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Revista da SPAGESP
Print version ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP vol.18 no.1 Ribeirão Preto Jan./June 2017
ARTIGOS
Saúde emocional de agentes comunitários: Burnout, estresse, bem-estar e qualidade de vida
Emotional health of community agents: burnout, stress, well-being and quality of life
Salud emocional de los agentes comunitarios: burnout, estrés, bienestar y calidad de vida
Mônia Aparecida da Silva1, I; Simone Steyer Lampert2, I; Denise Ruschel Bandeira3, I; Cleonice Alves Bosa4, I; Sabrina Martins Barroso5, II
IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil
IIUniversidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba-MG, Brasil
RESUMO
Este estudo objetivou avaliar a prevalência de burnout, estresse, qualidade de vida e bem-estar subjetivo em agentes comunitários de saúde (ACS), buscando relações entre tais variáveis e as características sociodemográficas e de trabalho destes profissionais. Participaram 74 ACS, predominantemente mulheres, com ensino médio, atuantes na profissão por aproximadamente 2,5 anos. Utilizou-se instrumentos para avaliar burnout, estresse e bem-estar subjetivo e um questionário sociodemográfico. Os resultados indicaram elevados índices de burnout e estresse, mas bons níveis de bem-estar subjetivo e qualidade de vida. Houve relação entre burnout, estresse e piores níveis de bem-estar subjetivo e qualidade de vida. O tempo de serviço associou-se com exaustão emocional, fase do estresse e sentimentos negativos. Os ACS estão emocionalmente desgastados, sendo necessário criar intervenções para essa população.
Palavras-chave: profissionais da saúde; burnout; qualidade de vida; saúde pública.
ABSTRACT
This study aimed to evaluate the prevalence of burnout, stress, quality of life and subjective well-being in community health agents (CHW), seeking to link these variables to professionals´ sociodemographic and work characteristics. Participants were 74 CHW, most female with high school education, mean 2,5 years in employment. Instruments were used to assess burnout, stress, subjective well-being, and a sociodemographic questionnaire was also used. Results showed high levels of burnout and stress, but good levels of subjective well-being and quality of life. Relationships between burnout, stress and poorer subjective well-being and quality of life were found. Time in employment was related to emotional exhaustion, phase of stress and negative feelings. The CHW are emotionally frayed, and there is a need to create interventions for this population.
Keywords: health personnel; burnout; quality of life; public health.
RESUMEN
Este estudio tuvo como objetivo estimar la prevalencia de burnout, estrés, calidad de vida y bienestar subjetivo en agentes comunitarios de salud (ACS), buscando las relaciones entre dichas variables y las características sociodemográficas y de trabajo de estos profesionales. Participaron 74 ACS, en su mayoría mujeres, de nivel secundario, que trabajan en la profesión durante aproximadamente 2,5 años.Los resultados mostraron altos niveles de burnout y estrés, pero también niveles altos de bienestar subjetivo y calidad de vida. Los resultados muestran una relación entre el burnout, estrés y poco bienestar subjetivo y calidad de vida. El corto periodo de trabajo se correlacionó con el agotamiento emocional, la fase de estrés y sentimientos negativos. Los ACS están desgastados emocionalmente, por lo que es necesario crear intervenciones para esta población.
Palabras clave: personal de salud; burnout; calidad de vida; salud pública.
Os agentes comunitários de saúde (ACS) desempenham um papel fundamental na Estratégia de Saúde da Família, atuando como elo de ligação entre a população e as Unidades Básicas de Saúde – UBS (Bornstein & David, 2014). Faz parte da proposta do governo que os ACS realizem visitas domiciliares para orientar a população sobre os serviços de saúde oferecidos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e uso de medicação, bem como auxiliar no agendamento de consultas (Fonseca, Morosini, & Mendonça, 2013). As visitas possibilitam que os ACS conheçam intimamente a realidade da população que auxiliam, em especial porque o governo prioriza que esses profissionais residam na comunidade onde atuam (Trindade, Gonzales, Beck, & Lautert, 2007; Trindade & Lautert, 2010).
A proximidade com a comunidade e o contato com situações de vulnerabilidade expõem os ACS a situações para as quais não existe um treinamento específico (Bornstein & David, 2014) e os confronta com questões pessoaise culturais (Telles & Pimenta, 2009), podendo acarretar desgaste emocional (Trindade & Lautert, 2010). As profissões que fornecem cuidados diretos são consideradas como fator de risco para o surgimento de estresse e burnout (Maslach, 2006). Esse risco aumentado surge da proximidade da relação entre região de moradia e público atendido e de fatores ligados ao trabalho desenvolvido, como a baixa resolutividade (Martellet, Motta, & Carpes, 2014) ou da presença de conflitos com outros profissionais de saúde (Bornstein & David, 2014).
Apesar de poderem surgir juntos, estresse e burnout se diferenciam. O estresse compreende as respostas fisiológicas, psicológicas e comportamentais que surgem para atender a pressões geradas por estressores internos ou externos. Essa condição é natural e só se torna patológica se for mantida de forma constante e prolongada (Lipp, 2000). O burnout representa uma resposta ao estresse crônico no contexto laboral. Difere do estresse por ser uma reação a ele, sua relação direta com o trabalho e a presença da despersonalização (Menegussi, Ogata, & Rosalini, 2014). As características do burnout incluem: 1. exaustão emocional, caracterizada por falta de energia e sensação de esgotamento; 2. despersonalização, definida como falta de sensibilidade e distanciamento no trabalho; 3. baixa realização profissional, marcada pela não atribuição de sentido ao trabalho e diminuição da percepção de competência (Maslach, 2006).
Diversos estudos mostram que as características do trabalho desenvolvido pelos profissionais de saúde têm potencial para impactar suas condições emocionais e qualidade de vida (Bornstein & David, 2014, Martellet et al., 2014). Da mesma forma, a vivência intensa de problemas emocionais pelos profissionais pode causar efeitos negativos tanto individualmente quanto para a organização dos serviços. Individualmente, estresse e burnout podem impactar de forma negativa tanto o bemestar subjetivo quanto a qualidade de vida dos profissionais, com consequente surgimento ou aumento de sintomas como cansaço, dores de cabeça, alteração do apetite, insônia, irritabilidade e instabilidade emocional (Embriaco, Papazian, KentishBarnes, Pochard, & Azoulay, 2007). Além disso, alto burnout e baixa qualidade de vida estão associados com menor satisfação com a carreira (Kuerer et al., 2007).Quanto à organização, pode ocorrer uma piora da qualidade dos serviços prestados aos usuários, decorrente de uma possível maior rigidez e diminuição da empatia dos profissionais (Trindade & Lautert, 2010; Ursine, Trelha, & Nunes, 2010). Pode, também, ocorrer maior absenteísmo e alta rotatividade no trabalho (Embriaco et al., 2007). No caso dos ACS, a maior parte das investigações foca apenas no burnout e têm mostrado alta prevalência da síndrome nesta população (Barroso & Guerra, 2013; Telles & Pimenta, 2009).
Compreender a saúde emocional dos ACS e suas relações com características pessoais e suas condições de trabalho pode auxiliar o desenvolvimento de intervenções que auxiliem na manutenção da qualidade de vida e saúde emocional desses profissionais. Assim, visando aumentar o conhecimento sobre a relação entre o trabalho e as condições emocionais dos ACS, o presente estudo investigou a prevalência de burnout, estresse, qualidade de vida e bem-estar subjetivo em ACS, buscando relações entre tais variáveis e características sociodemográficas e do trabalho destes profissionais.
MÉTODO
DELINEAMENTO
Estudo exploratório, descritivo e correlacional. A coleta de dados foi do tipo transversal.
PARTICIPANTES
A amostra foi composta por 74 ACS de quatro cidades de pequeno e médio porte de Minas Gerais (São João del-Rei, Prados, Tiradentes e Uberaba). A seleção da amostra foi do tipo não probabilística e incluiu os ACS que estavam na unidade de saúde no dia da coleta de dados. Não houve recusas em participar do estudo e todos os ACS convidados responderam aos instrumentos. Contudo, foi necessário excluir três participantes por omissões ou erros no preenchimento (77 indivíduos preencheram os questionários). As características sociodemográficas dos três participantes excluídos não diferiram do restante da amostra. A média de idade dos respondentes foi 32,39 anos (DP ± 7,91), variando entre 18 e 56 anos, com predomínio de mulheres (89,2%), com segundo grau completo (100%), vivendo em união estável (70,2%). A maioria pertencia à classe socioeconômica C do Critério Socioeconômico Brasil, com renda entre R$ 934,00 e R$ 1.392,00 mensais (48,7%). O tempo médio de trabalho como ACS foi de 32,61 meses (DP ± 32,85), ou seja, próximo de dois anos e meio.
INSTRUMENTOS
1. Questionário sociodemográfico, que incluía perguntas sobre estado civil, idade, escolaridade, tempo de trabalho como ACS e cidade onde atuava. Ao questionário foi incorporado o Critério de Classificação Econômica Brasil, versão 2011 (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, 2011), para definição do nível econômico dos respondentes.
2. Maslach Burnout Inventory (MBI). Inventário adaptado para o Brasil por Tamayo (1997), é um dos instrumentos mais utilizados internacionalmente para avaliação do burnout. Possui 22 itens, distribuídos em três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e realização profissional. O instrumento possui validade de construto e suas três dimensões juntas explicaram 46,89% da variância dos dados (Carlotto & Câmara, 2004). A fidedignidade do instrumento, avaliada pelo alfa de Cronbach para as três escalas, também alcançou níveis adequados, sendo α = 0,86 para a dimensão exaustão emocional, α = 0,69 para despersonalização e α = 0,76 para realização profissional (Lautert, 1997). As respostas são fornecidas em escala likert de 5 pontos, variando entre "nunca"e "diariamente". A combinação dos níveis encontrados de exaustão, despersonalização e baixa realização profissional define a presença e o nível de burnout. A pontuação do MBI varia entre 22 e 110 pontos e não tem ponto de corte estabelecido para o Brasil, por isso, foram adotados os valores utilizados por Moreira, Magnago, Sakae e Magajewski (2009), identificando burnout elevado nas pessoas com pontuação de 34 pontos ou mais no escore global. A exaustão emocional foi considerada elevada quando se observou 27 pontos ou mais, a despersonalização com 10 pontos ou mais e a realização profissional com 33 pontos ou menos, já que tem pontuação invertida.
3. Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp – ISSL. Desenvolvido por Lipp (2000), o ISSL avalia sintomas físicos e psicológicos do estresse em três momentos: nas últimas 24 horas, na última semana e no último mês. A pontuação é feita separadamente por período, permitindo identificar a presença e a fase do estresse (alerta, resistência, quase-exaustão e exaustão), além do tipo predominante de sintoma (físico, psicológico ou uma combinação de ambos).
4. Escala de Bem-Estar Subjetivo (EBES). Desenvolvida por Albuquerque e Trócolli (2004), é composta por 62 itens, distribuídos em três dimensões: afetos positivos, afetos negativos e satisfação com a vida. O instrumento possui qualidades psicométricas adequadas. Em relação à validade de construto, os três fatores juntos explicaram 44,1 % da variância total do construto. Quanto à fidedignidade, obtiveramse índices adequados de alfa de Cronbach, sendo α = 0,95 para a dimensão afeto positivo, α = 0,95 para afeto negativo e α =0,90 para satisfação com a vida. A escala apresenta alternativas de resposta em escala likert variando entre "nem um pouco" e "extremamente".
5. Instrumento Breve de Avaliação da Qualidade de Vida da OMS (WHOQOLbref). Validado para o Brasil por Fleck et al. (2000), é composto por 24 itens, que avaliam quatro dimensões: física, psicológica, relações sociais e meio ambiente. Possui ainda dois itens globais que avaliam a qualidade de vida geral e a satisfação com a saúde. O WHOQOL-bref possui propriedades psicométricas satisfatórias de consistência interna, validade discriminante, validade de critério, validade concorrente e fidedignidade teste-reteste. Adotou-se a correção informatizada proposta pelos criadores do instrumento e, diante da ausência de pontos de corte, considerou-se a qualidade de vida dos ACS como baixa quando os valores observados na amostra diferiram dois desvios-padrão da média da amostra não-clínica do estudo de Fleck et al. (2000).
PROCEDIMENTO
A coleta de dados aconteceu nas UBS, em um horário pré-agendado com os chefes das equipes de saúde. A coleta ocorreu no dia das reuniões dos agentes comunitários, em um momento conveniente para eles. Os instrumentos foram autopreenchidos pelos ACS, de forma individual. A identificação do participante era opcional. A equipe de pesquisa não estava presente no momento da coleta e recolheu os questionários com os chefes das equipes após a aplicação. Os instrumentos foram respondidos sempre na mesma ordem, sendo os dados sociodemográficos coletados por último. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (processo nº 2090/2011) e pelas UBS envolvidas. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
ANÁLISE DE DADOS
Os dados foram inicialmente analisados por meio de estatísticas descritivas de tendência central. Em seguida, seguindo indicação da literatura (Field, 2009), constatada a normalidade da variável burnout por meio do índice de Kolmogorov-Smirnov (k = 0,88; p = 0,42), foram feitas análises correlacionais bivariadas de Pearson entre o burnout e as demais variáveis investigadas. As diferenças entre os participantes quanto ao status de relacionamento (vivendo com companheiro ou sem companheiro) e tempo de atuação como ACS em relação aos construtos de interesse foram investigadas por meio do teste t-Student para amostras independentes. Para as médias que diferiram significativamente, foi investigada a magnitude do efeito por meio do coeficiente d de Cohen.
RESULTADOS
Os resultados mostraram que 89,20% dos entrevistados apresentavam escore indicativo de burnout. Em relação às dimensões específicas, a maioria dos ACS apresentou nível médio de exaustão emocional, nível alto de despersonalização e baixo de realização profissional. Grande parte da amostra apresentou, ainda, triagem positiva para estresse patológico, estando a maioria na fase de resistência e apresentando sintomas predominantemente psicológicos (Tabela 1).
Apesar dos índices elevados de estresse e burnout, a maior parte dos ACS apresentou índices bons ou regulares de qualidade de vida em todos os aspectos avaliados. Com relação ao bem-estar subjetivo, observou-se predominância de níveis bons ou regulares no afeto positivo e negativo e na satisfação com a vida.
As análises de relação entre as variáveis (Tabela 2) mostraram que quanto maior o nível de burnout, maior a média observada de afeto negativo e de estresse dos ACS. O maior nível de burnout também apresentou relação com a menor presença de afeto positivo e qualidade de vida mais baixa na dimensão meio ambiente.
Avaliando os aspectos do burnout separadamente, a exaustão emocional apresentou correlação negativa de magnitude moderada com todas as dimensões da qualidade de vida. A exaustão emocional também correlacionou negativamente com as dimensões afeto positivo e satisfação com a vida do bem-estar subjetivo e positivamente com a dimensão afeto negativo. A exaustão emocional apresentou, ainda, correlação positiva com o maior estresse e com o menor tempo de trabalho.
A despersonalização esteve associada à maior média de afeto negativo, ao maior estresse e a ser mais jovem. Os resultados indicaram, ainda, que os ACS com maior realização profissional experimentavam menor média de afetos negativos, menor estresse e maior média de afetos positivos. Os ACS que tinham maior realização profissional eram aqueles que exerciam a profissão por mais tempo.
Foram feitas análises de diferenças de aspectos emocionais dos ACS por status de relacionamento (Tabela 3) e por tempo de trabalho na profissão (Tabela 4). Com relação ao status de relacionamento, observou-se que os participantes que viviam sem companheiro apresentaram maior média de despersonalização quando comparados aos demais. Essa diferença apresentou um tamanho de efeito de magnitude grande. Análises adicionais revelaram que, dentre os 21 solteiros integrantes da amostra, 12 mostraram níveis elevados de despersonalização (57,1%), enquanto entre os casados a proporção foi de 24,0% com elevada despersonalização. Para as demais dimensões do burnout, do bem-subjetivo e da qualidade de vida não foram encontradas diferenças entre os participantes com relação ao status de relacionamento.
Participantes com diferentes status de relacionamento também foram comparados em relação à fase (alerta, resistência e exaustão) e ao tipo predominante (físico, psicológico, físico + psicológico) de estresse. Os resultados indicaram que eles não diferiram significativamente nestes aspectos.
Os resultados sobre diferenças em relação ao tempo na profissão (Tabela 4) mostraram que os trabalhadores que atuavam como ACS há menos tempo estavam mais exaustos emocionalmente, o que foi confirmado pela maior média global de burnout para este grupo. Os ACS que trabalhavam há menos tempo na profissão apresentaram maiores índices de exaustão emocional e mais baixa realização profissional. Estes ACS também apresentaram maior média de afetos negativos. Todas as diferenças das médias obtiveram tamanho de efeito moderado.
Com relação à avaliação do estresse, 60,5% dos ACS com menos tempo de serviço apresentaram sintomas indicativos das fases de resistência e exaustão, considerados de maior gravidade do estresse. No grupo de ACS que desempenhavam a função há mais tempo, apenas 26,9% dos participantes apresentaram estes tipos de sintomas. Em relação ao tipo predominante de estresse, 16,7% dos participantes do primeiro grupo apresentaram sintomas tanto físicos como psicológicos, enquanto no segundo grupo nenhum participante apresentou ambos os sintomas.
DISCUSSÃO
O presente estudo permitiu conhecer melhor as condições de saúde emocional de ACS de quatro cidades do interior de Minas Gerais e identificar fatores associados à síndrome de burnout nesses profissionais. O perfil dos ACS condiz com os observados em outros estudos sobre essa população (Bornstein & David, 2014; Menegussi et al., 2014; Ursine et al., 2010). A maioria dos profissionais avaliados estava esgotada emocionalmente e as análises correlacionais e de diferenças de grupo mostraram que parte dessa exaustão estava relacionada com o tempo atuando como ACS. A identificação de níveis elevados de burnout e estresse em profissionais de saúde não é algo inédito (Barroso & Guerra, 2013; Meneghini & Lautert, 2011; Tironi et al., 2009), embora seja bastante preocupante.
Todas as dimensões do burnout mostraram correlações com o estresse, o que corrobora com a hipótese de que essa síndrome surge como uma reação à prolongada exposição ao estresse, somada à frustração com o trabalho (Maslach, 2006). O nível de burnout e estresse observado no presente estudo foi superior ao descrito para outros profissionais de saúde no Brasil. No estudo de Glasberg e colaboradores (2007) observou-se uma prevalência de 7,8% de burnout em médicos oncologistas. No trabalho de Tironi et al. (2009), observou-se a elevada prevalência de 63,3% de burnout em médicos de terapia intensiva.Quanto aos estudos sobre ACS, Silva e Menezes (2008) observaram prevalência de 24,1% de burnout em uma amostra no estado de São Paulo. Mota, Dosea e Nunes (2014) avaliaram ACS de Aracaju e observaram que 29,3% preenchiam os critérios para triagem da síndrome de burnout. Barroso e Guerra (2013) observaram uma prevalência de 58,4% de ACS triados para síndrome de burnout em Caetanópolis, no interior de Minas Gerais.
Os resultados mostraram, ainda, que a exaustão emocional, fase do estresse e nível dos afetos negativos dos ACS estavam associadas ao menor tempo atuando na função. Silva e Menezes (2008) indicaram que os ACS mais afetados pelas condições de trabalho terminam desistindo ou mudando de profissão, o que gera a alta rotatividade observada na área. A esse fenômeno Maslach (2006) denominou de "viés de sobrevivência". Uma observação feita no desenvolvimento do presente trabalho pode corroborar com essa explicação. Os dados relatados no estudo foram coletados no final de 2011 e, no final de 2012, os autores voltaram a entrar em contato com as UBS participantes e observaram que 60% dos ACS que compuseram a amostra já não exerciam mais a profissão.
Observou-se, ainda, correlação entre a menor idade do profissional e elevada despersonalização. Para Maslach, Schaufeli e Leiter (2001), o burnout é mais prevalente entre profissionais com menos de 30 anos, em parte por causa da excessiva idealização de jovens em relação ao trabalho e da frustração de expectativas não concretizadas. De fato, a frustração de expectativas pode se manifestar pela baixa realização profissional que era sentida pela maioria dos sujeitos da presente amostra. Trindade e Lautert (2010) também encontraram maior prevalência da síndrome de burnout entre os ACS mais jovens.
Os achados mencionados acima sugerem que o desgaste dos ACS é altamente influenciado pelas condições de trabalho destes profissionais. A falta de capacitação específica é apontada pelos ACS como um sério dificultador para realização de seu trabalho (Bornstein & David, 2014). Maslach(2006) indicou que a sobrecarga, falta de resolutividade, recompensas restritas, conflitos com a comunidade, desigualdades no ambiente de trabalho e divergências na equipe de saúde são fatores associados ao surgimento da síndrome de burnout
As relações de trabalho também precisam ser melhor consideradas. O estudo de Nunes Trad, Almeida, Homem e Melo (2002) identificaram que a equipe de saúde não reconhece os ACS como profissionais da saúde, negando a estes profissionais o acesso aos prontuários clínicos e não os percebendo como capazes de executar nem mesmo procedimentos simples, como aferir pressão arterial.
Os resultados mostraram que, apesar do desgaste emocional, os ACS ainda estão conseguindo manter bons níveis de bem-estar subjetivo e qualidade de vida. Um dos fatores que pode ter contribuído para tal resultado é a abrangência do construto qualidade de vida, que envolve a dimensão do trabalho, mas também vários outros aspectos da vida dos indivíduos. Pode ser que outras dimensões da qualidade de vida, como suporte familiar, condições sociais, fatores pessoais e de saúde, entre outros, podem estar mediando o efeito do trabalho na vida dos ACS e atenuando algumas de suas possíveis consequências negativas (Mascarenhas, Prado, & Fernandes, 2013). Além disso, a correlação observada entre as dimensões do bem-estar subjetivo e o burnout pode indicar que o bem-estar subjetivo está atuando como fator mediador para manutenção da qualidade de vida, amenizando o impacto negativo do esgotamento e do estresse no trabalho em outras dimensões da vida do indivíduo. Essa possível interpretação corrobora com o pensamento de Silva (2000), que entende que o bemestar subjetivo pode ajudar na adaptação ao ambiente, manutenção de relacionamentos saudáveis e harmônicos e capacidade de trabalho.
Entre as dimensões da qualidade de vida, o meio ambiente foi a que se relacionou mais fortemente tanto com o burnout global, quanto com a exaustão emocional. Esta dimensão envolve aspectos relacionados às condições de trabalho, tais como recursos financeiros e ambiente físico. Na investigação conduzida por Mascarenhas et al. (2013), sobre a qualidade de vida de ACS de Jequié, também foi observado pior resultado no aspecto meio ambiente da qualidade de vida dos profissionais.Este achado também corrobora o estudo de Barroso e Guerra(2013), que encontrou uma forte associação entre a menor qualidade de vida na dimensão ambiente e a maior exaustão emocional dos ACS. A maior exaustão emocional também esteve associada à qualidade de vida mais baixa em todas as dimensões avaliadas e com a menor satisfação com a vida. Esse achado demonstra que o burnout atua como um fator de risco à qualidade de vida e ao bem-estar, precisando ser sempre considerado quando forem planejadas intervenções para os ACS.
O presente estudo permitiu caracterizar aspectos da saúde emocional dos ACS de quatro cidades do interior de Minas Gerais e identificar alguns pontos-chave para futuras intervenções com essa população. É possível que a criação de grupos psicoeducativos sejam formas de enfrentar tais situações. Esses grupos, que podem incluir em suas temáticas as dificuldades na rotina dos ACS e estratégias de enfrentamento, podem ajudar os trabalhadores a usar seus sentimentos positivos e satisfação profissional como formas para minimizar o burnout e o estresse e melhorar sua qualidade de vida. A intervenção deve focar, ainda, na formalização do treinamento profissional e nas atribuições dos ACS, bem como nas questões relacionais entre integrantes das equipes de saúde. Tais medidas podem ajudar a reduzir problemas como a queda da produtividade, absenteísmo, alta rotatividade, licenças para tratamentos de saúde e uso abusivo de tranquilizantes, álcool e outras drogas, que tem se tornado comuns entre os ACS (Silva & Menezes, 2008).
Embora essas conclusões sejam importantes, cabe indicar que esse estudo possui limitações, como o pequeno tamanho da amostra, sua regionalidade e escolha nãoaleatória, a impossibilidade de estabelecimento de relações causais, dado o caráter transversal da investigação e a ausência de questões sobre aspectos do relacionamento com outros profissionais e dados sobre a saúde física dos ACS no questionário. Considerando o importante papel dos ACS para a saúde pública brasileira, recomendase realização de novos estudos sobre a saúde mental e física destes profissionais, utilizando metodologia mais refinada, com maior tempo de seguimento e ampliando os aspectos de saúde investigados. Recomenda-se, também, que sejam conduzidos estudos com ACS de diferentes regiões do Brasil e que atuem em cidades de diferentes densidades populacionais, a fim de entender melhor como alguns aspectos do trabalho (proximidade com a população, distâncias percorridas, características regionais) influenciam na saúde física e emocional dos profissionais. Tais ações podem contribuir para a qualidade de vida dos ACS e ajudar a garantir a qualidade do atendimento de milhões de pessoas assistidas por estes profissionais na rede de atenção à saúde pública do Brasil.
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Endereço para correspondência
Mônia Aparecida da Silva
E-mail: moniapsi@yahoo.com.br
Recebido: 01/09/2016
1ª revisão: 15/11/2016
Aceite: 22/11/2016
1 Mônia Aparecida da Silva é doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
2 Simone Steyer Lampert é doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
3 Denise Ruschel Bandeira é docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
4 Cleonice Alves Bosa é docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
5 Sabrina Martins Barroso é docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.