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Psicologia Hospitalar
versión On-line ISSN 2175-3547
Psicol. hosp. (São Paulo) v.6 n.1 São Paulo 2008
ARTIGOS ORIGINAIS
Burnout em profissionais de enfermagem no contexto hospitalar
Burnout in nursing professionals at hospital context
Daniele Carolina Marques da Silva1, Marina de Figueiredo Loureiro2, Rodrigo Sanches PeresI,3
IUniversidade Federal de Uberlândia
RESUMO
Segundo a perspectiva psicossocial, o burnout é uma síndrome composta por sintomas de exaustão emocional, despersonalização e insatisfação profissional, aos quais se encontram propensos os profissionais voltados primariamente ao cuidado do outro. O presente estudo teve como objetivo avaliar a ocorrência de burnout em profissionais de enfermagem e delinear seus possíveis fatores associados em termos sócio-demográficos e ocupacionais. A amostra foi composta por 145 profissionais de enfermagem de um hospital filantrópico. Todos eles foram submetidos à aplicação de um questionário de dados sócio-demográficos e ocupacionais concebido especialmente para essa finalidade e do Maslach BurnoutInventory - HumanServicesSurvey (MBI-HSS), em uma adaptação nacional. Os resultados obtidos fornecem elementos para uma melhor compreensão de fatores individuais e laborais associados à síndrome e apontam para a necessidade de se dedicar atenção especial à saúde mental dos profissionais de enfermagem.
Palavras-chave: Burnout; Profissionais de enfermagem; Psicologia hospitalar; Avaliação psicológica.
ABSTRACT
From a psychosocial perspective, burnout is a syndrome exhibiting symptoms of emotional exhaustion, depersonalization and professional dissatisfaction. Professionals who are involved with the care of others are the most likely to suffer from it. The objective of this study was to evaluate the occurrence of burnout in nursing professionals and to delineate its possible socio-demographic and occupational factors. The sample was composed of 145 nursing professionals from a philanthropic hospital. They were all submitted to a socio-demographic and occupational questionnaire especially conceived of for this purpose, and to the Maslach Burnout Inventory - Human Services Survey (MBI-HSS), i.e., a Brazilian adaptation of it. The results obtained supply elements for a better understanding of individual and work factors associated with the syndrome, and highlight the need for special attention to the mental health of nursing professionals.
Keywords: Burnout; Nursing professionals; Hospital psychology; Psychological evaluation.
O trabalho no contexto hospitalar envolve a execução tanto de atividades estimulantes quanto de procedimentos desgastantes. Cabe aos profissionais de enfermagem - auxiliares, técnicos e enfermeiros - uma parcela expressiva desses procedimentos desgastantes, já que os mesmos são responsáveis pelo cuidado direto de pessoas enfermas e, assim, mantém proximidade com a dor e o sofrimento alheio. Não obstante, muitos profissionais de enfermagem recorrem à dupla jornada de trabalho devido à baixa remuneração e acabam por se render a relações, organizações e condições que podem irromper em um sofrimento mental importante (Lima Júnior & Ésther, 2001).
A vivência dicotômica de sentimentos experimentada por profissionais de enfermagem no âmbito laboral ilustra que, como postulam diversos autores, o trabalho pode, dependendo de uma série de fatores individuais e ocupacionais, representar fonte de satisfação ou de insatisfação pessoal. Quando esta prevalece em detrimento daquela, o significado que o trabalho deveria ter para o trabalhador acaba por se perder, e isso afeta diretamente seu funcionamento emocional. Afinal, segundo Dejours (1992), o trabalho é o principal mediador da realização social do indivíduo contemporâneo e não há, atualmente, nada que possa substitui-lo nessa função.
Vale destacar também que a conjuntura do trabalho sofreu metamorfoses profundas nas últimas décadas. Nesse ínterim, o crescimento das taxas de desemprego parece, à primeira vista, ser a questão mais preocupante. Conforme Peres, Santos e Carvalho (2003), tal questão, porém, pode ser considerada apenas a ponta do iceberg de uma problemática mais complexa, em cujo seio se observa a precarização das condições e das relações de trabalho. O sofrimento ao qual o sujeito é submetido no âmbito laboral, desse modo, acaba por ser um fator de extrema relevância na determinação de transtornos relacionados ao estresse.
Conforme a definição mais utilizada na literatura científica, o estresse pode ser entendido como um estado que se caracteriza por alterações fisiológicas e psicológicas processadas no organismo quando este se encontra em uma situação que demanda uma reação mais intensa que aquela que corresponde à sua atividade normal (Selye, 1965). Essa definição ensejou a criação de um modelo trifásico do estresse, o qual compreende as fases de alerta, resistência e exaustão. Para o autor em questão, tais fases se sucedem diante da inadequação dos esforços adaptativos mobilizados pelo evento estressor e podem levar o indivíduo ao seu limite.
Na esteira dos desenvolvimentos conceituais do modelo trifásico do estresse, Freudenberger (1974) criou o termo burnout para descrever uma síndrome em cuja sintomatologia se destacava o esgotamento profissional. Esse termo deriva do verbo inglês to burn out, o qual tem como significado em língua portuguesa “queimar por completo” ou “consumir-se”. O referido autor constatou, em si mesmo, que sua atividade profissional como psicanalista, que tanto prazer lhe trouxera no passado, passou a frustrá-lo de modo acentuado. A partir disso, descreveu o burnout como um sentimento de fracasso e exaustão causado por um excessivo desgaste de energia e recursos internos. Ademais, posteriormente observou que fadigabilidade, irritabilidade, depressão, aborrecimento, rigidez e inflexibilidade também desempenhavam um papel importante na composição da síndrome.
Na década seguinte, Maslach e Jackson (1981), contrapondo-se à perspectiva clínica de Freudenberger, situaram o burnout no contexto das relações estabelecidas entre características do indivíduo e especificidades do ambiente de trabalho. A síndrome, então, passou a ser entendida como um processo iniciado com excessivos e prolongados níveis de estresse oriundos do exercício profissional (Trigo, Teng & Hallak, 2007). Além disso, vale destacar que, aprimorando essa perspectiva psicossocial, Maslach e Leiter (1999) propuseram que o burnout se apresenta como uma síndrome tridimensional, composta pelos seguintes fatores: exaustão emocional, despersonalização e insatisfação profissional.
A exaustão emocional é caracterizada por uma carência de energia e envolve sentimentos de desesperança, solidão, depressão, raiva, impaciência, irritabilidade, tensão, diminuição de empatia, bem como aumento da suscetibilidade para doenças - cefaléia, náusea, tensão muscular, dor lombar ou cervical e distúrbios do sono. Já a despersonalização se evidencia pelo tratamento de pacientes, colegas e organização como objetos inanimados, provocando a sensação de alienação em relação aos outros. A insatisfação profissional, por fim, é um fenômeno comportamental moldado por uma tendência a se auto-avaliar de forma negativa, levando o profissional a se sentir infeliz e insatisfeito com o desempenho de seu trabalho (Rosa & Carlotto, 2005; Gil-Monte & Peiró, 1997).
Em que pesem as aproximações conceituais que podem ser delineadas entre o estresse - sobretudo o chamado estresse ocupacional, ou seja, o estresse decorrente do trabalho - e o burnout, é preciso mencionar a existência de diferenciações importantes. Segundo Benevides-Pereira (2002), na descrição do burnout o comprometimento das relações interpessoais em profissionais assistenciais no âmbito laboral é colocada em relevo, já que conduz a um significativo prejuízo da prestação de serviços. Logo, conclui-se, conforme Carvalho e Malagris (2007), que profissionais de quaisquer segmentos são suscetíveis do estresse ocupacional, ao passo que somente os profissionais voltados primariamente ao cuidado do outro estão propensos ao desenvolvimento de burnout.
Dentre os profissionais voltados primariamente ao cuidado do outro, os profissionais de enfermagem podem ser considerados em condição de grande vulnerabilidade ao burnout (Trigo, Teng & Hallak, 2007). Afinal, a divergência entre a expectativa que os mesmos possuem com relação ao trabalho em função da filosofia humanística que o caracteriza e a realidade que encontram no âmbito laboral pode desencadear um sofrimento emocional severo. Além disso, a maioria dos profissionais de enfermagem desenvolve suas atividades no contexto hospitalar, de maneira que, para Rosa e Carlotto (2005), se encontra exposta a estressores ocupacionais que afetam sua saúde mental, tais como as longas jornadas de trabalho, a inadequação de equipamentos e a exposição a riscos químicos e físicos.
É importante salientar também que os profissionais de enfermagem buscam o reconhecimento de seu papel real perante a sociedade, a fim de obter maior valorização e melhor remuneração. Nesse processo, têm enfrentado dificuldades que, causando repercussões emocionais, podem comprometer o exercício de suas atividades no âmbito laboral devido à desmotivação. A identidade profissional dos mesmos pode ser prejudicada e, como conseqüência, afetar o envolvimento com o trabalho. Cria-se, assim, uma condição propícia ao surgimento de atitudes negativas para com os pacientes, os colegas de trabalho e a instituição hospitalar, o que, por sua vez, caracteriza a ocorrência de burnout em seus aspectos principais (Stacciarini & Tróccoli, 2002).
Diante do exposto, torna-se inquestionável a relevância de se dedicar maior atenção ao burnout em profissionais de enfermagem e seus fatores associados. No cenário internacional, diversos autores, como revela a revisão bibliográfica empreendida por Trigo, Teng e Hallak (2007), têm desenvolvido investigações empíricas com esse enfoque. Entretanto, ainda são relativamente escassas as pesquisas nacionais que possuem tal natureza e contemplam essa temática. A reversão desse cenário é essencial para que, com base em evidências científicas, sejam implementadas políticas públicas capazes de evitar que as danosas conseqüências do burnout nos níveis institucional, social e pessoal venham a atingir proporções ainda mais alarmantes no país.
A revisão da literatura executada para os fins do presente estudo em periódicos científicos brasileiros conduziu à localização de apenas três pesquisas empíricas voltadas à avaliação de burnout em profissionais de enfermagem e à identificação de seus fatores associados. Todas elas foram desenvolvidas mediante a utilização do Maslach Burnout Inventory - Human Services Survey (MBI-HSS), instrumento amplamente difundido no mundo todo para a avaliação de burnout em termos das três dimensões que, segundo a perspectiva psicossocial, compõem a síndrome: exaustão emocional, despersonalização e insatisfação profissional. Logo, conclui-se que o modelo teórico de Maslach e Jackson (1981) tem sido a principal referência nas pesquisas dedicadas ao assunto.
Na primeira dessas pesquisas, Lautert (1997) avaliou as relações entre o burnout em uma amostra de 341 enfermeiras que trabalhavam em hospitais do Rio Grande do Sul e algumas variáveis ocupacionais e demográficas. Já Borges, Argolo, Pereira, Machado e Silva (2002) delinearam associações entre o burnout e valores organizacionais em uma amostra de 205 sujeitos constituída por profissionais de enfermagem e outros profissionais de saúde vinculados a hospitais do Rio Grande do Norte. Por fim, Rosa e Carlotto (2005) exploraram as relações entre o burnout, variáveis demográficas e profissionais e fatores de satisfação no trabalho em uma amostra de 72 trabalhadores de um hospital - sendo a maioria deles profissionais de enfermagem - do Rio Grande do Sul.
Com o intuito de fornecer elementos para uma compreensão mais detalhada do burnout em profissionais de enfermagem, o presente estudo objetivou o delineamento de algumas relações entre a ocorrência da síndrome em auxiliares de enfermagem, técnicos de enfermagem e enfermeiros de um hospital do interior paulista e certas variáveis sócio-demográficas e ocupacionais, a saber: sexo, idade, escolaridade e estado civil, por um lado; e cargo, setor e turno de trabalho e realização de dupla jornada, por outro lado. O presente estudo, portanto, se situa, em termos do tema abordado, no ponto de intersecção entre a Psicologia Hospitalar e a Psicologia do Trabalho.
MÉTODO
Adotou-se o desenho metodológico da pesquisa documental, uma vez que, como será detalhado adiante, a coleta de dados foi realizada a partir de consultas a material de arquivo. Tal desenho metodológico se alinha ao enfoque da pesquisa naturalística, pois as investigações científicas agrupadas sob essa rubrica não têm como propósito principal testar hipóteses previamente formuladas, mas, sim, descrever um fenômeno assim como ele naturalmente ocorre e nas circunstâncias que espontaneamente o geram (Selltiz, Jahoda, Deutsch & Cook, 1987). Desse modo, análises descritivas e exploratórias foram privilegiadas.
A amostra inicial do presente estudo foi composta por 175 profissionais de enfermagem. Porém, 30 sujeitos não concluíram integralmente a coleta de dados e foram descartados na composição da amostra final, a qual somou 145 profissionais de enfermagem. Desses, 79% eram do sexo feminino, 30% somavam de 18 a 30 anos de idade, 64% haviam completado o ensino médio e 45% se encontravam casados ou amasiados. Além disso, vale destacar que, dentre os participantes do presente estudo, 56% trabalhavam como auxiliares de enfermagem, 35% se encontravam lotados em unidades de internação de adultos, 48% trabalhavam apenas no hospital em questão e 35% exerciam suas atividades profissionais no turno da manhã.
Foram considerados elegíveis para a composição da amostra os profissionais de enfermagem que participaram de um projeto implementado pela diretoria do hospital em questão visando à promoção da qualidade de vida de seus funcionários. Tal projeto teve como etapa inicial o levantamento de informações previamente selecionadas para o planejamento de ações a serem desenvolvidas posteriormente. Vale destacar que 100% dos profissionais de enfermagem participaram da etapa inicial do projeto. Entretanto, isso foi possível somente graças à ampliação do período originalmente designado para a mesma de um mês para quatro meses.
COLETA DE DADOS
A coleta de dados do presente estudo foi executada a partir de consultas aos registros referentes à etapa inicial do projeto, a qual envolveu a utilização de um questionário e um inventário junto aos funcionários do hospital. O questionário foi concebido especialmente para essa finalidade, sendo constituído tanto por itens de múltipla escolha voltados à elaboração de um perfil sócio-demográfico e ocupacional dos funcionários quanto por perguntas abertas designadas para possibilitar aos mesmos a expressão de opiniões acerca do ambiente de trabalho e a apresentação de sugestões para melhorias. Mas vale destacar que, tendo em vista o objetivo proposto, para o presente estudo foram aproveitados somente os dados referentes aos itens de múltipla escolha dos questionários respondidos por profissionais de enfermagem.
Deve-se esclarecer também que o inventário adotado é um instrumento padronizado, a saber: o Maslach Burnout Inventory - Human Services Survey (MBI-HSS), na versão brasileira adaptada e validada por Lautert (1997). Trata-se, como já mencionado, de um instrumento amplamente difundido no mundo todo, o qual se presta ao rastreamento de burnout em profissionais de saúde por possibilitar a avaliação de sentimentos e comportamentos no trabalho. Os 22 itens que constituem o MBI-HSS se agrupam em fatores correspondentes à perspectiva psicossocial que define o burnout como uma síndrome caracterizada por desgaste emocional, despersonalização e incompetência profissional. Por fim, cumpre assinalar ainda que esses 22 itens são apresentados de modo afirmativo e, na versão brasileira adotada, são pontuados em uma escala que varia de 0 (“nunca”) a 4 (“diariamente”).
Depois de previamente comunicados sobre o projeto por suas respectivas chefias, os funcionários foram abordados individualmente durante o turno de trabalho por duas estagiárias de um curso de graduação em Psicologia designadas especialmente para essa finalidade e devidamente identificadas com crachás. A abordagem envolveu o esclarecimento de eventuais dúvidas sobre o projeto, o reasseguramento do anonimato e a apresentação das instruções concernentes à atividade a ser realizada. Os funcionários então foram encaminhados a um local reservado, nas dependências do hospital, onde responderam por conta própria o questionário e o inventário. Vale destacar que alguns funcionários solicitaram auxílio. Diante dessa situação, as estagiárias procuraram atendê-los tomando o cuidado de não acrescentar informações ou solicitações adicionais.
ASPECTOS ÉTICOS
O presente estudo foi desenvolvido com a anuência institucional do hospital em questão e foi aprovado por um comitê de ética em pesquisa, o que atesta o atendimento às diretrizes propostas pela Resolução no. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde para pesquisas envolvendo seres humanos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados obtidos serão apresentados destacando-se sempre a freqüência mais elevada: a) em cada uma das dimensões de burnout estabelecidas pela perspectiva psicossocial; b) em função das variáveis sócio-demográficas e ocupacionais contempladas no presente estudo. Vale destacar que foram considerados os pontos de corte estabelecidos por Lautert (1997) para a avaliação dos dados oriundos da aplicação do MBI-HSS, a saber: 18/19 para a dimensão desgaste emocional, 06/07 para a dimensão despersonalização e 22/23 para a dimensão insatisfação profissional. Cumpre assinalar, por fim, que os resultados obtidos serão apresentados e discutidos em um mesmo segmento do texto com o intuito de favorecer a articulação com outros estudos dedicados ao assunto.
Tendo em vista a classificação dos resultados obtidos por dimensão de burnout em função do sexo, observou-se que 32% dos indivíduos do sexo masculino e 16 % dos indivíduos do sexo feminino obtiveram, respectivamente, nível alto nas dimensões despersonalização e desgaste emocional, representando as maiores freqüências registradas para ambas em cada um dos sub-grupos avaliados. Esses resultados são condizentes com aqueles apresentados por Burke e Greenglass (1989) em um estudo voltado especificamente à comparação dos níveis de burnout em homens e mulheres. Porém, deve-se esclarecer que a amostra dos referidos autores foi composta por professores americanos, e não profissionais de enfermagem.
Lautert (1997) salienta que a dimensão despersonalização, por refletir uma atitude de distanciamento do sujeito para com colegas de trabalho e pacientes motivada por sentimentos negativos em relação ao exercício profissional, pode ser considerada o elemento específico do burnout. Além disso, Gil-Monte e Peiró (1997) defendem que a síndrome tem início com sentimentos de insatisfação profissional e desgaste emocional em paralelo e chega a sua fase final com o surgimento dos sintomas de despersonalização. Diante do exposto, poder-se-ia supor que os sujeitos do sexo masculino avaliados se encontram em um estágio mais avançado de burnout. Contudo, essa suposição deve ser relativizada porque a confiabilidade da dimensão despersonalização (0,69) na versão brasileira do MBI-HSS adotada no presente estudo é mais baixa do que a confiabilidade das dimensões desgaste emocional (0,86) e insatisfação profissional (0,76).
Considerando-se a classificação dos resultados obtidos por dimensão de burnout em função da idade, é preciso mencionar que sintomas referentes a duas das três dimensões de burnout prevaleceram entre os profissionais mais jovens avaliados. Afinal, 31% sujeitos com idade entre 18 e 25 anos apresentaram nível alto na dimensão desgaste emocional e 28% dos sujeitos com idade entre 26 e 30 anos apresentaram nível alto na dimensão despersonalização. Rosa e Carlotto (2005) reportaram achados análogos e propuseram que profissionais de enfermagem brasileiros que se encontram em início de carreira podem se mostrar frustrados com o trabalho - e, como consequência, apresentar sensação de alienação - basicamente porque possuem um entedimento irrealístico sobre os alcances e limites de suas práticas.
Partindo-se do princípio de que os sujeitos com ensino médio completo apresentaram maior freqüência de nível alto em duas das três dimensões de burnout - 20% na dimensão desgaste emocional e 14% na dimensão insatisfação profissional -parece válido afirmar que a classificação dos resultados obtidos por dimensão de burnout variou em função da escolaridade na amostra do presente estudo. Lautert (1997) não encontrou variação equivalente entre o burnout e o grau de instrução de enfermeiras brasileiras. Contudo, a amostra da referida autora não contemplou auxiliares e técnicos de enfermagem, tendo sido constituída apenas por profissionais graduadas ou pós-graduadas.
Possivelmente a ocorrência de sintomas mais acentuados de burnout nas dimensões desgaste emocional e insatisfação profissional entre os profissionais de enfermagem não-graduados avaliados no presente estudo se encontra intimamente relacionada a fatores laborais, os quais, por sua vez, decorrem de fatores individuais. Em suma: auxiliares e técnicos de enfermagem ocupam tais cargos basicamente por não terem formação superior, ou seja, devido a um fator individual. Tais cargos permitem pouca liberdade de ação, pois os referidos profissionais são praticamente impossibilitados de tomar decisões sem consultar ou obter autorização de um enfermeiro. E essa falta de autonomia, conforme salientam Maslach e Leiter (1997) e Gil-Monte e Peiró (1997), representa um importante fator laboral associado ao burnout.
Já a classificação dos resultados obtidos por dimensão de burnout em função do estado civil sugere que viúvos são mais suscetíveis à síndrome, uma vez que, dentre os participantes do presente estudo nessa condição, 43% obtiveram nível alto na dimensão despersonalização e 14% na dimensão insatisfação profissional. Essas freqüências são maiores do que aquelas apresentadas por sujeitos solteiros, casados, amasiados ou divorciados, o que referenda que a viuvez pode se sobressair enquanto fator individual associado ao burnout. Segundo Maslach, Schaufeli e Leiter (2001) parece plausível sustentar que isso ocorre porque a ausência do suporte emocional fornecido por um relacionamento amoroso, sobretudo por acentuar a sensação de desamparo do indivíduo frente às dificuldades vivenciadas no âmbito laboral, tende a potencializar o desenvolvimento da síndrome.
Os técnicos de enfermagem obtiveram maior freqüência de nível alto nas três dimensões de burnout, sendo 21% na dimensão desgaste emocional, 26% na dimensão despersonalização e 15% na dimensão incompetência profissional. A discussão desse achado remete novamente à questão da falta de autonomia no trabalho, característica marcante da atividade ocupacional de técnicos de enfermagem. Ademais, cumpre assinalar que os mesmos também se encontram expostos a outro fator laboral associado ao burnout: a manutenção de uma relação bastante próxima com pacientes mediante a realização de tarefas que, a exemplo da aferição de sinais vitais, possuem uma natureza monótona.
Ocorre que, muitas vezes, enfermeiros delegam tais tarefas aos técnicos de enfermagem porque assumem postos administrativos e, como conseqüência, se encarregam, conforme Lautert (1997), da provisão de materiais e do treinamento de pessoal, dentre outras atividades. Os auxiliares de enfermagem, por sua vez, usualmente não assumem a responsabilidade por tarefas que lhes caberiam. Em tese, esse fenômeno pode ser atribuído à insegurança decorrente da falta de preparo que marca muitos deles. Logo, os técnicos de enfermagem, além de sobrecarga, podem apresentar problemas de relacionamento com colegas de trabalho motivados por sentimentos de iniqüidade nas relações laborais e de precário suporte organizacional.
Os profissionais de enfermagem que conciliam mais de um emprego obtiveram maior freqüência de nível alto nas três dimensões de burnout - 18% na dimensão desgaste emocional e 20% nas dimensões despersonalização e insatisfação profissional - do que aqueles que trabalham apenas no hospital em questão. Esse resultado não causa surpresa, uma vez que, conforme Soratto e Oliver-Heckler (1999), a dupla jornada exige o empreendimento de um maior esforço individual para a adaptação a ambientes, demandas e valores institucionais diferentes. Assim, enseja o esgotamento de recursos internos, a sensação de insegurança com relação à qualidade do próprio trabalho e o sentimento de sobrecarga laboral.
Tendo em vista a classificação dos resultados obtidos por dimensão de burnout em função do setor de trabalho, observou-se que os profissionais de enfermagem lotados na Emergência do hospital em questão são mais suscetíveis ao burnout. Afinal, 50% deles obtiveram nível alto na dimensão despersonalização e 11% na dimensão desgaste emocional, representando as maiores freqüências registradas para ambas na amostra. Lautert (1997) reporta achados semelhantes nesse sentido e sustenta que o setor de Emergência é potencialmente estressor para os profissionais de enfermagem não apenas porque exige ações rápidas e precisas, mas sobretudo porque tais ações são empreendidas tendo-se pouca ou nenhuma informação sobre o paciente atendido.
No que tange à classificação dos resultados obtidos por dimensão de burnout em função do turno de trabalho dos profissionais de enfermagem avaliados, por fim, os resultados obtidos revelam que as maiores freqüências de nível alto em cada uma das dimensões de burnout ficaram distribuídas da seguinte maneira: 24% dos sujeitos do turno da manhã na dimensão desgaste emocional, 16 % dos sujeitos do turno da tarde na dimensão insatisfação profissional e 20% dos sujeitos do turno da noite na dimensão despersonalização. Ou seja: na amostra em questão, nenhum turno de trabalho se mostrou particularmente relacionado ao burnout. Como sugerem Stacciarini e Tróccoli (2002), a alternância constante de turno, prática imposta a profissionais de enfermagem em muitos hospitais brasileiros, é o principal estressor ocupacional em termos do horário de trabalho. Logo, talvez também represente um fator laboral associado ao bunout. Porém, os resultados ora reportados apenas permitem conjecturar em tal direção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo atingiu o objetivo ao qual se propôs, possibilitando o delineamento de algumas relações entre a ocorrência de burnout em um grupo de 145 auxiliares de enfermagem, técnicos de enfermagem e enfermeiros de um hospital do interior paulista e certas variáveis sócio-demográficas e ocupacionais. Afinal, os resultados obtidos, considerando-se a freqüência mais elevada em cada uma das dimensões de burnout estabelecidas pela perspectiva psicossocial, apontam que homens apresentaram sintomas mais acentuados na dimensão despersonalização e mulheres na dimensão desgaste emocional. Sintomas em tais dimensões igualmente prevaleceram em indivíduos mais jovens, com idade até 30 anos.
Quanto ao estado civil, observou-se que os participantes viúvos se mostraram mais suscetíveis nas dimensões despersonalização e insatisfação profissional. Profissionais não-graduados sinalizaram maior comprometimento nas dimensões desgaste emocional e insatisfação profissional. Aqueles que se encontravam lotados na Emergência do hospital apresentaram sintomas mais acentuados nas dimensões desgaste emocional e despersonalização. A realização de dupla jornada se mostrou um importante fator laboral associado ao burnout em todas as suas dimensões, em contraste com o turno de trabalho. Por fim, deve-se mencionar que, de modo geral, os técnicos de enfermagem avaliados se sobressaíram entre os auxiliares de enfermagem e enfermeiros por terem se mostrado especialmente vulneráveis à síndrome.
Diante do exposto, torna-se patente a necessidade de se dedicar atenção especial à saúde mental de profissionais de enfermagem, assim como se pôde elaborar um perfil sócio-demográfico e ocupacional daqueles que se encontram em situação de maior risco para o desenvolvimento de burnout. Entretanto, novas pesquisas se fazem necessárias para que o conhecimento atualmente disponível sobre o assunto possa ser aprofundado, uma vez que os resultados reportados dizem respeito à amostra de uma instituição hospitalar em particular e, portanto, devem ser generalizados com cautela.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência
Rodrigo Sanches Peres
Instituto de Psicologia - Universidade Federal de Uberlândia
Avenida Pará, 1720 - Bloco 2C - Campus Umuarama - Uberlândia - MG
E-mail: rodrigosanchesperes@yahoo.com.br
1 Psicóloga.
2 Psicóloga.
3 Psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Psicologia Clínica pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), professor adjunto da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).