Indicadores a nível global sugerem que um a cada três estudantes do ensino fundamental e médio foram vítimas de agressões físicas por pares, um a cada três estudantes sofreu bullying e um a cada dez foram vítimas de cyberbullying ( United Nations Educational Scientific and Cultural Organization [UNESCO], 2023 ). Esses dados demonstram que diversos alunos têm enfrentado a violência escolar em suas rotinas. A violência escolar é um fenômeno abrangente que se manifesta através de comportamentos hostis, intencionais e repetidos que ocorrem no ambiente educacional. As ações de violên cia escolar podem ser identificadas em comportamentos de indisciplina, agressões verbais, físicas ou sociais direcionadas tanto a outros estudantes (e.g., bullying ), como a outros membros da comunidade escolar, podendo ou não envolver adultos ( Centers for Disease Control and Prevention, 2011 , 2020 ). Essas agressões impactam negativamente as vítimas diretas, assim como o clima escolar e o aprendizado global ( Turanovic & Siennick, 2022 ).
Já o bullying pode ser compreendido como um tipo de violência escolar, e refere-se especificamente a uma série de atos agressivos (de ordem física ou psicológica) contínuos entre pares, caracterizados por uma relação desigual de poder entre o indivíduo que pratica o bullying (intimidador) e sua vítima ( Juvonen & Graham, 2001 ; Olweus, 1993 ). O bullying é uma forma específica de agressão caracterizada por comportamentos repetitivos e intencionais, com um desequilíbrio de poder entre o agressor e a vítima. As agressões podem ser analisadas da perspectiva da vítima ( bullying vítima), a qual compreende a exposição do estudante a ações repetitivas, intencionais e prejudiciais perpetradas por um ou mais indivíduos, envolvendo agressões físicas, verbais ou sociais. As agressões também podem ser analisadas a partir do perpetrador ( bullying intimidador), abrangendo as ações do agressor, que geralmente possui maior poder ou influência sobre a vítima e é responsável por causar desconforto emocional e psicológico ( Turanovic & Siennick, 2022 ).
A ocorrência desses fenômenos impacta negativamente diversas dimensões da vida das vítimas e dos perpetradores envolvidos na violência escolar e/ou no bullying ( UNESCO, 2023 ), sendo crucial identificar fatores que estão associados com sua ocorrência, possibilitando o planejamento de estratégias preventivas e/ou intervenção. A literatura prévia aponta que tanto características individuais (e.g., competências socioemocionais, gênero, idade) como algumas características da escola (e.g., proporção meninos/meninas, taxa de abandono, localidade) podem ser fatores protetivos ou reforçadores do bullying e da violência escolar ( Chaux et al., 2009 ; Denny et al., 2015 ; Mitsopoulou & Giovazolias, 2015 ).
Ainda que a importância das variáveis do nível do aluno e do nível da escola em relação à violência escolar e ao bullying sejam conhecidas, a maioria dos estudos testou apenas os efeitos individuais de um desses conjuntos de variáveis sobre tais desfechos. A investigação conjunta do impacto das variáveis do aluno e da escola sobre os desfechos é crucial dada a influência exercida por elas, que ocorre simultaneamente na realidade. A análise conjunta dessas variáveis também permite identificar qual delas se sobressai na predição dos desfechos controlado pelo impacto de todas as outras variáveis, o que pode ser benéfico para identificar alvos para prevenção e intervenção. Nós apresentamos um estudo multinível com dados de uma avaliação em larga escala no qual verificamos quais variáveis da escola e do aluno predizem o bullying (perpetrador e vítima) e a violência escolar.
Variáveis da escola, dos estudantes e violência escolar/ bullying
Estudos anteriores indicam fatores do contexto escolar e diferenças individuais dos alunos que tem relevância (e que não tem) para a ocorrência de violência escolar e bullying . Referente aos fatores do contexto escolar, estudos com modelagem multinível, por exemplo, evidenciam que o tamanho da escola e o nível da escola (Ensino fundamental vs. Ensino médio) tendem a não apresentar efeitos significativos em relação ao comportamento de bullying dos estudantes ( Bradshaw et al., 2009 ; Chaux et al., 2009 ). Ademais, um número muito distante de estudantes em relação aos professores pode estar relacionado positivamente com o bullying ( Bradshaw et al., 2009 ), bem como a presença de policiais ou guardas em escolas e maior incidência de atividades criminosas no ambiente escolar (e.g., uso de drogas, tráfico e brigas), está associado com maiores níveis de violência escolar ( Turanovic & Siennick, 2022 ). Ademais, estudos anteriores demonstram uma associação entre a taxa de abandono escolar e a ocorrência de bullying e violência ( Cornell et al., 2013 ; Fry et al., 2018 ; Polanin et al., 2021 ; Turanovic & Siennick, 2022 ). Embora essa relação possa ser bidirecional, ou que o bullying /violência possa ser o fator preditivo do abandono escolar, a natureza transversal deste estudo não permite uma análise concreta da direcionalidade dessas relações. Portanto, considerando que a violência e o bullying são os focos principais deste estudo, optamos por investigar a taxa de abandono escolar como um possível fator preditivo. Em contrapartida, achados sugerem que uma maior proporção de alunas do sexo feminino na escola prediz negativamente o bullying ( Chaux et al., 2009 ), assim como o desempenho na escola (e.g., notas escolares) e o clima escolar predizem negativamente a violência escolar e/o bullying ( Turanovic & Siennick, 2022 ).
Em relação as características dos estudantes, observa-se que a violência escolar e o bullying tendem a ser perpetrados com maior frequência por indivíduos do sexo masculino, com menor status socioeconômico, que sofreram ou sofrem maus-tratos infantis, possuem maiores níveis de comportamento antissocial e estão expostos a violência doméstica. Por outro lado, estudantes com menor idade, menor desempenho acadêmico, que sofreram rejeição dos pares, se identificam como LGBTQIA+, e foram vítimas de maus-tratos infantis podem se tornar mais suscetíveis especificamente ao bullying ( Bradshaw et al., 2009 ; Denny et al., 2015 ; Luo et al., 2023 ; Turanovic & Siennick, 2022 ). A perpetração de violência escolar e bullying também estão associadas as experiências de vitimização, evidenciando uma sobreposição entre as experiências de atuar como perpetradores e ser vítimas de bullying (SantamaríaVillar et al., 2021; Turanovic et al., 2022 ).
Ressaltamos que experiências de violência escolar e bullying frequentemente estão associadas a diversos desfechos negativos. Envolver-se em comportamentos de bullying , tanto como vítima, quanto como perpetrador, está relacionado com menores níveis de autoestima, autocontrole e consciência social, bem como maior ocorrência de sintomas depressivos, ansiedade, ideação suicida, violências nas relações íntimas e evasão escolar ( Coelho & Souza, 2021 ; Santamaría-Villar et al., 2021 ; Turanovic et al., 2022 ). Contrastando com estes fatores de risco, também há fatores protetivos, como as competências socioemocionais. Estudos anteriores apontam que o desenvolvimento socioemocional pode ser um fator importante para diminuir as ocorrências de violência no ambiente da escola (Santamaria-Villar et al., 2021).
Competências Socioemocionais como possíveis fatores protetivos da violência escolar e do bullying
As competências socioemocionais são características psicológicas que podem ser desenvolvidas e contribuem ao alcance de metas, colaboração entre colegas e persistência em tarefas. Os cinco domínios nos quais as competências socioemocionais se agrupam são 1. Resiliência Emocional, 2. Engajamento com os outros, 3. Amabilidade, 4. Autogestão, e 5. Abertura ao novo ( De Fruyt et al., 2015 ). Alguns desfechos positivos importantes relacionado ao desenvolvimento socioemocional são um maior desempenho acadêmico, maiores níveis socioeconômicos e menores sintomas de transtornos mentais ( Hawkins et al., 2008 ; Huang & Zeng, 2023 ). Por outro lado, as competências socioemocionais também estão associadas a desfechos negativos no contexto escolar. De forma geral, o domínio Engajamento com os outros possui relação positiva com a violência escolar e com a perpetração do bullying . Em contrapartida, maiores níveis de Abertura ao novo, Autogestão, Amabilidade e Resiliência Emocional estão associadas negativamente à violência escolar e a perpetração do bullying ( Moreira et al., 2014 ; Turanovic & Siennick, 2022 ), ao passo que baixos níveis de Resiliência Emocional prediz um aumento na violência escolar enquanto vítima ( Turanovic & Siennick, 2022 ).
O presente estudo
Estudos prévios apresentam evidências empíricas sobre variáveis da escola e do indivíduo que impactam a violência e o bullying escolar. Entretanto, poucos estudos buscaram modelar todas essas fontes de influência em conjunto. Modelar as relações das variáveis em conjunto é coerente com a realidade, já que na prática, a influência exercida por elas ocorre simultaneamente. Além disso, a modelagem conjunta desses dados permite identificar quais fatores (sejam eles da escola ou do sujeito) se sobressaem quando controlados pelos demais, isto é, qual das variáveis possui maior impacto nos desfechos de violência e bullying , mesmo retirando a influência das demais variáveis.
O presente estudo objetiva testar um modelo preditivo multinível com dados de uma avaliação em larga escala, investigando quais variáveis da escola e do aluno predizem o bullying e a violência escolar. As seguintes hipóteses foram testadas no nosso estudo: H1. as competências socioemocionais predizem negativamente a violência escolar ( Santamaría-Villar et al., 2021 ; Turanovic & Siennick, 2022 ), com exceção ao Engajamento com os outros, que prediz positivamente ( Moreira et al., 2014 ; Turanovic & Siennick, 2022 ); H2. o sexo masculino explica positivamente a violência escolar, o bullying vítima e o bullying intimidador (Bradshaw, 2009; Denny et al., 2015 ; Luo et al., 2023 ); H3. a taxa de abandono escolar explica positivamente o bullying e a violência escolar ( Cornell et al., 2013 ; Santamaría-Villar et al., 2021 ); H4. o domínio socioemocional de Resiliência Emocional prediz negativamente o bullying vítima (Dukanovic & Siennick, 2022); H5. uma maior proporção de meninas do que meninos na escola explica negativamente o bullying vítima e a violência escolar ( Chaux et al., 2009 ); H6. maiores níveis em Abertura ao novo, Amabilidade, Autogestão e Resiliência Emocional predizem negativamente o bullying como perpetrador, ao passo que Engajamento com os Outros prediz positivamente ( Turanovic & Siennick, 2022 ).
Método
Participantes e procedimento
Nós utilizamos um banco de dados composto por 104.010 crianças, incluindo 3.537 escolas. A Tabela 1 apresenta as informações sociodemográficas da amostra, considerando as três variáveis dependentes do nosso estudo, já que nem todas as crianças responderam o mesmo protocolo avaliativo.
Tabela 1 Descrição sociodemográfica dos grupos amostrais
Variável dependente | Violência escolar ( n =15.874; escolas=2.937) | Bullying intimidador ( n =16.160; escolas=2.936) | Bullying vítima ( n =15.867; escolas=2.932) |
---|---|---|---|
Idade | 10-19 ( M =15,04; DP =2,5) | 10-19 ( M =15,02; DP =2,5) | 10-19 ( M =15,03; DP =2,5) |
Sexo biológico | 52,1% feminino; 47,9% masculino |
51,9% feminino; 48,1% masculino |
51,9% feminino; 48,1% masculino |
Escolaridade | 40,8% 3º ano (EF); 40% 9º ano; 18,2% 5º ano |
40,4% 3º ano (EF); 40,2% 9º ano; 19,4% 5º ano |
40,6% 3º ano (EF); 40,3% 9º ano; 19,1% 5º ano |
Localização | 98,3% urbana; 1,7% rural | 98,3% urbana; 1,7% rural | 98,3% urbana; 1,7% rural |
Nota. Todos os participantes eram de uma rede estadual da região Sudeste do Brasil e de escolas públicas (estaduais e municipais).
Os convites para a participação das escolas foram estendidos pela Secretária de Educação local, que também garantiu autorização ética para o estudo. A coleta de dados ocorreu em 2019 por meio de aplicações em lápis e papel em sala de aula. Seguindo o delineamento Blocos Incompletos Balanceados (BIB), foram elaborados sete cadernos, com cada aluno respondendo apenas um caderno ( Van der Linden et al., 2004 ). Esses cadernos eram compostos por itens de todas as medidas descritas na subseção Instrumentos.
A consistência das respostas dos participantes foi controlada por meio da inclusão de perguntas com respostas pré-determinadas que constituem um índice de consistência interna. Os estudantes que responderam aos protocolos de forma aleatória e erraram as respostas pré-determinadas apresentaram uma pontuação baixa nesse índice, enquanto aqueles que acertam essas respostas apresentaram uma pontuação alta no índice. Os partici pantes responderam aos protocolos em um intervalo médio de 30 minutos.
Nosso estudo atende aos princípios descritos pela Declaração de Helsinki para a conduta ética em pesquisa envolvendo seres humanos ( World Medical Association , 2013 ). Além disso, cumpre com as exigências Resolução Nº 510 do Conselho Nacional de Saúde ( Brasil, 2016 ) de modo a ser realizada a análise de um banco de dados anonimizado.
Medidas
Variáveis do Nível do Sujeito
Características Sociodemográficas
Foi utilizado um questionário sociodemográfico para o levantamento direto da idade e sexo dos participantes.
Os pais das crianças também responderam a um questionário sociodemográfico, no qual reportavam sua renda autodeclarada (“Qual é a renda familiar de seu domicílio, ou seja, a soma dos salários e rendimentos (valor bruto) de todas as pessoas que moram em sua casa?”). O questionário também continha outras questões sobre a participação dos pais na vida escolar dos filhos e sobre bens e serviços domésticos que possuem em casa. Os itens de participação dos pais foram somados para criar um indicador da participação dos pais na vida escolar dos filhos (itens: “converso com meu filho sobre a escola”, “acompanho as lições de casa do meu filho”, “converso com os professores do meu filho”, “participo das reuniões de pais”, “participo das reuniões do Conselho de escola”, “participo de passeios, festas, campeonatos esportivos ou apresentações culturais promovidas pela escola” e “participo de outras formas”). Os itens de bens e serviços foram somados para criar uma segunda variável de renda representando os acesos a bens. Essa variável foi composta por itens de levantamento da quantidade dos seguintes bens: banheiro, quarto para dormir, televisão, geladeira, freezer (junto com a geladeira ou separado), forno de micro-ondas, telefone celular (tipo smartphone ), computador ( desktop ou notebook ), tablet, máquina de lavar roupa, máquina de secar roupa (junto com a máquina de lavar roupa ou separado).
Proficiência em Português e em Matemática
A proficiência em português e matemática foram fornecidas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e foram avaliadas pela escala proposta pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e pela Prova Brasil.
Competências socioemocionais
SENNA 2.0 ( Primi et al., 2021 ): é uma escala de 162 itens desenvolvida no Brasil para avaliar cinco domínios amplos de competências socioemocionais em crianças e adolescentes: Abertura ao novo (i.e., tendências a curiosidade de aprender, imaginação criativa e interesse artístico), Autogestão (tendências a determinação, organização, foco, persistência e responsabilidade), Engajamento com os outros (i.e., iniciativa social, assertividade, entusiasmo), Amabilidade (i.e., empatia, respeito e confiança) e Resiliência emocional (i.e, tolerância ao estresse, autoconfiança, e tolerância a frustação). Cada um desses domínios possui facetas mais específicas, totalizando 18. A escala inclui itens de identidade (que se aproximam de itens de personalidade; e.g., “Sou cheio(a) de energia”) e autoeficácia (que se aproximam de itens de desempenho; “Quão bem você consegue ficar animado(a) quando as coisas dão certo?”), sendo os itens de identidade balanceados com uma quantidade equilibrada de itens de valência positiva e negativa em referência em cada domínio. A resposta ao instrumento é dada em uma escala Likert de cinco pontos variando de “1 - Nada. Não tem nada a ver comigo” a “5 - Totalmente. Tem tudo a ver comigo”. Utilizamos duas versões paralelas do instrumento SENNA v2.0, com 54 itens cada, propostas pelos autores originais da escala ( Primi et al., 2021 ), a partir das quais é possível estimar todos os escores dos domínios e facetas do instrumento de forma correspondente. Os alunos completaram uma ou as duas versões paralelas, dependendo de qual caderno foi atribuído a eles no delineamento BIB. A consistência interna dos fatores estimada utilizando o Ômega de McDonald, variou de 0,50 (Engajamento com os Outros) a 0,83 (Autogestão). De forma geral, a consistência interna foi adequada, com exceção ao fator Engajamento com os outros (0,50 em uma versão das versões paralelas e 0,62 em outra). Ainda que nós reconheçamos que seja desejável obter um alto valor mais alto de fidedignidade, é importante salientar que valores excessivamente altos podem sugerir uma negligência em relação a certos aspectos do construto. Por outro lado, valores baixos podem indicar que a escala está avaliando diferentes facetas do construto, o que pode ser positivo em certos contextos ( American Educational Research Association et al., 2014 ).
Bullying (vítima e intimidador) e Violência escolar
A Violência escolar e o bullying (vítima e intimidador) foram avaliados a partir dos dados coletados na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2019 ( Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2021 ). O instrumento de violência escolar é composto por 10 itens dicotômicos (i.e., sim e não) e fornece três escores específicos e um escore total de Violência escolar. Os escores são: bullying vítima (seis itens, exemplo de item: Nos últimos 30 dias, seus colegas lhe esculacharam, zombaram, zoaram, caçoaram, mangaram, intimidaram ou humilharam por causa da sua cor ou raça?) (ω=0,72), bullying intimidador (um item, [Nos últimos 30 dias, você esculachou, zombou, mangou, intimidou ou caçoou algum de seus colegas da escola tanto que ele(a) ficou magoado(a), aborrecido(a), ofendido(a) ou humilhado(a)?]), e indisciplina (3 itens, foram utilizados [exemplo de item: Desde o início deste ano, você já foi colocado(a) para fora da sala de aula por algum professor, por estar atrapalhando a aula?]; ω=0,49). A soma dos escores de Bullying vítima, Bullying intimidador e Indisciplina gera o escore total de Violência Escolar (ω=0,75). É importante ressaltar que o escore específico de indisciplina não foi utilizado nesse estudo. Os itens foram usados apenas para calcular o escore de violência escolar, foco do estudo.
Variáveis da escola
Todas as variáveis do nível da escola (taxa de aprovação, taxa de abandono, número de alunos, quantidade de psicólogos, localização, quantidade de profissionais de apoio, e SES da escola) foram coletadas pelo INEP, no censo escolar de 2019 ( INEP, 2024 ). As variáveis de proporção de meninas e meninos, taxa de professores por aluno e estrutura da escola foram calculadas com base nas informações coletadas pelo INEP. A proporção de meninas e meninos foi calculada pela divisão do número de meninas pela quantidade total de alunos na escola. A taxa de professores por aluno foi calculada dividindo a quantidade de alunos pela quantidade de docentes. Por fim a estrutura da escola foi calculada pela soma de diversos indicadores sobre a estrutura da escola (42 indicadores), como presença de água potável, presença de laboratório de ciência e presença de quadra de esportes coberta.
Análise de dados
Considerando nosso objetivo e a estrutura hierárquica dos dados, isto é, indivíduos agrupados por uma característica comum em um nível mais amplo (neste caso, escolas), nós realizamos análises multinível para cada um dos desfechos de interesse no presente estudo: violência escolar, bullying vítima e bullying intimidador. A escolha pela análise multinível deveu-se ao fato de que uma vez que tanto as variáveis da escola como variáveis do sujeito contribuem para a violência escolar e o bullying , é necessário tratar ambos os tipos de variáveis aninhadas hierarquicamente na análise de dados para evitar resultados enviesados ou imprecisos já que em análises que não levam em conta essa estrutura dos dados, as variáveis são observadas como independentes, o que pode gerar estimativas sub ou superestimadas ( Nezlek, 2008 ).
Para os três desfechos nós incluímos sexo biológico, idade, participação dos pais, renda (autodeclarada), renda (bens), proficiência em matemática, proficiência em português e as cinco competências socioemocionais (amabilidade, autogestão, engajamento com os outros, resiliência emocional e abertura ao novo) como preditores no nível dos alunos, e proporção de meninas e meninos, taxa de aprovação, taxa de abandono, número de alunos, quantidade de psicólogos, localização, taxa de professores por aluno, quantidade de profissionais de apoio, estrutura da escola e SES da escola como preditores no nível da escola.
Utilizando a estratégia bottom-up ( Hox et al., 2017 ) nós testamos modelos progressivos, inserindo novas variáveis e complexificando o modelo a cada passo. Desta forma, para cada desfecho, testamos primeiro um modelo nulo, no qual apenas a variância (intra e entre grupos) e o intercepto do desfecho foram estimados. Neste modelo também é possível verificar a Correlação Intraclasse (ICC) do modelo. Diversos autores defendem que análises multinível não devem ser utilizadas para modelos com baixo ICC (<0,05; Hox et al., 2017 ). No entanto, outros autores indicam que a estrutura hierárquica dos dados, independentemente dos valores de ICC, não deve ser ignorada, já que não leva-la em conta pode enviesar os resultados das análises (veja Nezlek, 2008 para mais detalhes sobre o tema e para exemplos das consequências negativas associadas a não levar em conta a estrutura hierárquica dos dados).
Após o modelo nulo, testamos um modelo inserin do as variáveis preditoras do nível dos alunos (Modelo 1) e um modelo inserindo as variáveis do nível da escola (Modelo 2) e um modelo com slopes randômicos (Modelo 3). O modelo com slopes randômicos visa verificar a possibilidade de que relações entre as variáveis do nível 1 e o desfecho possam variar para cada escola. Tendo em vista a complexidade desse tipo de modelo, nós excluímos todas as variáveis que não foram significativas nos modelos anteriores previamente à testagem do modelo com slopes randômicos. Para os casos em que houve uma variância significativa dos slopes entre as escolas, nós testamos um modelo com interações entre níveis (Modelo 4). O modelo com interações entre níveis permite investigar variáveis da escola que possam ser possíveis moderadoras da relação entre as variáveis do nível 1 e o desfecho, atenuando ou desatentando essas relações. Ressaltamos que nos modelos com slopes randômicos e interações entre níveis os valores padronizados e os valores de variância explicada não são fornecidos automaticamente e nós os calculamos com bases nas fórmulas fornecidas por Valentini et al. (2015) (valores padronizados) e LaHuis et al. (2014) (variância explicada). Todos os modelos foram performados utilizando o estimador maximum likelihood with robust standard errors (MLR) no software Mplus versão 7.
Para determinar a adequação e qualidade dos modelos testados nós usamos os valores de AIC e da razão da diferença do deviance e da diferença entre graus de liberdade entre os modelos (∆ deviance /∆ gl ). Quanto menor os valores de AIC mais adequado o modelo é considerado. Os valores da ∆ deviance /∆ gl são considerados significativos quando maior ou igual a 1,96, indicando que os modelos são significativamente diferentes. É importante pontuar que esses valores, sozinhos, não indicam a qualidade (ou falta de qualidade) de um modelo e devem ser usados apenas na comparação de modelos concorrentes ( Hox et al., 2017 ).
De forma complementar, nós também realizamos análises descritivas das medidas usadas neste estudo (média e desvio-padrão) e correlação de Person entre todas as variáveis de interesse. Esses resultados, bem como os modelos completos com todos os efeitos (incluindo os efeitos não significativos) e o Modelo 4 para violência escolar com interações entre níveis, estão disponíveis no material suplementar que pode ser encontrado no repositório OSF ( Machado, 2023 ), no seguinte link: https://osf.io/w89y5/?view_only=f2daa7f996fb417e88820fd5895201a1 .
Resultados
Nós realizamos análises multinível para os desfechos de violência escolar e bullying (vítima e intimidador). A Tabela 2 apresenta os resultados dos modelos relativos à predição da violência escolar. Especificamente, a Tabela 2 apresenta os resultados e os indicadores de qualidade dos modelos nulo, o modelo com a inclusão de variáveis do nível do aluno (Modelo 1), o modelo com a inclusão das variáveis do nível da escola (Modelo 2) e o modelo com slopes randômicos (Modelo 3).
Tabela 2 Modelos nulo, 1, 2 e 3 para a predição de violência escolar
Modelo nulo | Modelo 1 Modelo 2 | Modelo 3 | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Intragrupo (Nível Aluno) | ||||||||||
Variância Violência Escolar | 6,844 (0,097) | 6,488(0,093) | 6,488(0,093) | 6,054 (0,111) | ||||||
Preditores | Estimate (EP) | Beta | Estimate (EP) | Beta | Estimate (EP) | Slopes: variância (EP)/médiaa | ||||
Sexo | - | 0,252 (0,047) | 0,048 | 0,218 (0,047) | 0,041 | Rand | 0,470 (0,170)/0,222 | |||
Idade | - | 0,029 (0,011) | 0,027 | 0,016 (0,011) | 0,015 | - | - | |||
Proficiência matemática | - | -0,002 (0,001) | -0,039 | -0,002 (0,001) | -0,034 | Rand | 0,000 (0,000)/-0,002 | |||
Proficiência português | - | -0,006 (0,001) | -0,121 | -0,006 (0,001) | -0,119 | Rand | 0,000 (0,000)/-0,006 | |||
Amabilidade | - | -0,193 (0,021) | -0,083 | -0,192 (0,021) | -0,082 | Rand | 0,053 (0,029)/-0,194 | |||
Autogestão | - | -0,184 (0,023) | -0,074 | -0,186 (0,023) | -0,075 | Rand | 0,025 (0,042)/-0,184 | |||
Engajamento com os outros | - | 0,087 (0,020) | 0,038 | 0,089 (0,020) | 0,039 | Rand | 0,024 (0,028)/0,087 | |||
Resiliência | - | -0,253 (0,019) | -0,126 | -0,253 (0,019) | -0,126 | Rand | 0,044 (0,028)/-0,254 | |||
Abertura | - | 0,211 (0,024) | 0,079 | 0,210 (0,024) | 0,078 | Rand | 0,039 (0,030)/0,214 | |||
Entregrupos (Nível Escola) | ||||||||||
Intercepto Violência Escolar | 6,687 (0,024) | 6,684 (0,023) | 6,686 (0,023) | 6,678 (0,023) | ||||||
Variância Violência Escolar | 0,383 (0,044) | 0,274 (0,039) | 0,236 (0,038) | 0,286 (0,040) | ||||||
Preditores | Estimate (EP) Beta | Estimate (EP) Beta | Estimate (EP) | Beta | ||||||
Taxa sexo | - | - | -1,150 (0,227) -0,229 | -1,108 (0,225) | -0,224 | |||||
Taxa abandono | - | - | 0,058 (0,015) 0,231 | 0,057 (0,011) | 0,225 | |||||
Número de alunos | - | - | 0,001 (0,000) 0,12 | 0,001 (0,000) | 0,188 | |||||
Localização | - | - | -0,128 | -0,436 (0,158) | -0,112 | |||||
Correlação Intraclasse (ICC) | 0,053 | 0,038 | 0,04 | 0,041 | ||||||
R2 intragrupo | - | 0,065 | 0,063 | 0,115 | ||||||
R2 entre grupos | - | - | 0,164 | 0,123 | ||||||
Deviance ( gl ) | 76332,954 (3) | 75319,792 (15) | 75240,556 (25) | 75149,006 (59) | ||||||
∆ Deviance (∆ gl ) | - | 84,43 | 7,92 | 2,69 | ||||||
AIC | 76338,96 | 75349,79 | 75290,55 | 75267,01 |
Nota. Resultados significativos estão em negrito. EP =Erro Padrão. AIC= Akaike's information criterion. Rand= Slopes que foram randomizados. As variáveis participação dos pais, renda (autodeclarada), renda (bens), taxa de aprovação, taxa estudantes/professores, quantidade de psicólogos, quantidade profissionais de apoio, estrutura da escola e SES da escola foram inseridas nos modelos testados, mas foram suprimidas da Tabela por não terem apresentado efeitos significativos em nenhum modelo.
a=A coluna “ slopes: variância (EP)/media” indica, nessa ordem, as estimativas relativas aos slopes randômicos. Ainda que esteja apresentada no nível intragrupo, ela se refere a estimativas dos slopes no nível entre grupos. A escolha de apresentar os resultados neste lugar deveu-se a uma tentativa de simplificação da tabela. Sexo biológico está codificado como feminino=0 e masculino=1. Localização está codificada como urbana=0 e rural=1.
Os resultados da Tabela 2 demonstram que 5,3% da variância de violência escolar pode ser explicada pelas variáveis do nível das escolas (ICC Modelo nulo=0,053). Com a inserção das variáveis do nível do aluno (modelo 1), foi possível observar uma diminuição na variância de violência escolar (intragrupo) devido à significância de alguns preditores para a explicação do desfecho em questão nesse nível: sexo biológico, idade, proficiência em matemática, proficiência em português e as cinco competências socioemocionais. Em conjunto, essas variáveis explicaram 6,5% da variância da violência escolar no nível dos alunos, sendo, com base nos valores de Beta, resiliência e proficiência em português os melhores preditores.
A inserção das variáveis do nível da escola (Modelo 2) diminuíram a variância da violência escolar (entre grupos), sugerindo proporção de meninas e meninos, taxa de abandono, número de alunos na escola e localização como preditores significativos da violência escolar. É importante frisar que idade deixou de ser um preditor significativo de violência escolar com a inserção das variáveis do nível da escola. Os melhores preditores do nível da escola foram a proporção de meninas e meninos e a taxa de abandono. A variância explicada de violência escolar no nível das escolas foi de 16,2%. A razão entre a diferença do deviance dividido pela diferença dos graus de liberdade entre o modelo anterior e o subsequente foram significativas (i.e, ≥1,96), indicando que o modelo 1 apresenta uma melhora significativa na predição da violência escolar em comparação ao modelo nulo, enquanto o Modelo 2 melhora a predição em relação ao modelo 1. AIC, diminuiu com a inserção de novas variáveis, também dando suporte à melhor adequação do modelo 2, em comparação aos modelos 1 e nulo.
Para verificar a possibilidade de diferenças na força das associações entre as variáveis do sujeito e violência escolar e a possibilidade da ocorrência de moderação dessa relação por alguma das variáveis da escola, primeiro verificamos se existe uma variação significativa entre as escolas dos efeitos das variáveis do nível do aluno em relação à violência escolar (Modelo 3 com slopes randômicos).
Os resultados do Modelo 3 indicaram que os slopes da predição de sexo biológico e de proficiência em português em relação à violência escolar apresentaram variâncias significativas entre as escolas, indicando que diferentes escolas apresentam diferentes intensidades na relação entre essas variáveis. Os demais slopes apresentaram variâncias não significativas, indicando a ausência de necessidade de randomizá-los. Buscando identificar quais variáveis da escola poderiam explicar a variação nos slopes com variação significativa entre as escolas, nós realizamos um modelo de interação entre níveis (Modelo 4), que está apresentado no Material Suplementar. No entanto, levando em conta a baixa variância do slope randomizado da relação entre proficiência em português e violência escolar, nós escolhemos retirar esse efeito do modelo e manter apenas o slope randomizado da relação entre sexo biológico e violência escolar.
Ao inspecionar os resultados do Modelo 4, observamos que nenhuma das variáveis da escola foram preditoras significativas do slope randômico da relação entre sexo biológico e violência escolar, indicando que, ainda que exista uma diferença nessa relação entre as escolas, nenhuma das variáveis da escola inseridas no modelo foram capazes de explicá-la. O Modelo 3 apresentou melhor ajuste em relação ao Modelo 2 (razão entre delta deviance/ delta gl e menores valores de AIC), enquanto o modelo 4, ainda que tenha apresentado valores significativos da razão entre deviance e gl , apresentou maiores valores de AIC, além de apresentar uma diminuição importante na variância explicada da violência intra e entre grupos.
Desta forma, compreendemos que o modelo 3 foi o mais adequado para explicar a violência escolar.
Nós também testamos modelos multinível para investigar variáveis preditoras do bullying vítima. Os resultados dos modelos testados estão apresentados na Tabela 3 .
Tabela 3 Modelos nulo,1, 2 e 3 para a predição do bullying vítima
Modelo nulo | Modelo 1 Modelo 2 | Modelo 3 | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Intragrupo (Nível Aluno) | ||||||||||
Variância Bullying Vítima | 1,164 (0,029) | 1,107 (0,027) | 1,107 (0,027) | 0,961 (0,058) | ||||||
Preditores | Estimate (EP) | Beta | Estimate (EP) | Beta | Estimate (EP) | Slopes: variância (EP)/médiaa | ||||
Sexo biológico | - | 0,075 (0,018) | 0,035 | 0,068 (0,018) | 0,031 | Rand | 0,016 (0,067)/0,067 | |||
Idade | - | 0,013 (0,004) | 0,029 | 0,010 (0,004) | 0,024 | Rand | 0,001 (0,007)/0,016 | |||
Proficiência matemática | - | -0,001 (0,000) | -0,058 | -0,001 (0,000) | -0,055 | Rand | 0,000 (0,000)/-0,001 | |||
Proficiência português | - | -0,002 (0,000) | -0,105 | -0,002 (0,000) | -0,104 | Rand | 0,000 (0,000)/-0,002 | |||
Amabilidade | - | -0,037 (0,009) | -0,039 | -0,038 (0,009) | -0,039 | Rand | 0,015 (0,015)/-0,034 | |||
Autogestão | - | -0,095 (0,009) | -0,092 | -0,094 (0,009) | -0,092 | Rand | 0,009 (0,037)/-0,094 | |||
Resiliência Emocional | - | -0,094 (0,008) | -0,114 | -0,095 (0,008) | -0,115 | Rand | 0,008 (0,011)/-0,098 | |||
Abertura ao novo | - | 0,074 (0,009) | 0,067 | 0,074 (0,009) | 0,067 | Rand | 0,005 (0,008)/0,069 | |||
Entre grupos (Nível Escola) | ||||||||||
Intercepto Bullying Vítima | 0,560 (0,009) | 0,559 (0,009) | 0,559 (0,009) | 0,544 (0,012) | ||||||
Variância Bullying Vítima | 0,034 (0,008) | 0,019 (0,007) | 0,016 (0,007) | 0,045 (0,022) | ||||||
Preditores | Estimate (EP) Beta | Estimate (EP) | Beta | |||||||
Proporção meninas e meninos | - | - | -0,243 (0,089) -0,185 | -0.195 (0,086) | -0,117 | |||||
Taxa abandono | - | - | 0,019 (0,007) 0,289 | 0,015 (0,005) | 0,235 | |||||
Quantidade psicólogos | - | - | -0,155 (0,026) -0,065 | -0,148 (0,070) | -0,045 | |||||
Quantidade profissionais de apoio | - | - | 0,153 | 0,003 (0,001) | 0,111 | |||||
Correlação Intraclasse (ICC) | 0,029 | 0,016 | 0,017 | 0,017 | ||||||
R2 intragrupo | - | 0,060 | 0,059 | 0,174 | ||||||
R2 entre grupos | - | - | 0,155 | 0,158 | ||||||
Deviance ( gl ) | 47857,99 (3) | 46899,36 (15) | 46864,10 (25) | 46419,91 (59) | ||||||
∆ Deviance (∆ gl ) | - | 79,88 | 3,53 | 13,06 | ||||||
AIC | 47863,99 | 46929,36 | 46914,10 | 46537,91 |
Nota. Resultados significativos estão em negrito. EP =Erro Padrão. AIC= Akaike's information criterion. Rand= Slopes que foram randomizados. As variáveis participação dos pais, renda (autodeclarada), renda (bens), engajamento com os outros, taxa aprovação, número de alunos, localização, taxa de professores por aluno, estrutura da escola e SES da escola foram inseridas nos modelos testados, mas foram suprimidas da Tabela por não terem apresentado efeitos significativos em nenhum modelo.
a=A coluna “ slopes: variância (EP)/media” indica, nessa ordem, as estimativas relativas aos slopes randômicos. Ainda que esteja apresentada no nível intragrupo, ela se refere a estimativas dos slopes no nível entre grupos. A escolha de apresentar os resultados neste lugar deveu-se a uma tentativa de simplificação da tabela. Sexo biológico está codificado como feminino=0 e masculino=1
Os resultados apresentados na Tabela 3 demonstram que 2,9% da variância de bullying vítima pode ser explicada pelas variáveis do nível das escolas (ICC Modelo nulo=0,029). Com a inserção das variáveis do nível do aluno (Modelo 1), foi possível observar uma diminuição na variância de bullying vítima (intragrupo) devido à significância de alguns preditores para a explicação do desfecho em questão nesse nível: sexo biológico, idade, proficiência em matemática, proficiência em português e as competências socioemocionais, com exceção à engajamento com os outros. Em conjunto, essas variáveis explicaram 6% da variância do bullying vítima no nível dos alunos, sendo, com base nos valores de Beta, resiliência e proficiência em português os melhores preditores, tal qual observado para a violência escolar. A inserção das variáveis do nível da escola (Modelo 2) diminuíram a variância do bullying vítima (entre grupos), sugerindo proporção de meninas e meninos, taxa de abandono a quantidade de psicólogos na escola e a quantidade de profissionais de apoio foram preditores significativos do bullying vítima. Os melhores preditores do nível da escola foram a proporção de meninas e meninos e a taxa de abandono. A variância explicada de bullying vítima no nível das escolas foi de 15,5%. A razão entre a diferença do deviance dividido pela diferença dos graus de liberdade entre o modelo anterior e o subsequente foram significativas em todos os casos, indicando que os modelos subsequentes foram mais adequados que os anteriores. O mesmo acontece para o AIC, o qual possuiu um melhor ajuste para modelos subsequentes em relação ao modelo anterior. No entanto, ao inspecionar os resultados do modelo com slopes randômicos (Modelo 3), observamos que nenhum dos slopes apresentou variância significativa entre as escolas, indicando que, ainda que o ajuste do modelo seja melhor, não existe nenhum bom motivo para mantê-lo. A ideia de que o modelo possível mais parcimonioso é a melhor escolha é bem fundamentada para modelo estatísticos ( Bentler & Mooijaart, 1989 ), logo compreendemos que o Modelo 2 foi o melhor para a predição do bullying vítima.
Por fim, tal qual realizado para os outros desfechos, nós também testamos modelos multinível para investigar variáveis preditoras do bullying intimador. Os resultados dos modelos testados estão apresentados na Tabela 4 .
Tabela 4 Modelos nulo, 1 e 2 para a predição do bullying intimidador
Modelo nulo Modelo 1 | Modelo 2 | ||||
---|---|---|---|---|---|
Intragrupo (Nível Aluno) | |||||
Variância Bullying Intimidador | 0,088 (0,002) | 0,085 (0,002) | 0,085 (0,002) | ||
Preditores | Estimate (EP) | Beta | Estimate (EP) | Beta | |
Sexo biológico | - | 0,012 (0,005) | 0,021 | 0,012 (0,005) | 0,020 |
Proficiência matemática | - | 0,000 (0,000) | -0,035 | 0,000 (0,000) | -0,035 |
Proficiência português | - | -0,001 (0,000) | -0,100 | -0,001 (0,000) | -0,100 |
Amabilidade | - | -0,017 (0,002) | -0,065 | -0,017 (0,002) | -0,065 |
Autogestão | - | -0,022 (0,002) | -0,078 | -0,022 (0,002) | -0,078 |
Engajamento com os outros | - | 0,007 (0,002) | 0,026 | 0,007 (0,002) | 0,026 |
Resiliência Emocional | - | -0,010 (0,002) | -0,045 | -0,010 (0,002) | -0,045 |
Abertura ao novo | - | 0,010 (0,003) | 0,033 | 0,010 (0,003) | 0,033 |
Entre grupos (Nível Escola) | |||||
Intercepto Bullying Intimidador | 0,099 (0,002) | 0,099 (0,002) | 0,099 (0,002) | ||
Variância Bullying Intimidador | 0,001 (0,001) | 0,001 (0,000) | 0,000 (0,000) | ||
Preditores | Estimate (EP) | Beta | Estimate (EP) | Beta | |
Taxa aprovação | - | - | 0,001 (0,001) | 0,344 | |
Taxa abandono | - | - | 0,003 (0,002) | 0,308 | |
Quantidade psicólogos | - | - | 0,058 (0,007) | 0,146 | |
Correlação Intraclasse (ICC) | 0,014 | 0,003 | 0,004 | ||
R2 intragrupo | - | 0,038 | 0,038 | ||
R2 entre grupos | - | - | 0,112 | ||
Deviance ( gl ) | 6743,448 (3) | 6120,498 (15) | 6110,176 (25) | ||
∆ Deviance (∆ gl ) | - | 51,91 | 1,03 | ||
AIC | 6749,45 | 6150,50 | 6160,18 |
Nota. Resultados significativos estão em negrito. EP =Erro Padrão. AIC= Akaike's information criterion. As variáveis idade, participação dos pais, renda (autodeclarada), renda (bens), proporção meninas e meninos, número de alunos, localização, taxa de professores por aluno, quantidade profissionais de apoio, estrutura da escola e SES da escola foram inseridas nos modelos testados, mas foram suprimidas da Tabela por não terem apresentado efeitos significativos em nenhum modelo. Sexo biológico está codificado como feminino=0 e masculino=1
Os resultados apresentados na Tabela 4 indicam que 1,4% do bullying intimador podem ser explicados pela escola (ICC modelo nulo). A inserção das variáveis do nível do aluno (Modelo 1) indicou sexo biológico, proficiência em português, proficiência em matemática e as competências emocionais como preditoras significativas do bullying intimidador, semelhante aos modelos anteriores testados para outros desfechos. Em conjunto, os preditores do nível do aluno foram capazes de explicar 3,8% da variância do bullying intimidador (intragrupos). Os principais preditores neste modelo foram proficiência em português e autogestão.
O modelo com a inserção das variáveis do nível da escola (Modelo 2), indicou taxa de aprovação, taxa de abandono e quantidade de psicólogos como preditores significativos do bullying intimidador e que, em conjunto com as demais preditoras, foram capazes de explicar 11,2% da variância do desfecho em questão no nível entre grupos. Nós tentamos investigar os efeitos em um modelo com slopes randômicos, no entanto o modelo não convergiu e, por isso, não está sendo reportado. Ainda que o Modelo 2 tenha apresentado preditores significativos do nível da escola, os indicadores de ajuste do modelo sugerem que não existe uma melhora significativa em relação ao modelo anterior, sugerindo o Modelo 1, apenas com variáveis do nível do aluno, como mais adequado.
Discussão
O objetivo do presente estudo foi investigar variáveis do nível da escola e do nível do aluno que possuem poder preditivo em relação ao bullying (perpetrador e vítima) e a violência escolar. Neste sentido, nosso estudo contribui ao evidenciar que o sexo biológico, idade, proficiência em português, proficiência em matemática, amabilidade, autogestão, resiliência emocional e abertura ao novo foram variáveis do nível do sujeito que foram significativas na predição de todos os desfechos. Taxa de abandono foi a única variável da escola significativa para todos os desfechos. Outras variáveis do nível do sujeito e do aluno foram significativas para cada um dos desfechos, tal qual discutido a seguir. É importante ressaltar que todos os resultados aqui discutidos foram originados de modelos complexos nos quais existe um controle mútuo entre as variáveis e, desta forma, devem ser interpretados como variáveis que se sobressaíram na predição da violência escolar e do bullying ainda que controlado pela influência de todas as outras variáveis inseridas no modelo, evidenciando alto poder preditivo em relação aos desfechos.
Nossos resultados confirmaram parcialmente nossas hipóteses. Em relação à primeira hipótese, encontramos que a Resiliência Emocional prediz negativamente a violência escolar. Esse achado é confirmado pela literatura, uma vez que o Neuroticismo (baixa resiliência emocional) se associa com uma maior tendência em se envolver em comportamentos violentos na escola ( Kodžopeljić et al., 2014 ). Compreende-se que crianças e adolescentes com maiores níveis de resiliência emocional possuem maior capacidade para regular as próprias emoções, de modo que seja possível que evitem relações interpessoais hostis ( Mitsopoulou & Giovazolias, 2015 ). Nossos resultados também indicaram que a Amabilidade prediz negativamente a violência escolar. Este achado foi reportado em estudos prévios ( Moreira et al., 2014 ; Turanovic & Siennick, 2022 ) e não é surpreendente, já que altos níveis de amabilidade indicam tendências à empatia, respeito e confiança, que são fatores protetivos contra o engajamento em violência. No mesmo sentido, autogestão teve um efeito negativo sobre a violência escola, indicando que estudantes com menor responsabilidade tendem a ser mais suscetíveis a quebrar normas sociais e escolares, o que pode resultar em cenários de violência ( De Angelis et al., 2016 ).
Os outros dois domínios das competências socioemocionais apresentaram relações positivas com a violência escolar, como observado em outros estudos ( Moreira et al., 2014 ; Turanovic & Siennick, 2022 ). Conforme esperado, o domínio Engajamento com outros foi um preditor positivo da violência escolar. No entanto, o domínio de Abertura ao novo também obteve um efeito positivo, sugerindo que estudantes mais curiosos, criativos e flexíveis ( Primi et al., 2021 ; Santos & Primi, 2014 ) tendem a sofrer mais violência escolar. Tal achado não estava dentro das nossas expectativas. Acreditamos que ele pode indicar que pessoas com maior abertura tendem a mostrar maior diversidade de interesses (e muitas vezes uma contradição com as tendências dos grupos), o que pode torná-los alvo de violência.
Em relação à segunda hipótese, confirmamos que o sexo masculino explica positivamente a violência escolar, o bullying vítima e intimidador (Bradshaw, 2009). Esse resultado é consistente com a literatura que aponta que os meninos tendem a apresentar maiores níveis de violência física e verbal na escola do que as meninas ( Bradshaw et al., 2009 ; Luo et al., 2023 ). É importante ressaltar que nossos resultados não são sinônimos de que todos os estudantes do sexo masculino engajariam em comportamentos violentos, no entanto, os achados sugerem que ser do sexo masculino pode ser considerado um fator de risco para a perpetração de comportamentos violentos (e para a vitimização na violência escolar e bullying ) ( Bradshaw et al., 2009 ; Denny et al., 2015 ; Luo et al., 2023 ) e por isso esse público poderia ser beneficiado de estratégias preventivas.
A hipótese três afirmava que a taxa de abandono escolar prediz positivamente o bullying e a violência escolar, e foi parcialmente confirmada. Estudos anteriores indicam que os estudantes que sofrem bullying e violência escolar como vítimas podem experimentar efeitos negativos em seu processo de aprendizagem e relações com a escola, levando ao abandono ( Cornell et al., 2013 ; Fry et al., 2018 ; Polanin et al., 2021 ; Turanovic & Siennick, 2022 ). Em contrapartida, a taxa de abandono não foi um preditor significativo de bullying intimidador, como observado nas evidências de uma metanálise sobre violência escolar ( Turanovic & Siennick, 2022 ). Esse resultado sugere que não há clareza sobre os efeitos negativos das ações de perpetração de bullying aos agressores no contexto brasileiro, sendo necessários novos estudos para compreender a ausência de relação do abandono escolar entre estudantes que cometem bullying .
A quarta hipótese foi confirmada, i.e., o domínio Resiliência Emocional foi preditor negativo de bullying vítima, conforme evidenciado previamente ( Santamaría-Villar et al., 2021 ; Turanovic & Siennick, 2022 ). Isso indica que os estudantes que são mais capazes de lidar com as emoções negativas e os desafios da vida são menos propensos a serem alvo de bullying por parte dos colegas. Além disso, com exceção de Engajamento com os outros, os domínios socioemocionais de Autogestão e Amabilidade também explicaram negativamente o bullying vítima, resultados já encontrados em alguns estudos anteriores ( Mitsopoulou & Giovazolias, 2015 ). Isso sugere que os estudantes que são mais cooperativos, responsáveis e receptivos tendem a desenvolver estratégias que podem reduzir ou prevenir as experiências de bullying ( Santamaría-Villar et al., 2021 ). Em contrapartida, o domínio Abertura apresentou uma predição positiva em relação ao bullying vítima, indo ao encontro do resultado encontrado também (e debatido) para a violência escolar.
A quinta hipótese foi confirmada, pois encontramos que uma maior proporção de meninas do que meninos na escola explica negativamente o bullying vítima e a violência escolar, tal qual indicado em outros estudos ( Chaux et al., 2009 ; Denny et al., 2015 ; Myers et al., 2020 ). Esse resultado, assim como o resultado observado em relação a ser do sexo masculino como um fator de risco, pode ser interpretado à luz da socialização de gênero, já que existe uma tendência de que pessoas do sexo feminino atendam às expectativas de gênero de que as meninas são socializadas para serem mais empáticas, cooperativas e pacíficas do que os meninos ( Luo et al., 2023 ). Assim, em turmas com maior presença de meninas, pode haver um clima escolar mais favorável à convivência e ao respeito mútuo, o que reduziria os níveis de bullying e violência ( Chaux et al., 2009 ; Denny et al., 2015 ).
Por fim, a sexta hipótese foi parcialmente confirmada, pois ainda que as competências socioemocionais tenham apresentado efeito significativo sobre o bullying intimidador, nem todas obtiveram a valência (positiva ou negativa) proposta teoricamente ( Turanovic & Siennick, 2022 ). Diferentemente do esperado, encontramos que a Abertura ao novo foi um preditor positivo do bullying intimidador, embora com um efeito baixo (β=0,03). Resultados sobre a associação entre bullying e Abertura ao novo são mistos e inconclusivos em relação a associações positivas e negativas ( Mitsopoulou & Giovazolias, 2015 ; Turanovic & Siennick, 2022 ), sugerindo a necessidade de mais estudos sobre o tema. Por outro lado, conforme esperado, Amabilidade, Resiliência Emocional e Autogestão apresentaram associações negativas com bullying intimidador. Esses achados reafirmam que pessoas com maiores níveis de empatia e respeito, autoconfiança, e tolerância ao estresse e determinação, persistência e foco tem menor probabilidade em se engajar em comportamentos de bullying intimidador ( De Angelis et al., 2016 ; Moreira et al., 2014 ; Santamaría-Villar et al., 2021 ). Também encontramos que Engajamento com os outros está positivamente relacionado com perpetrar bullying , resultado já esperado conforme achados de metanálise ( Mitsopoulou & Giovazolias, 2015 ). Uma possível explicação é que indivíduos mais extrovertidos podem ter mais oportunidade de interagir com colegas e exercer influência sobre eles, o que pode levar a comportamentos de dominação ou agressão em alguns casos.
Apesar de fornecer contribuições significativas para a compreensão dos fatores que influenciam a violência escolar e o bullying , é crucial interpretar nossos resultados considerando as limitações metodológicas deste estudo. O estudo foi restrito a estudantes do sudeste do Brasil em escolas estaduais e municipais, o que pode limitar a representatividade para outras regiões ou escolas particulares. Além disso, a escolha da modelagem multinível, embora respaldada por referências ( Nezlek, 2008 ), é contestada por alguns autores, que sugerem um valor mínimo de ICC de 0,05 ( Hox et al., 2017 ), critério atendido apenas pelo modelo de violência escolar. Além disso, a variável de bullying intimidador for avaliada apenas por um item, fato que, ainda que contenha pontos positivos (e.g., Allen et al. 2022 ; Fisher et al., 2016 ; Gogol et al., 2014 ), pode também diminuir a variabilidade e o alcance da avaliação desse construto. Recomendamos cautela na interpretação desses modelos, ou seja, sugerimos que estudos futuros explorem a replicabilidade em diferentes regiões e redes de ensino, bem como repliquem os modelos de bullying , utilizando métodos alternativos para verificar a consistência dos resultados obtidos antes generalizar a validade dos resultados e tomá-los como incontestáveis ou definitivos.
Com base em um estudo em larga escala, nossos resultados destacam que tanto fatores individuais quanto aspectos escolares impactam na ocorrência de violência escolar e de bullying (vítima e intimidador). Nossos achados confirmam evidências encontradas em estudos anteriores e ressaltam o papel das competências socioemocionais dos estudantes como fatores protetores contra o bullying e a violência escolar, mesmo quando seu efeito é controlado por variáveis que sabidamente influenciam esses desfechos. Tendo em vista que nossos resultados apontam para características da escola e do sujeito que possuem impacto na ocorrência da violência escolar e do bullying (perpetrador e vítima), eles também permitem identificar grupos e escolas em risco para a ocorrência desses desfechos (e.g., alunos do sexo masculino, escolas com altas taxas de abandono) e características protetivas contra eles (e.g., altos níveis de amabilidade). Por fim, os resultados apresentados têm implicações para a elaboração de programas educacionais que visem ao estabelecimento de estratégias preventivas e interventivas para escolas e alunos que apresentam características de risco, visando o desenvolvimento das competências socioemocionais, que se mostraram como características protetivas aos desfechos negativos aqui investigados.