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Revista da SPAGESP
Print version ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP vol.9 no.2 Ribeirão Preto Dec. 2008
ARTIGOS
A alienação mental e suas (re) produções na contemporaneidade 1
The insanity and (re) production in contemporary
Y la locura (re) producción en la contemporáneo
Leandro Anselmo Todesqui Tavares 2; Francisco Hashimoto 3
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP
RESUMO
O presente artigo faz uma reflexão acerca do conceito de “alienação mental” forjada no decorrer do século XVIII, momento em que a loucura é denominada e reconhecida como doença mental. A alienação mental é entendida então como um produto das práticas que agiam sobre a doença mental, intervenções que atuavam como dispositivos institucionais e que produziam determinadas formas de subjetivação. Propõe-se, desta forma, pensar sobre os dispositivos alienadores na atualidade, em especial as práticas médicas com relação à subjetividade, incluindo aí a crescente medicalização indiscriminada dos indivíduos.
Palavras-chave: Alienação; Contemporaneidade; Medicalização.
ABSTRACT
This article is a reflection on the concept of “mental alienation” forged during the séc. XVIII, when the madness is known and recognized as a mental illness. The mental alienation is seen as a product of the practices that working on mental illness, interventions that working as institutional arrangements that produced and certain forms of “subjetivação”. It is proposed to think about the devices “alienadores” at the present time, especially medical pratices with respect to the subjectivity, including where the growing medicalization oh individuals indiscriminately.
Keywords: Alienation; Contemporary; Medicalization.
RESUMEN
Este artículo hace una reflexión sobre el concepto de "locura" forjado durante el séc. XVIII, cuando la locura es conocida y reconocida como enfermedad mental. La locura es entendida como un producto de las prácticas que actúan sobre la enfermedad mental, las intervenciones que sirvió de marco institucional y a la producción de determinadas formas de subjetividad. Es, por tanto, pensar en los productos se venden hoy en día, las prácticas médicas, especialmente con respecto a la subjetividad, incluyendo que la creciente medicalización de las personas indiscriminadamente.
Palabras clave: La alienación; Contemporáneo; Medicalización.
A LOUCURA COMO DOENÇA MENTAL
Na passagem do séc. XVII ao XVIII a loucura ganha o status de alienação mental, sendo então considerada uma “doença mental”. Um mal que abate o sujeito privando-lhe das faculdades da razão, caracterizando-o como que entregue às malhas do desatino e dos desejos desenfreados, indivíduo que não pode ser responsabilizado por seus atos dado sua incapacidade de julgamento sobre si mesmo e sobre as coisas do mundo de uma forma geral. É em torno desta concepção que as práticas psiquiátricas vão se delineando como dispositivos alienantes sobre loucura neste período. A partir desta pré-concepção sobre a doença mental é que vão se construindo as maneiras bem especificas e características desta época de se intervir sobre estes estados.
Ao mesmo tempo em que os hospitais psiquiátricos tornam-se um lugar privilegiado para a construção do saber sobre a loucura, estes atuam também como dispositivos institucionais e, principalmente, como produtores de realidades, como diz Foucault (2005), no sentido de que se produzem realidades a partir de sua prática. Todo o aparato conceitual e estratégico de se intervir sobre a loucura, incluindo aí o internamento e isolamento como marcos principais, produzem a própria alienação mental que tinham como intenção curar. A figura do médico é identificada como o “mestre da loucura”, detentor do saber sobre estas condições, figura de autoridade suprema sobre o conhecimento das etiologias e das formas de tratamento para os doentes da época.
Toda esta visão, impregnada em seu âmago de preceitos morais, destinava à loucura um lugar de erro, de desvio de conduta, uma caricatura do sem-sentido, uma vez que o louco não poderia responder de forma adequada e aceitável às normas sociais. Fica claro que neste período a loucura se enunciava especificamente pela descrição de um estado em que se atribuía ao sujeito as características de um estar “fora-de-si”.
Ao considerar o sofrimento psíquico sob esta ótica, justificava-se o internamento para o saber da época, como forma de isolar o louco do restante da sociedade, a fim de lhe assegurar um espaço sem interferências do meio externo que não alterassem as observações médicas, ao mesmo tempo em que resguardaria a sociedade do contato desagradável e perigoso com o louco. Perigoso, pois a doença mental foi durante muito tempo comparado à criminalidade (BIRMAN, 1978).
É evidente neste período, que o parâmetro de comparação e alicerce em que se apoiavam as concepções de normal e patológico estava intrinsecamente ligado à noção de razão/juízo. A razão, aqui, é considerada como um bem elevado da condição humana, um dos atributos altamente valorizados do homem social que por intermédio do juízo e da vontade pode controlar seus impulsos e desejos.
A loucura, em toda sua história sempre teve seu lugar pouco definido, e assim os asilos e prisões tinham em seu contingente toda uma mistura de sujeitos alocados num mesmo lugar, sendo identificados sob os mesmos rótulos, independentemente das suas naturezas distintas. Misturavam-se os loucos com os doentes da lepra, com os indigentes, os desabrigados, os estrangeiros, os abandonados, os vagabundos, os mal-feitores, e também com os criminosos causadores de delitos. Provém daí a co-relação da loucura com a periculosidade enquanto um potencial criminoso que põe em risco toda a sociedade de uma forma geral.
Todos estes detalhes, que regem o imaginário social e especializado sobre a loucura neste período, destinam a esse sofrimento o isolamento como medida mais eficaz para se tratar deste mal e, ao mesmo tempo, proteger a sociedade comum da periculosidade dos doentes. Como Birman nos aponta, [...] a cura psiquiátrica é essencialmente um tratamento moral[...]. Toda a ordenação dos loucos num espaço controlado, num ritmo controlado, tem por objetivo efetivar o controle das paixões e dos afetos (BIRMAN, 1978, p. 35).
O desenvolvimento da medicina social no séc. XVIII é caracterizado fundamentalmente pelas medidas de quarentena e pelos mecanismos de exclusão implícitos neste processo, que tinham por objetivo isolar os doentes para assim proteger o espaço público das mazelas das doenças. É o sonho político-médico da purificação do espaço urbano que as medidas de quarentena visavam concretizar. Como não poderia ser diferente, a psiquiatria se desenvolve dentro dos mesmos axiomas da medicina característica desta época, e é dentro desta perspectiva que a loucura se vê aprisionada nas casas de internamento, asilos e hospitais gerais.
Nestas condições, a Psiquiatria muito antes de funcionar como um campo de produção de conhecimento e Saber sobre determinado objeto, no caso, a doença mental, antes, viabiliza um ideal de higienização pública, a purificação do espaço social. Conforme Foucault (1979): A prática do isolamento além de resguardar o espaço urbano do patógeno em potencial, tinha também o intuito de criar um lócus de observação, estudo, sistematização e produção de saber sobre as doenças. No caso das doenças mentais é o “jardim das espécies”, assim designado por Foucault (2005) em sua Historia da Loucura, o lugar de conhecimento das doenças mentais, bem como lugar também de sua produção propriamente dita.
A medicina psiquiátrica deste período isola o louco por este ser considerado sofredor da alienação mental. A loucura dentro deste conceito era representada e entendida como uma des-razão, um não-ser, um abalo das paixões e dos afetos que atentavam contra a razão do doente, privando assim este dos atributos norteadores da racionalidade encontrada então nos indivíduos ditos normais. Neste sentido, a loucura ganha o status de desatino, uma vez que é relacionada à dimensão do erro, do falso, do sem juízo, e em última instância do completo sem-sentido. O sujeito doente, por este viés, não pode sequer responder por suas responsabilidades, uma vez que está fora-de-si, fora do campo norteador e controlador da razão.
Assim, todo o discurso sobre a loucura que é construído pela medicina psiquiátrica desta época coloca em evidência a dimensão negativa da expressão da loucura. Não é possível considerá-la em termos de positividade de alguma expressão sobre a condição humana, antes apenas, é considerada toda sua expressão enquanto negatividade, uma vez que esta sempre é comparada com os primados da razão. Tudo que é subtração, erro, desajuste de costumes e comportamentos socialmente aceitos, estranho, incompreensível sob o olhar médico (mestre da loucura) é catalogado como alienação mental e, subsequentemente esquadrinhado nos diversos tipos e formas de doenças mentais.
Neste sentido o hospital passa a ser um espaço de controle dos alienados. É neste cenário que a Psiquiatria do séc. XVIII se esforça por desvendar a verdade sobre a loucura, uma ambição médica que tem como pressupostos norteadores o isolamento do louco, a observação dentro de um contexto controlado e a descrição sistemática dos dados. Os dispositivos implicados nesse processo acabam por produzir a própria alienação mental, um regime sistemático de condicionamentos a que os doentes eram submetidos: controle do espaço, do vestuário, da alimentação, proibição de hábitos inadequados para o sistema, punições com duchas e, por fim, o controle do tempo, talvez a mais cruel e alienante estratégia de controle. Como se não bastassem os eventuais sofrimentos do sujeito em questão, o contexto e as práticas de cura comum a este período sem dúvida potencializavam e patologizavam ainda mais os doentes, pois a doença em si, tal como era definida pelo saber médico, era indubitavelmente produzida por estes detentores do conhecimento.
Fazendo uso da analogia de Foucault (2005) utilizada na “História da Loucura”, podemos comparar estes dispositivos psiquiátricos a um grande jardim botânico, ou como o próprio autor denomina a construção de um verdadeiro “jardim das espécies”: isolar para estudar sem interferências externas o fenômeno em si, uma tentativa de neutralidade ingênua e extrema que tinha repercussões diretas na subjetividade desses doentes.
Do ventre destas práticas que produzem determinadas formas de subjetivação, bem como realidades, nascem às concepções nosológicas, meramente descritivas e pobremente explicativas qualitativamente. O verdadeiro “catálogo das espécies”, enquadrando em categorias e sub-categorias, ao mesmo tempo uma sistematização que dá ao médico o status de mestre da loucura nos séc. XVIII e XIX. O Psiquiatra ocupava então, desde o início, um lugar de autoridade inquestionável sobre o estatuto da loucura, o que de fato, dentro da rede hierarquizada dos hospitais já era um dispositivo de alienação, dada a discrepância entre a figura do médico e do louco. O louco como personagem desprovido de razão era designado a uma função de total submissão em relação à figura do médico.
O lócus hospitalar implica as relações de Poder desiguais entre médicos e alienados. Os alienados como desprovidos da razão submetidos à figura do médico detentor supremo do Saber sobre a loucura. Como nos diz Foucault (1979), o conjunto de técnicas e procedimentos efetuados nos asilos do séc. XIX tinha por função fazer do personagem do médico o “mestre da loucura”, aquele que, em sua prática, [...] a faz se manifestar em sua verdade quando ela se esconde, quando esta permanece silenciosa e soterrada, e aquele que domina, acalma e absorve depois de tê-la sabiamente desencadeado (FOUCAULT, 1979, p. 122).
Toda esta concepção da loucura e da doença mental de uma forma geral, jamais considera o fenômeno em sua dimensão positiva, ao contrário, o discurso do Saber Psiquiátrico constrói um objeto que é contemplado pelo viés da negatividade. Assim atribuí-se ao louco uma série de faltas, incapacidades e inaptidões; a alienação mental atrela-se a noção de desatino excluindo assim qualquer possibilidade de considerar-se um Sujeito.
Estes indivíduos, os alienados, teriam então uma total fragilidade da ordem da vontade, e isto os tornariam incapazes de represarem seus impulsos mais bestiais e hostis restando-lhes apenas obedecê-los cegamente. Assim eles teriam perdido sua liberdade, não podendo de forma alguma serem considerados como responsáveis por suas ações. Esta completa insensatez dos alienados, justifica para o Saber Psiquiátrico da época o internamento asilar como medida mais eficaz para a cura. O Saber Psiquiátrico atua então como um dispositivo normatizador dos indivíduos, definido como recuperador das individualidades que se desviaram do exercício de normas estabelecidas socialmente. Contudo, não é simplesmente a cura que visam as práticas em cuidado aos loucos neste período, como se fosse um ideal romântico ou um Bem altruísta que se fizessem aos doentes, mas sim, visam um verdadeiro exercício de poder sob aqueles que estavam em sofrimento psíquico, e que, segundo a ótica dominante, ofereciam riscos a sociedade. Mesmo porque, o que estava em questão o tempo todo eram as comparações entre os doentes e os ditos “normais”, uma parâmetro de normalidade totalmente subsidiado por um discurso completamente moral e civilizador, que visava o adestramento de subjetividades e modos de ser e estar no mundo.
A Psiquiatria até então só fazia por re-produzir os mesmos dispositivos de controle da Medicina da época: realizava assim uma atividade de higiene do espaço social, uma higiene das paixões desenfreadas e instituidoras da moral reguladora. O doente, através do internamento, era assim proibido de participar da rede de inter-relações pessoais. Relações estas que eram mantidas e reproduzidas por normas morais. “Se o louco é tornado alienado, é porque é alguém que vive na faixa do interdito, não se regulando pelo mundo das normas” (BIRMAN, 1978, p. 36).
No contexto do internamento o louco era essencialmente regulado pelo espaço de seus movimentos, do seu trabalho e do seu fazer, fixado que era à permissões e interdições, podendo assim se estabelecer uma moral que dariam novas significações aos juízos de bem e mal. “A sociabilidade além de ser a norma primeira e a condição mesma de todas as outras, significa também a realização real ou ideal do sistema das normas, tornando-se desta maneira o próprio conceito de saúde mental” (BIRMAN, 1978, p. 105). Assim, a psiquiatria enquanto instituição e discurso, instaurava uma norma da sociabilidade que abarcava um ideal de regras de como se relacionar com o próprio corpo e com os outros.
ALIENAÇÃO NA ATUALIDADE
Como sabemos, nos dias de hoje grandes esforços viabilizam a extinção progressiva de manicômios e instituições de reclusão, sendo estes substituídos por serviços alternativos que não efetuam o internamento, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e os Núcleo de Apoio Psicossocial (NAPS) no Brasil especificamente, além de outros projetos sociais governamentais ou, na sua falta, iniciados e incentivados pelo terceiro setor. Apesar de muito faltar para a concretização stricto sensu de uma reforma psiquiátrica verdadeira, o Brasil é um dos países com o menor número de leitos psiquiátricos no mundo.
Por conta disso, será apontado aqui formas mais sutis de alienação na atualidade, como é o caso das que se fazem pela excessiva medicalização dos indivíduos e do social de uma maneira geral. Tornou-se comum as pessoas fazerem uso de psicofármacos para os mais variados tipos de desconfortos emocionais, angústias, ou outras formas de mal-estar psíquico, a ponto de o consumo de tranqüilizantes e antidepressivos ter se constituído como algo banal.
A psicopatologia na contemporaneidade ganhou classificações, categorias e sub-categorias nosológicas, as quais encontramos nos manuais de psiquiatria - DSMs e CID-10. Evidentemente, esta nosologia reflete uma concepção essencialmente biológica, uma herança da Psiquiatria clássica. Tornou-se algo corriqueiro e comum a ploriferação de diagnósticos de depressão (incluindo aí as diversas classificações de tipos e sub-tipos) e das síndromes do pânico, para citarmos os mais freqüentes.
É claro e comumente sabido, que, tais diagnósticos formulados com base numa simples leitura sintomatológica, uma sistematização e registro dos sintomas manifestos, tem como sua finalidade orientar uma prescrição medicamentosa para tais casos. Não vem ao caso aqui desconsiderarmos a importância e utilidade dos psicofármacos, principalmente nas situações de psicoses nas quais o controle dos surtos freqüentes é de muita ajuda aos pacientes. Porém, a medicalização indiscriminada de pacientes rotulados como “depressivos” e “panicados” é um problema de outra natureza. Primeiro, porque estas duas categorias aqui selecionadas refletem de certa forma, estados afetivos muito característicos da própria condição humana. Depressão e Angústia (pânico) são afetos originários do psiquismo humano, e sendo assim, essa é uma situação demasiadamente relativa no momento de formular-se um diagnóstico patológico que se baseia nestes sentimentos.
O que percebemos hoje em dia é uma tendência avassaladora em se patologizar esses afetos, identificando como doente quem é acometido por tais sensações. Eis então o diagnóstico atuando aqui como um dispositivo de alienação do sujeito, produzindo assim formas específicas de subjetividades.
O paciente, ao receber este rótulo de um médico na maioria das vezes (Sujeito Suposto Saber na relação transferencial) identifica-se automaticamente, e internaliza esta condição. A partir deste momento o indivíduo realmente sofre daquilo que lhe foi dito, pois este pôde obter através do diagnóstico um nome que cobre seu não-saber sobre seu mal-estar. No lugar de um saber-sobre-si, que poderia acontecer mediante um processo de análise, por exemplo, o paciente é coberto por um significante (depressão/pânico) que lhe isenta da necessidade de compreensão subjetiva sobre sua condição. Este rótulo/diagnóstico, que nos dias atuais é carregado de uma determinada representação social provinda do Saber médico, o qual considera estes estados como algo necessariamente doentio, ratifica estes afetos como se fosse um vírus que viria de fora do sujeito. Tal como uma moléstia que adentra o organismo, esta é então tratada medicamentosamente, como para uma gripe em que se tomam antibióticos e antiinflamatórios. A alienação aqui, diz respeito a uma impossibilidade de tornar-se um Sujeito de sua condição, uma vez que o rótulo definidor de um estado doentio e anormal pressupõe que aquele que sofre de tais sentimentos não precise comprometer-se ativamente num processo de compreensão subjetiva sobre si, basta aguardar passivamente os efeitos dos psicofármacos.
Obviamente, os axiomas da medicina atual estão em plena sintonia com a “cultura espetacular” vigente de nossos dias. Num cenário concebido como “espetáculo” (DEBÓRD, 1997) o Eu ganha toda evidência e primazia, existindo e fazendo-se existir para um Outro. Este Outro, identificamos aqui como o discurso social imposto pelos veículos de comunicação e de mídia, que estimulam e demandam do sujeito uma performance espetacular, onde não se pode existir falhas, as quais ganham o significado de fraqueza/fracasso para o sujeito pós-moderno. Em suma, a ideologia dominante não tolera os “fora-de-moda”, estes aquém dos signos brilhosos da cultura do espetacular, e neste cenário, os deprimidos e panicados são pessoas que não podem participar efetivamente destas demandas sócio-culturais.
Temos então, um discurso social vigente impregnado de uma ideologia que não tolera o sofrimento. No ritmo acelerado da atualidade, é tirado do sujeito o direito de vivenciar lentamente suas tristezas e angústias. Como a ideologia dominante pressupõe acontecimentos rápidos, relacionamentos rápidos e acúmulo de experiências relâmpagos e vazias de significado, com o sofrimento humano não poderia ser diferente. Aqui entra em cena a função “milagrosa” dos tranqüilizantes e anti-depressivos na atualidade (BIRMAN, 2001).
Este período específico que vivemos, o qual alguns autores denominam como pós-modernidade, em si já é repleto de discursos alienantes. Toda a estimulação para o consumo de determinados produtos, estes que por sua vez representam ideais, sonhos, desconsidera completamente a singularidade dos sujeitos, condenando a um lugar de fracasso o indivíduo que não pode, ou simplesmente não deseja, consumir desta cultura sufocante em andamento.
Ou seja, como em todos os períodos da história do homem, que sempre houve um ideal de normalidade, o que é aceitável perante uma maioria, o bem e o mal, hoje em dia não é diferente. No momento em que o homem desenvolve a linguagem, criando assim símbolos que os passam a representá-lo, criou também modos específicos de ser e estar no mundo. A norma, a regra e os costumes de uma forma geral, sempre específicos e bem caracterizados pelos dispositivos históricos de seu momento particular, pressupõem maneiras de ser e formas de conduta.
No caso de nossa atualidade pós-moderna, os pressupostos indivíduos devem estar em consonância com nosso tempo e sua lógica intrínseca. Formas específicas de condutas, posicionamentos específicos na cena social são estimulados e, desta forma, a cultura cria um sistema de valoração para a performance do sujeito pós-moderno, atribuindo-lhe categorias de valores desde o normal/esperado ao anormal/deplorável. Obviamente, o sistema de valores vigentes cria as próprias concepções de normal e patológico, com base nas tendências de uma maioria massificada pela cultura produzida na atualidade. Sendo assim, o normal em si e à priori não existe, uma vez que o conceito de normalidade pressupõe o enquadramento do indivíduo nas categorias majoritárias de seu tempo (FOUCAULT, 2001).
Toda normatização, pressupõe então, um enquadramento dos indivíduos dentro de determinados padrões valorizados por uma determinada cultura. No caso da atualidade, este cenário imputa ao sujeito a obrigação das realizações das performances espetaculares a todo tempo. Estas performances espetaculares podem ser entendidas como um posicionamento, no sentido de uma estética das aparências sempre endereçadas ao Outro.
A cultura espetacular é a pré-condição para uma performance demasiadamente narcísica. Ainda nos trâmites da cultura pós-moderna, outros valores são altamente estimulados, como por exemplo, a fluidez dos relacionamentos, a capacidade de permearmos quanto mais territórios possíveis, agilidade, desembaraço no relacionar-se, acúmulo de experiências em detrimento da qualidade das mesmas.
De uma forma geral, a atualidade como descrita nos termos aqui apresentados, propiciam formas de subjetivação que sugerem depressão e angústia. Isto porque, a velocidade e a fluidez efêmera das múltiplas experiências e possibilidades, colocam o sujeito em maior contato com sua condição de desamparo, dado a forte quota de frustração a que estamos submetidos na contemporaneidade. O próprio sistema capitalista já é em si propiciador de desamparo, uma vez que “promete” ideais e, no entanto, só uma pequena parcela da população com poder de compra pode usufruir disto. Dadas às características da atualidade, podemos dizer que o sujeito está exposto ao desamparo de uma maneira forte e intensa.
Hoje, o que podemos perceber então como corpo de Saber dominante sobre as práticas em Saúde voltado às questões de Saúde Mental, é a solidificação de dispositivos que não toleram o mínimo de sofrer. O indivíduo que, na sua maioria procura os serviços públicos de saúde, desconhece totalmente o sentido subjetivo que determinado “mal-estar” faz em seu espectro de existência particular. Contudo, devido aos discursos vigentes sobre o que é “estar bem” e “ser legal” nos dias de hoje, o sujeito já tem uma representação social de uma dita “normalidade”. Isso tornou a representação de qualquer sofrimento como sendo algo que se deve ter vergonha.
Por fim, o que podemos perceber é que o Campo de saberes, o qual os usuários dos mais variados tipos de serviços de saúde depositam suas esperanças de alívio/cura para seus males e aflições, sugere práticas que atuam como dispositivos normatizadores dentro da cultura vigente de nossos dias. Afinal, diante dos efeitos dos mais variados tipo de medicamentos, o sujeito enfim pode desfrutar de um convívio social satisfatório para um Outro sempre, pois dessa forma camuflam-se as ruminações pesadas e extremamente interiorizadas dos indivíduos que sentem singularmente o peso de sua existência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIRMAN, J. A psiquiatria como discurso da moralidade. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978. [ Links ]
______. Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. [ Links ]
DEBÓRD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. [ Links ]
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. [ Links ]
______. Os anormais: curso no Collège de France. São Paulo: Martins Fontes, 2001. [ Links ]
______. História da loucura: na idade clássica. São Paulo: Perspectiva, 2005. [ Links ]
Endereço para correspondência
Leandro Anselmo Todesqui Tavares
E-mail: leandro_anselmo@hotmail.com
Recebido em 28/09/08.
1ª Revisão em 13/10/08.
Aceite Final em 24/11/08.
1 Trabalho apresentado na VII Jornada de Psicologia do Hospital Universitário / UEL – I Congresso Brasileiro de Psicologia Aplicada à Saúde, concorrendo ao Prêmio Publicação Psicologia Aplicada à Saúde onde obteve o prêmio de 2º lugar, considerando a abordagem do tema, a originalidade e a qualidade da metodologia científica.
2 Mestrando em Psicologia pela Faculdade de Ciências e Letras – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus Assis – UNESP. Membro do Grupo de Pesquisa: Figuras e modos de subjetivação no contemporâneo.
3 Professor Adjunto do curso de graduação e Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Ciências e Letras – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus Assis – UNESP.