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Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.8 no.2 São Paulo jul. 2010

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Quem cuida também adoece? Sofrimento psíquico e probabilidade de adoecimento de familiares cuidadores em uma unidade de pediatria geral

 

Caregivers also get sick? Psychic suffering and probability of family illness caregivers on a general pediatric unit

 

 

Fabiana Pouza AugustoI,II,1; Niraldo de Oliveira SantosI,II,2; Rosa Carla de M. M. LôboII,3; Kátia Osternack PintoIII,4; Adriana Silva CarleialII,5; Mara Cristina Souza de LuciaI,6

ICentro de Estudos em Psicologia da Saúde - Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
IISanta Casa de Misericórdia de Maceió
IIIServiço de Pesquisas Clínicas e Epidemiológicas - Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

Esta pesquisa foi realizada na pediatria geral da Santa Casa de Misericórdia de Maceió com 30 cuidadores de crianças hospitalizadas, tendo como objetivo investigar as relações entre indicadores de autocuidado com o corpo e a saúde, sintomas de ansiedade e depressão dando ênfase à probabilidade de adoecimento destes. Inicialmente foi realizada uma análise descritiva dos dados, com distribuição de frequência para as variações sócio-demográficas, dados sobre a doença e tratamento, fatores psicossociais da Escala de Avaliação de Reajuste Social e Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar, além da análise quanti/qualitativa dos itens presentes na entrevista semidirigida. Dos entrevistados, 53% apresentaram presença de ansiedade, 43% presença de depressão e 70% com probabilidade de adoecimento. Deste modo, pôde-se constatar o quanto é importante que os profissionais de saúde voltem o olhar para esse cuidador que também tem uma dor e intenso sofrimento psíquico que deve ser valorizado e tratado.

Palavras-chave: Pediatria, Cuidadores, Ansiedade, Depressão, Adoecimento.


ABSTRACT

This research was conducted in general pediatrics in the Santa Casa de Misericórdia of Maceió with 30 caregivers of hospitalized children and aimed to investigate the relationship between indicators of body and health care, symptoms of anxiety and depression focusing the probability of illness. Initially, it was performed a data descriptive analysis, with distribution of frequency for socio-demographic changes, information of the disease and treatment, psychosocial factors of the Evaluation Scale of Social Adjustmente, Axienty Scale and Hospital Depression, in addition to quality/quantitative analysis of item in the semi-directed interview. It was found that 53% of the respondents showed presence of anxiety, 43% of depression and 70% illness probability. Thus, the research evidences the importance of health professionals attend to caregivers, who also has an intense pain and mental suffering that should be valorized and treated.

Keywords: Pediatrics, Caregivers, Anxiety, Depression, Illness.


 

 

1- INTRODUÇÃO

Situações de hospitalização, envolvendo ou não internação prolongada, interferem no equilíbrio psíquico e fisiológico do indivíduo. Nesse momento, é compreensível que a ansiedade e insegurança se elevem, gerando espaço para fantasias negativas relacionadas ao contexto hospitalar, constituindo-se assim em um trauma ou reeditando traumas anteriores.

No momento de um diagnóstico infantil, as dificuldades parecem ser ainda maiores. É mais comum pensarmos em situações de doença somente para o universo adulto e não o infantil. Sendo assim, o diagnóstico é um momento desorganizador tanto na vida dos pais quanto na vida da criança, e requer uma atenção cuidadosa dos profissionais que trabalham nessa área.

A hospitalização de um dos membros de uma família é um evento que gera estresse. Como o equilíbrio do sistema é interrompido pelas necessidades internas e externas, a hospitalização é percebida como ameaçadora. Caso o equilíbrio não seja restaurado, torna-se uma crise. As estratégias adaptativas usadas e seu sucesso em restaurar o equilíbrio do sistema podem ser medidas pelas respostas individuais, tanto motoras quanto afetivas (Leske, Cohen, Craft, Halm et al. citado por Romano, 1999).

De acordo com afirmações de Romano (1999), essas respostas podem ser: dormir menos, com uma qualidade pior de sono, permanecer acordado ou com dificuldade para dormir, redução ou aumento na ingestão de alimentos, mudanças no padrão alimentar (para pior); aumento no uso de cigarros, álcool e medicações auto prescritas; ficar menos tempo vendo televisão e mais tempo conversando, rezando, visitando o paciente, esperando, lendo; sentimentos de abandono, menos valia, culpa, raiva. São manifestações universais de ansiedade.

A teoria preconizada por Caplan (citado por Romano, 1999) conceitua crise como uma situação tão aumentada que as respostas habituais geralmente são inadequadas para solucionar o problema ou controlar a ansiedade. A crise é autolimitante, ou seja, um sistema não pode permanecer em estado de desequilíbrio, uma solução deve ser encontrada em pouco tempo. Se a crise persistir, as respostas comportamentais oscilam da negação ou neutralização do problema a sentimentos de abandono e confusão cognitiva, levando a tal desorganização que a redução da ansiedade torna-se simplesmente ineficaz (Moos citado por Romano, 1999).

Para Moffat (citado por Romano, 1999), para que uma situação produza uma crise, mais importante que o nível de traumatismo sofrido pelo sujeito é o inesperado da nova situação que lhe é exigido viver: "o que adoece no estado da crise é o processo de viver" (p.73).

A criança hospitalizada provavelmente irá vivenciar limitações que a doença lhe imporá como o desconforto de procedimentos invasivos e desconhecidos, dor, alteração na imagem corporal, mudanças significativas no relacionamento com a família e amigos, ou seja, uma total quebra na sua rotina cotidiana, resultando em experiências estressantes recheadas de temores e angústias.

Nesse novo momento de sua vida, as crianças tendem a apresentar algumas reações psíquicas ao diagnóstico, que se não forem absorvidas pela equipe podem ser extremamente prejudiciais, tanto para a família, quanto para a criança em relação ao prognóstico e adesão ao tratamento.

A família tem papel significativo nesse processo de diagnóstico e condução do tratamento. A mãe ou cuidador dessa criança é de extrema importância em todos os momentos, e passa a ser o elo de acesso para a compreensão do paciente como um todo, devendo receber os cuidados, orientação e o apoio de toda equipe.

Em um estudo realizado na Clínica de Hematologia do Hospital das Clínicas de São Paulo, com cuidadores familiares de pacientes internados, Maria Clara Nogueira de Sá (2002) pesquisou a respeito do processo de internação e acompanhamento de seus cuidadores. Pode verificar que a dificuldade em lidar e cuidar de um ente familiar enfermo é peculiar e está ancorada na esfera psicoafetiva desses sujeitos, pois a tristeza e impotência, assim como a expressividade verbal, fazem emergir um elemento significativo, as expectativas diante do desconhecido e a eminência da morte, objetivado e motivado por diferentes causas individuais, que vão desde sentimentos como o medo, angústia e responsabilidade do cuidar, até a problemática de conflitos nas mudanças ocorridas na vida e na estruturação familiar. Ou seja, o cuidador não só possui o diagnóstico do paciente, mas acompanha todas as etapas do tratamento, das morbidades e, por vezes, da mortalidade. Além de ser o principal transmissor das informações a respeito do paciente, assegurando-lhe maior tranquilidade, possibilitando uma participação mais efetiva no tratamento, a falta de cuidado com este pode ter sérias consequências. Pois o ato de cuidar pode gerar alto nível de ansiedade e angústia, que em longo prazo pode gerar agressividade com o paciente ou seu próprio adoecimento, seja de ordem emocional ou fisiológica.

Apesar do crescente desenvolvimento tecnológico da medicina e ciências afins, infelizmente vieram também consequências negativas como uma progressiva desumanização. Sendo assim, a preocupação com o conceito de qualidade de vida refere-se a um movimento dentro das ciências humanas e biológicas no sentido de valorizar parâmetros mais amplos que o controle de sintomas, a diminuição da mortalidade ou o aumento da expectativa de vida (OMS, 1998).

Atualmente, qualidade de vida passou a ser uma preocupação em nível mundial, permanece sendo um desafio para estudiosos que  se interessam em buscar mecanismos que possam ser implantados no cotidiano, objetivando apontar sugestões em busca de resultados satisfatórios, onde o bem-estar do paciente e de sua família torna-se primordial nos aspectos éticos, sociais, culturais e financeiros (OMS, 1998).

O conceito de qualidade de vida, com o passar dos anos, tem apresentado inúmeras controvérsias, apesar da grande variedade de abordagens, percebe-se muitos pontos em comum. Portanto, as diferenças encontradas em relação à qualidade de vida levaram a Organização Mundial de Saúde, em 1974, a propor a seguinte definição: "(...) trata-se da percepção por parte de indivíduos ou grupos, da satisfação das suas necessidades e daquilo que não lhes é recusado nas ocasiões propícias à sua realização e à sua felicidade" (Couvreur, 2001, p. 49).

O termo qualidade de vida relacionado à saúde é muito frequente na literatura e tem sido usado com objetivos semelhantes à conceituação mais geral. No entanto, parece implicar os aspectos mais diretamente associados às enfermidades ou às intervenções em saúde.

De acordo com Guiteras e Bayés (1993, p.179), "é a valorização subjetiva que o paciente faz de diferentes aspectos da sua vida, em relação ao seu estado de saúde." Já Cleary, Wilson e Fower (1995, p. 91) dizem que "refere-se aos vários aspectos da vida de uma pessoa que são afetados por mudanças no seu estado de saúde, e que são significativas para sua qualidade de vida."

Como também Patrick e Erickson (citado por Ebrahim, 1995, p. 1384) relatam que "é o valor atribuído à duração da vida, modificado pelos prejuízos, estados funcionais e oportunidades sociais que são influenciados por doença, dano, tratamento ou políticas de saúde."

É possível identificar nas conceituações de Guiteras e Bayés (1993), Cleary et al. (1995) e Patrick e Erickson (citado por Ebrahim, 1995), a referência ao impacto da enfermidade ou do agravo na qualidade de vida.

No Brasil observa-se um crescente interesse pelo tema qualidade de vida no campo da saúde. Pode-se citar um trabalho pioneiro, um instrumento genérico de avaliação da qualidade de vida, o SF-36; utilizando os procedimentos canônicos de tradução reversa e adaptação transcultural para uma amostra de cinquenta pacientes com artrite reumatoide permitiu evidenciar a utilidade de medidas gerais para a investigação do aspecto da doença crônica sobre a vida das pessoas acometidas (Ciconelli, Ferraz, Santos, Meinão & Quaresma, 1997).

Vale salientar que a subjetividade deste instrumento deve-se à diversidade de culturas, objetivos, satisfação pessoal que difere tanto de um país para o outro como de indivíduo para indivíduo.

As abordagens conceituais acerca do significado da qualidade de vida se complementam, proporcionando uma visão bem ampla deste conceito.

Afinal, será que é possível manter uma saúde equilibrada, mesmo vivenciando uma situação tão peculiar, como um internamento com uma criança em uma unidade hospitalar? Deparando-se com a quebra de rotina, com o medo, culpa, morte, com as dúvidas que surgiram na conversa com o médico, o paciente é aquele que requer cuidados de toda ordem. E o cuidador deste?

Diante da importância dos temas citados para uma boa qualidade de vida, este estudo teve como objetivo investigar as relações entre indicadores de autocuidado com o corpo e a saúde, sintomas de ansiedade e depressão dando ênfase à probabilidade de adoecimento.

 

2- MÉTODO

2.1- Participantes

Foram avaliados 30 cuidadores familiares de crianças internadas pelo Sistema Único de Saúde no período de internação hospitalar, cujas idades foram superiores a 18 anos, e que concordaram em participar do processo de investigação por meio da autorização em consentimento informado. Foram excluídos do estudo sujeitos com diagnóstico prévio de psicose ou demência, diagnóstico de delirium ou rebaixamento de consciência, ou ainda aqueles que, uma vez iniciada a entrevista, se mostraram incapazes de responder às perguntas formuladas.

2.2- Instrumentos

Como instrumentos para avaliar os dados sociodemográficos, histórico do adoecimento, posicionamento subjetivo diante das causas para o adoecimento e avaliação do autocuidado foi utilizada uma entrevista semidirigida; para a avaliação dos eventos estressantes e risco para o surgimento de doenças, empregamos a Escala de Avaliação de Reajuste Social, criada por Holmes e Rahe (1967). Os dados relacionados à presença/ausência de ansiedade e depressão foram coletados por meio de aplicação da Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar (HADS), desenvolvida por Zigmond e Snalth (1983).

2.3- Procedimentos

Após verificação de critérios de inclusão do sujeito, o mesmo foi informado dos objetivos do estudo e convidado a participar da pesquisa. Após a assinatura do termo de consentimento, procedemos à aplicação dos instrumentos, na seguinte ordem: entrevista semidirigida, Escala de Avaliação de Reajustamento Social e Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar (HADS). A aplicação de cada protocolo durou, em média, 60 minutos.

2.4- Análise dos Dados

Inicialmente, foi realizada uma análise descritiva dos dados, com distribuição de frequência para as variações sociodemográficas, dados sobre a doença e tratamento, fatores psicossociais da Escala de Avaliação do Reajustamento Social e HADS, além da análise quanti-qualitativa dos itens presentes na entrevista semidirigida.

 

3- Resultados e Discussão

Dos cuidadores pesquisados (pais, mães e avós), observou-se que 93% eram do sexo feminino e 7% do sexo masculino. Dos cuidadores, 87% eram mães.

Dos cuidadores incluídos nesta pesquisa observou-se que a faixa etária variou de 18 a 61 anos. Destes, 60% tinham de 29 a 39 anos e 3 % com idade de 51 a 61 anos. Em relação à escolaridade, 47% tinham o ensino fundamental, 43% tinham o ensino médio e 10% não tinham escolaridade.

Na amostra investigada, 80% eram casados/união informal, 10% solteiros, 7% separados/desquitados/divorciados e 3% eram viúvos. Durante as entrevistas observou-se que são comuns conflitos matrimoniais, em consequência da intensa desestruturação familiar instalada pela situação, desencadeando-se forte sentimento causado pela angústia de morte do filho. Como pode ser constatado na fala abaixo:

"O marido reclama, fica lá... Mas meu filho precisa de mim." (M. I. S., mãe de uma criança com diagnóstico de leucemia).

Valle (citado por Chiattone, 2003, p.113) comenta que, após o diagnóstico de uma doença grave, "as experiências pelas quais os pais passam" sofrem transformações que significam a perda do mundo habitualmente vivido por eles, e isso os leva a sentirem-se estranhos nessa nova situação. Assim, passam a habitar outro mundo, o da doença do filho, que para eles significa mudanças, acarretando inseguranças, em vários aspectos.

Uma das formas observadas para estes acompanhantes vivenciarem o cotidiano da criança doente era a fé. Dos acompanhantes entrevistados, 70% eram católicos, 27% evangélicos e 3% não tinham nenhuma religião. Foi observado que nesse cuidar manifestam-se sentimentos ambivalentes de esperança e conformismo, muitas vezes apoiados na fé religiosa. Como observado em trechos de discursos das acompanhantes:

"Está nas mãos de Deus, ele é quem sabe..." Abaixa a cabeça e chora silenciosamente. (M. J. A. S., mãe de uma criança investigando um tumor cerebral).

"Me senti triste, mas agradeci a Deus, tem cura." (M. F. S., mãe de uma criança no pré-operatório de hérnia umbilical).

"O meu filhinho vai fazer uma reconstrução do reto, mas tenho fé, Deus vai pegar na mão do médico e vai operar ele em nome de Jesus." (M. G. S., mãe de uma criança no pré-operatório).

Em relação à ocupação, 57% eram do lar, 23% autônomos informais, 13% operacionais (serviços gerais, professora, agricultor) e 7% eram aposentados/sem atividade. Destes, 77% possuíam renda pessoal de menos de 1 salário mínimo, 13% de 1 a 2 salários, 7% de 2 a 3 salários e 3% de 4 a mais salários.  Já em relação ao número de pessoas que vivem com a renda familiar, constatou-se que 47% possuem de 4 membros a mais, 30% de 3 a 4 pessoas, 20% 3 pessoas e 3%, 2 pessoas.

Dos entrevistados, no que diz respeito ao autocuidado, foi possível verificar que 77% estavam com a autoestima preservada e 23% com a autoestima rebaixada. Embora possa ser percebido que, durante as entrevistas, muitas vezes, suas falas revestem-se de ressentimento ao se perceberem, e ao seu filho, alvo da curiosidade alheia. Como podemos observar:

"Comprei um chapeuzinho pra ela porque quando ela sai na rua todo mundo olha a carequinha dela e às vezes fica perguntando." (M. Q. S., mãe de uma criança com diagnóstico de leucemia em tratamento com quimioterapia).

Assim, esse cuidador defronta-se com a perda do sentimento de invulnerabilidade sendo totalmente atingido em sua falsa sensação de proteção e imortalidade, já que o dia a dia desse ser que cuida é construído em virtude da doença da criança. Lidar com esse cotidiano torna-se mais doloroso a cada momento que se passa.

Em relação à condução, orientação e adesão ao tratamento da criança observou-se que 73% dos entrevistados referiram aderir ao esquema terapêutico de acordo com as orientações e esquemas propostos pelo médico, 23% referiram adiar a procura de tratamento e 3% procuraram tratamento apenas em estado grave.

De acordo com as afirmações de Chiattone (2003), os pais e a família como um todo são elementos altamente representativos do desenvolvimento infantil, no sentido de que a família é a unidade de representação básica da criança. O cuidador, geralmente membro da família que acompanha a criança durante o internamento, é quem garante a adesão do paciente ao tratamento.

Outro aspecto pesquisado com os acompanhantes foi em relação ao que a criança estava tratando no hospital. Constatou-se que noventa por cento dos pesquisados verbalizam detalhadamente informações a respeito do diagnóstico/tratamento. Como pode ser visto no trecho abaixo:

"Leucemia é uma doença que dá no sangue, mais a quimio vai deixar ela melhor." (L. Z. A., pai de uma criança com leucemia).

Quando questionados a respeito da sua opinião em relação ao que significa ter saúde, verificou-se que 43% acreditavam estar relacionado ao estilo de vida saudável, outros 30% acreditavam ser ausência de doença/dor, 13% a aspectos relacionados a questões emocionais e 7% apontavam para religiosidade/espiritualidade. Como pode ser observado no exemplo a seguir:

"Uma pessoa que pode ter uma boa alimentação, exercícios físicos e uma boa relação com os outros" (L. S. C., mãe de uma criança no pós-operatório de uma cirurgia renal).

Em relação a como perceberam o surgimento da doença na criança, 40% responderam que foi a partir do aparecimento dos sintomas, 17% dos entrevistados referiram que descobriram a doença através de exames de rotina, 27% atribuíram a crenças pessoais e 16% não souberam informar. Como pode ser constatado a seguir:

"A partir do segundo mês de gestação quando comecei a fazer ultrassom, viram alguma coisa estranha na imagem." (J. M. N. S., mãe de uma criança com síndrome nefrótica).

"Há uns quatro meses atrás tudo começou, sangrando pelo nariz, pensei que não fosse nada, daí não parava, quando descobri esse tumor" (G. P. S., mãe de uma criança com tumor cerebral).

Durante as entrevistas também pode ser observado com clareza uma recusa e incapacidade em aceitar as condições atuais da criança. De acordo com as ideias de Kubler-Ross (1991), existem sentimentos que são experimentados pelos familiares durante o processo de uma doença crônica; quando são informados da doença, o paciente e seu cuidador deparam-se com um choque inicial e sentimentos de negação. Em um segundo momento é mobilizada raiva, fúria, havendo questionamento sobre o porquê de esse fato ter acontecido com ele. Como é possível perceber pelos seus discursos:

"No início pensei que fosse verme, a barriga dele tava grande, reclamava muito de dor. Depois fiz os exames e descobriram um tumor na barriga do meu filho, acredita? Daí tô tratando, não é possível um negócio desse." (J. Z. L., mãe de uma criança com câncer).

Quando os acompanhantes foram questionados acerca do que acreditavam ter feito aparecer a doença na criança, 36% não souberam informar, 23% referiram crenças pessoais (geralmente atribuídas à culpa pela falta de cuidado), 10% outros, 10% atribuíram a causa a fatores orgânicos/hereditários, 7% apontaram fatores psicológicos/stress, 7% a fatores relacionados ao autocuidado e 7% a fatores ambientais/externos.

Durante a pesquisa foi observado, nas falas dos acompanhantes, uma grande necessidade de atribuir uma causa à doença, mesmo não sabendo informar. Pareciam buscar algo que fizesse sentido e os conduzisse à compreensão do aparecimento da mesma. Como se estivessem à procura de uma explicação que determinasse o alívio de seu sofrimento. Nas entrelinhas do discurso emerge a culpa que sentem, parece que em si visualizam uma possível falha que fez a doença do filho aparecer. Podemos observar abaixo:

"Será que estou pagando por alguma coisa que fiz?" (J. M. N. S., mãe de uma criança com problema renal).

"Acho que é porque eu não sabia que estava grávida, até os três meses menstruei... Às vezes acho que a culpa foi minha." (L. S. C., mãe de uma criança no pós-operatório de uma cirurgia nefrológica).

"Primeiro pensei que era de família, depois pensei ter alguma coisa a ver com a alimentação." (L. Z. A., pai de uma criança com leucemia).

"Tive muita raiva na gravidez, trabalhei muito, acho que a culpa foi minha." (M. F. S., mãe de uma criança no pré-operatório de hérnia umbilical).

Para Konior e Levine (citado por Chiattone, 2003, p. 122), "não existe exemplo mais extremo de culpa do que o expresso por pais de uma criança agonizante." Todo o processo da doença e os sentimentos consequentes estarão vinculados a antecedentes como o nascimento, que pode ter causado decepção, ou ter acontecido em um momento difícil para a família, ou ainda nos casos de crianças não desejadas.

Em um estudo realizado no serviço de Oncologia-Pediátrica do Hospital Brigadeiro, São Paulo, constatou-se que 96% das crianças avaliadas num período de um ano tinham sido rejeitadas por seus pais, com tentativas explícitas de aborto. Intenso sentimento de culpa foi verificado em 78% dessas famílias (Chiattone, 2003).

Relações marcadas pela culpabilidade determinam graves consequências à manutenção do equilíbrio psicológico destes familiares, como também demonstrações excessivas de amor.

Quando questionados a respeito de como se sentiram ao saberem do diagnóstico da criança, 63% dos cuidadores tiveram reação de angústia/medo/desespero/insegurança, 17% apresentaram reação de enfrentamento, 17% sentimentos associados e 3% busca da religião.

Ainda nos estudos de Sá (2002), foi observado que, apesar de cada cuidador passar pelas fases do impacto do diagnóstico, negação da condição patológica, ansiedade e medo diante da possibilidade da morte, aceitação e assimilação das informações clínicas da doença e tratamento, tentativas de adaptação e novas condições de vida e expectativas quanto ao tratamento e cura, elas nem sempre são coincidentes em tempo e intensidade, mas o que é confirmado de acordo com a pesquisa e literatura é que o surgimento da doença grave provoca um desequilíbrio geral em um estado preexistente de estruturação familiar, isto é, um mal-estar e um medo generalizado impactam esta família que se depara com a possibilidade de finitude de um de seus membros.

Faz-se necessário ressaltar que esse momento do processo é especialmente gerador de intenso estresse para o acompanhante marcado pela angústia advinda da gravidade da doença, pelo medo do desconhecido, pela rebelião de sentimentos incontroláveis ao grupo familiar, como se mostra abaixo:

"Tive muito medo que ela morresse." (L. Z. F., pai de uma criança com leucemia).

"Fiquei chorando desesperada, arrasada." (L. S. C., mãe de uma criança no pré-operatório de cirurgia renal).

"Me senti mal, triste, sozinha, um lixo." Abaixa a cabeça e chora por muito tempo. (G. P. S., mãe de uma criança com tumor cerebral).

Quando perguntado aos acompanhantes sobre a reação da família ao saber da doença da criança, constatou-se que 50% tiveram reação de angústia/medo/desespero/insegurança, 30% reação de enfrentamento/acolhimento e 20% outros.

De acordo com Chiattone (2003, p. 107), "a ocorrência da doença de um filho e a possibilidade de morte deste deve ser considerada e compreendida como um fenômeno social, referendando-se as características da família para uma compreensão melhor do processo".

A família também perde sua conexão com o mundo habitual e o controle que exercia sobre sua estrutura, pelas intensas vivências relacionadas ao tratamento, pela necessidade de internação e pelo intenso medo da morte.

Chiattone (2003, p. 108) afirma que:

A família representa um grupo organizado, uma estrutura. Quando ocorre o aparecimento de uma doença, podemos notar que desestrutura o grupo familiar. A família de uma criança doente ou hospitalizada pode reagir de diferentes maneiras: tranquilidade/força interior, respeito/esperança, medo, insegurança/pressão, confusão/intromissão, apatia, intranquilidade/desespero, desestruturação, superproteção, redução da afetividade, separação conjugal, abandono do lar, abandono da criança, angústia, impaciência/desconfiança, pouca tolerância às solicitações da criança, pouca tolerância ao sofrimento da criança, culpa pânico ao ambiente hospitalar, negação/tratamentos alternativos, raiva, barganha, depressão e aceitação.

Podemos observar alguns destes fenômenos em trechos abaixo:

"Ficaram muito tristes, me ajudam como podem." (J. Z. L., mãe de uma criança com câncer no intestino).

"Preocupados, todos me ajudam em tudo." (L. S. C., mãe de uma criança no pós-operatório de um cirurgia no rim).

Os resultados obtidos com a aplicação da Escala de Avaliação e Reajuste Social indicaram que 70% dos acompanhantes pesquisados apresentavam grave probabilidade de adoecimento, outros 27% apontavam possibilidade moderada e 3%, baixa.

Doença, hospitalização e procedimentos diagnósticos ameaçam o sistema familiar, seus papéis e canais de comunicação, podendo os membros da família de um paciente correr o risco de doenças físicas, diminuição da atenção, irritabilidade e comprometimento de sua capacidade de decisão. Dessa forma, fica comprometida a capacidade de entender políticas, rotinas e procedimentos do hospital, que para alguns profissionais podem parecer lógicos, óbvios e racionais. Além disso, buscando combater a culpa relacionada à doença provocada, num mecanismo de remissão desta, outros membros da família podem adoecer.

Salomon (2002, p. 24) relata que: (...) existe uma expressão russa que diz que se você acorda sem sentir nenhuma dor, sabe que está morto, (...) embora a vida não seja apenas de dor, a experiência da dor, que é especial em sua intensidade é um dos sinais mais seguros da força da vida.

Segundo o autor, a dor precisa ser "transformada e não esquecida, contrariada e não obliterada" (Salomon, 2002, p. 24). O cotidiano deste cuidador se desenrola permeado de inquietações e sobressaltos. Vivem o medo contínuo diante das possíveis inquietações de quaisquer sintomas e sinais da criança doente.

Dessa forma, tanto os pacientes como a família passam por diferentes estágios psicológicos durante o processo de hospitalização, que se não forem bem conduzidos podem gerar sérios problemas de saúde, tanto de ordem emocional como de ordem fisiológica.

Os dados relacionados à presença/ausência de ansiedade, obtidos por meio de aplicação da Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar mostraram que 53% dos entrevistados apresentavam clara presença de ansiedade. Do restante dos pesquisados, 30% apontaram ausência de ansiedade e 17% provável presença de ansiedade.

A ansiedade diminui porque é transitória por definição, mas se não ocorrer esse movimento, as soluções encontradas podem gerar mais desorganização, além de existir a possibilidade de cristalizar dificuldades de relacionamento com a equipe.

Em relação à presença/ausência de depressão, observou-se que 43% dos sujeitos apresentavam clara presença de depressão, do restante dos entrevistados 43% não apresentaram depressão e 13% com provável presença de depressão. As reações depressivas, segundo Chiattone (2003), são esperadas e necessárias para o processo de luto, tanto na criança como em seus familiares. Porém, não devem ser exageradas a ponto de impedir um enfrentamento adequado da doença e da iminência de morte ou serem motivadas por intensos sentimentos de culpa. Por isso, todo empenho da equipe de saúde é necessário quando as relações entre a criança doente e seu cuidador mostram-se marcadas pela depressão.

 

4- CONCLUSÃO

O presente estudo nos permitiu fazer algumas considerações e reflexões acerca do papel do cuidador. Pôde-se observar que o cuidador assume um papel que muitas vezes lhe é imposto pelas circunstâncias e por um desejo de ajudar e de estar ao lado da criança que ama, mas parece não ter noção do trabalho que lhe espera. Podemos perceber que seu cotidiano é modificado radicalmente. A comunicação de um diagnóstico é uma experiência de extrema dificuldade para o acompanhante que a recebe, para sua família e pessoas amigas. Sob o abalo dessa forte emoção, alto nível de ansiedade e depressão, existe a tendência de comprometimento da razão, de tal forma que às vezes leva-se tempo para entender o que está acontecendo.

Muitas vezes tomados por dúvidas, medos, o impacto do diagnóstico, o sofrimento de ver a criança passar por um tratamento geralmente agressivo, invasivo e doloroso, a perspectiva de separação e morte, esquecem-se dos cuidados consigo acarretando sérias consequências no processo do cuidar.

Faz-se necessário um profissional que possa trabalhar este impacto estressante, e através desta relação construir, junto com este indivíduo, um caminho para que possa lidar tanto com o aspecto objetivo como subjetivo da situação vivenciada.

Assim, a atuação do psicólogo hospitalar com os acompanhantes e familiares da criança reveste-se de extrema importância na medida em que a relação da família, doença e criança vai acontecendo. A atuação deve-se dar no nível de comunicação e intervenções clínicas consistentes reforçando o trabalho estrutural e de adaptação desses familiares.

Como conclusão pode-se dizer que a probabilidade de adoecimento do cuidaDOR é intensa, porque ele também tem uma DOR, que deve ser tratada para que possa cuidar da criança sem ter que tornar-se também um paciente. É importante manter o olhar sobre o indivíduo e o momento que está vivenciando.

 

5- REFERÊNCIAS

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1Psicóloga, aluna do Curso de Especialização em Psicologia Hospitalar do Centro de Estudos em Psicologia da Saúde (CEPSIC) da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da FMUSP – em parceria com a Santa Casa de Misericórdia de Maceió - SCMM.
2Psicólogo Assistente de Direção da Divisão de Psicologia do ICHC/FMUSP, coordenador do Curso de Pós-graduação em Psicologia Hospitalar (CEPSIC e SCMM), orientador da pesquisa.
3Psicóloga responsável pelo Serviço de Psicologia da SCMM, coordenadora do Curso.
4Diretora do Serviço de Pesquisas Clínicas e Epidemiológicas da Divisão de Psicologia do ICHC-FMUSP.
5 Psicóloga responsável pela Pediatria Geral na SCMM.
6Diretora da Divisão de Psicologia do ICHC/FMUSP. Presidente do CEPSIC. Coordenadora do Curso.