A socialização emocional se refere aos processos interativos entre a criança e os pais que favorecem o aprendizado sobre como regular as próprias emoções e lidar com as emoções expressas por outras pessoas ( Eisenberg, 2020 ). Durante essas interações, a aprendizagem sobre emoções pode ocorrer por meio de três contextos, segundo o Modelo de Socialização Emocional: a expressão emocional dos pais, as conversas sobre emoções na família e as respostas parentais às emoções expressas pelas crianças ( Eisenberg, 2020 ). As reações parentais, em especial diante de emoções difíceis (ex. raiva, tristeza e medo) da criança, são vistas como situações que fornecem oportunidades únicas de socialização. Essas reações podem ser de acolhimento (reações apoiadoras) ou de rejeição (reações não apoiadoras).
As reações apoiadoras incentivam a expressão emocional, oferecendo oportunidades para a criança compreender emoções, assim como para compreender as situações associadas às emoções. De acordo com os achados de Zinsser et al. (2021) , essas reações favorecem o aprendizado de habilidades de regulação emocional. Por outro lado, as reações não apoiadoras punem, minimizam ou desqualificam a experiência emocional, favorecendo a aprendizagem da criança, de estratégias menos adaptativas, como a supressão da expressão emocional ou a esquiva de situações que possam evocar emoções difíceis ( Eisenberg, 2020 ; Silk et al., 2011 ). As interações frequentemente marcadas pelas reações não apoiadoras tendem a aumentar a estimulação emocional, dificultando ainda mais a regulação da criança. Ademais, essas reações tendem a reduzir as possibilidades de ampliação do repertório da criança para lidar com emoções e situações difíceis. Nesse sentido, as crianças podem ter mais dificuldades para interagir, além de estarem mais vulneráveis ao desenvolvimento ou à manutenção de problemas psicopatológicos (ex. ansiedade e depressão) ( Eisenberg, 2020 ; Gutiérez & Muñoz-Martínez, 2013 ; Silk et al., 2011 ). Assim, avaliar as reações parentais às emoções dos filhos, particularmente as difíceis, é crucial para o avanço do conhecimento sobre o desenvolvimento emocional na infância. Apesar de a literatura destacar a relevância do estudo da socialização emocional, pelos possíveis impactos na infância e em outras fases da vida ( Eisenberg, 2020 ; Fabes, et al., 2002 ), especialmente no Brasil, os instrumentos para investigar as reações parentais e os estudos para avaliar as propriedades psicométricas são escassos ( Lins et al., 2017 ).
Um levantamento de instrumentos para a investigar a socialização emocional mostra que diferentes aspectos têm sido considerados. Fabes et al. (1990) desenvolveram a Coping with Children’s Negative Emotions Scale (CCNES) para avaliar as reações parentais às emoções difíceis dos filhos em 12 situações prototípicas. Outros instrumentos incluem o Maternal Emotional Styles Questionnaire ([MESQ] Lagacé-Séguin & Coplan, 2005 ) que avalia os estilos maternos para o manejo de emoções dos filhos e as crenças maternas sobre essas emoções e o Self-Expressiveness in the Family Questionnaire ([SEFQ] Halberstadt et al., 1995 ) que investiga a frequência de expressão emocional na família. A CCNES tem se destacado por permitir o estudo de reações parentais para lidar com as emoções dos filhos, possibilitando a avaliação mais aproximada e específica das interações entre pais e filhos. Ademais, a CCNES apresentou boas propriedades psicométricas em estudos de adaptação em outros países (ex. Altan-Aytun et al., 2013 ; Alves & Cruz, 2011 ; Coutu et al., 2002 ).
Fabes et al. (2002) avaliaram as propriedades psicométricas da versão original da CCNES, com 96 mães e cinco pais de crianças entre três e seis anos, nos Estados Unidos. Os valores do alfa de Cronbach para todas as dimensões estiveram acima de 0,69. Os autores identificaram, pela Análise de Componentes Principais com rotação Varimax, quatro fatores com eigenvalues maiores que 0,5: 1. reações que minimizam e reações punitivas; 2. reações centradas na emoção e as reações centradas no problema; 3. reações que incentivam; e 4. reações de desconforto.
Uma versão reduzida, com oito situações, foi adaptada e testada por Melo (2005) em 134 mães e 123 pais portugueses de crianças entre sete e nove anos. Os valores de alfa estiveram acima de 0,73 para todas as reações, com exceção das reações de desconforto e as reações punitivas, com valores de alfa, respectivamente, de 0,42 e 0,59. Melo (2005) verificou ainda, por meio da Análise de Componentes Principais com rotação Varimax, uma solução de três fatores, mas a solução forçada de quatro foi considerada aceitável. Assim, os quatro fatores foram: 1. reações centradas na emoção e reações centradas no problema; 2. reações punitivas e reações que minimizam; 3. reações que incentivam; e 4. reações de desconforto. Outros estudos portugueses adotaram a versão completa da CCNES, mas avaliaram apenas a consistência interna. No estudo de Alves e Cruz (2011) , com 200 mães e 14 professoras de crianças com idade média de 6,9 anos, os valores de alfa para todas as dimensões estiveram acima de 0,70, com exceção das reações de desconforto (0,37). Soares et al. (2019) não investigaram a consistência interna de cada dimensão, analisando apenas os dois agrupamentos de práticas. Os valores de alfa das reações não apoiadoras foram de 0,95 e de 0,96 para as apoiadoras.
A versão turca da CCNES ( Altan-Aytun et al., 2013 ), que contou com 141 mães de crianças entre quatro e seis anos, encontrou valores de alfa acima de 0,72 para todas as dimensões, exceto as reações de desconforto, com alfa de 0,65. Contrário a outros estudos, foram conduzidas análises fatoriais individuais de cada dimensão. Em geral, só um item de cada dimensão não carregou no fator. Para as reações centradas na emoção, todos os itens carregaram e para as reações de desconforto, apenas cinco itens carregaram no mesmo fator.
A CCNES também foi adaptada para pais brasileiros. Lins et al. (2017) realizaram a adaptação linguística e cultural em cinco etapas: tradução, síntese das versões traduzidas e avaliação por especialistas, avaliação da escala traduzida em grupos focais, retrotradução e avaliação piloto. A adaptação contemplou as reações que ignoram, adicionada à versão original por Mirabile (2015) . Para Lins et al. (2017) isso pode tornar o instrumento mais completo, por abranger uma diversidade de reações parentais às emoções expressas pelos filhos. Após os ajustes finais, realizou-se uma avaliação da versão adaptada, com 100 mães. Os resultados revelaram coeficientes alfa satisfatórios, acima de 0,69 para todas as dimensões, com exceção das reações centradas no problema (0,60) e das reações de desconforto (0,16). Sobre o alfa das reações de desconforto, verificou-se que após a retirada dos itens negativos, houve um aumento para 0,46. Análises de correlação revelaram que as quatro dimensões de reações não apoiadoras se correlacionam de forma positiva. Para as reações apoiadoras, verificou-se correlações positivas entre as reações centradas no problema e as reações centradas na emoção, e entre as reações centradas no problema e as reações que incentivam.
De forma geral, as diferentes adaptações da CCNES têm obtido índices aceitáveis, embora as reações de desconforto tenham apresentado problemas ( Altan-Aytun et al., 2013 ; Coutu et al., 2002 ; Lins et al., 2017 ; Melo, 2005 ). Visando avançar no estudo do instrumento adaptado para a aplicação com pais brasileiros, este estudo teve o objetivo de examinar as evidências de validade da estrutura interna da versão brasileira da CCNES. Assim, espera-se consolidar a proposição de um instrumento que contribua para os estudos sobre as reações parentais a emoções dos filhos e sobre o desenvolvimento socioe-mocional na infância.
Método
Participantes
Participaram do estudo 163 mães de pré-escolares e 149 mães de escolares. Do total de participantes, 103 mães residiam no Rio de Janeiro-RJ e 209 mães residiam em Salvador-BA. A Tabela 1 apresenta a comparação das variáveis sociodemográficas das participantes, considerando os dois grupos etários. As análises comparativas, por meio do teste t, revelaram diferenças significativas entre os grupos para a idade e a escolaridade parental, a renda familiar e a idade da criança. Para todas essas variáveis, os escolares apresentaram médias maiores. A principal diferença foi observada na renda das famílias.
Tabela 1 Características Sociodemográficas dos Grupos de Pré-escolares e de Escolares
Características | Grupos | |
---|---|---|
Pré-escolares (n=163) | Escolares (n=149) | |
Idade da mãe | M=33,04 ( DP =6,70) | M=36,85 ( DP =5,77) |
t=- 5,39 / p <0,001 | ||
Escolaridade materna (anos) | M=11,89 ( DP =2,72) | M=14,10 ( DP =2,89) |
t= −6,86 / p <0,001 | ||
Mães com atividade remunerada | 60,7% (99) | 75,2% (112) |
Idade do pai | M =36,32 ( DP =7,81) | M =41,54 ( DP =7,19) |
t = −6,04 / p <0,001 | ||
Escolaridade paterna (anos) | 11,26 ( DP =2,84) | 13,01 ( DP =3,52) |
t = −4,62 / p <0,001 | ||
Mães em coabitação com o pai | 69,3% (113) | 73,8% (110) |
Renda familiar (Reais) | M =2.970,85 ( DP =2.355,84) | M =5.994,40 ( DP =4.003,82) |
t = −7,72 / p <0,001 | ||
Sexo feminino | 43,6% (71) | 54,4 (81) |
Sexo masculino | 56,4 (92) | 45,6% (68) |
Idade da criança (meses) | M =53,26 ( DP =10,00) | M =88,91 ( DP =9,75) |
t = −33,43 / p <0,001 |
Instrumentos
Questionário Sociodemográfico. Utilizado para coletar dados para caracterização da amostra (ex. idade, nível de escolaridade, renda, quantidade de filhos e outras informações).
Escala de Reações Parentais às Emoções Negativas dos Filhos – CCNES ( Fabes et al., 1990 ). Foi adaptada para uso com pais brasileiros por Lins et al. (2017) , baseia-se nos relatos parentais e é composta por 12 situações hipotéticas comuns ao cotidiano de crianças, que tendem a contribuir para emoções difíceis. Um exemplo de situação é: “Se meu filho fica irritado porque está doente ou machucado e não pode ir à festa de aniversário de seu amigo, eu:...”. Cada situação é seguida por sete afirmativas sobre as reações parentais à emoção do filho, que devem ser respondidas em uma escala Likert de cinco pontos, variando de nunca a certamente. Cada afirmativa se refere a uma das sete subescalas: 1. reações de desconforto (expressam o incômodo dos pais diante das emoções difíceis do filho); 2. reações punitivas (indicam punições ou recriminações para reduzir ou inibir a expressão emocional da criança); 3. reações que minimizam as respostas emocionais (reduzem a importância ou a seriedade da situação ou da emoção expressa pelo filho); 4. reações que ignoram (indicam a ausência de respostas específicas dos pais às manifestações emocionais dos filhos); 5. reações centradas na emoção (objetivam auxiliar o filho a lidar com as emoções); 6. reações centradas no problema (auxiliam a criança a resolver as situações associadas às emoções); e 7. reações que incentivam (estimulam e validam as expressões emocionais dos filhos). As reações de desconforto, as reações punitivas, as reações que minimizam e as reações que ignoram são compreendidas como não apoiadoras das emoções dos filhos e as reações centradas na emoção, as reações centradas no problema e as reações que incentivam são compreendidas como apoiadoras. O escore de cada reação é obtido pela média das pontuações de cada item nas 12 situações, mas não há um escore total de reações parentais.
Procedimentos de coleta de dados
A coleta foi realizada em escolas particulares do Rio de Janeiro-RJ e de Salvador-BA, e iniciada após aprovação de escolas e do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), de acordo com a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. As participantes assinaram duas vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), responderam ao Questionário Sociodemográfico e à versão brasileira da CCNES ( Lins et al., 2017 ).
Procedimentos de análise dos dados
A Análise Fatorial Exploratória (AFE) foi utilizada para analisar a estrutura fatorial do instrumento. A AFE foi realizada no software Factor Analysis versão 12.01.02 ( Ferrando & Lorenzo-Seva, 2017 ). A análise foi implementada utilizando uma matriz policórica e método de extração Robust Diagonally Weighted Least Squares (RDWLS) ( Asparouhov & Muthen, 2010 ). A adequação da fatoração foi analisada por meio do teste de Kayser-Meyer-Olkin (KMO) e do teste de esfericidade de Bartlett. A Análise Paralela com permutação aleatória dos dados foi usada para decidir o número de fatores a ser retido ( Timmerman & Lorenzo-Seva, 2011 ). A rotação utilizada foi a Robust Promin ( Lorenzo-Seva & Ferrando, 2019 ). Como critério de manutenção do item, adotou-se o ponto de corte de carga fatorial acima de 0,30.
No intuito de avaliar a adequação do modelo, foram utilizados os índices de ajustes Root Mean Square Error of Aproximation (RMSEA), Comparative Fit Index (CFI) e Tucker-Lewis Index (TLI) e as interpretações se basearam em Brown (2006) . A estabilidade (replicabilidade) dos fatores foi avaliada por meio do índice H ( Ferrando & Lorenzo-Seva, 2018 ). A precisão dos escores fatoriais foi analisada por meio das estimativas FDI e ORION. A fidedignidade composta ( Cowell, 2016 ; Valentini & Damásio, 2016 ) foi calculada por meio da Composite Reliability Calculator ( https://www.thestatisticalmind.com/composite-reliability/ ). Por fim, os thresholds dos itens foram avaliados utilizando a parametrização de Reckase ( Reckase, 1985 ).
Resultados
Grupo de Pré-escolares (3 a 5 anos)
Inicialmente, foi realizada a AFE para o grupo de 3 a 5 anos. A fatoração dos dados foi considerada adequada e os testes de esfericidade de Bartlett (1617,6, gl =946, p <0,001) e KMO (0,80) sugeriram interpretabilidade da matriz de correlação dos itens. A análise paralela sugeriu três fatores como sendo os mais representativos para o conjunto de dados, com a quantidade de variância dos dados reais maiores do que a média da variância dos ran-domizados. Os itens que atenderam aos critérios estabelecidos estão na Tabela 2 , junto com as informações de confiabilidade composta, thresholds e estimativas de replicabilidade dos escores fatoriais.
Tabela 2 Estrutura Fatorial para o Grupo de 3 a 5 Anos
Itens | F1 | F2 | F3 | Thresholds | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
1-2 | 2-3 | 3-4 | 4-5 | ||||
5- I_e_RM | 0,41 | −0,03 | 0,24 | −0,101 | 0,083 | 0,830 | 1,090 |
10- II_c_RCE | −0,17 | 0,07 | 0,37 | −2,296 | −1,856 | −1,143 | −0,897 |
11- II_d_RM | 0,54 | 0,01 | 0,11 | 0,028 | 0,220 | 1,318 | 1,648 |
14- II_g_RP | 0,36 | −0,05 | 0,10 | −0,096 | 0,183 | 0,877 | 1,003 |
16- III_b_RM | 0,37 | 0,00 | 0,09 | 0,095 | 0,414 | 1,332 | 1,451 |
18- III_d_RCE | 0,07 | 0,11 | 0,41 | −1,369 | −1,077 | −0,118 | 0,082 |
22- IV_a_RP | 0,44 | −0,01 | −0,07 | 0,378 | 0,575 | 1,191 | 1,256 |
23- IV_b_RI | 0,01 | 0,52 | 0,09 | −1,615 | −1,404 | −0,588 | −0,400 |
24- IV_c_RM | 0,54 | 0,01 | −0,05 | 0,125 | 0,359 | 1,26 | 1,328 |
25- IV_d_RD | 0,33 | 0,01 | −0,02 | 0,766 | 0,858 | 1,431 | 1,615 |
27- IV_f_RCE | −0,16 | 0,00 | 0,45 | −2,432 | −2,31 | −1,899 | −1,629 |
29- V_a_RCE | −0,21 | −0,02 | 0,48 | −1,997 | −1,791 | −1,083 | −0,846 |
31- V_c_RCP | −0,01 | 0,08 | 0,70 | -7,188 | −2,952 | −2,035 | −1,677 |
32- V_d_RM | 0,65 | 0,04 | −0,09 | 0,649 | 0,954 | 1,636 | 1,731 |
33- V_e_RP | 0,58 | −0,03 | 0,09 | 0,029 | 0,244 | 1,311 | 1,460 |
35- V_g_RI | −0,05 | 0,87 | −0,04 | −2,088 | −1,715 | −0,352 | −0,132 |
36- VI_a_RCE | 0,02 | 0,10 | 0,31 | −2,875 | −2,875 | −1,553 | −1,214 |
37- VI_b_RM | 0,60 | 0,01 | 0,05 | 0,272 | 0,481 | 1,734 | 1,788 |
39- VI_d_RP | 0,55 | 0,10 | −0,08 | 0,086 | 0,319 | 1,131 | 1,224 |
40- VI_e_RI | 0,03 | 0,76 | 0,05 | −2,158 | −1,711 | −0,639 | −0,414 |
42- VI_g_RCP | −0,04 | 0,17 | 0,60 | −3,42 | −2,988 | −2,122 | −1,743 |
43- VII_a_RCP | −0,08 | 0,05 | 0,55 | -6,154 | −2,892 | −1,851 | −1,556 |
44- VII_b_RCE | 0,01 | 0,15 | 0,46 | −2,496 | −2,047 | −1,025 | −0,634 |
47- VII_e_RM | 0,65 | 0,00 | −0,02 | 0,927 | 1,258 | 2,232 | 2,32 |
48- VII_f_RP | 0,77 | 0,02 | −0,02 | 0,638 | 0,886 | 1,935 | 2,176 |
49- VII_g_RI | −0,10 | 0,88 | −0,07 | −2,289 | 1,979 | −0,843 | −0,48 |
54- VIII_e_RM | 0,52 | 0,15 | 0,04 | −0,646 | −0,336 | 0,355 | 0,476 |
57- IX_a_RI | 0,02 | 0,53 | 0,06 | −2,017 | −1,834 | −0,846 | −0,672 |
58- IX_b_RD | 0,36 | −0,06 | −0,16 | 1,256 | 1,607 | 2,475 | 2,475 |
59- IX_c_RM | 0,69 | −0,02 | −0,04 | 0,360 | 0,638 | 1,932 | 2,06 |
60- IX_d_RCP | 0,11 | 0,07 | 0,41 | −2,937 | −2,444 | −1,498 | −1,240 |
62- IX_f_RP | 0,43 | −0,18 | 0,04 | 0,586 | 0,837 | 1,609 | 1,658 |
63- IX_g_RCE | −0,01 | 0,15 | 0,45 | −3,264 | −2,558 | −1,713 | −1,307 |
65- X_b_RP | 0,49 | −0,04 | −0,14 | 0,333 | 0,535 | 1,455 | 1,496 |
67- X_d_RCE | 0,05 | 0,00 | 0,55 | -6,209 | −2,707 | −1,614 | −1,169 |
68- X_e_RCP | 0,03 | −0,18 | 0,61 | -6,624 | −3,113 | −2,369 | −1,771 |
72- XI_b_RM | 0,58 | 0,07 | 0,00 | 0,327 | 0,646 | 1,703 | 1,756 |
74- XI_d_RP | 0,54 | −0,07 | 0,16 | 0,222 | 0,484 | 1,721 | 1,835 |
75- XI_e_RCP | 0,09 | −0,02 | 0,37 | −5,663 | −5,663 | −1,758 | −1,321 |
76- XI_f_RCE | 0,13 | 0,00 | 0,42 | −5,738 | −3,007 | −1,674 | −1,173 |
77- XI_g_RI | 0,17 | 0,65 | −0,01 | −2,486 | −2,214 | −0,713 | −0,444 |
78- XII_a_RCP | −0,09 | 0,20 | 0,34 | −2,105 | −1,812 | −0,669 | −0,436 |
80- XII_c_RCE | 0,11 | 0,00 | 0,46 | −2,976 | −2,476 | −1,361 | −0,989 |
84- XII_g_RM | 0,59 | 0,00 | 0,00 | 0,615 | 0,878 | 1,794 | 1,851 |
Variância explicada | 17,97 | 15,54 | 5,67 | ||||
H -latente | 0,96 | 0,95 | 0,87 | ||||
H -observado | 0,96 | 0,95 | 0,87 | ||||
Fidedignidade composta | 0,89 | 0,86 | 0,83 | ||||
FDI | 0,95 | 0,95 | 0,93 | ||||
ÓRION | 0,91 | 0,91 | 0,86 |
Nota. RP=Reações Punitivas; RCE=Reações Centradas na Emoção; RM=Reações que Minimizam; RI=Reações que Incentivam; RCP=Reações Centradas no Problema; RD=Reações de Desconforto; F1=Reações não apoiadoras; F2=Reações apoiadoras; F3=Reações que incentivam; H=índice de replicabilidade; FDI=Factor Determinacy Index; ÓRION=Ouerall Reliability of fully-Informative prior Oblique N-EAP scores
Os itens tiveram cargas fatoriais elevadas nos respectivos fatores, sem nenhuma carga fatorial acima de 0,30 em dois fatores ao mesmo tempo. Os índices de ajustes do modelo foram adequados (χ2=711,513, gl =817; p = 0,99; RMSEA=0,000; CFI=0,999; TLI=0,948). Os indicadores de Unidimensionalidade Unidimensional Congruence (UniCo=0,69), Explained Common Variance (ECV=0,53) e Mean of Item Residual Absolute Loadings (MIREAL=0,36) não suportaram a unidimensionalida-de da escala ( Ferrando & Lorenzo-Seva, 2018 ). Os índices de precisão e fidedignidade foram satisfatórios para os fatores e os valores de replicabilidade indicam a estabilidade do modelo. Não foram identificados padrões anormais nos thresholds.
Grupo de Escolares (6 a 9 anos)
O teste de esfericidade de Bartlett (1314,4, gl =1128, p <0,001) e o KMO (0,72) sugeriram inter-pretabilidade da matriz de correlação dos itens, indicando adequação para fatoração dos dados. Os resultados da Análise Paralela indicaram que poderiam ser extraídos dois fatores, os quais apresentaram variância real maior do que a média da variância dos dados randomizados. Com base nisso e nos demais critérios adotados para manutenção dos itens, a solução fatorial final, as informações de confiabilidade composta, thresholds e as estimativas de replicabilidade dos escores fatoriais estão apresentadas na Tabela 3 .
Tabela 3 Estrutura Fatorial para o Grupo de 6 a 9 Anos
Itens | F1 | F2 | Thresholds | |||
---|---|---|---|---|---|---|
1-2 | 2-3 | 3-4 | 4-5 | |||
1- I_a_RP | 0,40 | 0,00 | 0,167 | 0,449 | 1,059 | 1,366 |
2- I_b_RD | 0,39 | −0,08 | 0,125 | 0,689 | 1,635 | 1,856 |
3- I_c_RCP | −0,02 | 0,35 | −1,536 | −1,336 | −0,288 | 0,205 |
5- I_e_RM | 0,56 | 0,03 | −0,651 | −0,161 | 0,788 | 1,099 |
10- II_c_RCE | 0,00 | 0,46 | −2,001 | −1,746 | −0,930 | −0,348 |
11- II_d_RM | 0,60 | 0,00 | −0,412 | 0,264 | 1,331 | 1,732 |
14- II_g_RP | 0,61 | 0,03 | 0,127 | 0,571 | 1,224 | 1,578 |
15- III_a_RD | 0,49 | 0,08 | −0,568 | −0,153 | 0,593 | 0,860 |
16- III_b_RM | 0,47 | 0,02 | −0,196 | 0,351 | 1,331 | 1,765 |
17- III_c_RCP | −0,02 | 0,59 | −2,704 | −2,497 | −1,726 | −1,031 |
18- III_d_RCE | −0,08 | 0,34 | −0,973 | −0,439 | 0,352 | 0,884 |
20- III_f_RP | 0,44 | 0,12 | −1,453 | −1,089 | −0,237 | 0,215 |
22- IV_a_RP | 0,52 | −0,01 | 0,41 | 0,658 | 1,174 | 1,570 |
23- IV_b_RI | −0,07 | 0,51 | −2,087 | −1,466 | −0,363 | 0,067 |
24- IV_c_RM | 0,51 | −0,03 | −0,066 | 0,43 | 1,059 | 1,504 |
25- IV_d_RD | 0,46 | −0,08 | 0,713 | 0,968 | 1,286 | 1,517 |
29- V_a_RCE | 0,20 | 0,51 | −2,109 | −1,92 | −1,262 | −0,718 |
31- V_c_RCP | −0,05 | 0,61 | −2,763 | −2,552 | −1,830 | −1,053 |
32- V_d_RM | 0,66 | −0,03 | 0,495 | 1,144 | 1,792 | 2,080 |
33- V_e_RP | 0,60 | −0,02 | −0,024 | 0,488 | 1,376 | 1,799 |
35- V_g_RI | 0,00 | 0,53 | −2,364 | −1,475 | −0,509 | 0,158 |
37- VI_b_RM | 0,69 | 0,17 | 0,188 | 0,637 | 1,649 | 2,384 |
38- VI_c_RD | 0,53 | 0,03 | 1,008 | 1,180 | 1,911 | 1,999 |
39- VI_d_RP | 0,53 | 0,04 | 0,583 | 0,824 | 1,425 | 1,693 |
40- VI_e_RI | −0,19 | 0,48 | −1,917 | −1,343 | −0,390 | 0,204 |
44- VII_b_RCE | 0,00 | 0,60 | −2,353 | −2,120 | −1,252 | −0,647 |
47- VII_e_RM | 0,81 | 0,03 | 1,460 | 1,939 | 3,213 | 3,426 |
48- VII_f_RP | 0,67 | −0,06 | 0,859 | 1,205 | 1,964 | 2,315 |
49- VII_g_RI | −0,09 | 0,67 | −2,149 | −1,674 | −0,656 | −0,158 |
54- VIII_e_RM | 0,46 | 0,20 | −0,671 | −0,402 | 0,545 | 0,922 |
57- IX_a_RI | −0,07 | 0,58 | −1,852 | −1,660 | −1,026 | −0,434 |
58- IX_b_RD | 0,45 | −0,22 | 1,034 | 1,685 | 2,205 | 2,854 |
59- IX_c_RM | 0,63 | −0,07 | 0,05 | 0,589 | 1,476 | 1,869 |
62- IX_f_RP | 0,59 | −0,08 | 0,516 | 0,818 | 1,679 | 1,804 |
63- IX_g_RCE | −0,08 | 0,58 | −2,212 | −1,722 | −0,870 | −0,286 |
65- X_b_RP | 0,44 | −0,03 | 0,256 | 0,527 | 1,347 | 1,662 |
67- X_d_RCE | 0,19 | 0,48 | −2,178 | −1,963 | −1,022 | −0,358 |
68- X_e_RCP | 0,02 | 0,62 | −2,776 | −2,564 | −1,711 | −1,058 |
69- X_f_RM | 0,36 | 0,55 | −2,323 | −1,809 | −0,882 | −0,199 |
72- XI_b_RM | 0,50 | 0,00 | 0,428 | 0,839 | 1,875 | 2,061 |
73- XI_c_RD | 0,43 | 0,00 | −0,233 | 0,084 | 0,915 | 1,216 |
74- XI_d_RP | 0,59 | 0,03 | 0,382 | 0,805 | 1,651 | 1,842 |
77- XI_g_RI | −0,01 | 0,61 | -2739 | 2,246 | −0,946 | −0,242 |
78- XII_a_RCP | −0,06 | 0,41 | −2,21 | −2,073 | −0,772 | −0,232 |
80- XII_c_RCE | −0,03 | 0,54 | −5,675 | −2,388 | −1,119 | −0,345 |
82- XII_e_RD | 0,44 | −0,04 | −0,781 | −0,412 | 0,864 | 1,226 |
83- XII_f_RP | 0,32 | 0,04 | −0,874 | −0,478 | 0,593 | 0,932 |
84- XII_g_RM | 0,62 | −0,10 | 0,507 | 0,909 | 1,428 | 1,624 |
Variância explicada | 19,64 | 12,94 | ||||
H-latente | 0,93 | 0,76 | ||||
H-Observado | 0,89 | 0,76 | ||||
Fidedignidade composta | 0,92 | 0,87 | ||||
FDI | 0,96 | 0,94 | ||||
ORION | 0,93 | 0,89 |
Nota. RP=Reações Punitivas; RCE=Reações Centradas na Emoção; RM=Reações que Minimizam; RI=Reações que Incentivam; RCP=Reações Centradas no Problema; RD=Reações de Desconforto; F1=Reações não apoiadoras; F2=Reações apoiadoras; H=índice de replicabilidade; FDI=Factor Determinacy Index; ÓRION=Overall Reliability of fully-Informative prior Oblique N-EAP scores
As cargas fatoriais foram acima de 0,30 em um único fator, com exceção do item 69 que apresentou cargas cruzadas nos dois fatores. Ao analisar os índices da medida de importância de Pratt ( Wu & Zumbo, 2017 ), os resultados indicaram que o item teve 31,9% de sua variância explicada pelo Fator 1 e 68,1% da sua variância explicada pelo Fator 2, fato que justifica sua manutenção no segundo. Os índices de ajuste do modelo foram satisfatórios (χ2=902,012, gl =1033; p = 0,99; RMSEA=0,020; CFI=0,989; TLI=0,910), corroborando com a adequação da estrutura fatorial encontrada. Ainda evidenciando a adequação do modelo, os indicadores de unidi-mensionalidade Unidimensional Congruence (UniCo = 0,63), Explained Common Variance (ECV=0,61) e Mean of Item Residual Absolute Loadings (MIREAL=0,25) não indicaram a unidimensionalidade da escala ( Ferrando & Lorenzo-Seva, 2018 ).
Os índices de confiabilidade e fidedignidade foram satisfatórios, indicando boa precisão da escala. Além disso, a medida de replicabilidade foi adequada, corroborando a pertinência do modelo fatorial e a possibilidade de que este seja encontrado em outros estudos. Por fim, os thresholds não apresentaram padrões de respostas contraditórios, indicando a necessidade de um nível crescente de habilidade para que cada ponto da escala seja endossado.
Discussão
O estudo examinou as evidências de validade da estrutura interna da versão brasileira da CCNES. As propriedades psicométricas foram avaliadas por grupo etário devido às diferenças desenvolvimentais que afetam a expressão emocional infantil, as reações parentais e, potencialmente, o comportamento do próprio instrumento. No período pré-escolar, as crianças começam a reconhecer e a nomear as emoções básicas e as relacionar às suas causas, porém o fazem ainda com um repertório verbal limitado. No período escolar, as crianças aprendem que emoções contraditórias podem acontecer simultaneamente e que a memória também afeta a experiência emocional ( Pons et al., 2004 ). Essas mudanças podem trazer consequências para como os pais reagem às expressões emocionais dos filhos. Uma mudança relevante é o maior incentivo à expressão de emoções, por meio de verbalizações em detrimento de choros e birras ( Ahn, 2005 ; Shablack & Lindquist, 2019 ). Essa diferença entre os grupos etários se deve, sobretudo, ao maior repertório verbal dos escolares.
Os resultados indicaram um menor número de fatores na versão brasileira da CCNES. Para os pré-escolares, a análise revelou três fatores: (a) reações não apoiadoras (reações punitivas, reações que minimizam e reações de desconforto); (b) reações apoiadoras (reações centradas na emoção e reações centradas no problema); e (c) reações que incentivam. Para os escolares, verificou-se dois fatores: (a) reações não apoiadoras (reações punitivas, reações que minimizam e reações de desconforto); e (b) reações apoiadoras (reações que incentivam, reações centradas na emoção e reações centradas no problema).
Semelhante ao que ocorreu neste estudo, Fabes et al. (2002) identificaram divergências no número de reações investigadas e no número final de fatores. A Análise de Componentes Principais revelou quatro componentes: 1. reações que minimizam e reações punitivas; 2. reações centradas na emoção e as reações centradas no problema; 3. reações que incentivam; 4. reações de desconforto. Esses resultados já indicavam que a escala poderia apresentar uma estrutura fatorial distinta. De qualquer modo, as possibilidades de comparação dos achados deste estudo com outras versões adaptadas da CCNES são restritas, devido à escassez de investigações e às diferenças metodológicas entre os estudos.
Altan-Aytun et al. (2013) , por exemplo, ao avaliar a versão adaptada para mães turcas, conduziram análises fatoriais individuais de cada dimensão. O estudo de Melo (2005) , que adaptou uma versão reduzida da CCNES com oito situações para pais e mães portugueses, obteve resultados semelhantes aos de Fabes et al. (2002) , com uma solução forçada com quatro fatores. Apesar da semelhança entre os achados deste estudo e os obtidos por Fabes et al. (2002) e Melo (2005) , sobre as diferenças entre o número de fatores e o número de dimensões avaliadas, ressalta-se que, neste estudo, foram identificadas também diferenças no número de fatores entre os dois grupos etários, o que pode sugerir mudanças na forma de as mães responderem às emoções dos filhos, de acordo com as novas habilidades das crianças, como o aprimoramento gradativo da linguagem ( Ahn, 2005 ; Shablack & Lindquist, 2019 ).
Para os pré-escolares, em concordância com o estudo de Fabes et al. (2002) , realizado com mães de crianças entre três e seis anos, os itens das reações centradas na emoção e os das reações centradas no problema carregaram no mesmo fator, enquanto os itens das reações que incentivam carregaram em outro. Os dois fatores, apesar de representarem reações apoiadoras, parecem guardar diferenças importantes quando os itens são analisados individualmente. Para Fabes et al. (2002, p.15) , o conjunto de itens das reações centradas na emoção e das reações centradas no problema “reflete respostas apoiadoras focadas em auxiliar a criança a lidar com as respostas emocionais negativas e suas causas”. Essas dimensões parecem refletir o manejo das emoções dos filhos, ensinando-os o que fazer diante de determinada emoção e situação (ex. item de reação centrada na emoção: “Consolo meu filho e tento fazer ele se sentir melhor”; item de reação centrada no problema: “Ajudo meu filho a pensar no que pode fazer para que, ao ficar sem mim, não sinta medo. Por exemplo, brincar bastante com o amigo ou levar o livro ou o brinquedo favorito”). É possível verificar que as reações parecem refletir de modo mais contundente o papel do cuidador no manejo da emoção expressa pela criança e da situação.
Por outro lado, apesar de as reações que incentivam serem consideradas apoiadoras, elas se diferenciam das reações centradas na emoção e das reações centradas no problema, na medida em que parecem destacar a importância de a criança entrar em contato com a emoção e expressá-la (ex. “Encorajo meu filho a falar sobre o medo dele”). Isso pode ser particularmente importante para pré-escolares, pois estão em uma faixa etária em que, em geral, são mais sensíveis ao aprendizado de identificação de emoções ( Havighurst et al., 2009 ). Ademais, como normalmente nessa fase há uma ampliação dos ambientes de contato e exploração, e das habilidades cognitivas e motoras, as crianças podem estar sujeitas a diferentes intervenções sobre como expressam as emoções a depender do contexto e dos agentes de socialização presentes, e estão conhecendo o impacto de sua expressão emocional sobre o outro ( Darling-Churhill & Lippman, 2016 ). Assim, destaca-se que as reações que incentivam continuam sendo entendidas como apoiadoras, por oferecerem, oportunidades de contato da criança com o que sente, e confiança de que a expressão será acolhida pelo cuidador. Nesse sentido, a estrutura fatorial das reações apoiadoras encontrada neste estudo para os pré-escolares, pode estar indicando a primazia das reações que incentivam para essa população, cujas crianças ainda estão aprendendo a dar nome ao que sentem, diferente do que acontece com os escolares que têm um vocabulário emocional mais amplo ( Pons et al., 2004 ).
Para os escolares, as análises indicaram dois fatores. O primeiro foi formado por itens das reações punitivas, reações que minimizam e reações de desconforto, também denominado como reações não apoiadoras. O segundo fator reuniu os itens das reações centradas na emoção, reações centradas no problema e reações que incentivam. É possível que para os escolares, as reações que incentivam não tenham constituído um fator independente, por serem menos adotadas nessa faixa etária, quando as crianças tendem a apresentar maior repertório verbal e, portanto, podem ser mais exigidas a expressar emoções verbalmente ( Shablack & Lindquist, 2019 ). Dessa forma, as reações que incentivam podem ser usadas para validar a emoção da criança, e logo serem seguidas por outras reações. Esse é um importante achado a ser explorado em futuros estudos, pois pode refletir mudanças nas reações parentais à medida que a criança aprende novas habilidades. Mas, no estudo de Melo (2005) , realizado com pais de crianças entre sete e nove anos, os itens das reações que incentivam carregaram em fator distinto. Assim, as diferenças encontradas nos fatores entre os dois grupos devem ser analisadas com cautela e aspectos socioculturais devem ser considerados.
Para ambos os grupos, pelo menos um item não carregou em nenhum fator, sugerindo a necessidade de revisão, em especial, dos itens das reações de desconforto. Apenas dois itens da dimensão, dos oito incluídos nas análises, carregaram no fator, para o grupo de pré-escolares, enquanto para o grupo de escolares, seis dos oito itens, carregaram. Talvez, as emoções difíceis sejam mais toleradas quando expressas por crianças mais novas, assim, as reações de desconforto não fariam parte de forma expressiva do cotidiano das mães dessas crianças, em comparação às mais velhas, das quais seria esperado maior uso de verbalizações.
Por outro lado, para os dois grupos, apenas um item de reações que minimizam (“Digo a meu filho que ele vai se sentir melhor em breve”) não carregou no fator 1 (reações não apoiadoras), conforme esperado. Para o grupo de escolares, esse item carregou no fator 2 (reações apoia-doras). A afirmativa contida no item difere dos outros itens das reações que minimizam que, em geral, destacam que a criança está reagindo de forma exagerada à situação ou que a sua reação não condiz com a sua idade. Sugere-se que futuros estudos avaliem a adequação do item. A afirmativa, por focar na emoção da criança, com a indicação de que é uma sensação passageira, uma informação relevante para a criança aprender a manejar o que sente, parece com os itens que compõem as reações centradas na emoção.
Por fim, destaca-se que a dimensão de reações que ignoram foi retirada das análises, pois a permanência diminuiu a qualidade da versão adaptada. Essa dimensão não faz parte da versão original, sendo incluída e avaliada somente por Mirabile (2015) . A proposta de inclusão visa tornar a escala mais completa, abrangendo mais reações. Contudo, parece ser necessária uma revisão da escrita dos itens, pois apesar de refletirem reações de pais brasileiros em interação com os filhos, supõe-se que as mães concordaram menos com os itens devido à desejabilidade social. Os itens, como “Ignoro meu filho até ele parar de chorar” ou “Ignoro o medo do meu filho”, podem refletir reações socialmente menos apropriadas e as respondentes podem ter se sentido menos confortáveis em relatar o seu uso. Sugere-se que essa dimensão seja revista, para que a escrita não seja relevante para a resistência dos respondentes, dificultando o acesso às reais reações parentais diante das emoções dos filhos. Além da linguagem dos itens, é necessário considerar que ignorar menores instâncias de expressão de medo, tristeza ou raiva, pode, em contextos específicos, ser uma reação assertiva dos pais. Assim, quando a criança simula uma emoção, em busca de atenção, por exemplo, é natural e esperado que os pais ignorem, de modo a não incentivar esse comportamento. Isso pode justificar a inconsistência dos achados e indica a necessidade de reconsiderar a classificação das reações que ignoram como reações exclusivamente não apoiadoras.
Outra dimensão que exige uma análise cuidadosa é a de reações de desconforto. Dos 12 itens, quatro envolvem negações (ex. “Não fico aborrecido com a atitude do meu filho”), o que exige a codificação inversa e pode dificultar a compreensão das respondentes, especialmente as com menor escolaridade. Assim, os itens negativos foram retirados, pois, a permanência também diminuiu a qualidade da adaptação. Ademais, como já destacado, especialmente para os pré-escolares, boa parte dos itens da dimensão não carregaram em nenhum fator. Ressalta-se que essa é uma dimensão que em diferentes estudos tem apresentado baixo valor de alfa (ex. Altan-Aytun et al., 2013 ; Lins et al., 2017 ; Melo, 2005 ).
Assim, os achados do estudo ratificam a sugestão de Lins et al. (2017) de que talvez as reações de desconforto sejam mais típicas entre pais norte-americanos ou que a adaptação dos itens deve ser revista para que a escrita seja mais adequada à realidade brasileira. Destaca-se que Fabes et al. (2002) verificaram que essa dimensão foi a única negativamente relacionada à medida de desejabilidade social. Esse achado levou os autores a enfatizar a importância de comparar achados da CCNES a medidas de observação da interação entre pais e filhos. Em relação aos índices de precisão e de confiabilidade dos fatores, os valores foram adequados para os dois grupos etários. As medidas de replicabilidade indicaram boa estabilidade do modelo, o que fornece evidências de que há diferenças na forma como o construto é compreendido por mães de crianças em diferentes faixas etárias, justificando a manutenção de versões diferentes do instrumento. Ademais, os thresholds indicam a necessidade de nível crescente de habilidade para endosso das categorias de respostas, sendo esse um padrão desejado nos instrumentos.
Este estudo apresenta limitações. A amostra foi composta somente por mães. Assim, futuros estudos devem investigar a escala a partir de outros informantes, como os pais ou outros cuidadores. Ademais, a amostra foi recrutada em dois grandes centros urbanos (Rio de Janeiro e Salvador). De qualquer modo, as cidades estão em regiões distintas, com diferenças socioculturais importantes. Mas, devido à diversidade de contextos socioculturais brasileiros, próximos estudos devem incluir contextos rurais. Verificou-se também uma diferença significativa entre os grupos na escolaridade parental e na renda familiar. Essas variáveis podem ter um impacto nos resultados, em especial a escolaridade, por ser preditora das reações parentais ( Shaffer et al., 2012 ). Os itens que não carregaram em nenhum fator devem ser cuidadosamente analisados, pois a escrita pode não estar adequada ao contexto brasileiro, e as estratégias declaradas podem não refletir nuances das reações de pais brasileiros. Assim, os resultados de cada dimensão possibilitam a tomada de decisões metodológicas e técnicas. Por exemplo, as reações de desconforto, quando aplicada a pais de pré-escolares, deve ser analisada com cautela ou ser excluída das análises.
Apesar dessas considerações, os achados mostram que a versão brasileira da CCNES tem propriedades semelhantes às verificadas em outras adaptações, o que pode refletir na ampliação de possibilidades de investigação da socialização emocional no Brasil, onde faltam instrumentos padronizados para o estudo dessa dimensão da parentalidade. Os resultados parecem indicar particularidades socioculturais a serem exploradas, assim como as relações entre as reações parentais e outros construtos, como as crenças parentais sobre as emoções dos filhos. Por fim, os resultados indicam implicações de características do desenvolvimento emocional em diferentes fases da infância para as reações dos pais. Essas diferenças merecem ser melhor investigadas e consideradas na construção e a na adaptação de instrumentos.