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Psicologia Hospitalar
versión On-line ISSN 2175-3547
Psicol. hosp. (São Paulo) vol.8 no.1 São Paulo ene. 2010
ARTIGOS ORIGINAIS
Medo da maturidade no rastreamento de transtornos alimentares através do EDI-3 numa população não-clínica
Maturity fears in tracking of eating disorders through EDI-3 in a non-clinical population
Sue Ellen Ferreira ModestoI,1; Marlene Monteiro da SilvaI,2; Niraldo de Oliveira SantosI,3; Arthur B. Garrido JuniorII,4; Mara Cristina Souza de LuciaI,5
IDivisão de Psicologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
IIFaculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
RESUMO
Esse estudo faz parte de uma pesquisa maior para a validação do Inventário de Transtornos Alimentares - 3 (EDI-3) no Brasil. Foi analisada apenas a escala de Medo da Maturidade que propõe avaliar o desejo de voltar à segurança da infância, pois o objetivo do trabalho foi descrever os resultados brutos obtidos. Aplicou-se o EDI-3 em 157 sujeitos das regiões Sul e Sudeste do país. A análise de dados deu-se através da média dos escores brutos. De acordo com os dados obtidos pode-se observar que o medo da maturidade na amostra estudada apresentou-se maior nas mulheres que nos homens. Quanto as idade, os resultados foram aproximados, havendo uma pequena oscilação entre eles, e relacionado ao estado civil, percebeu-se que o medo da maturidade foi mais elevado em indivíduos casados que solteiros. Diante disso conclui-se que o objetivo foi alcançado e sugerem-se mais pesquisas sobre medo da maturidade e transtornos alimentares.
Palavras-chave: Medo da maturidade; Transtorno alimentar; Inventário de transtornos alimentares.
ABSTRACT
This study is part of a larger search for the validation of the Eating Disorders Inventory - 3 (EDI-3) in Brazil. It was analyzed only the scale of the Maturity Fears that proposes assessing the desire to return to childhood safety, because the goal of the work was to describe the obtained gross results. It was applied the EDI-3 in 157 people of the South and Southeast regions of the country. The analysis of data has been through the medium of raw scores. According to the data we have seen that the fear of maturity in the sample studied presented itself more in women than in men. As the age, the results were closer, with a small oscillation between them, and on marital status, realized that the maturity fears was higher in married than single people. In face we concluded that the goal was reached and it is suggested more research on maturity fears and eating disorders.
Keywords: Maturity fears; Eating disorders; Eating disorders inventory.
INTRODUÇÃO
Os transtornos alimentares, segundo o DSM-IV (2002), caracterizam-se por severas perturbações no comportamento alimentar. A anorexia nervosa tem como características essenciais a recusa do indivíduo em manter um peso corporal na faixa normal mínima, um temor intenso de ganhar peso e uma perturbação significativa na percepção da forma ou tratamento do corpo. A bulimia nervosa tem como principais características as compulsões periódicas e métodos compensatórios inadequados para evitar ganho de peso. Transtornos Alimentares sem Outra Especificação está relacionado a transtornos alimentares que não satisfazem os critérios para qualquer transtorno alimentar específico.
Em relação à prevalência, observamos, num estudo realizado com estudantes de Oxford, uma prevalência de 10% de mulheres com Transtornos Alimentares (Sell & Robson, 1998). No Reino Unido, foi observada uma prevalência de 6% de Transtornos Alimentares em estudantes (Doll, 2000). Outro estudo Britânico realizado com estudantes universitários relata uma prevalência de aproximadamente 20% de Transtornos Alimentares entre os estudantes de enfermagem, medicina e artes (Szweda & Thorne, 2002).
Os estudantes Libaneses demonstraram um risco de controlar o peso com uma prevalência de 6,1%, o que demonstra situação de risco para Transtornos Alimentares (Tamim et. al., 2006). Na Espanha, também foi demonstrado 6,4% de prevalência de Transtornos Alimentares em estudantes universitários (Lameiras Fernándes, Calado Otero, Rodríguez Castro & Fernández Prieto, 2002). Por último, temos dados de um estudo realizado com estudantes na Turquia onde se demonstrou uma prevalência de 2,2% para Bulimia Nervosa sem nenhum caso de Anorexia Nervosa (Kugu, Akyuz, Dogan, Ersan & Izgic, 2006).
Em relação ao Brasil, a anorexia nervosa afeta cerca de 0,5% das mulheres (havendo um crescimento entre os homens) e a bulimia nervosa afeta cerca de 1% a 2% da população geral (Cordás, 2001).
Quando se fala de constituição do sujeito, percebe-se que a relação com a alimentação é um modelo do conjunto de relações existentes. Trata-se de uma luta contra o desejo de se apropriar daquilo que lhe falta e o desejo de se preencher sem restrição, podendo somente se conceder prazeres e satisfações às escondidas (Jeammet, 1999).
Já a relação que se estabelece com a mãe reflete nas relações que o indivíduo estabelecerá em sua vida, pois a psicanálise busca na origem das relações o início desses distúrbios; Klein (1937/1996), quando fala sobre a relação mãe-bebê, diz que a mãe é objeto de amor e ódio da criança, e quando essa mãe satisfaz as necessidades de alimentação torna-se sentimento de amor, mas quando os desejos de alimentação não são atendidos torna-se então sentimentos de ódio e agressividade em relação à mãe, o que faz com que o alimento seja associado com o afeto, e as privações alimentares sejam associadas com o ódio e como forma de punição.
Nesse pensamento de relação com a mãe, está também o corpo da anoréxica que se apresenta magro e sem formas, que faz com que ela permaneça uma menina, evitando assim o fato de tornar-se mulher, e dessa maneira mantendo seus desejos escondidos. Esse movimento controla a emersão de fantasias edipianas, desfazendo a concretização do incesto, do contato com a realidade psíquica e com as fantasias ligadas à voracidade e inveja (Miranda, 2005).
Aproximar-se da mãe através de um movimento identificatório não significa parecer com a mãe, mas sim substituí-la. Isso faz com que esse fantasma assuma um peso tão grande que entra em repercussão com a cumplicidade incestuosa e narcísica de um dos genitores (Jeammet, 1999).
Segundo Simone de Beauvoir (1953) "não se nasce mulher, torna-se mulher", ou seja, a identidade sexual é uma construção social e não um dado natural ou biológico. Neuhouser (1989), quando fala do papel histórico, diz que o machismo é a ideologia que torna natural que os homens controlem o mercado, o governo, e atividade pública e que as mulheres sejam subordinadas a eles. Porém em compensação ao machismo existe o modelo de Maria (marianismo) que também é conhecido como "síndrome da mulher auto sacrificada", que idolatra a mulher mártir que se auto-sacrifica, sendo submissa aos homens, boa mãe e esposa.
Entretanto, o pensamento e as atitudes estão mudando, pois as mulheres estão em constantes lutas para obter posições de liderança. Apesar disso, parece que uma força se move adiante, mas é detida por outras forças que querem retê-la, ou seja, os esforços de estagnação são atados a uma articulação ideológica de mulher como mãe, cuidadora, que merece ser protegida e guardada (Souza, Baldwin & Rosa, 2000).
Diante desses conceitos acima descritos, percebemos a importância de investigação desses assuntos, através de pesquisas ou de intervenções clínicas para aprimorar e divulgar o conhecimento adquirido. Por isso percebemos a importância da validação do instrumento em questão que serve de rastreamento para os transtornos alimentares, auxiliando os profissionais da saúde mental.
O instrumento de pesquisa utilizado foi o Inventário de Transtornos Alimentares - 3 (EDI-3) que é uma ferramenta padronizada para auxiliar na conceituação e planejamento do tratamento de indivíduos com suspeita ou confirmação de transtorno alimentar, de fácil administração. É planejado para avaliar domínios psicológicos com aplicações tanto na clínica quanto em pesquisas, pois constitui conceitos relevantes para a compreensão e o tratamento dos transtornos alimentares (Garner, 1991/2006).
Por se tratar de um instrumento que possui várias escalas, optou-se por trabalhar nesse artigo apenas com a Escala de Medo da Maturidade na tentativa de aprofundar e proporcionar um olhar de outros profissionais para essa área ainda pouco estudada.
MÉTODO
Este estudo é parte de uma pesquisa realizada pelo CEPSIC - Centro de Estudos em Psicologia da Saúde da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - com o objetivo geral de validar o Inventário de Transtornos Alimentares - 3 (EDI-3).
O inventário de Transtornos Alimentares - 3 (EDI-3), da autoria de O. Garner, M. Olmstead e J. Polivy, foi utilizado com autorização formal da editora Psychological Assessment Resource Inc., 16204, Copyright 1984, 1991.
AMOSTRA
Esse estudo foi realizado com 157 indivíduos da população geral, considerada não-clínica (população sem diagnóstico previamente conhecido de Transtornos Alimentares), usuários de universidades, tanto públicas quanto particulares de diversas áreas profissionais. Moradores das regiões Sul e Sudeste do Brasil, sendo provenientes do estado de São Paulo, de Santa Catarina e de Minas Gerais.
Dessa amostra, 70% eram do sexo feminino e 30% do sexo masculino; a idade dos sujeitos estava compreendida entre 18 e 61 anos com uma média de 27 anos. O peso da amostra variou de 41 kg a 119 kg com média de peso de 68 kg, tendo a média de altura de 1,67 e o IMC variando de 16 a 40,3 com média de 24,15.
INSTRUMENTO
Seu objetivo primário está em ser usado com adolescentes mais velhos a partir de 13 anos e mulheres adultas, apesar de já ter sido utilizado com adolescentes mais jovens entre 11 e 12 anos. O EDI-3 é composto de 91 itens do EDI-2 organizados em doze escalas primárias, das quais, três escalas são específicas para transtornos alimentares; nove escalas psicológicas gerais com assuntos relevantes, mas não específicos. Além de também contar com 6 "Complexos", sendo um específico para transtornos alimentares e cinco da psicologia geral integrativa (Garner, 1991/2006).
Escala de "Pulsão de magreza" (DT) possui sete itens que avaliam; um desejo extremo de ser magro; inquietação com dieta; preocupação com o peso e um medo intenso de ganhar peso.
Bulimia (B) possui oito itens que avaliam a tendência a pensar sobre, e se envolver em surtos de orgia alimentar (binge eating).
Escala de insatisfação com o corpo (BD) possui dez itens que avaliam o descontentamento com a forma geral e o tamanho de regiões do corpo que são fonte de preocupação extraordinária para aqueles que têm transtorno alimentar,
Escala de baixa auto-estima (LSE) possui seis itens relacionados com sentimentos de insegurança, inadequação, ineficácia e falta de valor pessoal.
Escala de Alienação Pessoal (PA) possui sete itens que incluem conteúdos relativos a sentir-se isolado dos demais, desgarrado, ou não receber o devido crédito, desejo de ser outra pessoa e um sentido geral de não ter controle sobre as coisas na própria vida.
Escala de Insegurança Interpessoal (II) possui sete itens que avaliam desconforto, apreensão e reserva em situações sociais, além de avaliar a tendência a se afastar dos outros.
Escala de Alienação Interpessoal (IA) possui sete itens que avaliam desapontamento, distância, estranhamento, certa falta de confiança nos relacionamentos, tendência a sentir-se preso em relacionamentos e falta de compreensão e amor por parte dos outros.
Escala de Déficits Enteroceptivos (ID) possui nove itens que avaliam confusão relacionada ao reconhecimento e resposta a estados emocionais.
Escala de Desregulação Emocional (ED) possui oito itens que avaliam a tendência para a instabilidade de humor, impulsividade, temeridade, raiva e auto-destrutividade.
Escala de Perfeccionismo (P) possui seis itens que avaliam a extensão em que uma pessoa considera uma recompensa atingir objetivos elevados e os padrões mais altos de realizações pessoais.
Escala de Ascetismo (A) possui sete itens que avaliam a tendência a buscar a virtude através da procura de ideais espirituais, tais como auto-disciplina, auto-negação, auto-restrição (auto-controle), auto-sacrifício e controle das necessidades corporais.
Escala de Medo da Maturidade (MF) possui oito itens que avaliam o desejo de voltar à segurança da infância.
Cada um dos itens do EDI-3 consiste numa frase que o sujeito deve responder de acordo com a gradação: sempre (S), quase sempre (Q), freqüentemente (F), às vezes (V), raramente (R) e nunca (N). Os resultados da folha de respostas são transferidos para uma folha de correção a fim de calcular-se o escore bruto de cada escala.
PROCEDIMENTO
Foram entrevistados 157 sujeitos, usuários de universidades públicas e particulares das regiões Sul e Sudeste do país. Foram escolhidos aleatoriamente os sujeitos que se encontravam em sala de aula no momento da aplicação. A aceitação foi espontânea e apenas um estudante de mestrado se recusou a responder o inventário.
Cada indivíduo recebeu uma cópia do Termo de Consentimento Livre-Esclarecido (TCLE), do caderno com os 91 itens do EDI-3, do questionário e da folha de respostas. Inicialmente foi pedido que os sujeitos lessem, preenchessem e assinassem o termo de consentimento se concordassem em participar da pesquisa em questão. Após esse procedimento, foi solicitado aos mesmos que respondessem ao questionário e aos itens do inventário, não deixando nenhuma questão em branco. Foi explicado que não havia tempo limite para responder e que os sujeitos que desejassem um retorno sobre o seu teste poderiam procurar os pesquisadores. Durante a aplicação não houve quaisquer problemas, apenas algumas dúvidas com relação a erros de digitação nos itens do inventário e com relação à palavra âexpansivo', que foram sanadas individualmente.
ANÁLISE DOS DADOS
Por tratar-se de uma pesquisa com o intuito de validação do instrumento em questão, nesse momento a análise de dados se dará através dos resultados brutos do instrumento, realizando apenas a freqüência para certas medidas necessária para a correlação pretendida. Será dada ênfase à escala de Medo da Maturidade como forma de tentar levantar a curiosidade de pesquisadores para uma melhor investigação da mesma.
RESULTADOS
Na comparação realizada com o sexo (Gráfico 1) percebe-se, na amostra pesquisada, que o medo da maturidade apresenta-se mais freqüente nas mulheres (média de escore bruto: 10,15) do que nos homens (média de escore bruto: 9,27). Porém observa-se que essa diferença é pequena, o que talvez tenha uma relação com as pressões sociais; o que tem haver com diversas transformações que vem ocorrendo na nossa sociedade, onde as mulheres vêem ocupando cargos de maiores responsabilidades.
Quando comparamos nossa amostra com a amostra dos Estados Unidos da América (E.U.A.) percebe-se que na amostra estudada nessa pesquisa referente ao Brasil, o Medo da Maturidade apresenta-se mais elevado. Tal fato pode ser relacionado com a diferença cultural que existe nos países.
No gráfico 2, foram realizados intervalos de idade para uma melhor visualização dos sujeitos. De acordo com os dados obtidos percebemos que as amostras apresentam resultados aproximados. Apesar desse resultado próximo, são apresentadas diferenças de um intervalo de idade para outro.
O intervalo que apresenta o escore bruto mais alto é o de 25 a 34 anos, o que nos sugere que com o fato da transição da adolescência para a vida adulta estar acontecendo cada vez mais tardiamente, quando os sujeitos se deparam com situações que exijam mais autonomia aumenta esse medo da maturidade, pois leva-se em conta que geralmente nessa idade de 25 a 34 anos muitas coisas começas a acontecer na vida pessoal e profissional, assim como responsabilidades em relação à família em geral e a expectativas pessoais e profissionais.
Porém percebe-se também que após essa idade de transição, o medo da maturidade diminui para um escore bruto de 9,75. Diante desses dados apresentados no intervalo de 35 a 61 anos, pode-se pensar que quanto maior a idade do indivíduo menor o medo da maturidade.
Em relação ao Gráfico 3, que demonstra a correlação entre estado civil e medo da maturidade, quando se compara indivíduos casados e solteiros nessa amostra, verifica-se que o índice maior ocorreu entre os casados (média de escore bruto: 11,4), e os indivíduos solteiros obtiveram uma média de escore bruto de 9,3.
De acordo com esses dados, relaciona-se o fato de pessoas casadas estarem diretamente em contato com as responsabilidades de assumir uma família e toda a responsabilidade que recai sobre o indivíduo independente do sexo pode influenciar esse medo da maturidade, levando a ter um aumento nessa faixa, porém deve-se levar em consideração que no estudo em questão não foi avaliado há quanto tempo a pessoa encontra-se casada, o que pode também ter uma relação direta com os achados.
Quanto aos solteiros pode-se pensar no fato de ainda terem uma relação mais branda com as responsabilidades reais, pois não possuem uma família da qual são diretamente responsáveis pelo seu sustento como um todo.
DISCUSSÃO
No presente estudo, os dados apresentam-se apenas com a média dos escores brutos, o que não permite fazer nenhuma afirmação em relação ao mesmo, apenas levantar algumas hipótese, pois não se tem certeza quanto à significância estatística dos resultados, nem o ponto de corte que será utilizado para a população brasileira.
Estudos já publicados relacionados ao EDI apresentam-se com os dados completos, os quais serão apresentados como forma de fundamentar a importância do trabalho que está sendo realizado para a validação do mesmo no Brasil. Estarão sendo focados assuntos relacionados à escala que se apresentou como objetivo de estudo, ou seja, a escala de medo da maturidade.
Henriques, Machado e Gonçalves (2002), num estudo utilizando o EDI com pessoas já diagnosticadas com transtornos alimentares que tinham como objetivo verificar a relação dessas pessoas com os transtornos alimentares, a agorafobia e a toxicodependência. Nesse estudo foram obtidos valores acima do ponto de corte nas sub-escalas de Ineficácia e Medo da Maturidade, manifestando uma identificação significativamente superior com a anorexia. Sendo assim, os autores concluem que existe uma tendência para uma identificação superior com a anorexia, quando algumas escalas específicas, entre elas a de Medo da Maturidade, apresenta-se acima do ponto de corte.
A escala de medo da maturidade quando comparado com o sexo, na amostra em questão apresenta uma média superior no sexo feminino. De acordo com Cavaiola e Arillo (1999) as mulheres estão tentando conseguir sucesso profissional, o que traz certa ansiedade sobre atingir o sucesso.
O medo do sucesso e da responsabilidade que esse agrega pode estar ligado com questões relacionadas com o aparecimento de transtornos alimentares ou de situações de risco para o mesmo, já que uma pontuação alta na escala de Medo da Maturidade é um apontamento para um fator de risco. Arcelus, Bouman e Morgan (2007) referem que o medo da maturidade pode ser interpretado como as dificuldades relacionadas à autonomia e responsabilidades.
Comparando os dados do Brasil do o dos E.U.A., levantam-se algumas hipóteses referentes às diferenças dos escores em relação ao medo da maturidade, sabe-se que nos E.U.A., desde cedo há um movimento para que a pessoa assuma certas responsabilidades, tendo como exemplo os jovens que saem de casa mais cedo, seja para morar em alojamentos escolares/universitários, ou porque já atingiram sua independência financeira optando por morar sozinhos ou dividindo sua moradia com colegas.
Em relação ao Brasil percebemos cada dia mais um movimento de manter-se "adolescente" por mais tempo. Muitas pessoas mesmo com sua independência financeira estão optando por continuar morando na casa dos pais, o que pode ser relacionado como o fato do medo da maturidade no Brasil ser maior.
Quando comparadas com a dinâmica familiar, um estudo com mulheres entre 15 e 30 anos, diagnosticadas com anorexia e bulimia com uma amostra não clínica percebe-se que a forma como essas meninas se relacionam com seus pais pode ser um indicador para um fator de risco quanto aos transtornos alimentares. As pacientes com diagnóstico de transtornos alimentares, quando comparadas com a amostra não clínica apresentavam um aumento na ansiedade quanto às relações parentais assim como uma superproteção ou rejeição nos relacionamentos com os mesmo (Tereno, Soares, Martins, Celani & Sampaio, 2007).
Quanto à idade, apesar da oscilação que ocorre, percebe-se uma leve diminuição do medo da maturidade. Num estudo realizado por Balbinotti e Tétreau (2006) sobre maturidade vocacional em estudantes de escolas públicas e privadas com idade entre 14 e 18 anos podem-se verificar situações que talvez contribuam para a nossa compreensão quanto ao medo da maturidade relacionado com a idade. Quanto à maturidade vocacional, o estudo faz uma diferença de sexo, dizendo que as meninas apresentaram maior maturidade vocacional que os meninos, e que comparando as escolas, percebeu-se que os adolescentes do ensino público apresentaram maior maturidade vocacional que os do ensino privado. Além desses achados, perceberam também que à medida que a idade aumenta, aumenta também a maturidade vocacional.
Esses achados, apesar de serem distantes da nossa amostra, pois trata-se de adolescentes e nossa amostra inicia com 18 anos, percebe-se algo interessante para ser discutido. Segundo os autores do trabalho referente à maturidade vocacional, à medida que a idade aumenta, aumenta-se também o nível de maturidade. Porém, na nossa amostra estudada, o nível de maturidade apresenta uma leve oscilação, o que seguindo esse raciocínio, não deveria acontecer. Mas por outro lado, percebe-se que a partir de 35 anos esse medo da maturidade diminui.
Outro estudo sobre maturidade em relação à escolha profissional apresenta resultados semelhantes, no qual à medida que aumenta a idade aumenta-se a maturidade, porém relata um fator importante em relação a esse aumento gradativo da maturidade. De acordo com Neiva (2003), os componentes da maturidade se desenvolvem em momentos diferentes, ou seja, a responsabilidade e o autoconhecimento aumentam em momentos diferentes do conhecimento da realidade educativa e socioprofissional.
Apesar de esses autores falarem sobre algo diferente do estudo em questão, observa-se que existe uma contribuição para a escala estudada, pois não foi encontrado artigos que relacionassem o medo da maturidade com a idade, fazendo com que surgisse a necessidade de procurar em outros trabalhos que falem sobre maturidade com outro foco, como é o caso da maturidade vocacional, para justificar o aparecimento de uma variável que apresenta-se interessante e importante para futuras pesquisas.
No processo de transição do estado civil de solteiro para casado, pode haver uma situação na qual se percebe uma responsabilidade muito grande por se sentir responsável por uma família que depende diretamente de suas atitudes.
Com isso nesta fase de transição ocorre um processo de separação-individuação em relação às figuras parentais e também uma separação em relação aos aspectos primitivos da personalidade que invadem e se conflitam com a outra parte que está buscando autonomia, independência e novas experiências (Leviski, 1998).
Diante dos fatos apresentados, verifica-se a importância de vários fatores que sugerem uma ligação direta ou indireta com o medo da maturidade nos indivíduos, e que através desses dados, deve-se aprimorar a forma de investigação dessas relações.
CONCLUSÃO
Como o objetivo desse trabalho é de apenas descrever os resultados brutos da escala de medo da maturidade, sente-se a necessidade de que haja mais estudos sobre a mesma, como forma de aprimorar os conhecimentos nessa área.
O estudo em questão demonstrou várias relações possíveis de influências sócio-demográficas com o medo da maturidade, o que nos evidencia várias hipóteses que precisam ser profundamente exploradas através de outras pesquisas, para que assim, possam surgir mais conteúdos para se basear as hipóteses. Partindo do princípio que nesse momento o assunto em questão apresenta-se escasso, o que dificulta as fundamentações de diversas hipóteses, tendo que fazer um apanhado com outros achados parecidos, porém não idênticos.
Sendo assim, o trabalho atingiu seu objetivo de descrever os achados, sugerindo que se realizem mais pesquisas nessa área.
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1Aluna do Curso de Especialização em Distúrbios Alimentares e Obesidade do Centro de Estudos em Psicologia da Saúde (CEPSIC) da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (ICHC/FMUSP), São Paulo, Brasil.
2Psicóloga da Divisão de Psicologia do ICHC/FMUSP, desenvolvendo atividades na 2ª Clínica Cirúrgica do Aparelho Digestivo. Coordenadora do Curso de Especialização em Distúrbios Alimentares e Obesidade do CEPSIC, São Paulo, Brasil.
3Psicólogo Assistente Técnico de Saúde da Divisão de Psicologia do ICHC/FMUSP. Coordenador do Curso de Especialização em Distúrbios Alimentares e Obesidade do CEPSIC, São Paulo, Brasil.
4Professor Associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), responsável pela Unidade de Obesidade Mórbida da 2ª Clínica Cirúrgica do HCFMUSP, São Paulo, Brasil.
5Diretora da Divisão de Psicologia do ICHC/FMUSP. Presidente do CEPSIC; orientadora da pesquisa, São Paulo, Brasil.