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Psicologia em Revista
Print version ISSN 1677-1168
Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.19 no.1 Belo Horizonte Apr. 2013
ARTIGOS
DOI - 10.5752/P.1678-9563.2013v19n1p17
O desenvolvimento da habilidade de solução de problemas interpessoais e a convivência na escola
The development of interpersonal problem-solving ability and interaction in school
El desarrollo de la capacidad de resolución de problemas interpersonales y la convivencia en la escuela
Denise da Silva Maia;* Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo**
Resumo
A escola é responsável pela gestão da convivência e por proporcionar aos alunos aprendizagens que levem à competência social. O desenvolvimento de habilidades sociais, como solução de problemas interpessoais, está relacionado à redução de conflitos e dificuldades comportamentais e emocionais. Este artigo apresenta um relato de experiência profissional com o desenvolvimento de habilidades de solução de problemas interpessoais com alunos do 4º ano do ensino fundamental I do Colégio Israelita Brasileiro. Foi observado que o trabalho com as habilidades de solução de problemas interpessoais na escola é fundamental para o manejo dos conflitos. O artigo possibilitou reflexões sobre a gestão da convivência na escola por meio do trabalho com habilidades sociais.
Palavras-chave: Habilidades sociais. Solução de problemas. Socialização. Ensino fundamental.
Abstract
The school is responsible for managing co-existence and to provide students learning that leads to social competence. The development of social skills such as interpersonal problem solving is related to reduced conflict and emotional and behavioral difficulties. This article presents an account of professional experience with the development of skills in interpersonal problems solving with students from 4º grade of elementary school I of Colégio Israelita Brasileiro. It was noted that work on the skills of interpersonal problem solving in school is critical to the management of conflicts. The article provides reflection on management of relationships in school through work with social skills.
Keywords: Social skills. Problem solving. Socialization. Elementary education.
Resumen
La escuela es responsable de la gestión de la convivencia y de proporcionar a los alumnos aprendizajes que lleven a la competencia social. El desarrollo de habilidades sociales, tales como la resolución de problemas interpersonales, tiene relación con la reducción de conflictos y dificultades conductuales y emocionales. El presente artículo presenta un relato de una experiencia profesional con el desarrollo de habilidades de solución de problemas interpersonales con alumnos de la educación primaria del Colegio Israelita Brasileño. Fue observado que el trabajo con las habilidades de solución de problemas interpersonales en la escuela es fundamental para el manejo de los conflictos. El artículo permitió reflexionar sobre la gestión de la convivencia en la escuela a través del trabajo con habilidades sociales.
Palabras clave: Habilidades sociales. Solución de problemas. Socialización. Enseñanza de primer grado.
Introdução
A escola, além de ser um local de formação acadêmica, é um complexo cenário de convivência, formado por redes sociais de participação. Na escola, diferentes redes se organizam e se mantêm em funcionamento: as relações entre os adultos, entre os adultos e os alunos e destes entre si (grupo de iguais).
Conflitos são inevitáveis no contexto da convivência humana, e não há soluções fáceis ou receitas mágicas para as questões decorrentes de coexistirmos. Pelo contrário, a literatura aponta que a cada escola compete a elaboração e a realização de seu próprio projeto de convivência, baseado em atitude investigadora e espírito crítico (Ruiz, Del Rey & Gómez, 2002; Ruiz, 1997). Nossa tarefa, como educadores, desdobra-se em dois planos: por um lado, fazer a gestão da convivência e, por outro, proporcionar aos alunos vivências e aprendizagens que os levem à competência social.
Neste artigo, abordamos um projeto realizado para melhorar a convivência na escola com base no desenvolvimento de habilidades sociais. Descrevemos uma experiência promovida com alunos do 4º ano do ensino fundamental I com ênfase no desenvolvimento da habilidade social de solução de problemas interpessoais.
Fundamentos
No Colégio Israelita Brasileiro, escola particular de Porto Alegre, foi elaborado, a partir de 2006, o projeto "Aprender a Conviver na Escola", destinado à educação infantil e ao ensino fundamental I. Suas principais metas estão relacionadas ao aprendizado da convivência, à educação em valores e à prevenção do bullying. A elaboração do projeto foi precedida de uma caminhada teórico-prática e pela intenção de enfatizar uma abordagem preventiva. Dessa forma, concluímos ser importante realizar ações específicas que possibilitassem o desenvolvimento de habilidades sociais entre as crianças e, consequentemente, a melhora da convivência. Esse aspecto é fortemente recomendado na literatura sobre bullying, especialmente nas experiências realizadas nas escolas públicas espanholas (Borrego de Diós, 1992; Ruiz, 1997; Ruiz, Del Rey & Gómez, 2002).
O desenvolvimento de habilidades sociais consiste em uma intervenção de caráter preventivo, e considera-se que todos os escolares serão beneficiados, já que o desenvolvimento de habilidades aumenta sua resistência emocional (Barrett & Turner, 2001). Del Prette e Del Prette (2005) definem as habilidades sociais como um repertório de comportamentos sociais que contribui ativamente para a competência social do indivíduo, favorecendo relacionamentos saudáveis e produtivos com as outras pessoas. Os autores propõem sete classes de habilidades sociais prioritárias no desenvolvimento social da criança: autocontrole e expressividade emocional, empatia, fazer amizades, civilidade, assertividade, solução de problemas interpessoais e habilidades sociais acadêmicas. O Colégio Israelita Brasileiro adota essa classificação e prevê o trabalho de todas essas classes no período entre educação infantil e o 4º ano do ensino fundamental I, suportado pelo projeto Aprender a Conviver na Escola (Chem et al., 2007).
Um repertório elaborado de habilidades sociais e a competência social na infância estão diretamente relacionados ao bem-estar e são fatores de proteção a um desenvolvimento saudável, já que aumentam a capacidade da criança em lidar com situações adversas e estressantes (Del Prette & Del Prette, 2005; Maia, 2006). As crianças que conseguem lidar de forma adequada com adversidades têm senso de autoeficácia e autocompetência, são socialmente mais perceptivas, são capazes de despertar atenção positiva das outras pessoas, têm habilidades de resolução de problemas, habilidade de solicitar ajuda de outras pessoas quando necessário e acreditam que podem influenciar positivamente o seu ambiente (Maia, 2006). O trabalho focado no desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais em crianças pode resultar em redução de respostas agressivas ao ambiente, aumento da inclusão com pares e grupos pró-sociais, e maior sucesso acadêmico (Bandeira et al. 2006b; Stevanato, et al., 2003; Webster-Stratton & Reid, 2004).
A infância tem sido apontada como um período crítico para o desenvolvimento de habilidades sociais, de forma que estimular essas habilidades requer trabalhar com estratégias de enfrentamento adaptativas e funcionais, e, por conseguinte, prevenir a ocorrência futura de dificuldades intra e interpessoais (Bandeira et al., 2006a; Webster-Stratton & Reid, 2004). Assim como um repertório adequado de habilidades sociais está relacionado a um desenvolvimento satisfatório, o déficit pode acarretar problemas comportamentais e emocionais. Essas dificuldades ocorrem, de modo geral, por causa de um repertório de habilidades sociais pobre, principalmente em termos de empatia, expressão de sentimentos e resolução de problemas. A competência do indivíduo em relação a essas habilidades depende de fatores cognitivos e emocionais, tais como baixa autoestima, baixo autoconceito, crenças e atribuições disfuncionais, impulsividade e temperamento difícil, entre outros (Cia & Barham, 2009; Del Prette & Del Prette, 2005).
A abordagem dessas questões deve, obrigatoriamente, levar em conta o nível de desenvolvimento em que se encontram as crianças, ou seja, intervir na zona de desenvolvimento proximal. Referimo-nos aqui ao conceito proposto por Vigotskiy (1991), que o define como aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação e presentes em estado embrionário. Aquilo que hoje é a zona de desenvolvimento proximal será o nível de desenvolvimento real amanhã (ou seja, aquilo que a criança pode fazer com assistência hoje, ela o será capaz de fazer sozinha amanhã). Assim, o desenvolvimento de habilidades sociais busca levar cada criança a um novo patamar em seu desenvolvimento, aquele possível de ser atingido naquele momento (Borges & Marturano, 2010).
Ao tomarmos o nível de desenvolvimento como ponto de partida, devemos considerá-lo em três dimensões (cognitiva, afetiva e moral) e proporcionar que as crianças desenvolvam diferentes habilidades, relativas a essas áreas (Morales, 2009). Para se tornar socialmente competente, uma criança precisa saber fazer(buscar soluções alternativas para um conflito, por exemplo, baseadas nos princípios da cooperação e da reciprocidade); querer fazer(não por estar coagida ou pressionada, mas porque acredita na legitimidade de suas ações) e ser capaz de fazer (ou seja, dispor de autocontrole suficiente para lidar com suas emoções) (Borges & Marturano, 2010). Desenvolver certa competência nos três aspectos é essencial para uma convivência satisfatória para todos os envolvidos.
Neste artigo, o foco se centra no trabalho com a habilidade de solução de problemas interpessoais, abordagem apontada na literatura como fortalecedora da competência social em crianças (Webster-Stratton & Reid, 2004). Os problemas interpessoais estão presentes no dia a dia de todos e, conforme as crianças crescem e seu repertório de habilidades se amplia, espera-se que elas possam, de forma mais autônoma, solucionar seus problemas interpessoais. O objetivo dessa habilidade, que está amplamente articulada às demais, é garantir maior satisfação pessoal e manutenção da qualidade das relações (Del Prette & Del Prette, 2005). Outras habilidades sociais, como civilidade ou assertividade, são demandadas para a solução de problemas, além de fatores cognitivos, afetivos e comportamentais (Del Prette & Del Prette, 2005).
As habilidades de solução de problemas são definidas por um processo metacognitivo que envolve a compreensão da natureza do problema e a identificação de soluções eficazes para a modificação da situação ou mesmo das reações à situação problemática, reduzindo ou modificando as emoções negativas geradas pela situação. (Nezu, 1986; D'Zurilla & Nezu, 2010). As habilidades de solução de problemas consistem em um processo de aprendizagem que promove uma tomada de decisão cautelosa e reflexiva, pois facilitam a análise das consequências de cada comportamento emitido e permitem a escolha e implantação da alternativa mais adequada ao conflito, evitando a emissão de respostas agressivas e fortalecendo o autocontrole (Borges & Marturano, 2009). Essas habilidades, após serem aprendidas, tendem a levar a criança a enfrentar problemas de modo mais adaptativo e saudável. As soluções pensadas pela criança devem fazer parte de sua possibilidade e capacidade de ação, reduzindo as frustrações, a ansiedade e formulando expectativas reais sobre o comportamento do outro (Rodrigues, Dias & Freitas, 2010). Há evidências de que crianças que empregam soluções de problemas apropriadas engajam-se em brincadeiras mais construtivas, são mais apreciadas por seus pares e são mais cooperativas em casa e na escola (Webster-Stratton & Reid, 2004).
Intervenções focando o desenvolvimento de habilidades de solução de problemas em escolares estão relacionadas a uma melhora cognitiva da capacidade de solução de problemas, aumento de comportamentos pró-sociais e diminuição de comportamentos considerados antissociais, e aumento da sensibilização do outro na resolução de problemas. Também é relatada a diminuição das soluções de força, com aumento de soluções de negociação e espera de oportunidades e redução no número de conflitos envolvendo crianças com comportamentos agressivos (Borges & Marturano, 2003). Tomando como ponto de partida o desenvolvimento de habilidades de solução de problemas interpessoais na escola, este artigo apresenta um relato de experiências com o trabalho dessa habilidade com social.
Método
Ensinar convivência não é um tema, mas uma prática, uma lição viva e diária; por isso, o único caminho é a cooperação, o diálogo e a confrontação crítica e respeitosa de ideias. Tudo isso Wwse consegue melhor quando se trabalha em grupo e em cooperação (Ruiz, Del Rey & Gómez, 2002, p. 74).
A metodologia utilizada é a de oficinas de dinâmica de grupo, que podem incluir exposição oral de conceitos, discussões, brainstorming, role playing e atividades escritas. As atividades foram realizadas com toda a turma de 4º ano do ensino fundamental I no Colégio Israelita Brasileiro, na cidade de Porto Alegre-RS. As sessões de trabalho foram semanais de 50 minutos cada, transcorridas durante todo o período do ano letivo. As atividades foram preparadas pela estagiária de Psicologia responsável pelo acompanhamento da turma, sob supervisão da psicóloga da escola e planejadas buscando atingir um nível cognitivo, moral e afetivo, levando em consideração a etapa desenvolvimental dos alunos (Borges e Marturano, 2010; Morales, 2009). Foram aplicadas em parceria com a professora regente, que também contribuiu com críticas e sugestões.
A cada semana, foram preparadas atividades específicas para cada turma, levando em conta suas características, as singularidades de cada grupo, suas reações no(s) encontro(s) anterior(es), percepções dos adultos envolvidos (estagiária, professora, psicóloga), etc. Assim, cada trajetória é única e imprevisível, pois se dá com base na interação do movimento do grupo e dos olhares e escutas daqueles que com ele trabalham.
Relato de experiência com a habilidade de solução de problemas interpessoais
A turma do 4º ano do ensino fundamental I é composta por 26 alunos, distribuídos igualmente entre os sexos e com idades entre 9 e 10 anos. Vale ressaltar que esses alunos vêm trabalhando com habilidades sociais desde o 1º ano do ensino fundamental I, por meio do mesmo projeto aqui enfocado (Aprender a Conviver na Escola); portanto, estão acostumados a tratar de problemas como convivência e resolução de conflitos no contexto de sala de aula. As principais demandas a serem trabalhadas com a turma envolveram situações de conflito interpessoal, como agressões verbais e não verbais e exclusão, que foram abordadas sob o enfoque da convivência e do respeito.
A inserção da estagiária foi precedida por um período de um mês de observação, no qual foi observada a interação das crianças nos contextos escolares, a fim de conhecer as crianças e se aproximar das demandas trazidas pela turma. A observação é uma estratégia de avaliação do psicólogo, além de ser apontada como uma metodologia de trabalho na Psicologia escolar e fundamental no contexto do trabalho com habilidades sociais em crianças (Martins, 2003; Silva Filho, 2004).
Para dar início à abordagem do tema de solução de problemas interpessoais, buscou-se explorar conceitualmente o tema, a fim de fornecer às crianças os conceitos básicos envolvidos da habilidade de solução de problemas interpessoais. Com esse propósito, foi realizado um brainstorming sobre o que elas pensavam significar essa habilidade, estimulando-as em um nível cognitivo (Borges & Marturano, 2010; Morales, 2009).
As primeiras ações envolveram atividades de escrita sobre problemas que podem ocorrer entre crianças na escola, nas quais os alunos teriam de pensar em uma solução. As crianças responderam bem às tarefas propostas, mas as soluções encontradas eram superficiais, sem considerar a complexidade de algumas situações. Sabe-se que, além de instruir acerca de conceitos que regem a convivência, é necessário atuar na motivação para ações coerentes com justiça, reciprocidade e cooperação (Borges & Marturano, 2010). Ainda, percebeu-se que os alunos encontravam como solução para certos problemas de relacionamento pedir a ajuda da professora. Foi discutido que, antes de buscar ajuda externa, os alunos poderiam tentar resolver alguns problemas sozinhos. É fundamental incentivar as crianças quanto às suas responsabilidades nos problemas interpessoais, e, portanto, quanto às suas potencialidades como agentes de mudança (Del Prette & Del Prette, 2005).
Devido à falta de autonomia encontrada em algumas situações de conflito, foram planejadas atividades de role playing (dramatizações). O uso dessa técnica oferece às crianças a oportunidade de experimentar novas estratégias em uma situação não ameaçadora (Webster-Stratton & Reid, 2004). Como estímulo, foi oferecida uma vinheta de uma situação em que um time que perdera um jogo recebia zombarias do time adversário em uma aula de Educação Física. A tarefa era realizar um desfecho positivo para aquele problema interpessoal. Ao final da apresentação de cada grupo, era realizada uma pequena discussão sobre a solução. Um grupo apresentou como solução ir falar com o professor de Educação Física. Portanto, a discussão foi acerca do que eles poderiam ter feito antes de chamar o professor. Uma criança do próprio grupo sugeriu: "É, poderíamos ter tentado falar com eles de uma forma assertiva, sem gritar". Nesse momento, pudemos retomar o conceito de assertividade e relacionar a importância de atitudes assertivas para uma solução adequada de um problema interpessoal (Del Prette & Del Prette, 2005).
A busca de soluções alternativas e o pensamento consequencial são fundamentais para a o manejo de conflitos, uma vez que as crianças aprendem a perceber outras opções de ação ante os problemas interpessoais (Borges & Marturano, 2010). Assim, essa é uma habilidade cognitiva que envolve definir uma situação humana interpessoal, identificar a existência de um problema, imaginar o maior número de decisões alternativas de solução, prever as consequências e percebê-las com base na perspectiva do outro (Del Prette & Del Prette, 2005; Morales, 2009; Webster-Stratton & Reid, 2004). Com o intuito de trabalhar essa habilidade, foram trabalhados com os alunos os passos para a solução de problemas interpessoais (Del Prette e Del Prette, 2005). Para exercitar o que foi exposto, a turma foi dividida em grupos, que trabalharam com situações-problema. A tarefa era identificar o problema, levantar todas as alternativas de solução, avaliá-las de acordo com seus prós e contras e melhor alternativa, levando em consideração os aspectos morais e afetivos das soluções (Morales, 2009).
No contexto educacional, um dos desafios é associar os conceitos trabalhados à realidade dos alunos, o que contribui para suscitar novos interesses e despertar o desejo para as aulas, de forma a motivá-los e torná-los mais predispostos à mudança (Böck, 2008). Assim, optou-se por usar situações de desenhos animados que os alunos se interessassem, escolhidos por meio de votação com a turma. Foi escolhido um episódio de um desenho no qual a personagem estava contrariada quanto à decisão de destino de um passeio com a família. Foi proposta uma discussão, no grande grupo, acerca dos passos para a solução de problemas interpessoais (Del Prette & Del Prette, 2005). "R." falou: "Se ela tentar se divertir, pode ser que ela consiga e seu dia seja bem legal. Isso já aconteceu comigo, e, quando fiquei bravo, acabei brigando com quem estava comigo, e não foi nada legal". "M." completou: "Pra ela tentar se divertir, ela tem que tentar não brigar com sua família".
Nesse ponto, foi discutido com a turma sobre a parcela de responsabilidade de cada um dos envolvidos em um problema interpessoal, bem como acerca da importância de assumi-la para poder agir em prol da solução (Del Prette & Del Prette, 2005). "U." afirma: "Com as outras alternativas, como dizer que queria ir em outro lugar, ela pode se desentender com sua família e, além de que talvez eles não deixem ela ir, eles podem ficar muito chateados". Foi reforçada com a turma a importância de encontrar soluções que sejam socialmente aceitáveis, bem como foi retomado o conceito de empatia (Del Prette & Del Prette, 2005). Algumas aquisições de habilidades empáticas são mais fáceis de ocorrerem na infância, o que confere grande importância à estimulação dessa habilidade na escola (Pavarino, Del Prette & Del Prette, 2005).
Na atividade seguinte, foram empregadas as metáforas do semáforo, da balança (Petersen & Wainer, 2011) e do brainstorming (Dell'Aglio Júnior & Petersen, 2011), componentes do programa Stop and Think (Kendall & Braswell, 1993), a fim de auxiliar visualmente os passos da solução de problemas. A figura do semáforo simboliza a ação de parar e pensar quando existe um problema, ou seja, não agir por impulso. A imagem do cérebro simboliza o brainstorming, componente da solução de problemas que estimula a pensar em diversas soluções, sem um julgamento prévio, a fim de aumentar as chances de identificar as mais eficazes (Dell'Aglio Jr. & Petersen, 2011; Nezu & Nezu, 1996). Por fim, a balança representa o pensamento consequencial, por meio da avaliação dos prós e contras das possíveis soluções (Kendall & Braswell, 1993). As imagens foram associadas ao passos para a solução de problemas por meio de uma atividade escrita com uma vinheta de um problema fictício.
Usando a mesma metodologia dos passos para a solução de problemas e das imagens, foi solicitado aos alunos que eles identificassem problemas vividos por eles mesmos para que pudessem pensar nas soluções. "B." falou: "É que eu tenho um problema que não tem solução. Meu pai vai morar longe". "A": "Meu problema não é exatamente meu, eu estou envolvida nele, o que eu faço pode mudar o que está acontecendo. É, na verdade acho que agora é um problema meu, porque eu estou vivendo ele". Foi trabalhado com os alunos que, muitas vezes, a solução para um problema não é fazer com que ele pare de acontecer, mas fazer com que aquela situação pare de ser incômoda e de prejudicar os envolvidos. Assim, encarar a situação de uma outra maneira pode ser uma das soluções.
Considerações finais
[...] relacionamentos sem conflitos não existem. Em vez de acreditarem que o conflito acaba com o relacionamento, as crianças poderiam aprender que nenhum relacionamento sobrevive sem conflito (Simmons, 2004, p. 306-307).
Como psicólogos escolares, colocamo-nos o desafio de formular uma proposta para trabalhar a convivência, assumindo que o desenvolvimento social e afetivo das crianças também é atribuição da instituição escolar. Não se trata de uma tarefa simples ou fácil, assim como também nunca o é a própria convivência. São requeridas ações constantes, insistentes, às vezes até cansativas para os adultos, a fim de obter pequenos avanços. Contudo, apostamos na ideia de que as pequenas conquistas realizadas pelos alunos sinalizam a construção de um novo caminho, de novas subjetividades e de formas mais satisfatórias de convivência, tão necessárias ao mundo contemporâneo.
As habilidades sociais estão em constante aprimoramento e desenvolvimento (Del Prette & Del Prette, 2005). O trabalho de desenvolvimento dessas habilidades no contexto escolar tem por objetivo fornecer ferramentas e oportunidades para que as crianças possam aprender sobre suas responsabilidades e potencialidades na gestão da convivência. Nesse contexto, o trabalho com as habilidades de solução de problemas interpessoais é fundamental para que os alunos aprendam sobre suas capacidades de resolver seus próprios conflitos diários, apropriando-se de suas responsabilidades nos problemas interpessoais. Conforme supracitado, essa habilidade envolve outras classes de habilidades sociais, tais como empatia e assertividade (Del Prette & Del Prette, 2005; Pavarino, Del Prette & Del Prette, 2005). É interessante observar o progresso e as conquistas dos alunos, que avançam no decorrer de cada atividade, de cada intervenção. Eles mesmos percebem suas capacidades e aprendem a cada experiência bem ou malsucedida. Certamente é papel dos adultos sinalizarem esses avanços, para que as tentativas de acerto posteriores sejam realizadas com a bagagem das aprendizagens prévias.
A ênfase nos níveis cognitivo, afetivo e moral é fundamental para um trabalho completo. Algumas atividades não conseguem abarcar os três níveis de entendimento, pois, algumas vezes, as crianças não têm capacidades desenvolvimentais de perceberem alguns aspectos morais (Morales, 2009). No entanto, quando os alunos conseguem atingir esses níveis, é visível que as atividades são ainda mais enriquecedoras. Vale ressaltar que a atenção aos níveis de desenvolvimento psicossociais são cruciais para o planejamento e o desfecho das intervenções. Assim, as crianças são levadas a avançar em suas próprias etapas desenvolvimentais.
Como Simmons (2004), também acreditamos que os conflitos são inerentes e necessários aos relacionamentos. Nesse sentido, os conflitos cumprem a positiva função de oxigenar e catalisar o desenvolvimento. É essencial, contudo, que aprendamos a enfrentá-los e a resolvê-los. Trata-se, certamente, de uma aprendizagem permanente e nunca completamente finalizada. Acreditamos que, se a escola, de forma intencional e sistemática, proporcionar também essa aprendizagem, estará cumprindo um papel social de extrema relevância.
Referências
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* Mestra em Educação pela UFRGS, psicóloga, especialista em Psicologia Escolar e Educacional, especialista em Psicopedagogia. E-mail:denisedsmaia@gmail.com.
** Mestranda em Psicologia (área de concentração: Cognição Humana), pela PUC-RS, psicóloga (PUC-RS). E-mail:beatrizlobo.m@gmail.com.