Services on Demand
article
Indicators
Share
Revista da SPAGESP
Print version ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP vol.16 no.1 Ribeirão Preto 2015
ARTIGOS
Sintomas de estresse em alunos do 1º ano do Ensino Fundamental
Stress symptoms in students attending first grade
Síntomas de estrés en los estudiantes de 1er año de la escuela primaria
Marta Regina Gonçalves Correia-Zanini1; Edna Maria Marturano2
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil
RESUMO
Visando contribuir para o estudo do desenvolvimento infantil, o objetivo deste estudo foi verificar a manifestação de sintomas de estresse em alunos do 1º ano do Ensino Fundamental – EF, de sete escolas públicas, tendo em conta o sexo e a escola frequentada. Com metodologia transversal, contou com 100 meninos e 86 meninas, alunos do 1º ano do EF, que responderam à Escala de Stress Infantil. Nos resultados, mais de 50% das crianças mostraram sintomas de estresse. Meninos apresentaram significativamente mais Reações Psicofisiológicas. Diferenças entre escolas foram pontuais. O elevado percentual de crianças com sintomas de estresse é compatível com a visão do 1º ano como transição escolar potencialmente estressora. Tais achados são úteis para elaboração de programas preventivos e interventivos no contexto escolar.
Palavras-chave: estresse infantil; transição escolar; primeiro ano.
ABSTRACT
Seeking to contribute to the field of child development, this study aimed at verifying the manifestation of stress symptoms in students on their first year in primary school seven public schools, considering their gender and school of attendance. With a transversal methodology, this research included 100 boys and 86 girls who took the Infantile Stress Scale (ISS). In the results, more than 50% of the children had stress symptoms. Boys showed significantly more psychophysiological reactions. There were only slight differences among schools. The high percentage of children with stress symptoms is in accordance to the viewpoint of the first year as a potentially stressful transition. The findings are useful for the development of preventive and interventional programs in the school context.
Keywords: infantile stress; school transition; first year.
RESUMEN
Para contribuir con estudios respectivos al desarrollo infantil, este trabajo tuvo como objetivo verificar la manifestación de síntomas de estrés en alumnos del 1º año de la escuela primaria - EF en siete escuelas públicas, teniendo en cuenta el sexo y la escuela que frecuentaban. Con un método transversal, 100 niños y 86 niñas, alumnos del primero año de EF, respondieron a la Escala de Estrés Infantil - ESI. En los resultados, más del 50% de los alumnos mostraron síntomas de estrés. Los niños mostraron significativamente más reacciones psicofisiológicas. Las diferencias entre las escuelas eran puntuales. El alto porcentaje de niños con síntomas de estrés es consistente con la visión del primero año escolar como un periodo de transición potencialmente estresante.
Palabras clave: Estrés en niños; Transición a la escuela; Primer año.
Na sociedade moderna é comum profissionais de saúde ouvirem queixas relacionadas ao estresse, definido como um conjunto de reações do organismo frente à exposição a qualquer estímulo que o irrite, amedronte ou faça feliz (Lipp & Lucarelli, 2008). É fato que quando a homeostase é quebrada ocorre um desconforto mental ou físico que, quando intenso ou prolongado, pode enfraquecer o indivíduo, deixando-o vulnerável a diversas doenças (Lipp, 2010). Mas o estresse em si não é uma doença e sua avaliação deve ultrapassar os fatores individuais, considerando também os fatores ambientais e as relações interpessoais (Ávila, 2003).
Assim como adultos, crianças são afetadas por diversas situações, tais como o ingresso na escola, a perda de um ente querido, o nascimento de um irmão, entre outras, que exigem uma reação de natureza adaptativa, o que inclui mudanças psicológicas, físicas e químicas em seu organismo (Lipp & Lucarelli, 2008). Quando essas exigências excedem os recursos de enfrentamento (coping) da criança, ela passa a apresentar uma série de sintomas que, associados, podem ser considerados como manifestações de estresse infantil. O nível de estresse não está relacionado com a qualidade ou natureza do evento estressor, e sim com a magnitude da fonte estressora e o nível de exigência dela para o indivíduo (Lucarelli, 2010).
Lipp e Lucarelli (2008) apontam que a avaliação do estresse deve ser considerada em função de um conjunto de sintomas e sua evolução.As autoras classificam os sintomas em quatros dimensões: de ordem psicológica (ex: ansiedade, terror noturno, pesadelos, dificuldades interpessoais, medo excessivo); física (ex: dores abdominais, diarreia, dor de cabeça, náusea), psicofisiológica (ex: dificuldade para respirar, distúrbios do apetite) ou psicofisiológica com componente depressivo(ex: desânimo, agressividade, esquecimento).
Em termos de evolução, Lipp e Lucarelli (2008, p.53) distinguem quatro fases sucessivas. A primeira, de Alerta ou Alarme, constitui "uma fase transitória do stress, que não deve ser vista como permanente ou grave". A segunda, Defesa ou Resistência – "caracteriza-se por um excesso de fontes de stress na vida da criança, que a estão levando a utilizar muita energia para seu enfrentamento". Persistindo o quadro de estressores, na fase seguinte, de Quase-exaustão, "...a criança não mais consegue resistir aos estressores presentes em sua vida e começa a adoecer física ou psicologicamente". Esta já é uma fase de alto risco, que pode evoluir para a Exaustão, "fase mais grave do stress, na qual a criança adoece física ou psicologicamente", considerada a fase mais negativa do estresse (Lipp & Lucarelli, 2008).
Os prejuízos decorrentes do estresse infantil têm sido foco de pesquisas em contexto nacional e internacional, dados os indícios empíricos de que ele pode comprometer negativamente o desenvolvimento físico e psicossocial da criança. Há indicativos de que o estresse em crianças está relacionado com a baixa autoestima (Alvarez-Icaza, Gómez-Maqueo, & Patiño; 2004), diminuição da capacidade de enfrentamento (Valiente, Fabes, Eisenberg, & Spinrad, 2004), risco de obesidade infantil (Bertoletti & Garcia-Santos, 2009) e baixo rendimento acadêmico (Sbaraini & Schermann, 2008).
Estudos esparsos, realizados desde a década de 1990 até os dias atuais, apresentam resultados heterogêneos sobre a frequência de crianças avaliadas com sintomas de estresse. Colhendo dados em escolas, Vilela (1995) encontrou 62% de crianças, de 1ª a 4ª série, com sintomas de estresse, ao passo que Tanganelli e Lipp (1998) identificaram, na mesma faixa de escolaridade, 55% de alunos com estresse e Enumo, Ferrão e Ribeiro (2006) 21% dos alunos, compreendendo uma faixa etária entre 8 e 14 anos. Lena (2012), em estudo envolvendo 31 crianças de quatro a 12 anos atendidas em Centro de Apoio Psicológico, identificou 63% de crianças com estresse, sendo 37% na fase de Alerta.
A escola tem sido apontada como uma fonte de estressores cotidianos para as crianças (Byrne, Thomas, Burchell, Olive, & Mirabito, 2011). Nesse contexto, o 1º ano do ensino fundamental - EF pode ser particularmente estressante, pois configura uma transição em que a criança é desafiada por múltiplas demandas (Marturano, 2008). Em estudos realizados no antigo EF de oito anos, alunos da 1ª série não só relataram elevado desconforto, com brigas, provocações, rejeição, trato rude por parte dos adultos, machucar-se e ser roubado (Marturano, Trivellato-Ferreira, & Gardinal, 2009), como também apresentaram alta correlação entre percepção de estressores escolares e sintomas de estresse (Trivellato-Ferreira & Marturano, 2008). Em contrapartida, em escolas avaliadas como de melhor qualidade nos quesitos ensino, relação com as famílias, organização e relação entre os alunos, as crianças relataram menor impacto desses estressores (Marturano & Gardinal-Pizato, 2010).
A escola pode influenciar o nível de sintomas de estresse dos alunos. Lipp, Arantes, Buriti e Witzig (2002) encontraram mais crianças estressadas em escola pública situada na periferia da cidade de São Paulo em comparação com escolas particulares de cidades vizinhas. As autoras atribuem esse resultado a diferenças socioeconômicas e culturais, abrindo espaço para investigações que esclareçam a relação entre características da escola e sintomatologia de estresse das crianças.
Alguns estudos têm chamado atenção para a relação entre estresse e sexo. Mais sintomas no sexo feminino foram relatados em jovens adultos (Calais, Andrade, & Lipp, 2003) e em alunos do EF (Lipp et al., 2002). Bignotto (2010), em seu estudo com crianças de 8 a 10 anos de idade, caracterizou a "criança estressada" como menina, cursando a 3ª série do EF em escola particular. Na pesquisa de Lena (2012) 85,8% das meninas e 41,6% dos meninos apresentavam sintomas de estresse e as meninas alcançaram maior média em reações psicológicas. Já Pacanaro e Nucci (2005), avaliando alunos da 4ª série de escolas públicas e particulares, não encontraram diferença significativa entre meninos e meninas. A partir do exposto, identifica-se a importância de investigar o estresse em crianças, atrelado ao contexto escolar, principalmente no 1º ano do EF, dado o acúmulo de demandas nesse momento de transição. Alunos de escolas com indicadores desfavoráveis de qualidade podem estar mais suscetíveis a apresentar sintomas de estresse (Aikens & Barbarin, 2008; Lipp et al., 2002; Rutter & Maugham, 2002; Trivellato-Ferreira & Marturano, 2008), assim como o sexo feminino (Calais, Andrade, & Lipp, 2003; Bignotto, 2010; Lena, 2012; Lipp et al., 2002; Pacanaro & Nucci, 2005). Porém, esses dados precisam ser verificados em novas pesquisas. Nesse cenário, estudos sobre sintomatologia e prevalência do estresse podem ser úteis para práticas de promoção da saúde física e mental no âmbito das escolas.
Visando contribuir para o campo teórico e prático da área, o presente trabalho tem como objetivo geral verificar a manifestação de sintomas de estresse em alunos do 1º ano do Ensino Fundamental – EF, de escolas públicas, tendo em conta o sexo e a escola frequentada. São objetivos específicos: a) verificar quais sintomas de estresse são mais frequentes em crianças que frequentam o 1º ano do EF de escolas públicas; b) identificar possíveis diferenças entre meninos e meninas em relação à manifestação dos sintomas; c) identificar possíveis diferenças entre as escolas em relação à manifestação dos sintomas de seus alunos.
Método
Considerações éticas
Em atenção às normas éticas em vigência nas pesquisas envolvendo seres humanos, este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Participantes
Participaram do estudo 100 crianças do sexo masculino e 86 do feminino, com idades variando entre 6 e 7 anos. Todas tinham concluído pelo menos um ano na educação infantil e frequentavam o 1º ano do EF em sete escolas públicas municipais, em uma cidade de médio porte do interior do estado de São Paulo. A escolha dos participantes se deu por sorteio. De cada sala de primeiro ano – ao todos eram 27, foram sorteados 13 alunos, cujos pais ou responsáveis foram convidados para participarem de uma reunião informativa, e em caso de concordância, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Das 351 crianças convidadas, permaneceram como participantes 186.
Caracterização das escolas
Das 14 escolas que ofereciam o primeiro ano na rede municipal, foram selecionadas sete, por indicação da Secretaria de Educação do município, visando contemplar aquelas situadas tanto na periferia, quanto nas regiões centrais.
Conforme a Tabela 1, o número de alunos participantes por escola variou entre 11-13 (escolas D e F) e 35-37 (escolas A, B, C, G). Exceto as escolas D e F, todas apresentam um maior número de meninos participantes. Em termos de modalidade, todas as escolas oferecem o ensino fundamental de nove anos do 1º ao 5º ano, sendo que as escolas B, C e D também oferecem o ensino para adultos- EJA, no período noturno, e a escola B, além do EJA, tem em seu quadro a Educação Infantil. As escolas D e F oferecem o EF do 1º ao 9º ano. Com relação à localização, apenas a escola A se encontra no centro da cidade; as escolas D e F se situam entre centro e periferia e as demais na periferia. O índice de qualidade da educação básica – IDEB, no ano de 2009 foi acima de 5,0, chegando a 6,5 para as escolas A e F. Todas as escolas ultrapassaram a meta estabelecida para elas no ano de 2009.
Cabe ressaltar que o Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE estabelece que até 2022 o IDEB das escolas nos anos iniciais seja de no mínimo 6,0 (Brasil - INEP, 2014), indicando um sistema de educação de qualidade para o padrão brasileiro oficial, valor este já atingido pelas escolas A e F. Também no ano de 2009, o IDEB médio nacional foi 4,6 pontos, o do estado de São Paulo foi 5,5 e o município obteve em média 5,7. Tendo em vista estes valores, todas as escolas superaram a média nacional e três escolas, A, B e F, alcançaram ou superaram a média estadual e municipal para os anos iniciais (Brasil - INEP, 2014).
Em termos de classificação do nível socioeconômico - NSE constam na Tabela 1 apenas os alunos cujas famílias foram entrevistadas com o questionário Critério Brasil, ou seja, 122 crianças das 186 que compõem o estudo. No geral, a maior parte das famílias se encontra na faixa C (média) de classificação. As escolas A, E e F têm maior concentração de famílias entrevistadas na faixa B, a mais alta encontrada na amostra. A escola B tem a maioria das famílias nas classes D e E, que são as mais baixas. A escola C e G têm maior parte de alunos com famílias na faixa C, média. A escola D tem distribuição igual nas faixas B e C.
Instrumentos
O instrumento utilizado para avaliação dos sintomas do estresse infantil foi a Escala de Sintomas de Stress – ESI (Lipp & Lucarelli, 2008), que tem como objetivo identificar a frequência com que crianças de seis a 14 anos experimentam sintomas do estresse e em que fase se encontra (Sem Estresse, Alerta, Resistência, Quase Exaustão ou Exaustão). A escala é composta por 35 itens do tipo Likert de 0 a 4 pontos, onde a criança avalia a intensidade do sintoma colorindo os quadrantes de um círculo. Os itens são agrupados em quatro fatores: Reações Físicas, Reações Psicológicas, Reações Psicológicas com Componente Depressivo e Reações Psicofisiológicas. A identificação da fase do estresse nos fatoresé feita com base em faixas normativas de pontuação que correspondem às fases: Sem Estresse, Alerta, Resistência e Quase Exaustão. Para o escore total da escala, o manual do instrumento estabelece um critério adicional de classificação na fase Quase Exaustão: além da faixa de pontuação, é preciso verificar se "aparecem círculos completamente cheios (pintados) em 7 ou mais itens da escala total" (Lipp & Lucarelli, 2008, p.54). Assim, mesmo que a criança tenha obtido uma pontuação menor que o valor estipulado para a fase nos fatores de reação, ela pode apresentar, no total da escala, sintomas em fase de Quase Exaustão. A fase de Exaustão, considerada somente para o total da escala, ocorre quando o valor total obtido for maior que 99,3 pontos.
Para avaliar o NSE das famílias, foi aplicado o Questionário Critério Brasil (ABEP, 2010), que é composto por 11 itens, dos quais nove avaliam o número de bens de consumo duráveis da família, um avalia o grau de instrução do chefe da família e um avalia o número de empregadas mensalistas na casa, resultando em uma medida estratificada em cinco classes: A (NSE mais alto), B, C, D e E.
Procedimentos
A coleta dos dados aconteceu nas escolas que as crianças frequentavam, durante o horário de aula, em sala cedida pela direção, entre os meses de novembro e dezembro de 2010. A aplicação foi individual, com duração média de 20 minutos e seguiu as orientações do manual da ESI. A aplicação do questionário Critério Brasil ocorreu entre os meses de novembro/2010 a fevereiro/2011 na forma de entrevista, realizada na escola em que o aluno estudava ou na casa da família, em dias e horários previamente agendados.
Análise de dados
Os dados obtidos foram analisados tendo em vista o valor total da escala e de seus quatro fatores, bem como a classificação dos sintomas, em cada fator, nas fases de Alerta, Resistência e Quase Exaustão. A classificação Exaustão foi considerada apenas para o valor total da escala, conforme orientação do manual do instrumento. Para investigar possíveis diferenças entre meninos e meninas foi aplicado o teste t de Student, após verificada a condição de distribuição normal das variáveis. Para comparações entre as escolas, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis, com comparação post-hoc entre pares, pois as escolas D e F apresentavam um número de participantes reduzido (n<20). Foi adotado o nível de significância igual ou menor que 5%. As análises foram processadas no programa SPSS - versão 19.
Resultados
A porcentagem de crianças com sintomas de estresse na amostra foi de 58,6%. A Tabela 2 mostra que para 45,2% das crianças que apresentam estresse,os sintomas se classificam na fase de Quase Exaustão. Nota-se também que apenas 2% dos meninos e nenhuma meninase encontram na fase de Exaustão.
Os dados obtidos indicam que dos 100 meninos, 64 apresentaram sintomas de estresse (64%), e das 86 meninas, 45 (52,3%). Ainda conforme a Tabela 2, um percentual maior de meninos do que de meninas tem a presença de sintomas de estresse infantil, tanto no escore total da ESI, quanto em seus fatores. Porém, nota-se que mais de 50% das crianças, de ambos os sexos relataram sintomas consideráveis em ocorrência e/ou intensidade de estresse, no escore total da ESI e nos fatores Reações Físicas e Reações Psicológicas. Em Reações Psicológicas com Componente Depressivo, 40,7% das meninas apresentaram sintomas, bem como 47% dos meninos. Para 43% das meninas e 58% dos meninos foram observados sintomas relacionados ao fator Reação Psicofisiológica.
Conforme apresenta a Tabela 3, as diferenças entre meninos e meninas foram pontuais e apontaram para maiores médias de estresse no grupo masculino. Os meninos relataram, em média, mais sintomas de estresse no fator Reações Psicofisiológicas e em três itens desse fator: "Estou o tempo todo me mexendo", "Quando fico nervoso gaguejo", "Tenho dificuldades para respirar". Também apresentaram mais sintomas do tipo "Sinto aflição por dentro" e "Não tenho vontade nenhuma de me arrumar". Embora meninos apresentem maiores médias no total da ESI (M = 50,16; dp= 1,67) do que meninas (M = 46,78; dp = 1,40), esta diferença não foi significativa.
De maneira geral, conforme os resultados descritos, a maioria dos participantes apresentou sintomas de estresse infantil, independente do sexo. Os sintomas mais presentes seriam aqueles que envolvem Reações Psicológicas, seguidos de Reações Físicas, para ambos os sexos. Nas poucas diferenças de sexo observadas, os meninos apresentavam maiores médias que as meninas. Nas comparações entre escolas, cujos resultados se encontram na Tabela 4, os alunos da escola B em geral relataram mais sintomas de estresse. Elesapresentaram média significativamente maior que os da escola C, em Reações Físicas e Reações Psicológicas, e que as escolas F e G em Reações Psicofisiológicas. No total de sintomas apresentados, a escola B apresentou maior média comparada às escolas C e F. Não foram observadas diferenças entre as médias em Reações Psicofisiológicas.
Discussão
Retomando os objetivos do presente trabalho, o primeiro deles foi verificar quais sintomas de estresse são mais frequentes em crianças que frequentam o 1º ano do EF de escolas públicas. Foi observado que mais de 50% das crianças avaliadas apresentaram sintomas de estresse, sendo que grande parte com classificação na fase de Quase Exaustão. Vale ressaltar que nesta fase do estresse a criança começa a adoecer física e psicologicamente, por não conseguir resistir aos estressores presentes em seu ambiente (Lipp & Lucarelli, 2008). Dados como estes também foram encontrados por Vilela (1995) e Tanganalli e Lipp (1998).
Este percentual de crianças apresentando sintomas é considerável quando se sabe que o estresse infantil pode prejudicar o desenvolvimento, afetando a saúde física (Alvarez-Icaza, Gómez-Maqueo, & Patiño; 2004; Bertoletti & Garcia-Santos, 2009), psicológica (Valiente, Fabes, Eisenberg, & Spinrad, 2004) e social (Sbaraini & Schermann, 2008). Crianças que vivenciam o estresse e não sabem como enfrentá-lo, além de adoecerem, privam-se de determinadas situações, como por exemplo, o contato com seus pares e participação em atividades extra-curriculares, que poderiam ser úteis em sua vida futura; por isso, estariam em risco de se tornarem adultos vulneráveis às adversidades (Lipp, 2010). Porém, esta alta prevalência pode ser decorrente do fato das crianças estarem frequentando o primeiro ano escolar. Como sugere a literatura, o primeiro ano do EF é potencialmente mais estressante devido às novas demandas e exigências decorrentes do ingresso no ensino fundamental (Marturano & Gardinal, 2008; Trivellato-Ferreira, & Marturano, 2008).
As manifestações do estresse na amostra estudada são, para a maioria das crianças, de ordem psicológica, mas também hápercentuais consideráveis entre as demais reações. Essa diversidade de sintomas reitera que a manifestação do estresse é peculiar a cada indivíduo e está relacionada com suas características pessoais e contextuais. A diversidade de sintomas também pode atrapalhar o diagnóstico do estresse infantil, pelo risco de os sintomas serem confundidos com manhas, birras, preguiça ou doenças; pais ou professores menos avisados podem amplificar os efeitos do estresse, irritando-secom o comportamento da criança ou ignorando-o, por exemplo (Lipp, 2010).
O segundo objetivo específico da investigação foi verificar diferenças nos sintomas de estresse entre meninos e meninas. Pelo que se observou, existem diferenças pontuais, nas quais as meninas apresentam menores médias. Meninos tendem a apresentar significativamente mais sintomas de ordem psicofisiológica que meninas, o que poderia indica uma tendência a maior somatização diante de situações estressantes. Esses resultados divergem dos encontrados por Lipp et al. (2002), Calais, Andrade e Lipp (2003), Pacanaro e Nucci (2005), Bignotto (2010) e Lena (2012), em cujas investigações o maior estresse foi associado ao sexo feminino. Para tentar compreender tal divergência, é importante levar em consideração, por um lado, a faceta situacional do conceito de estresse e, por outro, possíveis variações desenvolvimentais no modo como as crianças respondem à sobrecarga de situações estressantes. Assim, as diferenças de sexo, encontradas neste estudo, podem estar relacionadas ao modo como meninos e meninas de 6-8 anos respondem às demandas do ambiente, de acordo com o cenário descrito a seguir.
Há indícios de maior emocionalidade negativa nos meninos, entre 6 e 9 anos, conforme revisão recente sobre temperamento e gênero (Cosentino-Rocha & Linhares, 2013). Sabe-se que crianças mais irritáveis têm dificuldade em se concentrar no trabalho escolar, em relação àquelas que conseguem modular suas reações emocionais; isso porque reações emocionais negativas mais fortes (raiva, ansiedade) podem prejudicar a capacidade das crianças para regular seu comportamento em ambientes escolares, onde precisam focalizar a atenção e persistir em seu trabalho (Morrison, Ponitz, & McClelland (2010). E, de fato, nos anos iniciais do EF as meninas superam os meninos em desempenho acadêmico, embora essas diferenças não sejam estáveis nos anos subsequentes (Grimm, Steele, Mashburn, Burchinal, & Pianta, 2010). Nesse cenário, é possível que os meninos se sintam mais pressionados pelas demandas novas da escola de EF, apresentando então mais sintomas de estresse.
O terceiro objetivo específico do estudo foi identificar possíveis diferenças entre as escolas em relação à manifestação dos sintomas. Para subsidiar a discussão dos resultados relacionados a este objetivo, as sete escolas participantes foram caracterizadas quanto ao tipo de ensino oferecido, localização no município, IDEB (como um índice global de qualidade) e nível socioeconômico dos participantes.
Nos resultados, os alunos da escola B relataram mais sintomas de estresse em todas as comparações com resultados significativos. Essa escola se distingue das demais basicamente em duas características: é a que apresenta o maior percentual de alunos nas classes D/E e a única que oferece educação infantil. Além disso, cabe citar que, localizada na periferia, seu IDEB em 2009 ficou acima da meta oficial, acima da mediana das sete escolas participantes e acima do IDEB das outras escolas de periferia incluídas no estudo.
Essa configuração de características sugere algumas peculiaridades da escola B. Primeiro, sua posição no IDEB contraria a evidência de que a concentração de alunos em desvantagem socioeconômica na escola é condição preditora de desempenho escolar pobre (Aikens & Barbarin, 2008). Segundo, o fato de a escola oferecer educação infantil faz supor que seus alunos, diferentemente dos das demais escolas participantes, teriam feito a transição para o EF sem precisar mudar de escola. Se isso é verdadeiro, então as crianças da escola B estariam mais protegidas do estresse, como constataram Trivellato-Ferreira e Marturano (2008). No entanto, o que se verificou no presente estudo foi o inverso - seus alunos se mostraram mais vulneráveis ao estresse.
Diante desse contexto, pode-se especular sobre um possível efeito estressor das demandas acadêmicas na escola B: haveria ali uma cultura de valorização do desempenho, que resulta em um IDEB elevado, contrariando as expectativas correntes para escolas de periferia com predomínio de alunos pobres; corresponder a tais demandas teria, para os alunos em situação de pobreza, um custo emocional que se reflete em níveis mais elevados de sintomas de estresse.
Ainda que especulativa, essa interpretação faz sentido quando se consideram, no outro extremo, as duas escolas com as menores médias de sintomas de estresse. A escola F tem localização mais privilegiada, melhor IDEB e alunos com NSE mais alto, uma conjunção de condições usualmente associadas a melhores resultados individuais, seja de desempenho, ajustamento ou estresse (Aikens & Barbarin, 2008; Lipp et al., 2002; Rutter & Maugham, 2002). Já a escola C, assim como a B, está localizada na periferia, porém seu IDEB é mais baixo, embora os alunos apresentem melhor NSE, concentrando-se na classe C. Desse modo, parece que no presente estudo a associação entre características da escola e o nível de estresse dos alunos faz parte de uma equação que soma IDEB alto e NSE baixo. Como o IDEB é avaliado no 5º ano, pode-se supor um esforço bem sucedido da escola B em promover o progresso acadêmicode seus alunos, em nível acima daquele obtido por escolas com clientela em situação socioeconômica mais favorável ao aprendizado escolar inicial (Aikens & Barbarin, 2008). No entanto, o sucesso alcançado pode estar onerando precocemente alguns alunos, dado o nível elevado de estresse observado já no 1º ano.
Considerações finais
Na apreciação dos resultados desta pesquisa, é preciso considerar algumas limitações. Em primeiro lugar, a caracterização das escolas foi feita sobre indicadores globais, não focalizando demandas do dia a dia na sala de aula e no recreio, mais diretamente implicadas nos processos de estresse. Em segundo lugar, as escolas estudadas podem não ser representativas do cenário nacional ou mesmo estadual, dada a sua posição privilegiada no IDEB. Por fim, o pequeno número de participantes é uma limitação importante, na medida em que afeta a estabilidade dos resultados estatísticos.
Diante da elevada prevalência de estresse nessa amostra de alunos do 1º ano do ensino fundamental, ressalva-se que a sintomatologia do estresse infantil não pode ser dissociada de características individuais (ex: timidez, problemas de comportamento, doenças pré-existentes) e também dos contextos em que a criança vive. É necessário realizar estudos que avaliem as características da família, como por exemplo, se os pais apresentam sintomas de estresse, e que também investiguem o contexto escolar, pois qualidade de ensino, relacionamento professor-aluno, estresse do professor, metodologia de ensino, interação família-escola são fatores que podem contribuir como o aumento do estresse infantil.
O estudo envolvendo estresse e sexo tem relação como papel desempenhado por meninos e meninas e com as expectativas sociais sobre a maneira de reagir diante de situações de vida. Ainda há divergências, demandando a realização de mais estudos nesta direção.
Os dados corroboram que desde cedo crianças apresentam sintomas de estresse, sendo necessária a elaboração de programas de formação de professores e pais, para atuarem no sentido de lidar com as ocorrências dos eventos estressores, tanto aquelas do dia-a-dia (ex: brigas com colegas), quanto aquelas mais específicas (ex: separação dos pais), de modo a fortalecer as crianças para adversidades futuras. Como ressalta Lucarelli (2010), a criança que aprendeu a lidar com estresse tem maior probabilidade de ser um adulto mais forte e resistente ao estresse no dia-a-dia.
Referências
Aikens, N. L., & Barbarin, O. (2008). Socioeconomic differences in reading trajectories: the contribution of family, neighborhood, and school contexts. Journal of Educational Psychology, 100, 235-251. [ Links ]
Alvarez-Izacaza, M. A. V., Gómez-Maqueo, E. L. & Patiño, C. D. (2004) La influencia de la autoestima en la percepción del estrés y el afrontamiento en niños de edad escolar. Salud Mental, 27(4), 18-25. [ Links ]
Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa - ABEP. (2010). Critério de classificação econômica Brasil. Recuperado em 22 de fevereiro, 2010, de <http://www.abep.org.br> [ Links ].
Ávila, L. A. (2003). Saúde mental: uma questão de vínculos. Revista da SPAGESP, 4(4), 69-76. [ Links ]
Bandeira, M., Rocha, S. S, Souza, T. M. P., Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2006) Comportamentos problemáticos em estudantes do ensino fundamental: características da ocorrência e relação com habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem. Estudos de Psicologia (Natal), 11(2), p. 199-208. [ Links ]
Bertoletti, J., & Garcia-Santos, S. C. (2009). Obesidade e estresse em crianças na idade escolar. Revista de Psicologia da IMED, 1(2), 180-191. [ Links ]
Bignotto, M. M. (2010). A eficácia do treino de controle do stress infantil (Tese de doutorado não publicada). Curso de Pós-Graduação em Psicologia – Centro de Ciências da Vida, PUC, Campinas.
Brasil - INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2014). O que são as metas? Recuperado em 24 de março, 2014, de <http://portal.inep.gov.br/web/portal-ideb/o-que-sao-as-metas>.
Byrne, D. G., Thomas, K. A., Burchell, J. L., Olive, L. S., & Mirabito, N. S. (2011). Stressor Experience in Primary School-Aged Children: Development of a Scale to Assess Profiles of Exposure and Effects on Psychological Well-Being. International Journal of Stress Management, 18, 88-11. [ Links ]
Calais, S. L., Andrade, L. M. B., & Lipp, M. E. N. (2003). Diferenças de sexo e escolaridade na manifestação de stress em adultos e jovens. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16(2), 257-263. [ Links ]
Cosentino-Rocha, L., & Linhares, M. B. M. (2013). Temperamento de crianças e diferenças de gênero. Paidéia (Ribeirão Preto), 23(54), 63-72. [ Links ]
Enumo, S. R. F., Ferrão, E. S., & Ribeiro, M. P. L. (2006). Crianças com dificuldade de aprendizagem e a escola: emoções e saúde em foco. Estudos de Psicologia (Campinas), 23(2), 139-149. [ Links ]
Grimm, K. J., Steele, J. S., Mashburn, A. J., Burchinal, M., & Pianta, R. C. (2010). Early behavioral associations of achievement trajectories. Developmental Psychology, 46, 976-983. [ Links ]
Lena, M. S. (2012). Um estudo sobre a saúde de crianças usuárias de um serviço de saúde mental: a história de chapeuzinho amarelo (Dissertação de mestrado não publicada), Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS. [ Links ]
Lipp, M. E. N. (2010) O stress da criança e suas consequências. In M. E. N., Lipp (Org.), Crianças estressadas: Causas, sintomas e soluções (pp. 13-42, 6ª ed.). Campinas, SP: Papirus. [ Links ]
Lipp, M. E. N., Arantes, J. P., Buriti, M. S., & Witzig, T. T. (2002). O estresse em escolares. Psicologia Escolar e Educacional, 6(1), 51-56. [ Links ]
Lipp, M. E. N., & Lucarelli, M. D. M. (2008). Escala de Stress Infantil (ESI): Manual. Edição Revisada. São Paulo: Casa Do Psicólogo. [ Links ]
Lucarelli, M. D. M. (2010). O diagnóstico do estresse infantil. In M. E. N., Lipp (Org.). Crianças estressadas: Causas, sintomas e soluções (pp. 43-64, 6ª ed.). Campinas, SP: Papirus. [ Links ]
Marturano, E. M. (2008). Tensões cotidianas na transição da primeira série: um enfoque de desenvolvimento. Psicologia em Estudo, 13(1), 79-87. [ Links ]
Marturano, E. M., & Gardinal-Pizato, E. C. (2010). Qualidade da escola, desempenho e percepção de tensões cotidianas no início ensino fundamental. Resumos de Comunicação Científica (CD-ROM). Curitiba, XL Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia. [ Links ]
Marturano, E. M., Trivelatto-Ferreira, M. C., & Gardinal, E. C. (2009). Estresse cotidiano na transição da 1ª série: percepção dos alunos e associação com desempenho e ajustamento. Psicologia Reflexão e Crítica, 22(1), 93-101. [ Links ]
Morrison, F. J., Cameron, C. & McClelland, M. M. (2010). Self-reguation and academic achievement in the transition to school. In S. D. Calkins & M. A. Bell (orgs.). Child development at the intersection of emotion and cognition. Human brain development. (pp. 203-224). Washington, DC, US: American Psychological Association. [ Links ]
Pacanaro, S. V., & Nucci, E. P. D. (2005). Stress infantil: uma comparação entre meninos e meninas do ensino fundamental. Argumento. Revista das Faculdades de Educação, Ciências e Letras e Psicologia Padre Anchieta (Jundiaí, SP), 13, 65-76. [ Links ]
Rutter, M., & Maugham, B. (2002). School effectiveness findings 1979-2002. Journal of School Psychology, 40, 451-475. [ Links ]
Sbaraini, C. R. & Schermann, L. B. (2008). Prevalência de estresse infantil e fatores associados: um estudo com escolares em uma cidade do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 24(5), 1082-1088. [ Links ]
Tanganelli, M. S. L., & Lipp, M. E. N. (1998). Sintomas de stress na rede pública de ensino. Estudos de Psicologia (Campinas), 15(3), 17-27. [ Links ]
Trivellato-Ferreira, M. C. & Marturano, E. M. (2008). Recursos da Criança, da família e da Escola Predizem Competência na Transição da 1ª Série. Revista Interamericana de Psicologia, 42(3), 549-558. [ Links ]
Valiente, C., Fabes, R. A., Eisenberg, N., & Spinrad, T. L. (2004). The relations of parental expressivity and support to children’s coping with daily stress. Journal of Family Psychology, 18, 91–106.
Vilela, M. V. (1995). Sintomas e fontes de stressem uma amostra de escolares da 1ª a 4ª série (Dissertação de mestrado não publicada). Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC. Campinas. Brasil.
Endereço para correspondência
Marta Regina Gonçalves Correia-Zanini
E-mail: psico_marta@yahoo.com.br
Recebido: 27/08/2014
1ª reformulação: 22/11/2014
Aceito: 10/12/2014
1 Marta Regina Gonçalves Correia-Zanini é doutora em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e pós-doutoranda pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
2 Edna Maria Marturano é professora titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.