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Psicologia Hospitalar
versión On-line ISSN 2175-3547
Psicol. hosp. (São Paulo) vol.11 no.2 São Paulo jul. 2013
ARTIGOS ORIGINAIS
Gestação ectópica: compreensão e crenças a respeito do diagnóstico, tratamento e suas repercussões
Ectopic pregnancy: understandings and beliefs about its diagnosis, treatment and its impacts
Glauco Heirison dos S. RochaI,1; Gláucia Rosana Guerra BenuteI,2; Fábio Roberto CabarII,3; Pedro Paulo PereiraII,4; Mara Cristina Souza de LuciaI,5; Rossana Pulcineli Vieira de FranciscoIII,6
IDivisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
IIDepartamento de Obstetrícia da Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo
IIIDepartamento de Obstetrícia e de Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
RESUMO
A Gravidez Ectópica (GE) é a primeira causa de morte materna no primeiro trimestre da gestação, rompendo com idealizações. Objetivos: Caracterizar a população com GE, avaliar a compreensão e as crenças a respeito do diagnóstico, tratamento e das consequências reprodutivas. Método: Foram entrevistadas 15 mulheres após o diagnóstico de gestação ectópica que se encontravam internadas na enfermaria de Divisão de Clínica Obstétrica de um Hospital Público Universitário no Brasil, na cidade de São Paulo. Utilizou-se uma entrevista semiestruturada com questionário previamente elaborado. A análise dos dados foi realizada por meio da Técnica de Análise de Conteúdo. Resultados: As entrevistadas estavam, em média, com 5,8 semanas gestacionais e 28,7 anos de idade; 40,0% compreenderam o diagnóstico recebido e, embora 86,7% relate ter risco caso tenham uma nova gestação, 66,7% acreditam que não encontrariam dificuldades para engravidar novamente. Conclusão: Verifica-se a necessidade de um maior cuidado na transmissão das informações médicas, além de assistência psicológica, possibilitando um tratamento de fantasias e crenças.
Palavras-chave: Gestação ectópica, Crenças, Repercussões psicológicas.
ABSTRACT
The Ectopic Pregnancy (EP) is the leading cause of maternal death in the first trimester of pregnancy, breaking with idealizations. Objectives: To characterize the EP population, assess comprehension and beliefs about the diagnosis, treatment and reproductive consequences. Methods: We interviewed 15 women after their receiving a diagnosis of EP, and who were hospitalized at the obstetrics clinic in a public university hospital in Brazil, São Paulo. We used a semi structured interview with a previously prepared questionnaire. Data analysis was performed using the technique of content analysis. Results: The respondents were, on the average, at 5.8 weeks of gestation and 28.7 years old; 40.0 percent had received and understood the diagnosis, while 86.7 percent reported that they understood that they would be at risk if they were to become pregnant again, 66.7 percent believed that they would not find it difficult to become pregnant again. Conclusion: There is a need for greater care in the transmission of medical information, as well as psychological assistance, thus enabling the treatment of fantasies and beliefs.
Keywords: Ectopic pregnancy, Beliefs, Psychological repercussions.
INTRODUÇÃO
Momento dito como sublime e marcado por mudanças significativas na vida da mulher, a gestação evoca a possibilidade de vivências de sentimentos ambivalentes, os quais implicam novos arranjos adaptativos na vida da gestante (Maldonado, 2002).
As mudanças produzidas por tal acontecimento – a gestação e suas vicissitudes–, perpassam as claras alterações físicas, convocando a mulher a reorganizar a própria imagem corporal, bem como sua posição social e subjetiva; sendo sua identidade reconfigurada, proporcionando vivências que podem ir da ideia de plenitude à sensação de fracasso (Benute et al., 2009).
Embora ressignificada diante dos inúmeros acontecimentos ao longo da história, a maternidade cultuada desde o século XIX como um agraciamento divino (Badinter, 1985) ainda carrega esse traço marcante para a vida das mulheres e, se não desejada, uma gestação pode ser vivida como opressora.
Na vivência da perda de uma gestação, conscientemente desejada, as alterações já ocorridas na identidade da mulher podem levar à sensação de fracasso pessoal, portanto, de culpa (Benute et al., 2006).
Conhecemos assim as duas origens do sentimento de culpa: uma que surge do medo da autoridade, e outra, posterior, que surge do medo do superego. A primeira insiste numa renúncia às satisfações instintivas; a segunda, ao mesmo tempo em que faz isso, exige punição, uma vez que a continuação dos desejos proibidos não pode ser escondida do superego (Freud, 1996, p.179).
Num país como o Brasil, onde o aborto intencional só é permitido em raras exceções, o conflito trazido pela ideia de fracasso, corroborada por expectativas sociais da maternidade vista como um ideal à feminilidade, associa-se ao que é legislado como certo ou errado – bem versos mal – promovendo, agora, um conflito moral.
A transgressão de leis morais, portanto, desencadeia conflitos perante os quais a culpa emerge como um recurso possível na reestruturação da consciência (Benute et al., 2006).
Embora esse impacto provocado pela vivência de uma gestação demande atenção por parte daqueles que assistem às mulheres, a gravidez, por sua vez, é considerada um fenômeno de baixo risco em que 90% dos casos transcorrem sem complicações (Buchabqui, 1997).
Assim sendo, o limiar entre o desejo, as expectativas, as fantasias e as frustrações é tênue e emoldurado por um estado de vulnerabilidade emocional que pode conferir, diante de alterações gestacionais ou de um diagnóstico não favorável, de um momento sublime para a configuração de uma crise.
Fantasias podem ser erguidas ou destroçadas diante de um real doloroso – a gestação ectópica –, que rompe com uma imagem ideal para uma realidade angustiante que vem a cessar, muitas vezes, planos e sonhos.
Correspondendo à implantação do blastocisto fora da cavidade uterina (Lin et al, 2008), a gravidez ectópica (GE) é a primeira causa de morte materna no primeiro trimestre da gestação (Berg et al., 2003).
Segundo dados do Centers for Disease Control and Prevention (1995), a incidência da GE passou de 0,37% em 1948 para 2% em 1992 de todas as gestações. A mortalidade diminuiu quase 90% entre os 1979 – 1992, entretanto ainda se configura como causa de mortalidade materna entre 9% e 14% das mulheres no primeiro trimestre gestacional.
A etiologia da gravidez ectópica inclui histórico de gravidez ectópica pregressa, de doença inflamatória pélvica, da cirurgia ginecológica, infertilidade, uso de dispositivo intrauterino (DIU), histórico de placenta prévia, uso de fertilização in vitro, anomalias congênitas do útero, tabagismo, endometriose, exposição ao dietilestilbestrol (Lin et al., 2008).
A literatura médica tem relatado diversos casos de gravidez ectópica de localização atípica (cervical, intersticial, cicatriz de cesárea abdominal e ovarina) (Berg et al., 2003), contudo, de acordo com Cabar (2007), 98% das vezes é a tuba uterina o órgão envolvido com a implantação anômala do embrião.
O diagnóstico precoce, através da realização de exames como o de dosagem sérica da fração Beta (ß-hCG), a ultrassonografia transvaginal (USTV), além das condutas conservadoras como o emprego de medicações que evitam medidas invasivas, é a mais importante práxis dos obstetras antes da ruptura tubária (Berg et al., 2003).
O aprimoramento e a precocidade do diagnóstico da GE implicou, portanto, uma significativa mudança no manejo terapêutico com o desenvolvimento de métodos menos invasivos, como o tratamento medicamentoso administrado de forma sistêmica ou pelo tratamento local guiado por USTV ou até mesmo cirurgias como a salpingectomia ou a salpingostomia por via laparotômica ou laparoscópica (Hajenius, 2007).
A cirurgia, entretanto, é a conduta padrão no tratamento da gravidez ectópica. A grande controvérsia atual no tratamento cirúrgico, nas pacientes desejosas de preservar o futuro reprodutivo, é entre a cirurgia radical (salpingectomia) e a cirurgia conservadora (salpingostomia) (Silva et al., 1993).
A salpingectomia está indicada nas pacientes com prole constituída, nos casos de lesão tubária irreparável, nas tentativas de salpingostomia com sangramento persistente, quando ocorre recidiva de gravidez ectópica na mesma tuba e quando os títulos da β-hCG são muito elevados (Cabar et al., 2006).
Realizar um trabalho que contemple aspectos emocionais associados ao acometimento da GE desponta como um desafio, uma vez que o material bibliográfico ainda é escasso e as produções científicas relacionadas a esse viés ainda se mostram tímidas. No entanto, tais limitações fomentam o interesse em produzir algo que privilegie aspectos emocionais vinculados à GE que colabore para o cenário acadêmico.
Este trabalho pretende, portanto, caracterizar a população de mulheres com diagnóstico de GE, bem como avaliar a compreensão e as crenças que as mesmas dispõem sobre o tratamento realizado e das consequências reprodutivas após este, além de avaliar a existência de sentimento de culpa após a perda gestacional relacionada a episódio de GE.
CASUÍSTICA E MÉTODO
Esta pesquisa é um recorte do estudo "Gestação Ectópica: depressão, crenças e compreensão do diagnóstico", que se trata de um estudo transversal prospectivo realizado pela Divisão de Psicologia em parceria com a Divisão de Clínica Obstétrica do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP previamente aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Instituição.
As participantes foram informadas de que a participação no estudo era voluntária e que seus nomes seriam mantidos em sigilo, sendo, a decisão em participar ou não deste, irrelevante na qualidade do atendimento que ela receberia. As mulheres que concordaram em participar assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido antes da realização da entrevista.
Foram incluídas neste estudo as primeiras 15 mulheres atendidas na Obstetrícia de um hospital universitário com o diagnóstico de GE que aceitaram participar dessa pesquisa. Os questionários foram aplicados, em média, 8 dias (DP=10,5) desde a descoberta do diagnóstico de GE. Nenhuma paciente foi excluída do estudo.
Dentre os instrumentos utilizados no desenvolvimento desse trabalho estava aplicação de um questionário para levantamento de dados sociodemográficos das pacientes com diagnóstico de GE. Em sequência, outro instrumento – a entrevista semidirigida –, com protocolo previamente elaborado era aplicado, sendo escolhidas para análise de conteúdo as questões expostas na figura 1.
A entrevista semidirigida é um tipo de instrumento que permite certa liberdade para que o sujeito exponha suas questões, podendo o pesquisador interromper para fazer perguntas que esclareçam lacunas e que orientem o assunto para uma ou outra direção. Objetivando, nesse caso, avaliar a compreensão, crenças das mulheres sobre o tratamento a ser realizado e quanto às consequências reprodutivas após o tratamento.
A análise dos dados foi feita através de estudo quantitativo e qualitativo, onde, para a análise das entrevistas semidirigidas, foi utilizada a Técnica de Análise Temática ou de Conteúdo que tem como objetivo descrever, interpretar e compreender os dados. Bardin (1979) define essa técnica como "um conjunto de técnicas de análise da comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos da descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimento relativo às condições de produção/recepção destas mensagens." (Bardin, 1979, p. 42)
A análise quantitativa encontra-se apresentada por média, desvio padrão e frequência simples.
RESULTADOS
As 15 mulheres entrevistadas nesse trabalho encontravam-se, em média, com 5,8 semanas gestacionais (DP=3,2) quando diagnosticadas com gestação ectópica e apresentavam idades que variavam entre 21 a 40 anos, com média de 28,7 anos (DP=4,8). Todas referiram relacionamentos estáveis, sendo 66,7% casadas ou amasiadas, enquanto 33,3% diziam-se solteiras com namorados.
Disseram fazer parte de famílias de média de 2,9 componentes (DP=1,8) com renda média per capita de R$689,19 (DP=663,3). Referiram, ainda, média de 2,6 gestações anteriores (DP=2,3), das quais 46% disseram de complicações nestas. Do total da amostra, 9 já possuíam filhos vivos.
Das entrevistadas, 13,3% pontuaram a existência de doenças associadas à gestação. Doenças respiratórias como asma e aderências nas trompas foram apontadas. No que tange a religiosidade, 93,3% disseram possuir crença de fé (Tabela 1).
Ao saberem que estavam grávidas, nenhuma das entrevistadas referiu reações negativas frente à gestação. Distribuindo-se com 26,7% reagindo com felicidade, 26,7% deram respostas ambivalentes e, em sua maioria, 46,7% disseram ter reagido com surpresa, como expressam os respectivos discursos:
"Estava planejando, fiquei muito feliz, eu, meu esposo, meus filhos". (p4, 32 anos);
"Fiquei feliz. Eu queria, mas fiquei preocupada porque não achavam o bebê". (p9, 25 anos);
"Não acreditava, eu estava menstruando... fiquei surpresa". (p1, 33 anos)
Quanto à reação de seus companheiros – pais das crianças – diante da confirmação da gravidez, em sua maioria, disseram de seus companheiros terem reagido positivamente (40%): "Extasiado, ficou quieto, demorou para cair a ficha, ficou feliz" (p10, 22 anos). Ainda a esse respeito, apresentaram porcentagens semelhantes quando disseram de reações negativas, ambivalentes ou quando souberam da gravidez junto com o diagnóstico de GE – (6,7% cada um) –, com os respectivos discursos:
"Pavor, medo". (p12, 29 anos);
"Felicidade e preocupação. Estava com sangramento." (p10, 22 anos);
"Ele ficava feliz se não fosse GE, como era, ficou preocupado com a minha saúde." (p11, 21 anos).
Ainda sobre seus companheiros, quando disseram de reações relativas à surpresa (13,3%) ou quando não souberam especificar (13,3%) as reações, as entrevistadas referiram, respectivamente, discursos tais quais:
"Não sei, não acreditou... Havia 7 anos que não me prevenia." (p4, 32 anos);
"Ele é meio sossegado. Disse que quando eu sair [do hospital], a gente conversa, não tem muito tempo." (p5, 27 anos).
Ao serem questionadas quanto ao que entendiam sobre o que estava acontecendo com a gravidez, 40,0% das entrevistadas ofereceram respostas coerentes com o diagnóstico de GE: "Pelo que falaram [os médicos], estava se desenvolvendo na trompa". (p8, 24 anos).
Foi referida correlação do episódio de GE como sendo resultado de alguma doença (6,7%): "Pensava que estava com infecção. Só entendo isso". (p7, 30 anos). Respostas evasivas registraram 26,7%: "Até agora me pergunto o que aconteceu, por que comigo? E eu estava me precavendo com anticonceptivos". (p1, 33 anos).
Algumas das entrevistadas (20,0%) sublinharam o diagnóstico de GE como resultado de uma determinação divina: "Entendi que talvez não seja o momento de eu receber esta bênção". (p2, 31 anos). Apenas 6,7% da amostra disseram, categoricamente, não saber sobre o que estava acontecendo: "Não sei explicar". (p6, 26 anos).
Na ocasião em que receberam – de seus médicos – o diagnóstico de GE, 80% da amostra referiram estarem sozinhas. Apenas 20% disseram da presença de seus companheiros.
Diante da questão formulada que contemplava o sentimento da paciente a respeito do diagnóstico, 60% ofereceram respostas indicando sentimentos negativos como tristeza pela perda.
"Triste, é normal. Eu gostaria muito que tivesse sido agora, mas eu aceito e respeito a vontade de Deus." (p2, 31 anos)
Sentimentos positivos frente à situação foram responsáveis por 26,7% da amostra, contudo as respostas indicaram associação a sentimentos compensatórios ou de alívio ao serem justificadas com a preocupação com a restauração da saúde – com a vida.
"Não deixa de ser perda, mas, pelo menos estou bem." (p13, 40 anos)
Sentimentos ambivalentes ou não especificados foram responsáveis por 6,7% cada um dos registros com respectivas falas:
"Ansiosa para operar logo e sair daqui, mas não tô com medo, tô confiante." (p5, 27 anos);
"Nada, não sinto nada." (p4, 32 anos).
Ao serem questionadas se sabiam dizer qual era, de fato, o diagnóstico, apenas 3 – 20% das entrevistadas – inferiram desconhecimento. Das 80% restantes, 66% ofereceram respostas adequadas ao diagnóstico de GE.
"Gravidez ectópica e se levasse, podia romper - tinha rompido." (p10, 22 anos)
Das que disseram não terem entendido o diagnóstico recebido, somaram 13,3% da amostragem: "Não entendi muito, nada até agora". (p7, 30 anos). Igualmente, 13,3% das mulheres entrevistadas dispuseram de respostas pertinentes, porém imprecisas quanto ao diagnóstico. "Pelo exame, falou que foi na trompa, mas na cirurgia, não, que estava no ovário" (p15, 28 anos). Do total da amostra, 6,7% respondeu inadequadamente: "Ninguém sabia na hora". (p1, 33 anos)
Sendo convocadas a dizerem o que entenderam a respeito do diagnóstico, 53,3% inferiram respostas pertinentes ao de GE.
"Que não tinha como ele nascer, não dava pra ele ficar nas trompas." (p9, 25 anos)
Das que disseram apenas ter entendido, representou 6,7% da amostra.
"Entendi tudo que ele disse." (p6, 26 anos).
As que referiram não saber ou não ter entendido o diagnóstico, representaram 6,7% das entrevistadas.
"Não sei o que fazer." (p1, 36 anos)
Inferiu problemas relacionados ao bebê 6,7% da amostra.
"Que eu poderia ter perdido o meu bebê." (p3, 30 anos)
O restante, 33,3%, ofereceram respostas imprecisas.
"Não falou, ia voltar para conversar. Só sabe que retiraram as trompas e agora gestação só in vitro." (p12, 29 anos)
Embora a literatura indique o tratamento eminentemente cirúrgico da GE, ao serem questionadas do tratamento que imaginavam existir quando da descoberta da gestação ectópica, 40,0% disseram não saber, 53,3% disseram de medidas adequadas ao tratamento oferecido nesses casos, como uso de medicação e/ou cirurgia, e 6,7% ofereceu resposta imprecisa.
Do total da amostra, 13,3% não disse de riscos. O restante da amostra estudada – 86,7% – acreditava existir algum tipo de risco relacionado à GE. Destas, 46,1% referiram o rompimento da trompa e/ou hemorragia como um dos possíveis riscos.
"Risco do feto não evoluir e a trompa arrebentar, estourar, hemorragia." (p14, 33 anos)
Risco referente à morte foi responsável por 15,3% dos registros.
"De dá uma hemorragia e eu morrer." (p4, 32 anos)
Igualmente, 15,3% inferiram impossibilidade para futuras gestações (esterilidade).
"Não gosto de pensar no pior, mas cirurgias têm riscos, pode ser que eu não engravide mais." (p5, 27 anos)
Referiram morte e esterilidade 7,6% das entrevistadas.
"Pode haver uma complicação, eu falecer, ou não conseguir engravidar mais." (p2, 31 anos)
Referiram ainda rompimento das trompas e morte 7,6% das entrevistadas.
"Poderia estourar e dá hemorragia e até eu morrer." (p9, 25 anos).
Também, 7,6% da amostra referiu relação de causa e efeito entre GE e o consequente aborto espontâneo.
Quando questionadas sobre quais seriam os procedimentos médicos, apenas 6,7% disseram não saber, enquanto que 93,3% inferiram ciência quanto à terapêutica médica que envolvia desde exames, medicamentos e até internamento e cirurgia.
Quando questionadas quanto ao que, de fato, entenderam a respeito do tratamento, 40,0% pontuaram ser uma escolha médica, referindo à terapêutica como um possível cuidado a elas oferecido.
"Fizeram o melhor pra mim, pedi que fosse o melhor." (p14, 33 anos)
Algumas das mulheres entrevistadas (26,7%) disseram não ter entendido a respeito da terapêutica sugerida.
"Fizeram a cirurgia antes de eu saber o que tinha." (p1, 33 anos)
Preocupação com o risco de morte foi registrado na fala de uma entrevistada (6,7%).
"Entendi que foi bom, pois poderia haver hemorragia e até morrer." (p9, 25 anos)
Indicaram preocupações reprodutivas, assim como disseram entender a necessidade da retirada do embrião, 13,3% em cada um dos registros expressos nos respectivos discursos:
"Vai precisar de tratamento futuro para engravidar." (p10, 22 anos)
"Não é bem um tratamento, é uma cirurgia para tirar o embrião... Não sei se vou tomar remédio depois, não falaram." (p11, 21 anos)
Das entrevistadas, 66,7% expressaram o desejo em engravidar novamente.
"Filho sempre foi uma coisa que pensamos desde o namoro." (p3, 30 anos);
Quanto a isso, 60,0% disseram ter recebido informações sobre a possibilidade de uma nova gestação. Destas, 44,4% inferiram que não haveria modificações em sua capacidade reprodutiva, enquanto que 22,2% indicaram a possibilidade de novas gestações mediante tratamento e 33,3% sublinharam a possibilidade de uma nova gestação, porém associada a riscos.
Ao serem questionadas sobre como imaginavam o porquê da gravidez ter ocorrido daquela maneira, 46,7% disseram não saber responder. Entretanto, 33,3% atribuíram a si mesmas, de algum modo, seja por doenças concomitantes ou comportamentos, a responsabilidade pelo acontecimento da GE como expressa o seguinte discurso:
"Era o que eu queria saber, mas acho que foi muita raiva que eu passei ou então porque eu fui para o playcenter e o coitadinho ficou em choque e parou no caminho." (p4, 32 anos)
O restante – 20,0% – atribuiu a determinações da natureza e/ou divinas.
"Não sabe explicar. Deus está no controle de tudo." (p13, 40 anos).
Quando questionadas se achavam que iriam pensar muito na gestação diagnosticada como ectopia, 86,7% responderam afirmativamente, como aponta a seguinte citação:
"Porque foi uma coisa que eu esperei tanto, quarto montado na minha cabeça." (p4, 32 anos)
Quanto a pensar no bebê que seria fruto da gestação diagnosticada como ectopia, 66,7% pontuaram que sim.
"Não vou deixar de pensar, será um aprendizado nessa vida." (p2, 31 anos)
As 33,3% que afirmaram que não pensariam sublinharam tal discurso através da ideia que essa criança poderia ainda não estar totalmente formada, subentendendo o embrião ou o feto como ainda desumanizado.
"Porque não era o bebê. Porque a criança deveria estar no útero, não tinha vida, porque não tinha como desenvolver, não tinha batimentos cardíacos." (p14, 33 anos)
Foram percebidas crenças relacionadas a mudanças decorrentes do diagnóstico de gestação ectópica nos quesitos: Estado Emocional; Corpo; Relações Sexuais; Relacionamento com Parceiros; Relacionamento com Filhos e Parentes; Relacionamento Social; No desejo por Engravidar. Entretanto, apenas no quesito Saúde Física (53,3%), percebeu-se porcentagem elevada sublinhando a possibilidade de mudanças negativas, como indicam os dados na tabela 2.
A categoria referente ao relacionamento com parceiros foi a única que, ao dizerem de crenças em mudanças decorrentes da GE, apresentou indicativos de possíveis mudanças positivas. As demais, quando diziam de mudanças, indicaram mudanças negativas (tabela 2).
DISCUSSÃO
A amostra disposta nesse trabalho, em média, foi composta por mulheres jovens no período reprodutivo, posterior aos primeiros anos de vida sexual, o que é compatível com o que comumente é descrito para a população acometida por GE (Fernandes et al., 2004).
Espindola et al. (2006) inferem que a não-maternidade traria significados particulares a cada mulher, mobilizando-as emocionalmente a partir da ideia de que o não ter filhos sugeriria a não realização de um potencial – ser mãe – diferenciando-a daquelas mulheres-mães,imprimindo a frustração e a ideação de fracasso. Tal mobilização pode ser intensificada diante do que já faz parte do senso comum, a premissa de que: quanto mais jovem a mulher (em período reprodutivo), maiores as chances de sucesso gestacional.
A maioria das pacientes entrevistadas apresentou sintomas físicos como cólica e/ou sangramento, recebendo diagnóstico e tratamento em tempo capaz de promover a diminuição do risco de morte.
Tal qual um abortamento – paralelo possível diante das vicissitudes de uma gestação ectópica –, a mulher vivencia perdas significativas diante de uma construção social que oferece um status de ideal ao feminino – ser mãe (Szejer & Stewart,1997).
O título quase que sagrado de mãe é modificado, então, para o de paciente, agora sujeita a riscos – ironicamente – pela própria condição da maternidade.
Perde-se o filho idealizado (Lucas, 1998), perdem-se órgãos representativos à identidade feminina, perde-se o título de quem gera a vida, fomentando um conflito com uma ordem social; um conflito com as exigências de uma função que traz consigo uma marca que, embora transformada diante das modificações culturais ocorridas ao passar dos anos, inscreve-se na identidade feminina.
Mesmo os resultados desse trabalho apresentando porcentagens similares quanto às reações positivas das mulheres, e de, segundo elas, seus companheiros frente ao fato de estarem grávidas, o que poderia implicar um desejo pela presente condição de maternidade, via de regra não se configura como um fato.
Os conflitos e a consequente culpa eclodida pelo insucesso gestacional disposta na vivência de um abortamento parece se remontar na GE. Tal culpa pode ser a mola propulsora para o próprio discurso das mães ao responderem, no auge do problema com a GE, a esta pesquisa. Diante do veredicto médico que sentencia à finitude gestacional, falar de uma não aceitação desse bebê então sentenciado implicaria uma ampliação de conflitos e consequente amplificação da culpa.
O discurso negativo, nesse momento, poderia trazer a ideia de ratificação da sentença médica corroborada pela escolha do próprio corpo à rejeição da maternidade.
A frustração e a culpa por um fracasso ao não corresponder ao pleito sociocultural (Benute, 2002) pode ser vivida de forma intensa, contudo pode ser aplacada pela ideia da restauração da saúde, como é no caso da GE.
Ao contrário da vivência do aborto numa gestação desejada, onde a perda é uma marca indelével, portanto, imprimindo-se no corpo e emocionalmente como um sofrimento, na GE a perda pode ser vivida atrelada a sentimentos compensatórios. Perde-se um filho, o pleito social é denegado, entretanto, tem-se o ganho da restauração da saúde – a manutenção da própria vida.
Mesmo por esse viés, sendo essa perda na GE compensada por uma possibilidade alentadora – a vida –, a vivência de uma perda gestacional pode implicar a eclosão de uma crise relacional, e embora, neste trabalho, tenha sido percebido que as mulheres criam numa mudança positiva quanto à relação com seus companheiros decorrente do episódio da GE, a perda, por si só, de acordo com Rato (1998), pode introduzir tensões na relação de difícil ultrapassagem.
A necessidade de uma cirurgia para retirada de um órgão, por si só, poderia gerar emoções conflitivas e traumáticas. Segundo Cosmo (2000), além de tais medos, insegurança e a ansiedade tradicionais de uma cirurgia, com histerectomia, consequência possível decorrente da GE, aglutinar-se-ia mais sentimentos como inquietudes com respeito à condição de mulher no que diz respeito à sua feminilidade após a extração do útero.
Além dos possíveis questionamentos e insegurança das mulheres frente a um diagnóstico que pode promover a retirada de órgãos inexoravelmente femininos como trompas, ovários ou útero, pode desencadear mudanças nos padrões sexuais. Após a histerectomia, por acreditarem que foram extirpadas partes vitalmente necessárias para sua atuação sexual, perdem o desejo sexual (Sbroggio et al., 2005).
Embora as três situações, seja de abortamento, histerectomia ou da GE, submetam as mulheres a risco de morte, percebe-se, por meio dos discursos, despreocupação com tal possibilidade quando se dizem desejosas por uma nova gestação, mesmo sendo elas entrevistadas no auge da crise, da submissão a intervenções cirúrgicas e consequentes perdas – seja do filho, seja de órgãos como trompas e/ou ovários, bem como diante da informação da possibilidade da recorrência da GE.
Talvez essa suposta despreocupação diga de uma indisponibilidade para a elaboração de tais conteúdos pela própria situação de choque ou da inadequação da transmissão das informações às pacientes, o que se poderia pensar num reforço à elaboração de crenças a respeito das responsabilidades pela ocorrência da GE e, portanto, fracasso gestacional.
De acordo com os resultados referentes à manutenção de pensamento no bebê e gestação perdida, a maioria das mulheres pontuou positivamente, entretanto, percebeu-se também uma porcentagem relevante que indica confluência ao que Veiga (2009) infere ao dizer de uma subestimação social da dor da perda pelo abortamento, em especial nos primeiros três meses gestacionais. Tal percepção se daria, primeiramente, pela ideia de que seria comum perdas gestacionais nesse período inicial e, depois, porque nos primeiros meses o bebê é percebido por muitos da classe médica como um agrupamento de células – como uma não-pessoa. A aderência de algumas mulheres a esse discurso parece apontar para um recurso defensivo frente ao sofrimento da perda.
Ainda segundo Veiga (2009), as mulheres submetidas à perda gestacional costumam inferir que seria melhor a perda ao invés de uma possível malformação do bebê. Contudo, essa visão nem sempre tranquiliza a mulher pela forma idiossincrática como elas percebem a perda – algumas desejam substituir a criança o mais breve, outras podem tentar tamponar o desejo para não se depararem com a vivência de uma possível nova frustração – com o fracasso.
A mulher, como mãe, implicar-se-á através do próprio desejo de ter um filho, numa série de perdas simbólicas já iniciadas desde a passagem por fases de sua vida. Marcadas no corpo, elas têm os registros de todas as crises vividas com os papéis dispostos. Da filha à mãe, então, os lugares são redefinidos assim como com relação às suas relações socioafetivas (Szejer & Stewart, 1997).
A própria história gestacional pregressa (quando há uma), bem como as outras vivências ao longo da vida da mulher, é que vai implicar, portanto, a forma que ela verá o insucesso presentificado (Rato, 1998), na GE.
Tal qual na situação de abortamento, a busca por responsáveis por esse insucesso – por vezes desolador – angustia diante da inconsistência ao se tentar responder aos porquês levantados e internalizados pelo Outro, promovendo um empuxo à ideação de culpa e suas vicissitudes.
Assim sendo, a atribuição de responsabilidade pelo insucesso gestacional a si mesmas faz-se presente nos discursos das mulheres cotejadas nesse trabalho, bem como a crença na responsabilidade de forças externas fora do controle humano. Entretanto, segundo Lucas (1998), se a mulher atribui a si a culpa do insucesso da gravidez, deprime-se mais facilmente do que se a atribuição da culpa for atribuída a terceiros, como à equipe médica ou a uma força maior – divinal.
As mulheres consultadas nesse trabalho que, em sua maioria, encontravam-se na plenitude da sua capacidade reprodutiva, demonstraram apresentar sofrimento em decorrência da vivência da Gestação Ectópica e suas consequências. A capacidade de avaliar os riscos parece obnubilada pelo desejo de corresponder à demanda social – a maternidade. Além disso, verifica-se a necessidade de maior cuidado na transmissão das informações médicas às pacientes, para que seja promovido maior esclarecimento e conscientização dos riscos, e seja oferecida assistência psicológica adequada a fim de que se possibilite um estanque nas fantasias e crenças de autoresponsabilização, e consequente culpa e sofrimento psíquico dessas mulheres. Diante da escassez de material preciso referente à Gestação Ectópica e das perdas decorrentes e particulares à condição imposta por seu acometimento, sublinha-se a necessidade de desenvolvimento de mais estudos a respeito dessa problemática que se mostra numerosa e recorrente em nossos dias.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência
E-mail: glaucorocha@hotmail.com
1Especialista em Psicologia Hospitalar pela Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP).
2Diretora Técnica de Serviço de Saúde da Divisão de Psicologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP).
3Médico assistente do Departamento de Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP).
4Médico assistente do Departamento de Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP).
5Diretora da Divisão de Psicologia, Instituto Central, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP). Presidente do Centro de Estudos em Psicologia da Saúde (CEPSIC).
6Professor Livre-docente do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo– USP – São Paulo (SP).