | 0,105 (0,917) | 0,029 |
especiais | 254,90 | 46,38 | 729,22 | 23,33 | |||||
Medida | M | DP | F(p) | η2 | M | DP | F(P) | η2 | |
5o | 266,05 | 48,99 | - | - | |||||
Série escolar | 9o | 234,05 | 47,08 | 218,271 (<0,001) | 0,064 | 722,83 | 15,89 | 48,076 (<0,001) | 0,022 |
3o | 253,04 | 38,40 | 731,08 | 24,73 | |||||
M | 252,73 | 49,15 | 730,11 | 24,02 | |||||
Período | T | 265,77 | 46,23 | 46,349 (<0,001) | 0,014 | 725,33 | 17,79 | 6,331 (0,002) | 0,006 |
N | 250,42 | 37,97 | 725,83 | 20,70 | |||||
III | 241,74 | 48,25 | 719,40 | 15,77 | |||||
IV | 251,57 | 48,54 | 727,59 | 22,19 | |||||
NSE | V | 255,77 | 46,27 | 4,765 (0,003) | 0,002 | 728,74 | 23,28 | 1,276 (0,277) | 0,002 |
VI | 258,49 | 43,49 | 730,76 | 23,65 | |||||
VII | - | - | 725,16 | 17,29 |
**p ≤0,01;
***p <0,001; NSE=nível socioeconômico
Os resultados apresentados na Tabela 2 indicam a influência significativa da variável sexo somente no grupo com indicadores de DI, sendo que médias mais altas são obtidas pelo sexo feminino. Em relação à identificação como estudante com necessidades especiais, tal variável não se mostrou significativa em ambos os grupos.
Considerando-se a série escolar, vemos que essa variável influencia, de forma significativa, o desempenho de ambos os grupos. No grupo com indicadores de DI a maior média é alcançada pelos alunos do 5º ano do EF, ao passo que, no grupo com indicadores de AH/SD, pelos alunos do 3º ano do EM. É importante ressaltar que, neste último grupo, não foram identificados estudantes pertencentes ao 5º ano do EF.
Tomando-se o período em que o aluno estuda, foi possível verificar a influência significativa dessa variável em ambos os grupos, sendo que, no grupo com indicadores de DI as médias mais altas são apresentadas pelos estudantes da tarde e, no grupo com indicadores de AH/ SD, pelo grupo que estuda de manhã. Em relação ao nível socioeconômico, tal variável somente se mostra significativa no grupo com indicadores de DI, sendo que a média vai aumentando de acordo com o aumento do NSE do aluno.
Em seguida, a análise de regressão linear foi utilizar para verificar o quanto as variáveis conseguem predizer a nota total dos estudantes. O efeito único de cada variável foi estimado separadamente (“R2”), seguido da estimativa do quanto aquela variável contribui na predição do conjunto de variáveis (“mudança em R2”). Por fim, considerou-se ainda o efeito do conjunto de variáveis (“todas”) nos três grupos. Os resultados podem ser visualizados na Tabela 3 .
Tabela 3 Regressão Linear Simples para Variáveis Sociodemográficas em Cada Grupo.
Grupo | Variável | R2 | P | Mudança em R2 | P |
---|---|---|---|---|---|
idade | 0,026 | <0,001 | 0,055 | <0,001 | |
sexo | 0,005 | <0,001 | 0,076 | <0,001 | |
Indicadores | série | 0,064 | <0,001 | 0,016 | <0,001 |
de DI | período | 0,014 | <0,001 | 0,066 | <0,001 |
NSE | 0,002 | 0,003 | 0,079 | <0,001 | |
todas | 0,081 | <0,001 | |||
idade | 0,103 | <0,001 | 0,075 | <0,001 | |
sexo | 0,002 | <0,001 | 0,176 | <0,001 | |
Regular | série | 0,134 | <0,001 | 0,044 | <0,001 |
período | 0,022 | <0,001 | 0,156 | <0,001 | |
NSE | 0,015 | <0,001 | 0,163 | <0,001 | |
todas | 0,178 | <0,001 | |||
idade | 0,119 | <0,001 | 0,021 | <0,001 | |
sexo | 0,001 | <0,001 | 0,035 | <0,001 | |
Indicadores de | série | 0,022 | <0,001 | 0,013 | <0,001 |
AH/SD | período | 0,006 | 0,002 | 0,029 | <0,001 |
NSE | 0,001 | 0,277 | 0,033 | <0,001 | |
todas | 0,035 | <0,001 |
Tabela 4 Teste de Diferença de Médias Considerando-se os Grupos de Estudantes
Medida | Indicadores de DI | Grupo regular | Indicadores de AH/SD | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | M | DP | n | M | DP | n | M | DP | |
Pertencimento | 1.106 | 2,71 | 0,81 | 52.140 | 2,83 | 0,82 | 1.183 | 3,18 | 0,80 |
Violência geral | 502 | 3,35 | 2,53 | 25,784 | 1,10 | 1,65 | 579 | 0,59 | 1,10 |
Viol. escola | 555 | 8,53 | 3,02 | 26.258 | 6,74 | 2,27 | 586 | 6,00 | 2,08 |
Violência casa | 546 | 8,44 | 3,32 | 26.218 | 5,53 | 2,55 | 596 | 4,93 | 1,83 |
Bullying vítima | 543 | 1,98 | 1,69 | 26.244 | 0,56 | 1,10 | 583 | 0,38 | 0,83 |
Bullying autor | 593 | 0,35 | 0,47 | 26.806 | 0,10 | 0,30 | 595 | 0,04 | 0,20 |
A partir dos resultados foi possível verificar que o conjunto de variáveis prediz 8,1% da nota do grupo com indicadores de DI, 3,5% da nota do grupo com indicadores de AH/SD e 17,8% no grupo regular. Dentre as variáveis analisadas isoladamente, a série apresenta maior efeito único no grupo com DI (6,4%) e no grupo regular (13,4%). Já no grupo com AH/SD, a idade é o melhor preditor (11,9%). Interessantemente, as variáveis analisadas predizem, de forma significativa, a nota dos três grupos, com exceção de sexo e nível socioeconômico no grupo com indicadores de AH/SD.
Estudo 2: (2) os dois perfis de estudantes (DI e AH/SD) apresentam diferenças, quando comparados aos estudantes sem nenhuma dessas condições, em relação a variáveis como pertencimento escolar, rendimento escolar, vivência de bullying e violência escolar?
Dado o fato de que a prova foi aplicada usando a metodologia de Blocos Incompletos Balanceados (BIB) na sua montagem, nem todos os participantes possuem respostas nas medidas de interesse. Desse modo, optou-se por apresentar, em cada medida, o número de participantes que tiveram seus resultados analisados.
Os resultados indicaram diferenças significativas entre os grupos em relação à medida de pertencimento escolar ( F =117,591l p <0,001; η2=0,004), sendo que o teste post hoc de Tukey indicou que todas as comparações dois a dois (deficiente x regular, deficiente x superdotado, regular x superdotado) apresentaram diferenças significativas. Maiores médias são obtidas pelo grupo com indicadores de AH/SD. Em relação à medida de violência geral ( F =477,606; p <0,001; η2=0,034), na escola ( F =141,616; p <0,001; η2=0,010) e em casa (F=364,177; p <0,001; η2=026) as diferenças também se mostraram significativas, com o teste post hoc confirmando que todas as comparações são significativas. Nos três tipos de violência, maiores médias são apresentadas pelo grupo com indicador de deficiência, seguido pelo grupo regular.
Na medida de bullying , tanto como autor ( F =441,351; p <0,001; η2=0,031), quanto como vítima ( F =207.676; p <0,001; η2=0,015), há diferenças significativas entre os grupos, sendo que o grupo com indicadores de deficiência apresenta médias mais altas que os demais. Nos dois casos de bullying , todas as comparações das médias, par a par, se mostraram significativas segundo o teste post hoc realizado.
Discussão
O presente estudo teve como objetivo identificar o perfil de dois grupos de estudantes englobados como público-alvo da educação especial brasileira, tomando-se critérios sugeridos pela literatura para identificação tanto de indicadores de DI quanto de AH/SD. Diferenças importantes em relação às variáveis série escolar e período em que estuda foram encontradas em ambos os grupos, de modo que o perfil sociodemográfico desses alunos pode ser conhecido. Em relação a variáveis como pertencimento escolar, vivência de bullying e violência escolar, o grupo com indicadores de AH/SD apresentou menor ocorrência desse tipo de dificuldade, bem como maior sentimento de pertencimento escolar.
Os resultados confirmaram a hipótese levantada inicialmente, sendo possível verificar que o número real de estudantes que apresenta desempenho desviante da média identificados pelo Censo Escolar (INEP, 2022) não reflete a totalidade dos indivíduos que atendem os critérios para serem inseridos nessa modalidade educacional, apesar do crescimento verificado nos últimos anos ( Rodrigues, 2022 ). A subnotificação dos casos, especialmente e em nível mais grave, dos estudantes que apresentam potencial elevado segundo a proposta aqui apresentada (2,3%) e somente 0,05% segundo o censo escolar (INEP, 2022) foi apontada. Tal dado confirma a preocupação que envolve a possibilidade de que, embora pertencentes à educação especial, muitos superdotados, comumente, permanecem sem identificação durante toda sua trajetória escolar ( Martins et al., 2023 ). Tal prática se mostra bastante comum no Brasil, diferentemente da situação de outros países, os quais apresentam práticas regulares voltadas à identificação presentes em leis e diretrizes estaduais e, efetivamente, colocadas em prática, como é o caso dos Estados Unidos ( Matthews & Rhodes, 2020 ). De acordo com Gubbins et al. (2020) , a triagem universal é realizada junto a todos os estudantes do 2º e 3º ano, de modo a oferecer, a todo estudante, a chance de ser ter seu potencial identificado. A ressalva, no entanto, se ampara no fato de que somente a inteligência é avaliada nesse processo, por meio de testes que avaliam conhecimento.
Outro resultado interessante do estudo refere-se ao fato de que somente 1.480 estudantes são identificados, no banco de dados utilizado, como indivíduos que possuem necessidades especiais (1,42% do total), sendo que o presente estudo identificou 4,3% somente considerando um tipo específico de deficiência e de AH/SD. Ressalta-se o fato de que não são apresentadas, no questionário do censo, informações acerca do tipo de necessidade apresentada. Além disso, é importante ressaltar a existência de um quadro ainda pouco conhecido, denominado de dupla excepcionalidade, no qual, uma deficiência e transtorno pode ocorrer, conjuntamente, com uma superdotação ( Alves & Nakano, 2015 ). Essa categoria não é contemplada no censo escolar, apesar do crescimento do interesse pela condição no Brasil ( Pereira & Rangni, 2021 ). Assim, não sabemos se esses alunos são contabilizados duas vezes (como deficiente e superdotado) ou nenhuma. Consequentemente, equívocos podem estar sendo cometidos por profissionais que têm realizado essa indicação, usualmente o professor da sala de aula regular.
A maior facilidade em identificar alunos com DI do que alunos com AH/SD pode ser contextualizada se considerarmos que outras dificuldades, de origem não cognitivas, podem estar sendo confundidas, pelos professores, com comportamentos relacionados à deficiência intelectual ( Oksendal et al., 2019 ; Oliveira & Barbosa, 2012 ; Tessaro et al., 2022 ). Como exemplo, podemos citar algumas características apresentadas pelos superdotados, tais como desinteresse por tarefas rotineiras, recusa em fazer tarefas que não representam desafios, impaciência, intolerância, resistência a figuras de autoridade, dificuldade de interação com pares da mesma idade, tendência a questionar regras ( Aziz et al., 2021 ), as quais podem ser consideradas negativas pelo professor, fazendo com que esse aluno tenha mais chance de ser, de forma equivocada, compreendido como um aluno problema e não um superdotado ( Weyns et al., 2021 ).
Tal situação comprova que, além de terem que enfrentar as limitações e dificuldades que, comumente, já apresentam, os alunos da educação especial ainda podem ser desafiados a superar situações que envolvem discriminação e preconceito ( Dias & Pingoello, 2016 ). Na amostra investigada, a vivência de bullying , por exemplo, se mostrou presente em todos os grupos e, em especial, no grupo com indicadores de deficiência intelectual. Esse resultado é relatado em outros estudos ( Borges & Dellazzana-Zanon, 2019 ; Emerich et al., 2017 ; Rocha, 2020 ), inclusive em revisão de literatura na temática ( Tessaro et al., 2022 ), de modo a confirmar que as crianças com deficiência possuem maior risco de serem vítimas de bullying do que crianças sem essa condição. Os estudantes com AH/SD, embora de forma menos intensa, também relataram vivência de bullying , confirmando a percepção da literatura ( Ogurlu & Sariçan, 2018 ; Rondini & Silva, 2022 ). A violência contra estudantes também se mostra uma preocupação na literatura, dada sua ocorrência frequente junto aos indivíduos com deficiência ( Mello et al., 2021 ; Mendes et al., 2020 ) e AH/SD (González-Cabrear et al., 2022). Dificuldades em relação ao sentimento de pertencimento escolar são relatadas em pesquisas focadas na educação especial ( Fowler et al., 2019 ; Slee, 2019 ).
É importante ressaltar que, apesar do grupo com indicadores de AH/SD apresentar melhores resultados nas medidas avaliadas (pertencimento, além de relatar menos vivência de violência e bullying ), tal grupo não está imune a outros tipos de dificuldades. Na ausência de um ambiente adequado de suporte, desajustes psicossociais e emocionais, incluindo baixa autoestima, isolamento social, ansiedade, assim como sentimentos de inadequação podem ser apresentados por esses indivíduos ( Papadopoulos, 2021 ), resultantes, muitas vezes, das altas expectativas sobre seu desempenho ( Chagas-Ferreira & Sousa, 2018 ). No entanto, a literatura tem demonstrado que, em ambientes favoráveis, esses indivíduos usualmente não apresentam diferenças em relação à população geral no que se refere às questões emocionais e possíveis dificuldades derivadas ( Freitas et al., 2017 ). Atente-se ao fato de que tais questões emocionais não foram investigadas na base de dados analisada, de modo que resultados diferentes poderiam ter sido encontrados.
É nesse contexto que a avaliação psicológica pode trazer importantes contribuições. As dificuldades na identificação desses estudantes trazem, como resultado, o fato de que, apesar do censo apontar a existência de 1,3 milhão de estudantes da educação especial matriculados em escolas regulares ( Queiroz & Melo, 2023 ), dentro da proposta de educação inclusiva, somente 39,7% tem acesso ao atendimento educacional especializado segundo o Censo Escolar de 2021 ( Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira, 2022 ). Tais dados confirmam que avanços precisam ser feitos nas políticas públicas para efetivar uma verdadeira inclusão dos alunos a que ela tem direito ( Gabriel & Drago, 2021 ).
Nesse contexto, a proposta aqui apresentada buscou demonstrar como o Brasil pode minimizar a subnotificação dos estudantes que apresentam algum tipo de necessidade educacional especial, a partir do uso de dados já disponíveis no país. No entanto, é importante esclarecer que, assim como afirmado ao longo do texto, a classificação aqui efetuada (em DI e AH/SD) consiste na identificação de indicadores desses quadros. Um processo de avaliação mais completo e individualizado de investigação se faz essencial para que o perfil desse estudante seja conhecido e para que tais quadros possam ou não serem confirmados. Tal processo inclui a utilização de métodos como observação, entrevista, análise de desempenho escolar, funcionalidade, assim como testes restritos ao psicólogo, para avaliação da inteligência, aspectos sociais, emocionais, dentre outros, bem como aspectos que se mostrarem prejudicados ou potencializados ( Worrell et al., 2019 ). Especificamente no caso da DI, os critérios do DSM-5 (APA, 2019) deverão ser investigados para que o diagnóstico possa ser realizado.
O conhecimento do perfil desse estudante, identificado no estudo, poderá ser utilizado como base para guiar avanços nas políticas públicas destinadas à educação especial, de modo a garantir que a escola possa ser um espaço de aprendizagem e formação para todos os tipos de estudantes ( Rocha et al., 2022 ). Somente por meio da disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e adaptabilidade ( Byrne, 2022 ), poder-se-á oferecer oportunidades desses alunos vivenciarem engajamento escolar, senso de pertencimento e identidade ( Baglieri, 2023 ). Para que isso aconteça, a identificação desses alunos deve ser priorizada, podendo, a avaliação psicológica, trazer importantes contribuições para a área.
Considerações Finais
O levantamento do perfil do público-alvo da educação especial, conduzido por meio de uma proposta alternativa aos testes psicológicos, mostrou ser uma solução passível de ser adotada no Brasil, como forma de minimizar o problema da subnotificação dos casos. Além disso, a investigação de diferenças em variáveis psicológicas, a saber, a percepção de bullying , vivência de violência e pertencimento dos estudantes da educação especial no Brasil permitiu que a identificação de possíveis vulnerabilidades de cada grupo, bem como as fontes de resiliência pudessem ser conhecidas. A análise permitiu o reconhecimento acerca da importância de se ampliar o olhar predominantemente focado das avaliações educacionais nos aspectos cognitivos, de modo que estas passem a incluir, também, aspectos sociais e emocionais, tal como tem sido feito, por exemplo, no Programme for International Student Assessment (Organisation for Economic Co-Operation and Development, 2019 ).
Dentre as limitações, convém ressaltar que os resultados aqui apresentados se restringem à identificação de somente um tipo de deficiência e superdotação: aquelas que envolvem a avaliação do desempenho cognitivo. As demais manifestações dos quadros não foram contempladas, por exemplo, deficiências físicas e sensoriais e superdotação em áreas relacionadas à criatividade, liderança, psicomotora, dentre outras. Além disso, é essencial enfatizar o fato de que o banco de dados avaliado engloba somente estudantes de um único Estado brasileiro e de somente três séries escolares, de modo que estudos futuros utilizando provas padronizadas nacionais podem ser conduzidos para que um panorama brasileiro possa ser conhecido. O ponto de corte tomado como critério para definição dos participantes de cada grupo também é um aspecto importante de ser considerado, de modo que tais situações implicam na necessidade de cautela na generalização dos resultados.
Não se pode descartar também a possibilidade de que algumas variáveis não controladas podem ter interferido no resultado de alguns participantes, especialmente os que apresentaram resultado rebaixado. Como exemplo podemos pensar em problemas no contexto familiar na época da avaliação, algum desconforto físico, desmotivação para realizar a prova, dentre outros. Além disso, é importante enfatizar que a avaliação tanto da DI quanto das AH/SD não deve ser reduzida a uma testagem cognitiva, devendo ser realizada dentro de um processo mais amplo e que contemple diferentes ferramentas a fim de que o perfil do indivíduo em diferentes áreas possa ser conhecido. É nesse contexto que a avaliação psicológica assume um papel essencial nesses processos.
Por fim, é importante ressaltar ainda que os resultados do grupo com indicadores de DI podem ter sido influenciados pela presença de outros quadros similares, por exemplo, transtornos de aprendizagem. Entretanto, se considerarmos que a classificação dos participantes foi feita a partir da estimativa de uma média geral das disciplinas de português e matemática, um desempenho de -2DP somente seria possível em um caso em que ambas as habilidades estivessem prejudicadas, por exemplo, em um quadro misto de dislexia e discalculia. Em outra situação, em que somente uma das habilidades estivesse prejudicada, possivelmente o desempenho na outra não seria baixo o suficiente para a classificação como DI. Mas essa hipótese não deve ser totalmente descartada.
Diante dos pontos enfatizados, sugere-se que novos estudos possam ser conduzidos com os estudantes identificados como pertencentes a cada um dos grupos, de modo a se analisar outras características psicológicas que também foram avaliadas no banco analisado, por exemplo, competências socioemocionais e interesses profissionais.
Ainda assim, almeja-se que os resultados do estudo possam auxiliar pesquisadores, educadores e formuladores de políticas públicas acerca da necessidade de que a visão preconceituosa e limitadora a respeito do público-alvo da educação especial possa ser superada, de modo a garantir acesso ao mesmo tipo de oportunidade de escolarização oferecida aos demais alunos, sendo imprescindível esforços voltados à sua identificação.