Servicios Personalizados
Revista
Articulo
Indicadores
Compartir
Psicologia Hospitalar
versión On-line ISSN 2175-3547
Psicol. hosp. (São Paulo) vol.7 no.2 São Paulo jun. 2009
ARTIGOS ORIGINAIS
Investigação neuropsicológica de uma amostra de sujeitos idosos saudáveis1
Neuropsychological assessment of a sample of healthy elderly subjects
Sumaya Cristina Silva FigueiredoI,2; Eliane Correa MiottoII,3; Valéria Trunkl SerrãoII,4; Flávia Serebrenic JungermanII,5; Mara Cristina Souza de LuciaII,6; Milberto ScaffIII,7
ICentro de Estudos em Psicologia da Saúde da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
IIDivisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
IIIDepartamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
RESUMO
Ainda são escassos os estudos que avaliam o desempenho cognitivo de idosos saudáveis através de uma bateria selecionada para esta finalidade. Objetivo: avaliar neuropsicologicamente as funções cognitivas de idosos saudáveis. Métodos: Os 17 idosos entrevistados foram submetidos a uma bateria de testes neuropsicológicos, investigando-se as funções mnésticas, atencionais, executivas, intelectuais, linguagem; praxias, humor e as atividades de vida diária básicas e as instrumentais mais complexas. Resultados: Os principais resultados sugeriram a presença de alterações mais significativas nas funções mnésticas, atencionais, velocidade de processamento. Dessas 41.08% relacionava-se à memória de evocação imediata não verbal; 64% à atenção sustentada; 76.45% à atenção alternada; 64.61% à velocidade de processamento. Conclusão: Os achados apontam para a importância de se investigar o funcionamento cognitivo de idosos saudáveis sem queixas cognitivas, com vistas a diminuir custos e gastos públicos e a realizar o planejamento de intervenções preventivas e/ou remediativas.
Palavras-chave: Avaliação psicológica; Idosos; Cognição.
ABSTRACT
There are not many studies that evaluate the cognitive performance of healthy elderly through a battery selected for this purpose. Objective: To neuropsychological assess the cognitive function of healthy elderly. Methods: 17 elderly respondents underwent a battery of neuropsychological tests, investigating funcitons of mnestics, attentional, executive, intellectual, language, praxis, mood and the basic activities of daily living and instrumental complex. Results: The main results suggested the presence of more significant changes in the functions mnestics, attentional, and processing speed. 41.08% of those related to the memory of nonverbal immediate recall and 64% for sustained attention, alternating attention to 76.45%, 64.61% the speed of processing. Conclusion: The findings highlight the importance of investigating cognitive functioning in healthy elderly subjects without cognitive complaints, with the intention of reducing costs and public expenditures and undertake the planning of preventive or remedial.
Keywords: Psychological assessment; Elderly; Cognition.
1. INTRODUÇÃO
Com o envelhecimento da população brasileira (IBGE, 2008), é previsto que em alguns anos o Brasil se torne a 6ª população de idosos do planeta (Veras, 2000; IBGE, 2008; Mattos e Paixão, 2010). Por este motivo um dos temas mais estudados, é sobre a cognição da pessoa em envelhecimento (Yassuda, Flaks, Pereira e Forlenza, 2010; Mattos & Paixão Junior, 2010). Porém quando se busca na literatura nacional o tema do envelhecimento saudável, em particular, o do idoso considerado saudável do ponto de vista cognitivo percebe-se que o volume de trabalhos é escasso comparado aos que investigam as patologias do envelhecimento (Figueiredo & Wagner, 2002; Nitrini, 2006; Damasceno, 2006; Allegri, 2008). O envelhecimento com independência e autonomia gradualmente passa a ser uma preocupação cada vez maior de alguns estudiosos e também das pessoas em geral, visto que muitas das doenças que afetam atualmente as pessoas em envelhecimento ainda são vistas como incapacitantes em particular as neurológicas (Veras, 2000; Figueiredo & Wagner, 2002; Schooler, 2007). A maioria delas tem caráter degenerativo, provocando alterações irreversíveis em seu portador (Abrisqueta-Gomez, 2004; Miotto, 2007). Logo, a avaliação neuropsicológica em idosos sem queixas cognitivas pode ser de grande valia, mesmo porque algumas doenças neurodegenerativas existem muito antes de aparecerem sintomas de declínios significativos funcionais ou cognitivos (Bertolucci, Brucki, Campacci e Juliano, 1994; Figueiredo & Wagner, 2002; Damasceno, 2006; Figueiredo, Miotto, Lucia e Scaff, 2007; Miotto, 2007; Caramelli & Beato, 2008; Bondi, et al, 2008). Investir em pesquisas que proporcionem o entendimento sobre o processo de envelhecimento em idosos saudáveis, ou seja, antes de surgirem manifestações clínicas pode auxiliar na prevenção de doenças, em especial as neurodegenerativas neste segmento da população (Petersen, 2004; Fratiglioni, Paillar-Borg e Winblad, 2004; Manly, 2008). Estudiosos (Milgran, Siwak-Tapp, Araujo e Head, 2006; Rossini, Rossi, Babiloni e Polich, 2007; Yassuda, Flaks, Pereira e Forlenza, 2010) ressaltam a importancia da investigação o mais precoce possível para que o idoso beneficie das intervenções farmacológicas e não farmacológicas. Eles ainda assinalam que face à dificuldade ainda existente de identificar precocemente os quadros demenciais através dos procedimentos de rotina, a avaliação cognitiva surge como uma significativa contribuição. Damasceno (2006) e Allegri (2008) enfatizam a relevância da utilização da avaliação neuropsicológica como um procedimento fundamental para conhecer o perfil cognitivo de pessoas em geral, sobretudo, para se definir o diagnóstico diferencial das demências (Crawford, 2004). Para realizá-la, mais comumente são utilizados testes psicométricos, que são instrumentos padronizados (utilizados para comparação dos resultados de pacientes com os de uma amostra representativa da população normal) e visam à quantificação do grau de comprometimento cognitivo (Miotto, 2007). Os resultados, segundo Miotto (2007) são apresentados através de média, desvio padrão e percentil (que indicam a porcentagem do grupo de referência que pontua na mesma faixa ou não que o paciente). Além da abordagem quantitativa procede-se com a qualitativa que utiliza além de uma anamnese detalhada, a observação, a aplicação de tarefas funcionais ou questionários e escalas comportamentais – por exemplo, os testes Ecológicos (Shallice & Burguess, 1991). Abrrisqueta-Gomez (2004), Damasceno (2006) e Mattos, Araujo e Alfano (2006) enfatizam que a avaliação neuropsicológica é uma abordagem que possibilita a obtenção de um perfil mais aprofundado e amplo das funções cognitivas, mais do que seria possível durante uma consulta clínica. É possível identificar padrões de alterações cognitivas sutis e características de quadros demênciais (Yassuda et al, 2010). Os instrumentos neuropsicológicos são sensíveis a disfunções no funcionamento cerebral e podem localizar áreas de comprometimento que não estavam ainda evidentes nas avaliações por imagem e eletroencefalogramas (Greenwood, 2007). Apesar de todos os benefícios apontados acima a respeito de se realizar a avaliação neuropsicológica, a mesma ainda não é uma prática utilizada de forma sistemática, fundamentalmente em se tratando de idosos saudáveis sem queixas cognitivas. Além disso, são escassos os estudos na literatura nacional que avaliam o desempenho cognitivo de idosos saudáveis através de uma bateria selecionada para esta finalidade. O presente estudo teve como objetivo avaliar as funções cognitivas de uma amostra de idosos saudáveis, sem queixas cognitivas.
2. MÉTODO
Foram avaliados no período de quatro meses 17 idosos com idade acima de 65 anos de ambos os sexos. Para serem incluídos no estudo, era necessário apresentar escores no Mini Exame do Estado Mental (Folstein, Folstein e McHugh, 1975; Brucki, 2003) de >21 para pessoas de 1 a 3 anos de escolaridade ; 21-24 para pessoas de 4 a 7 anos de escolaridade e 26 ou mais para pessoas com mais de 7 anos de escolaridade (Brucki, 2003). Foram excluídos do estudo: os sujeitos analfabetos; com história de diagnóstico de psicose, alcoolismo, lesão cerebral adquirida ou demência, segundo os critérios do DSM-IV (2002) e Mini Exame do Estado Mental; ou ainda que pertencessem a uma instituição de longa permanência. Foi elaborado um questionário composto por perguntas semi-estruturadas para obter informações gerais sobre os dados de anamnese, identificação e demográficos do sujeito (data de nascimento, escolaridade, telefone; renda pessoal; familiar; religião; atividades profissionais, ocupacionais; sociais e familiares; principais doenças prévias ou atuais; medicamentos em uso, exames já realizados; antecedentes pessoais e familiares; sono; apetite; queixas subjetivas; condições de sua memória na época da avaliação; independência quanto às atividades de vida diária básicas e instrumentais mais complexas, entre outras questões). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (CAPPESQ 1177/07).
Os idosos foram recrutados através do Grupo de Convivência de Pessoas da Terceira Idade da Unidade de Saúde da Família Jacob José Pinto, Uberaba, MG. Este grupo é destinado a idosos saudáveis, que buscam na atividade uma forma de prevenir o isolamento social e promover a saúde, através de palestras com profissionais de saúde do local, recebendo informações sobre o processo de envelhecimento e assuntos que dizem respeito à suas próprias vidas. Todos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, concordando em participar do estudo voluntariamente.
3. MATERIAL
Como instrumentos para a coleta de dados utilizou-se, inicialmente a entrevista semi-estruturada e em seguida testes e escalas para avaliação da cognição. Para investigação das funções intelectuais e obtenção do QI Estimado Global foram utilizados os sub-testes Vocabulário e Raciocínio Matricial do WAIS III (Nascimento, 2004). Para a orientação temporal, espacial e pessoal foram feitas perguntas sobre data atual, local onde se encontra e dados pessoais. Avaliou-se a memória de curto prazo através do sub-teste Dígitos do WAIS- III (Nascimento, 2004). A memória episódica verbal com o Hopkins Verbal Learning Test – Revised – HVLT (Brandt & Benedict, 2001) que consiste em três apresentações de uma lista de 12 palavras, com evocação imediata após cada apresentação, evocação tardia após 20-25 minutos e reconhecimento. A memória episódica visuo-espacial com o Brief visualspacial Memory Test-Revised – BVMT (Benedict, 1997) em que são apresentadas seis figuras geométricas três vezes ao sujeito e após cada apresentação as figuras devem ser reproduzidas (evocação imediata), após 20-25 minutos é feita a evocação tardia e reconhecimento. Para a linguagem, a nomeação foi investigada através do Teste de Boston Naming (Kaplan, Goodglass e Weintraub, 1983). Para a avaliação da atenção e funções executivas utilizou-se a Fluência Verbal Nominal foi avaliada pelo Teste FA S (Strauss, Sherman e Spreen, 2006) o qual o examinando deve emitir palavras (exceto nomes próprios e palavras com o mesmo sufixo) que comecem com as letras F, A, S em período de 60 segundos, para cada letra. A fluência Categórica foi avaliada pelo teste ANIMAIS (Gladsjo, et al, 1999; Strauss et al, 2006), no qual o sujeito deve dizer nomes de animais o mais rápido possível em 60 segundos. A velocidade de processamento de informações, atenção sustentada e alternada através do teste de Trilhas parte A e B (Reitan, 1955). Na parte A, o avaliando deve conectar com um lápis o mais rápido possível, os números em ordem crescente de um a 25. Marca-se o tempo para a realização da tarefa. A atenção alternada pelo Teste Trilhas parte B (Reitan, 1955) que consiste em conectar o mais rápido possível números e letras em ordem crescente e alfabética alternadamente. Para a atenção seletiva, Stroop Test (versão Victoria) (Strauss et al, 1998) que consiste em três cartões aplicados separadamente onde o sujeito deve dizer a cor em que estímulos e palavras são produzidos. A flexibilidade mental foi avaliada pelo teste WEIGL (Laiacona, Inzaghi, De Tanti e Capitani, 2000) em sujeitos com até 4 anos de escoalridade, o qual é formado por figuras geométricas sendo solicitado que o sujeito encontre maneiras de combinar as figuras. É esperado que consiga formar duas categorias (cor e forma). Através do WCST – Wisconsin Card Sorting Test (Katz, Ford e Moskowitz, 1963, Nelson, 1976) versão reduzida nos que tinham mais de 4 anos de escolaridade, que consiste em combinar as cartas do baralho com as 4 cartas modelo de acordo com as regras até conseguir completar 6 categorias ou quando as 48 cartas-respostas forem utilizadas. As praxias foram avaliadas através do Teste do Relógio (Okamoto, 2001) que consiste em desenhar um relógio com os números e ponteiros marcando 11:10 horas. Para investigar a capacidade funcional usou-se a Escala para avaliar as Atividades diárias de vida básicas – Index of ADL (Katz, 1963) e Escala para avaliar as Atividades diárias de vida instrumentais mais complexas – Measurement of functional activities in older adults in the community (Pfeffer, Kurosaki e Harrah, Chance e Filos, 1982). A capacidade funcional é um indicador de como uma tarefa é realizada no dia a dia pela pessoa, se é executada de forma independente ou não (Yassuda et al., 2010). O humor foi avaliado pelas Escala de Depressão Geriátrica (Yesavage et al, 1983) e o PRIME MD ( Weiland-Fiedler et al., 2004)
4. RESULTADOS
Os resultados dos testes foram submetidos à análise descritiva para obtenção da média e do desvio padrão através do programa Excell, Microsoft (2007). A partir dos resultados brutos dos testes foi realizada a classificação em percentil dos resultados considerando-se os dados normativos de cada teste. A amostra foi composta por pessoas com idade entre 65 anos e 88 anos, sendo que a maioria era do sexo feminino, com escolaridade maior e menor de oito anos que estão caracterizados na Tabela 1.
Na amostra, 70% dos sujeitos eram aposentados e participavam de atividades religiosas, filantrópicas, grupos de convivência, grupos de atividade física e/ou contribuíam em atividades domésticas ou ligadas a seus familiares; ou seja, estavam em atividade. Todos foram considerados com boa saúde e independentes para realizar as atividades de vida diária básicas e instrumentais mais complexas. Para a interpretação dos resultados dos testes neuropsicológicos, utilizou-se a classificação ‘preservado’ – quando não se encontrava alteração – e quando se encontrava, a dificuldade foi classificada em leve, moderada e grave de acordo com o percentil obtido (Ringe et al, 2000; Nascimento, 2004; Strauss et al, 2006 ). Apesar de se examinar idosos sem queixas cognitivas, foram encontradas alterações em funções: intelectuais, mnésticas (de longo prazo), atencionais, executivas, praxias e humor. As demais funções avaliadas encontraram-se preservadas.
No Mini Exame do Estado Mental, todos obtiveram resultados preservados, excluindo a possibilidade de presença de quadros demenciais (DSM-IV-TR, 2002) nos idosos que fizeram parte desta amostra. A média foi de 28.6 e o desvio padrão de 1.61. A seguir serão apresentadas as funções cognitivas avaliadas, os testes utilizados e seus respectivos resultados e classificação (Tabela 2).
Nos testes que avaliaram as funções intelectuais, os resultados estavam preservados em 94.11% e apenas 5.8% com uma alteração leve. Quanto à memória de curto prazo, a amostra como um todo apresentou esta função preservada. Na memória de longo prazo a evocação imediata verbal estava preservada em 64.70%; em 29.41%, com dificuldade leve e em 5.8% com dificuldade moderada. Na Tardia verbal, 70.58% apresentaram-se preservados, 11.76%, com dificuldade leve e 17.64% com dificuldade moderada. No reconhecimento verbal, 82.35% estavam preservados, 5.8% com dificuldade leve e 11.76% com dificuldade moderada. Na memória de evocação imediata visuo-espacial, 58.82% apresentaram-se sem alterações, 23.52% com dificuldade leve, 5.8% dificuldade moderada e 11.76% dificuldade grave. A tardia visuo-espacial, 64.70% se mostraram preservados, 23.52% com dificuldade leve, 5.8% com dificuldade moderada e 5.8% com dificuldade grave. No reconhecimento visuo-espacial, 76.47% estavam preservados, 11.76%, com dificuldade leve, 5.8% com dificuldade moderada e 5.8% com dificuldade grave. Na linguagem (nomeação), todos apresentaram resultados sem alterações (preservados). Quanto à atenção sustentada 35.29% mostraram-se preservados, 17.64% com dificuldade leve, 41.17% com dificuldade moderada e 5.8% dificuldade grave. Na seletiva, 58.82% preservados, 11.76% com dificuldade leve e 29.41% com dificuldade grave. Na alternada, 23.53% mostraram-se preservados, 23.52% com dificuldade leve, 35.29% com dificuldade moderada e 17.64% com dificuldade grave. Na avaliação das funções Executivas, a fluência nominal, apresentou-se com 88.23% preservados, 5.8% com dificuldade moderada e 5.8% com dificuldade grave. Na categórica, 88.23% preservados, 5.8% com dificuldade leve e 5.8% com dificuldade moderada. Em relação à velocidade de processamento de informações 35.29% preservados, 17.64% com dificuldade leve, 41.17% com dificuldade moderada e 5.8% dificuldade grave. A flexibilidade mental foi avaliada qualitativamente, através do Teste Weigl, no caso dos sujeitos que tinham até quatro anos de escolaridade – 52.94% da amostra - através do pelo Weigl, todos os resultados se apresentaram preservados. Nos que possuíam mais de quatro anos de escolaridade – 47.05% da amostra - utilizou-se o WCST, que apresentou-se da seguinte forma, 62.5% preservados, 25% com dificuldade leve e 12.5% com dificuldade moderada. As praxias mostraram-se preservadas em 88.23% dos sujeitos da amostra e em 5.8% com dificuldade moderada e em 5.8% com dificuldade grave. O humor avaliado através da Escala de Depressão Geriátrica em que 88.23% encontraram-se preservado e 11.76% com presença de traços indicativos de depressão. No PRIME MD, os resultados mostraram-se sem alterações. Nas atividades de vida básica e instrumentais mais complexas todos se mostraram independentes.
5. CONCLUSÃO
Entende-se que o objetivo do presente estudo, ‘avaliar neuropsicologicamente as funções cognitivas de uma amostra de idosos saudáveis’, foi alcançado. A ausencia de relatos de queixas cognitivas por parte do idoso ou de seus familiares (Mattos & Paixão Junior, 2010) pode ser considerado como sinal de integridade cognitiva, em conseqüência ser descartada a necessidade de ser realizada a avaliação neuropsicológica. Os achados mostraram que o fato do idoso não apresentar queixas cognitivas subjetivas ou mesmo relatadas por seus familiares, pode não ser uma garantia de que tenha seu funcionamento cognitivo íntegro ou que não seja portador de patologias neurodegenerativas. Mais de 50% da amostra estudada apresentou alterações em suas funções cognitivas. Isso parece ser reforçador da importância da avaliação neuropsicológica como um procedimento a ser utilizado periodicamente como o monitoramento e seguimento longitudinal da saúde ou patologia do idoso. Também pode ser visto como um sinal de ser saudável cognitivamente o idoso que não tenha prejudicado o seu desempenho em atividades de vida diária (Ávila & Bottino, 2008). Os resultados mostraram que embora os sujeitos continuassem envolvidos e realizando de forma independente as atividades ocupacionais e sociais, ainda assim alguns apresentaram alterações cognitivas bastante significativas. A relação entre continuar engajado em atividades familiares ou comunitárias e ter um funcionamento satisfatório no cotidiano e gozar de independência e autonomia em seu cotidiano, parece não ser também fatores que por si só suficientes para explicar a ausência de alterações cognitivas. Vale lembrar que alguns autores relacionam essas alterações à possibilidade de serem sinais preditores ou até quem sabe sintomas iniciais de patologias neurodegenerativas (Petersen et al, 2004, Allegri, 2008).
Assim, investigar neuropsicologicamente idosos saudáveis pode ser bastante relevante. As principais alterações aparecem nas funções mnésticas, atencionais, velocidade de processamento. Vale lembrar que a amostra foi composta por idosos com diferentes graus de escolaridade e esse pode ser um fator que pode ter influenciado os resultados, embora as alterações cognitivas estavam presentes tanto entre os sujeitos com mais quanto com menos de oito anos de escolaridade (Van Dijk, 2008). Este é um aspecto a ser considerado em futuros estudos.
Outro aspecto a ser considerado nesta conclusão, é que muitos dos testes utilizados no presente estudo foram padronizados para a realidade americana, possivelmente não levando em conta a baixa ou a falta de escolaridade. Dessa forma, é possível encontrar situações em que, mesmo os idosos com um funcionamento normal, apresentem resultados ou classificação prejudicada. Investir em estudos que favoreça a criação de instrumentos padronizados a nossa realidade e ainda que contemplem segmentos que possuam baixa escolaridade ou que não a tenham, sem dúvida faz-se necessário. Desta forma, vários segmentos deste grupo etário poderão ser incluídos e terem seu desempenho cognitivo avaliado e em conseqüência se beneficiar de medidas de intervenção precoce (Mattos & Paixão Junior, 2010) para prevenir a instalação ou o agravamento de enfermidades neurodegenerativas. Todos os aspectos relacionados acima vêm reforçar a importância de se criar uma rotina de se avaliar cognitivamente as pessoas a partir do envelhecimento, mesmo sem queixas cognitivas. E ainda a importância de se utilizar uma bateria simples, mas contendo instrumentos que permitam avaliar as diversas funções para se ter um panorama geral do estado de saúde ou das patologias que o idoso possa ser portador (Beason-Held, Kraut, e Resnick, 2008). Bem como, ser utilizada para monitoramento do perfil neuropsicológico das pessoas em envelhecimento. Acredita-se que através de uma bateria construída para esta finalidade, que é possível contribuir para a detecção precoce de déficits cognitivos, controle e quando se fizer necessário desenhar e realizar intervenções. Uma das limitações do estudo foi o tamanho da amostra, não podendo assim ser representativa da população de idosos saudáveis. Apesar disso, foi possível enfatizar a importância da avaliação neuropsicológica em idosos saudáveis, através de testes cognitivos específicos e validados nesta população.
REFERÊNCIAS
Abrisqueta-Gomez, J. (2004). Avaliação e reabilitação neuropsicológica no idoso. In Andrade, VM.; Santos, FH e Bueno, OF. (org), Neuropsicologia Hoje (pp.403-417). São Paulo, SP: Artes Médicas. [ Links ]
Allegri, R.F. Neuropsychological Predictors and Cognitive Reserve in Alzheimer’s Diesease (2008). In Simpósio realizado durante o 2008 Mil-Year Meeting of the International Neuropsychological Society and the VIII SONESPSA Meeting, held July 2-5, 2008, Buenos Aires, Argentina.
Ávila, R., Miotto, E.C. (2002). Reabilitação neuropsicológica de déficits de memória em pacientes com demência de Alzheimer. Psiquiatria Clínica, 29 (4): 190-196. [ Links ]
Ávila, R., Miotto, E.C. (2003). Funções Executivas no envelhecimento normal e na doença de Alzheimer. J. Brasileiro de Psiquiatria, 52(1): 53-63. [ Links ]
Ávila, R. & Bottino, C.M.C. (2008). Avaliação neuropsicológica das demências. In. Fuentes, D., Malloy-Diniz, L.F., Camargo, C.H.P., Cosenza, R.M. e colaboradores (Org.), Neuropsicologia, teoria e prática (pp.363- 380). Porto Alegre: Artemed. [ Links ]
Beason-Held, L.L., Kraut, M.A. e Resnick, S.M. (2008). Longitudinal changes in aging brain function. Neurobiology of Aging. Elsevier, 29: 483-496. [ Links ]
Benedict R.H.B. (1997). Brief visualspatial memory test-revised. Odessa: Psychological Assessment Resource. [ Links ]
Bondi, M.W., Jak, A.J., Delano-Wood, L., Jacobson, M.W., Delis, D.C., Salmon, D.P.. (2008). Neuropsychological learning test Contributions to the Early Identification of Alzheimer´s Disease. Neuropsycho Rev., 18:73-90. [ Links ]
Brandt J., Benedict R.H.B. (2001). Hopkins verbal l– revised. Odessa:Psychological Assessment Resource.
Brucki S., Nitrini R., Caramelli P., Okamoto I.H. (2003). Suggestion for utilization of the minimental state examination in Brazil. Arq Neuropsiquiatric, 61 (3B): 777-81 [ Links ]
Brucki, S.M.D. (2004). Envelhecimento e Memória. In: Andrade, VM; Santos, FH e Bueno, OFA, (Org.). Neuropsicologia Hoje. São Paulo: Artes Médicas. [ Links ]
Caramelli, P.; Beato, R.G. (2008). Subjective memory complaints and cognitive performance in a sample of healthy elderly. Dementia & Neuropsychologia, 2(1):42-45. [ Links ]
Crawford, J. R. (2004). Psychometric foundations of neuropsychological assessment. [ Links ]
Damasceno, B.P. (2006). Comprometimento Cognitivo Leve e Doença de Alzheimer Incipiente. In: Caixeta, L., (editor). Demência, abordagem Multidisciplinar (pp. 202-209). São Paulo: Atheneu. [ Links ]
DSM-IV-TR Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Trad. Cláudia Dornelles. (2002). 4 ed. Porto Alegre: Art Med. [ Links ]
Figueiredo, S.C.S., Wagner, E.C.A.M. (2002). Avaliação do Psicólogo. In: Maciel, A, editor. Avaliação Multidisciplinar do Paciente Geriátrico. Rio de Janeiro, RJ: Livraria e Editora Revinter Ltda. [ Links ]
Figueiredo, S.C.S.; Miotto, E.C., Lucia, M.C.S., Scaff, M. (2007). Será que estou com a mesma doença de minha mãe? In IV Congresso Interamericano de Psicologia da Saúde: Neurociências e Psicopatologia – Interfaces e Congresso Internacional de Neuropsicologia e Neurociências, Divisão de Clínica Neurológica, Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, CEPSIC, Centro de Estudos em Psicologia da Saúde, São Paulo.
Folstein, M.F.; Folstein, S.E. & McHugh, P.R. (1975) "Mini-mental State". A practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. J Psychiatr. Res, (12), 189-198. [ Links ]
Fratiglioni, L., Paillar-Borg, S. e Winblad, B. (2004). An active and socially integrated lifestyle in late life might protect against dementia. The Lancet Neurology. 3. [ Links ]
Greenwood, P.M. (2007) Functional Plasticity in cognitive Aging: Review and Hypothesis. Amecrican Psychological Association. [ Links ]
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2008). Proyección de La Población de Brasil – IBGE: población brasileña envejece a ritmo acelerado. Comunicación Social 27 de noviembre de 2008. Recuperado em 03/09/2010: http://www.ibge.gov.br
Kaplan E., Goodglass H., Weintraub S. (1983).The Boston Naming Test. Philadelphia: Lea & Febiger. [ Links ]
Katz S., Ford A.B., Moskowitz R.W., et al. (1963) Studies of illness in the aged. The Index of ADL: a standardized measure of biological and psychosocial function. J Am Med Assoc., (165), 94-9. [ Links ]
Laiacona, M., Inzaghi, M.G., De Tanti, A. & Capitani, E. (2000). Wisconsin card sorting test: a new global score, with Italian norms, and its relationship with the Weigl sorting test. Neurol Sci., (21), 279-291. [ Links ]
Manly, J.J. (2008). What is Cognitive Reserve? In Simpósio realizado durante o Mil-Year Meeting of the International Neuropsychological Society and the VIII SONESPSA Meeting, held July 2-5, Buenos Aires, Argentina. [ Links ]
Mattos, P., Araújo, C. e Alfano, A. (2006). Diagnóstico Diferencial Neuropsicológico entre as diferentes formas de demência. In: Caixeta, L. (editor), Demência Abordagem Multidisciplinar (129-140). São Paulo. Editora Aheneu. [ Links ]
Mattos, P. & Paixão Junior, C.M. (2010). Avaliação Cognitiva de Idosos. Envelhecimento e Comprometimento Cognitivo Leve. In Malloy-Diniz, LF; Fuentes, D; Mattos, P; Abreu, N; et al. (org), Avaliação Neuropsicológica (pp. 247- 253). Porto Alegre, RS: Artmed. [ Links ]
Milgram, N.W., Siwak-Tapp, C., Araujo, J. & Head, E. (2006). Neuroprotective effects of cognitive enrichment, University of Toronto, Canadá [ Links ].
Miotto, E.C. (2007). Neuropsicologia: Conceitos Fundamentais. In: Miotto, EC., Lucia, MCS., Scaff, M., editores, Neuropsicologia e as interfaces com as neurociências. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo. [ Links ]
Nascimento, E. WAIS-III: Escala de Inteligência Wechsler para Adultos: Manual David Wechsler (2004). Adaptação e padronização de uma amostra brasileira (1ª ed., M. C. de V. M. Silva, trad). São Paulo: Casa do Psicólogo. [ Links ]
Nelson H.E. (1976) A modified card sorting test sensitive to frontal lobe defects. Cortex. (12), 313-24. [ Links ]
Nitrini R., Caramelli P., Herrera Jr E., Bahia V.S., Caixeta L.F., Radanovic M., et al. (2004). Incidence of dementia in a community-dwelling brazilian population. Alzheimer Dis Assoc Disord. (18), 241–6.
Nitrini, R. (2006). Epidemiologia das Demências. In Caixeta, L. (editor). Demência, abordagem Multidisciplinar (pp. 13-18). São Paulo: Atheneu. [ Links ]
Okamoto, I.H. (2001). Aspectos cognitivos da doença de Alzheimer no teste do relógio: avaliação de amostra da população brasileira. Tese de doutorado em medicina (Neurologia), Universidade Federal de São Paulo, São Paulo. [ Links ]
Petersen, R.C. (2004). Mild cognitive impairment as a diagnostic entity. Journal of Internal Medicine, (256), 183–194.
Pfeffer, R.I., Kurosaki, T.T., Harrah, C.H. Jr, Chance, J.M. & Filos, S. (1982). Measurement of functional activities in older adults in the community. J Gerontol, (37), 323-9. [ Links ]
Programa Excell, Microsoft, 2007 [ Links ]
Reitan, R.M. (1955). The relation of the Trail Making Test to organic brain damage. Journal of Consulting Psychology, 19, 393-394. [ Links ]
Ringe, W.K.; Saine, K.C.; Laura, H.L; Linda, S.H & Munro Collum, C. (2002). Dyadic Short Forms of the Wechsler Adult Intelligence Scale-III. Assessment, 3. [ Links ]
Rossini, P.M.; Rossi, S.; Babiloni, C.; Polich, J. (2007). – Clinical Neurophysiology of aging brain: from normal aging to neurodegeneration, Progress in Neurobiology. Elsevier, (83), 375-400
Schooler, C. (2007). Use it and Keep it, longer, probably. A reply to Salthouse, Association for Psychological Science, (2), 1. [ Links ]
Shallice, T. & Burguess, P. W. (1991). Deficits in strategy application following frontal lobe damage in man. Brain, (114), 727-741. [ Links ]
Strauss E., Sherman, E.M.S., Spreen, O. (1998). A compendium of neuropsychological tests: Administration, Norms, and Commentary (2nd Ed). New York: Oxford University Press. [ Links ]
Strauss, E., Sherman, E.M.S., Spreen, O. (2006). A Compendium of neuropsychological test: Administration, Norms, and Commentary. 3ª ed. New York: Oxford University Press. [ Links ]
Shuman, K.I., Shedletsky, R. et al. (1986). The Challenge of time: Clock-drawing and Cognitive function in the elderly. International Journal of Geriatric Psychiatry, K. Tarefa do Desenho do Relógio. [ Links ]
Van Dijk (2008). No protective effects of education during normal cognitive aging: results from the 6-year follow-up of the Maastricht Aging Study. Psychol Aging 23(1), 119-30. [ Links ]
Veras, R. (2000). Epidemologia do Envelhecimento na América Latina. In: Forlenza OV & Caramelli P (eds). Neuropsiquiatria Geriátrica (pp. 7-21). . São Paulo: Atheneu. [ Links ]
Weiland-Fiedler, P.; Erickson, K.; Waldeck, T.; Luckenbaugh, D.A.; Pike, D.; Bonne, O.; Charney, D. S. & Neumeister, A. (2004). Evidence for continuing neuropsychological impairments in depression. Journal of Affective Disorders, 82, 253-258. [ Links ]
Yassuda, M.S.; Flaks, M.K.; Pereira, F.S.; Forlenza, O.V. (2010). Avaliação Neuropsicológica de Idosos Demencias. In: Malloy-Diniz; Fuentes, D.; Mattos, P.; Abreu, N.; et al. (org), Avaliação Neuropsicológica. Porto Alegre, RS: Artmed. [ Links ]
Yesavage J.A. et al. (1983). Development and validation of a geriatric screening scale. Journal of Psychiatry Research, (17), 37-49. [ Links ]
Endereço para correspondência
Sumaya Figueiredo
Endereço: R. Heitor Meirelles, 154, Jardim Frei Eugenio, CEP- 38015 530, Uberaba, MG.
E-mail: sumayaf@terra.com.br
1Trabalho apresentado ao CEPSIC e à Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas (ICHC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, para obtenção de título de Especialista em Neuropsicologia do Curso de Especialização em Neuropsicologia.
2Especializanda do Curso de Especialização em Neuropsicologia pelo CEPSIC.
3Coordenadora e Orientadora do Curso e Diretora Técnica da Divisão de Psicologia do ICHC - FMUSP Hospital das Clínicas (ICHC-FMUSP).
4Psicóloga da Divisão de Psicologia do ICHC – FMUSP.
5Psicóloga da Divisão de Psicologia do ICHC – FMUSP.
6Coordenadora e Orientadora do Curso e Diretora da Divisão de Psicologia do ICHC-FMUSP.
7Professor Titular do Departamento de Neurologia da FMUSP.