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Psicologia Hospitalar
versão On-line ISSN 2175-3547
Psicol. hosp. (São Paulo) vol.10 no.2 São Paulo jul. 2012
ARTIGOS ORIGINAIS
Crenças relacionadas à natureza feminina frente à gestação e ao vínculo materno-fetal
Beliefs related to the feminine nature forward pregnancy and maternal-fetal bonding
Glauco Heirison dos Santos RochaI,1; Gláucia Rosana Guerra BenuteI,2; Niraldo de Oliveira SantosI,II3; Mara Cristina Souza de LuciaI,II,4; Rossana Pulcineli Vieira de FranciscoIII,5
IDivisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
IICentro de Estudos em Psicologia da Saúde - CEPSIC
IIIDepartamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
RESUMO
Introdução: Ao longo de séculos, incontáveis mudanças ocorreram em nossa sociedade e os papéis sociais que antes pareciam bem definidos atrelados ao gênero correspondente, ganharam características fluidas derrubando estereótipos e alguns paradigmas frente à existência de uma suposta natureza da mulher destinada à maternidade. Objetivo: Este trabalho, portanto, teve como objetivo identificar quais eram as crenças existentes no período gestacional relacionadas à natureza feminina frente à maternidade e o vínculo materno-fetal. Método: Trata-se de estudo exploratório descritivo desenvolvido em um hospital Universitário público no Brasil, na cidade de São Paulo, onde foram realizadas 50 entrevistas semiestruturadas com gestantes de alto risco. Resultados: O discurso dessas mulheres pareceu apontar para a possibilidade de escolha em responder ou não ao paradigma imposto pela Natureza. Contudo, a negação a esse legado – o rompimento com o seu aparente destino –, parece fomentar a crença de que essa mulher seria entregue à infelicidade. Respondendo positivamente ao pleito dessa Natureza carregada de paradigmas sociais, entretanto, essas mulheres disseram, em sua maioria, crer numa comunicação direta e bilateral entre elas e seus futuros bebês. Conclusão: À mulher fora deixado, além da crença da chave da promoção da felicidade ou infelicidade – sendo mãe – própria e de outrem, a crença na capacidade de desenvolver um vínculo direto com essa possível fonte de felicidade – seu bebê –, capaz de alterar seu comportamento durante a gestação.
Palavras-chave: Interconsulta psicológica, Inserção do psicólogo, Psicologia em saúde, Demanda médica.
ABSTRACT
Introduction: Over the centuries, countless changes have occurred in our society and the social roles that once seemed well defined corresponding to the gender, won fluid characteristics knocking some paradigms and stereotypes against the existence of a supposed nature of the woman destined to motherhood. Objective: This study aimed to identify what were the existing beliefs during pregnancy related to the feminine nature forward to motherhood and maternal-fetal bonding. Method: This was an exploratory descriptive study developed in a public university hospital in Brazil, São Paulo, where 50 semi-structured interviews were conducted with high-risk pregnancies. Results: The discourse of these women seemed to point to the possibility of choice to respond or not to the paradigm imposed by Nature. However, the denial of that legacy - the breakup with his apparent destiny - it seems to promote the belief that this woman would be handed to misfortune. Responding positively to the claim that Nature loaded social paradigms, however, these women said, mostly believe in direct communication and bilateral cooperation among them and their unborn children. Conclusion : To the woman was left, beyond belief the key to promoting happiness or unhappiness - being a mother - own and others, the belief in the ability to develop a direct bond to this possible source of happiness - her baby - able to change their behavior during pregnancy.
Keywords: Pregnancy, Female, Maternal-fetal relations.
INTRODUÇÃO
Ao longo de séculos, incontáveis mudanças ocorreram em nossa sociedade. Os papéis sociais, que antes pareciam bem definidos atrelados ao gênero correspondente, hoje ganharam características bastante fluidas derrubando estereótipos e alguns paradigmas sustentados ao longo da história.
Empiricamente, fala-se de instintos, desejos e até de uma pré-destinação da mulher ao fecundo, à maternidade, num legado de abnegação e entrega à condição de ser mãe, de cuidar, de amar incondicionalmente.
O papel da mulher, assim como sua forma de se inscrever na sociedade, vem sendo reconfigurado por acontecimentos e determinações socioculturais. Contudo, a herança deixada parece enaltecer a idéia de um suposto instinto maternal gerador de um sentimento singular, quase divino – o amor materno.
Badinter (1985) considera a idéia deste suposto sentimento como sendo recente, uma vez que até o século XVIII predominava uma conduta de indiferença materna, onde recém-nascidos eram entregues a amas que os amamentavam e cuidavam durante os seus primeiros anos de vida, juntamente a outras muitas crianças.
Segundo Maldonado (2000), por mais que fossem responsáveis, em decorrência dessa agregação e da falta de cuidados e higiene adequada, o índice de mortalidade infantil era alto.
Após o surgimento da obstetrícia nas especialidades médicas no século XVIII, a mulher passou a ser observada a partir de sua anatomia como destinada à maternidade – uma forma de submetê-la à circunscrição da procriação. Tal pensamento rumou ao século XIX ratificando o culto à maternidade atrelado às novas condições de vida às quais os indivíduos eram apresentados naquele período.
Cada vez mais, os homens se distanciavam do lar e da função que lhes era atribuída – a educação –, sendo, a partir disso, delegada às mulheres outra função que se somava à limitante biológica à qual teria, até ali, sido destinada. A mulher, em decorrência disso, assumia agora uma função social (Maldonado, 2000).
O papel da mulher nos dias de hoje – melhor ainda – a herança a ela deixada por uma sociedade paternalista versos o clamor de uma sociedade capitalista que convoca a mulher à produção e à luta, portanto, por espaços antes entregues aos homens, parece provocar questionamentos e gerar crenças a respeito de sua natureza frente à maternidade.
O culto à maternidade feito no início do século XIX fomentou a idéia da fecundidade como agraciamento divino. A gestação, portanto, parece tomar sentidos particulares, sendo privilegiada ou execrada a depender do momento sociocultural onde a mulher – grávida – estiver inserida.
Para Badinter, a mãe do século XVIII é auxiliar dos médicos; no século XIX, colaboradora dos religiosos e dos professores e, no século XX, assume outra personalidade – a de cuidar do inconsciente e da saúde emocional dos filhos. (Maldonado, 2000, pág. 22)
As crenças parecem permear o imaginário das mulheres provocando-as a se sentirem culpadas – quanto às atribuições de uma devotada e resignada mãe – ao assumirem papéis que não correspondem à idealização do grupo ao qual estão inseridas, aos costumes familiares de que descendem.
Com ênfase exagerada da importância da relação mãe-filho, muitos teóricos da psicologia acabam tendo uma atitude acusatória e culpógena em relação à mulher, acentuando a imagem de devoção e de sacrifício que caracterizaria a "boa mãe", que se torna, desse modo, o personagem central da família. (Maldonado, 2000, pág. 22)
Seja destino divino, função da mulher ou destino do feminino, a gravidez e suas vicissitudes – mudanças corporais, sentimentos e sensações diferenciadas que surgem à sua revelia – marcam a vida da mulher transformando não só o corpo, mas a maneira como a mesma se posiciona na sociedade que convoca à produção e pune a ineficiência mesmo que esta (ineficiência) seja crivada por parâmetros discutíveis.
Este trabalho, portanto, teve como objetivo identificar quais eram as crenças existentes no período gestacional relacionadas à natureza feminina frente à maternidade e o vínculo materno-fetal.
MÉTODO
Tipo de estudo
Trata-se de estudo exploratório descritivo. A pesquisa foi desenvolvida em hospital Universitário público no Brasil, na cidade de São Paulo (com população estimada em 10 milhões de pessoas).
Sujeitos
Foram realizadas 50 entrevistas semiestruturadas.
Este estudo foi previamente aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Instituição. Todas as participantes foram informadas de que a participação no estudo era voluntária e que seus nomes seriam mantidos em sigilo. A decisão em participar ou não do estudo não iria interferir na qualidade do atendimento que ela receberia. As mulheres que concordaram em participar assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido antes da realização da entrevista.
Foram considerados como critério de inclusão ser maior de 18 anos e não ter recebido diagnóstico de malformação fetal nesta gravidez.
A entrevista semiestruturada foi realizada individualmente utilizando-se questionário elaborado previamente, com questões abertas. A entrevista teve duração aproximada de 40 minutos.
As respostas foram agrupadas de acordo com o tema principal. A primeira parte do questionário continha dados sociodemográficos: idade (anos), estado civil (solteira, casada); religião (católica, evangélica, outras); escolaridade (superior, médio, fundamental, não-alfabetizada); realização de atividade remunerada. A segunda parte do questionário tratava especificamente de questões sobre a crença de que a maternidade faria parte da natureza feminina e vínculo materno-fetal.
As questões são apresentadas na tabela 1.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Aspectos sociodemográficos
Com a análise das entrevistas, extraiu-se que tal amostra diz respeito a 50 mulheres com faixa etária entre 18 e 44 com média de 29,28 anos de idade (desvio padrão 9,7 anos). No que refere ao status civil, 66% são casadas ou mulheres que vivem em regime de união consensual e 34% solteiras. Quanto à escolaridade, 7% possuía nível superior, 48% com ensino médio, 46% ensino fundamental e 2% não alfabetizadas. Da amostra referente à atividade e renda, 62% não possuíam trabalho remunerado e apenas 34% realizavam atividade remunerada. Quanto à religião, 54% católicas; 30% evangélicas; 8% relataram outras religiões.
Sobre a natureza feminina
Mesmo respondendo a um discurso igualitário (mulheres x homens) fundado em direitos conseguidos à custa de muito sofrimento e intensa luta das mulheres ao longo de séculos, as mesmas parecem aprisionadas a um discurso outro, oculto, repleto de crenças que fomentam a ideia de que a mulher é destinada a uma natureza particular incompatível ao perfil moderno capaz de responder tal qual ao homem no que tange à produtividade numa sociedade capitalista, e serem, ao mesmo tempo, boas mães.
Ao serem questionadas a respeito da ideia de que as mulheres teriam nascido para serem mães, 38% das entrevistadas responderam positivamente.
"Acredito. A mulher sempre tem aquele carinho, aquele amor, o amor que ela nunca sentiu e quer passar pra criança" (P25 – 18 anos).
"Sim. Ela tem um sentimento especial" (P32 – 18 anos).
Responderam que não 62%, entretanto, embora as respostas negativas subentendessem o fator "opção" como determinante, na maioria dos discursos elas apresentavam pareceres que diziam respeito à qualidade de ser ou não uma boa mãe.
"Não. Mães que abandonam, não cuidam" (P8 – 40 anos).
"Não, nem todas. Tem mães que nem ligam para o filho" (P14 – 18 anos).
"Não. Isso é assim: Deus disse que tem que procriar, mas evoluiu muito e cada um escolhe o que quiser. A mulher foi feita para isso, mas escolhe" (P15 – 41 anos).
A sociedade que prima pela produtividade e que qualifica o indivíduo por sua capacidade de responder adequadamente a essa demanda e de, ao mesmo tempo, serem felizes a todo custo, apresenta às mulheres o dilema da escolha em atender a esse clamor, muitas vezes, abnegando-se ou retardando cada vez mais o desejo e a hora de serem mães, ou, fazendo outra escolha, arriscando comprometer sua produtividade, portanto, o espaço conquistado.
Essa mesma sociedade traz, veladamente ou não, a concepção de uma mulher útero, doadora e mantenedora da vida. A ela é deixado o legado herdado de suas próprias mães. A negação a esse legado, portanto o rompendo com o seu aparente destino, parece fomentar crenças de que essa mulher seria entregue à infelicidade.
Em relação a isso, 32% das entrevistadas afirmaram que a mulher não pode ser feliz sem ter filhos.
"Não, a alegria do casal é o filho" (P10 – 40 anos).
"Não. Ninguém pode ser feliz sem ter filhos" (P48 – 34 anos).
Sendo que, em meio aos 60% que apresentaram respostas contrárias, foram observadas considerações a respeito da vivência de uma felicidade incompleta.
"Sim, pode. Mas não é a felicidade completa. Ou falta algo no coração" (P15 – anos).
"Pode, mas não é completamente completa" (P7 – anos).
"Eu acho que pode, mas um dia vai fazer falta" (P34 – 18 anos).
As 6% restantes, apresentaram respostas evasivas.
"Nem pensei" (P50 – 31 anos;).
Em nome da longevidade da espécie, uma vez que, em senso comum, é dada à mulher a chave da procriação e manutenção da vida já que lhe é atribuída também a responsabilidade dos cuidados ao bebê humano que, ao contrário de outras espécies, é dependente de outrem para se manter vivo, essas crenças parecem ganhar corpo.
A saúde mental da mulher, então, é posta em questão, dado que a condição ou a escolha em não ter filhos parece ser associada à imagem de uma mulher fria, dada ao isolamento, ao mau humor. Pode-se observar isso com os jargões pejorativos comumente vistos como aquela que tornar-se-á a "titia" ou a criação de personagens da literatura ou folclore como a "bruxa", a "cuca" – seres sem prole que, de tão infelizes e sozinhas, buscam tentar imprimir esta infelicidade na vida de outrem.
Quando questionadas a respeito de como seriam suas vidas sem filhos, 68% das mulheres abordadas expressaram respostas negativas pontuando uma vida em tristeza – vazia.
"Uma tristeza só, um vazio imenso" (P3 – 44 anos).
"Ter um filho é o que mais quero agora. Acho que seria muito triste; um vazio" (P11 – 28 anos).
"Nossa, nem imagino! Acho que eu me sentiria muito infeliz. Ia faltar alguma coisa" (P15 – 41 anos).
Referiam benefícios na opção de não terem filhos 20% das afirmativas.
"Pacata. Bem sossegada" (P21 – 18 anos).
"Boa também. Quando se tem filhos muda tudo, responsabilidade" (P8 – 40 anos).
Apresentaram respostas evasivas 12%.
"Não sei. Não faço a mínima" (P17 – 18 anos).
Na maioria das vezes, em detrimento de sua história de vida, escolhas ou impossibilidades orgânicas, outras muitas formas negativas são atribuídas a estas mulheres que negam a máxima materna; sendo elas ditas "secas", não dotadas de amor, negligenciadoras da própria natureza – a elas atribuída – e da natureza que as comporta, doadora de vida – Mãe Terra, Mãe Natureza.
"Não deveria pensar assim, é uma coisa que Deus dá pra gente" (P10 – 40 anos).
"Se ela foi feita mulher – como uma árvore ela foi feita para dar frutos –, se ela não der, ela é uma árvore seca" (P14 – 18 anos).
"Não nasceu com dom pra ser mãe – árvore sem frutos" (P41 – 31 anos).
Ao conduzirem suas vidas ao norte materno, por outro lado, as mulheres assumem responsabilidades que comprometem sua rotina, convocando-lhes grande investimento pessoal. Seu tempo, sono, liberdade, seu investimento libidinal é redirecionado.
Mesmo nos dias em que se fala em compartilhamento das responsabilidades, onde os homens parecem, enquanto vivenciam a paternidade contemporânea, aproximarem-se da maternidade, é à mulher que é reclamado maior dedicação e despojo de seus próprios interesses.
Corresponder à máxima materna por uma mulher inserida numa dinâmica capitalista implicaria, portanto, estar disposta a pôr em jogo uma autonomia conquistada, ser concebida pelo discurso contemporâneo como menos produtiva ao passo que, ainda sim, pode ser também concebida como uma mãe pouco suficiente, uma vez que não conseguiria corresponder a tantas demandas simultâneas.
No encalce da felicidade a todo custo, a mulher é então oprimida. É empurrada, ao custo de sua identidade, a responder à convocação do sucesso em todas as áreas de sua vida sendo a boa filha, a excelente profissional, a boa esposa e uma mãe suficientemente boa.
Sobre o vínculo materno-fetal
Um dos processos mais importantes relacionados à gravidez é o desenvolvimento da ligação da mulher – grávida – ao seu filho nascituro. A gestação e suas vicissitudes recebem significações condizentes às vivências da mãe. Suas experiências, portanto, determinam o modo como vão estabelecer esta relação ímpar, normalmente, tão carregada de fantasias – a relação materno-fetal.
A conexão entre a gestante e o feto se iniciaria bem antes do nascimento deste e seria desenvolvida de forma e com graduação particulares. A esse respeito, 90% das mães questionadas referiram já sentirem seus bebês mexerem e disseram acreditar haver uma comunicação entre elas e seus bebês.
Segundo elas, suas falas e gestos direcionados ao nascituro seriam correspondidos e interpretados através dos movimentos que os mesmos realizariam em seus ventres.
"Quando ele se movimenta, acho que quer dizer se está tudo bem ou não" (P11).
"Quando você conversa, mexe, sente mexer. Ele quer dizer que está ali, está me entendendo" (P16).
"Mexendo é o principal. Que ele ta feliz, que ele ta bem algumas vezes. Porque quando ele está muito agitado não é bom" (P19).
Speckhard (1997) diz que essa díade tem seu início quando a mulher passa a pensar na ideia de estar grávida, e parece se solidificar quando do desenvolvimento de uma imagem mental de seu bebê.
Pensar num corpo agora organizado em padrões que o identificam como um humano possibilita representações que favorecem o investimento libidinal no novo ser ali gerado e na própria identificação de si mesma como mãe.
Elementos simples que vão desde o desejo inicial de ter um filho, passando pela ideação do nome, planejamento do novo cômodo que lhe abrigará, da compra do enxoval e até da idealização de seu futuro enriquecem essa ligação ao concursarem as mudanças inerentes à gravidez como as transformações ocorridas no plano corporal e relacional. Tal ligação é alimentada pela própria reestruturação da vida da mulher, o que compreenderia todo o tempo gestacional.
De acordo com 95% das mães entrevistadas, essa relação parece se estreitar de tal modo que seus bebês seriam capazes de perceber alterações em seu humor de modo a reagir de forma equivalente, agitando-se, acalmando-se ou até inviabilizando essa suposta comunicação.
"Quando estou calma ele se mexe, quando estou nervosa ele já chegou ficar três dias sem se movimentar" (P3).
"Você muito agitada, ele absorve – o bebê está ligado à mãe através do cordão umbilical" (P7).
"O feto sente porque eu conheci um casal assim. O pai rejeitava a criança e ela hoje não gosta do pai. O bebê sente quando é bem-vindo" (P13).
O bom vínculo pré-natal possibilita boa adaptação à gravidez, bem como à maternidade. Lindgren (2001) aponta que o bom vínculo favoreceria uma gravidez saudável, com práticas e comportamentos saudáveis por parte da gestante, como a adesão de cuidados pré-natais e a evitação de condutas ou comportamentos prejudiciais à gravidez, como o uso de substâncias psicoativas.
Seguindo o raciocínio da existência desse vínculo e que ele perpassaria questões biológicas, 60% das mulheres abordadas disseram desenvolver medidas que lhes evitariam também a transferência de sentimentos desagradáveis a seus bebês como estresse, tensão e irritabilidade.
"Deixei de fumar" (P3).
"Às vezes, quando tem algo que eu sei que vou me preocupar, procuro sair de casa" (P10).
"Apenas procuro não dar muita atenção aos pequenos problemas, deixando pra resolver depois" (P11).
Leifer (1977), Siddiqui et al. (2000) apontam para evidências de que representações maternas pré-natais implicariam comportamentos pós-natais positivos.
Com respeito à reação dessas crianças ao comportamento empregado por suas genitoras durante a gestação, 65% das mães abordadas acreditavam que os seus sentimentos poderiam influenciar na personalidade dos seus filhos.
"Uma pessoa muito nervosa, agitada, pode ter um bebê desequilibrado emocionalmente" (P5).
"Se o bebê percebe que não é aceito, depois fica revoltado" (P13).
"Principalmente quando tem rejeição. O bebê pode ser uma criança agressiva, agitada" (P16).
Winnicott (1993) refere que a construção saudável do sujeito se dá a partir da relação "saudável" entre a mãe e o bebê. Os benefícios psicológicos e físicos em decorrência dessa relação singular efetuam-se a cada fase da gestação – indo além – quando do nascimento e solidificação desse vínculo pela ocasião da amamentação.
Brazelton (1992) pontua que esse vínculo alude ao desejo da mãe introduzir o filho nascituro em sua história de vida já numa perspectiva social. O modo como a mãe se relaciona com o feto em sua barriga, portanto, prenuncia a forma como este será recebido e acolhido pela mesma e introduzido, imaginariamente, em seu mundo.
CONCLUSÃO
O discurso dessas mulheres parece apontar para a possibilidade de escolha em responder ao paradigma imposto pela Natureza e a todas as outras demandas que lhes são apresentadas, contudo, não se deixa de perceber que há, nas entrelinhas desse mesmo discurso, a crença de que à mulher fora deixada a chave da promoção da felicidade e infelicidade – sendo mãe – própria e de outrem. Escolhendo ser mãe, então, essa mulher, no encalce do júbilo materno, parece desenvolver de fato uma relação com essa possível fonte de felicidade – seu bebê –, alterando seu comportamento durante esta fase a fim de que esse momento de intrínseco contato se dê da melhor maneira possível.
REFERÊNCIAS
Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. [ Links ]
Brazelton, T. B.; Cramer, B. G. (1992). As primeiras relações. São Paulo: Martins Fontes. [ Links ]
Leifer, M. (1977). Psychological changes accompanying pregnancy and motherhood. Genet Psychol Monogr. [ Links ]
Lindgren, K. (2001). Relationships among maternal-fetal attachment, prenatal depression and health practices in pregnancy. Res Nurs Health. [ Links ]
Maldonado, M. T. (2000). Psicologia da gravidez. Parto e puerpério, 15ª edição. São Paulo: Editora Saraiva. [ Links ]
Siddiqui, A.; Hagglof, B.; Eisemann, M. (2000). Own memories of upbringing as a determinant of prenatal attachment in expectant women. J Reprod Infant Psychol. [ Links ],
Speckhard A. (1997). Traumatic death in pregnancy: the significance of meaning and attachment. In: Figley CR, Bride BE, Mazza N, editors. Death and trauma: the traumatology of grieving. Washington7 Taylor & Francis. [ Links ]
Winnicott, D. W. (1993). A família e o desenvolvimento individual. São Paulo. Martins Fontes. [ Links ]
Endereço para correspondência
E-mail: glaucorocha@hotmail.com
1Especialista em Psicologia Hospitalar pela Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP) – Brasil.
2Diretora Técnica de Serviço de Saúde da Divisão de Psicologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP) – Brasil.
3Diretor Técnico de Serviço de Saúde da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Coordenador do Curso de Especialização em Transtornos Alimentares e Obesidade do Centro de Estudos em Psicologia da Saúde (CEPSIC) – Brasil.
4Diretora da Divisão de Psicologia, Instituto Central, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP). Presidente do Centro de Estudos em Psicologia da Saúde (CEPSIC) – Brasil.
5Professora Livre-docente do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo– USP – São Paulo (SP) – Brasil.