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Psicologia Hospitalar

Print version ISSN 1677-7409

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.12 no.2 São Paulo Dec. 2014

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

A intervenção RIME como recurso para o bem-estar de pacientes ostomizados

 

The RIME intervention as a resource for the well-being of patients ostomates

 

 

Roberta Oliveira Barbosa RibeiroI,1; Ana Catarina Araujo EliasI,III2; Teresa Cristina Gioia SchimidtII,3; Walmir CedottiIII,4; Maria Julia Paes da SilvaII,5

IInstituto do Câncer do Estado de São Paulo.
IIEscola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.
IIIHospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Estudo de campo quanti-qualitativo, exploratório e prospectivo realizado objetivando avaliar e discutir a eficácia da Intervenção Terapêutica “Relaxamento, Imagens Mentais e Espiritualidade” (RIME), frente ao bem-estar, em grupo de pacientes em pós-operatório mediato em uso de ostomia intestinal. Participaram 21 pacientes, todos submetidos à Escala Visual Analógica (EVA) de Bem-Estar antes e depois da RIME, o valor médio respectivo da EVA foi 3,33 e 1,38. Os resultados frente ao questionamento de como se sentiram emocionalmente diante da cirurgia e após a Intervenção RIME, surgiram as seguintes unidades de contexto: sentimento, emoção, sensação e expectativa de ação, que gerou 4 categorias distintas que representaram a transformação referente ao bem-estar psíquico. Conclui-se que a RIME foi a única variável que apresentou significância estatística, o que nos leva a afirmar que ela contribuiu para a melhoria do bem-estar emocional dos pacientes ostomizados.

Palavras-chave: Espiritualidade, Comunicação, Imagens (Psicoterapia), Psicoterapia Breve, Medicina Psicossomática.


ABSTRACT

This quantitative and qualitative, exploratory and prospective field study was conducted in order to evaluate and discuss the effectiveness of the "Relaxation, Mental Images and Spirituality" (RIME) Therapeutic Intervention, taking into consideration the well-being of a group of patients in the intermediate post operative period suffering from intestinal ostomy. A total of 21 patients participated, all of whom completed the Visual Analogue Scale (VAS) for Well-Being before and after the RIME. The mean VAS values were 3.33 and 1.38, respectively. From the question of how they felt emotionally before the surgery and after the RIME intervention, the following contextual units emerged: Feeling, emotion, sensation, and expectation of action, which generated four distinct categories that represented the transformation related to their psychological well-being. The conclusion was that the RIME was the only variable that was statistically significant, which confirmed that RIME contributed to improving the emotional well-being of the ostomy patients.

Keywords: Spirituality, Communication, Imagery (Psychotherapy), Brief Psychotherapy, Psychosomatic Medicine.


 

 

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o câncer tornou-se a doença responsável por mais de 12% das causas de óbito no mundo. Estima-se que, em 2030, a incidência mundial do câncer será de 27 milhões de novos casos, e no Brasil, em 2014, será de 576 mil novos casos. Dentre a variedade de câncer existente, há o câncer colorretal considerado como o quarto tipo de maior incidência, com a perspectiva de 32.600 casos novos, cuja frequência é 3% maior entre as mulheres (Ministério da Saúde do Brasil, 2013).

Apesar do avanço da medicina, inclusive no que diz respeito à área oncológica, o câncer ainda é uma doença com elevado índice de fatalidade, como também pode ser responsável por dor, cirurgias mutiladoras e tratamentos violentos e dolorosos (Langaro, Pretto & Cirelli, 2012).

Diante destas consequências, pesquisas apontam que este tipo de paciente apresenta tendência à depressão, comparado com a população saudável. Tal situação torna-se um risco na adesão e resultado de tratamento, motivo que fortalece a importância de ser precocemente tratada (Satin, Linden & Phillips, 2009).

O paciente de câncer colorretal depara-se com duas possíveis perdas: a da vida e a mutilação do corpo. Isto ocorre pela necessidade, em muitos casos, de ser submetido à cirurgia de colostomia ou ileostomia, que tem por finalidade a construção de um novo caminho para a expulsão do organismo dos conteúdos intestinais. Ambas podem ser provisórias ou definitivas, porém, independente do desfecho final, propiciam algum sofrimento psíquico, visto que terá de utilizar-se de uma bolsa coletora que denuncia a perda do controle das eliminações fisiológicas, alterando sua imagem corporal (Santana et al., 2010).

Sendo assim, a alteração da imagem corporal pode refletir negativamente na autoestima, no autoconceito, na sexualidade, consequentemente, na identidade pessoal (Barbutti, Da Silva & De Abreu, 2008). É comum o acometimento de isolamento social, alteração da vida sexual e da vida laboral impostos pelo próprio paciente, em razão dos sentimentos de inutilidade, incapacidade, desprestígio e vergonha por se sentir diferente (Nascimento, Trindade, Luz & Santiago, 2011).

Para que haja a reconstrução de uma nova imagem, o paciente precisará viver e elaborar o luto do corpo da antiga imagem corporal. Contudo, torna-se necessário um tempo interno para viver a dor da perda, reavaliar conceitos e buscar recursos de enfrentamento para se adaptar à nova vida (Barbutti et al., 2008).

Neste sentido, nota-se que os pacientes oncológicos podem vivenciar a chamada “Dor Total”, significando que a doença, além de trazer sofrimento físico, traz o social, psíquico, financeiro e espiritual, bem como repercussões para seus familiares e a equipe envolvida na assistência (Saunders, 1991). Alicerçado neste pressuposto, foi desenvolvido o conceito de Dor Simbólica da Morte, que é representado pela dor psíquica e espiritual, no qual a primeira está relacionada ao medo do sofrimento, tristeza, angústia, culpa advinda das perdas e, a segunda, envolve concepções sobre o sentido da vida e da morte, culpas perante Deus e medo da morte e pós-morte (Elias, Giglio, Pimenta & El-Dash, 2006).

Deste modo, fica evidente a importância de tratar o paciente, além da dimensão biológica, incluindo a psicossocial e espiritual. No que se refere ao âmbito emocional, evidencia-se a necessidade de um acompanhamento psicológico no intuito de ajudar a elaborar as transformações resultantes da ostomia, bem como auxiliá-lo a buscar e fortalecer seus recursos de enfrentamento para lidar com esse momento de luto (Barbutti et al., 2008).

Ressalta-se que a dimensão espiritual não necessariamente está ligada à religiosidade. A religião é um sistema organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos projetados para auxiliar a proximidade do indivíduo com o sagrado. Já a espiritualidade é a busca pessoal de respostas sobre o significado da vida e seu relacionamento com o sagrado e/ou que transcende (Koenig, McCullough & Larson, 2001). Consequentemente, propicia a ampliação da consciência pelo contato individual da pessoa com sentimentos e pensamentos que a elevem, fortaleçam e amadureçam a personalidade (Jung, 2011).

Um dos caminhos possíveis de se atuar integrando estas duas dimensões é por meio da aplicação da Intervenção RIME (Relaxamento, Imagens Mentais e Espiritualidade). A Intervenção é baseada no modelo biopsicossocial e espiritual que tem como o objetivo ressignificar a dor simbólica da morte. A finalidade da RIME é provocar o bem-estar ao paciente, estimulando transformações positivas advindas do contato com o próprio interior (Elias et al., 2006).

Tal técnica é classificada como psicoterapia breve e terapia complementar em saúde e tem como base teórica: o relaxamento, a visualização das imagens e espiritualidade (Elias, Giglio, Pimenta & El-Dash, 2007).

O relaxamento também chamado de frequência cerebral Alfa é o estado mental que mais favorece a ocorrência da aprendizagem, uma vez que há maior produção de insights, resultando em mudanças de atitudes e ideias. Trata-se de um estado natural que todos podem experimentar por meio dos sonhos acordados, meditação, oração, dentre outros. Comprovadamente o relaxamento mental propicia respostas físicas imediatas (diminuição da frequência cardíaca, ritmo respiratório e consumo de oxigênio) e mudanças em longo prazo (resposta do corpo à adrenalina, diminuição da ansiedade e da depressão e melhora na capacidade para lidar com fatores estressantes da vida) (Elias et al., 2006).

Já a visualização das Imagens Mentais é pautada nos símbolos que são imagens que nos podem ser familiares no cotidiano, porém apresentam significados especiais. Isso significa, por meio do uso de imagens mentais, que são figuras simbólicas conectadas pela imaginação, torna-se possível conectar-se com a realidade subjetiva interna, favorecendo transformações no indivíduo e ajudando a lidar de uma forma nova com as experiências atuais (Elias et al., 2007).

A espiritualidade é alicerçada no conceito de religar-se a si mesmo (self ou Deus interno), que resulta na ampliação de sua consciência, mudanças internas e amadurecimento da personalidade (Jung, 2011) e nos relatos dos pacientes que passaram por uma Experiência de Quase Morte (E.Q.M.) e voltaram a viver normalmente, podendo indicar a ida da alma para outro lugar, para um mundo espiritual (Elias, Giglio & Pimenta, 2008).

Diante do exposto, surgiu a seguinte questão de pesquisa: a Intervenção RIME poderá contribuir na melhora do bem-estar de pacientes com ostomia intestinal no pós-operatório mediato?

Este estudo justifica-se pelo fato da RIME em outras pesquisas ter ajudado a ressignificar a dor psíquica e espiritual dos pacientes fora de possibilidades terapêuticas de cura, bem como pela inexistência de trabalho em grupo com a aplicação da RIME.

O objetivo, portanto, é avaliar e discutir a eficácia da Intervenção Terapêutica “Relaxamento, Imagens Mentais e Espiritualidade” (RIME), frente ao bem-estar, em grupo de pacientes que fez ostomia intestinal e que se encontra no pós-operatório mediato.

 

MÉTODO

O estudo caracterizou-se como de campo quanti-qualitativo, exploratório e prospectivo. A pesquisa foi realizada na unidade de internação cirúrgica no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo “Otávio Frias de Oliveira” (ICESP), instituição pública ligada diretamente ao Governo do Estado de São Paulo em parceria com a Fundação Faculdade de Medicina.

O tamanho amostral foi definido em base no número médio de procedimentos cirúrgicos em adultos de ostomia intestinal realizado pelos estomoterapeutas do ICESP, totalizando o mínimo de 20. A proposta inicial foi dividir os pacientes em grupos com, no mínimo, três componentes e, no máximo, cinco como forma de garantir e preservar a responsabilidade da intervenção. Contudo, houve uma grande dificuldade em conseguir o escore mínimo em razão da redução do número de cirurgia em 25% com relação ao ano de 2012, além da impossibilidade de alguns pacientes saírem dos leitos (dor, isolamento, entre outros). Diante disto, o número mínimo para se configurar o grupo foi reduzido para dois participantes.

O grupo foi considerado de suporte e apoio, que tem como característica o cunho terapêutico, tanto pelo suporte recebido dos outros participantes como pela oportunidade de partilhar sua própria experiência e dar suporte a outras pessoas (Yalom & Leszcz, 2006).

Após parecer ético favorável do Comitê de Ética de Pesquisa com Seres Humanos sob no 74382, os pacientes foram selecionados, conforme os seguintes critérios de inclusão: maiores de 18 anos independente do gênero, estado civil, profissão, com ou sem filhos e com o mínimo de 8 anos de estudo que estivessem conscientes, orientados e com memória preservada, mediante verificação da orientação auto e alopsíquica com perguntas simples (data, nome, local onde está, data de aniversário); estivessem internados na enfermaria cirúrgica com diagnóstico de câncer e em pós-operatório mediato (acima de 24 horas de cirurgia) de ostomia intestinal;  professassem ou não alguma religião e, assim, acreditassem na vida pós-morte, e essa informação foi verificada no prontuário (religião professada) e confirmada por meio da pergunta diretamente com o paciente que, após a explicação dos objetivos e da metodologia, aceitou participar, firmando autorização com assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os critérios de exclusão foram: paciente portador de histórico de retardo mental (leve a profundo), demência; transtornos por uso de álcool ou outras substâncias; esquizofrenia e outros transtornos psicóticos e de personalidade, independentemente de estar ou não sob controle; paciente com capacidade auditiva prejudicada relatada, expressada ou detectada pela pesquisadora durante a interação prévia que o impedia de compreender as instruções da Intervenção terapêutica da RIME.

Os pacientes que não obedeceram aos critérios de inclusão não fizeram parte da pesquisa, receberam a explicação, de acordo com sua individualidade e peculiaridade de forma a não se sentirem constrangidos nem tampouco desvalorizados, por isso houve a preocupação de antes da validação dos critérios ser explicada essa possibilidade ao sujeito.

Nesta pesquisa, o paciente poderia participar uma ou quantas vezes quisesse da intervenção, enquanto estivesse internado na enfermaria. Mas, a cada nova aplicação da RIME, o paciente era submetido à aplicação da escala EVA e entrevista semiestruturada antes e depois da Intervenção. Posteriormente, era conduzido à sessão terapêutica, que acontecia na sala de humanização, localizada no mesmo andar da enfermaria estudada que estava devidamente arrumada com cadeiras dispostas em círculo e em número suficiente aos participantes.

Na sala da humanização, os pacientes eram convidados a sentar-se e, assim, eram submetidos à pré-intervenção RIME que constava de: a) reapresentação da pesquisadora e apresentação dos demais participantes; b) aplicação da Escala Visual Analógica (E.V.A.) de Bem-Estar - modelo expressões faciais coloridas (Campbell & Lewis, 1990). Embora seja uma escala para avaliar a dor, nesta pesquisa era utilizada para avaliar o bem-estar, utilizando a seguinte pergunta: “Como você está se sentido emocionalmente após a cirurgia?” A escolha deste modelo ajudou a medir questões subjetivas, pois as faces com cor e expressões podem permitir melhor identificação para o paciente expressar a intensidade de seu bem-estar ou de seu sofrimento. A face vermelha: 9 significava (péssimo bem-estar); a laranja: 8 (ruim bem-estar), a amarela: 6 (desagradável bem-estar), a verde: 3 (médio bem-estar), a azul-esverdeado: 1 (bom bem-estar) e, por fim, a azul: 0 (ótimo bem-estar) e c) entrevista semiestruturada.

Ressalta-se que cada paciente foi convidado individualmente, para evitar constrangimento na possível recusa para ingressar no grupo. Desde o início, era esclarecido que poderia permanecer no grupo até sua alta, uma vez que não havia limites de sessões de participação.

Nas situações em que o paciente estava acompanhado, familiar ou não, a proposta do trabalho era explicada e a necessidade de realizá-lo apenas com o mesmo. Diante disto, era solicitado que o acompanhante aguardasse em outro ambiente.

Os dados foram organizados de modo a possibilitar o cálculo de escores obtidos nas aplicações da escala de EVA, antes e depois da aplicação da Intervenção RIME e comparados quantitativamente, por meio de procedimento estatístico, utilizando-se o Wilcoxon teste (marcas do pré e pós EVA), o ANOVA para medidas repetidas.

Já em relação aos dados qualitativos, estes foram analisados em conformidade com a proposta de Bardin (2009).

 

RESULTADOS

 

 

Neste estudo, 48 pacientes preencheram critérios para inclusão, mas 27 não participaram, 12 por recusa, dez por mal-estar, quatro referiram dor no horário das intervenções e um a bolsa estava vazando; portanto, foram avaliados 21 pacientes.

Da amostra coletada, 13 eram do gênero feminino (61,9%) e oito do masculino (38,1%). Em relação à escolaridade, 14 pacientes (66,6%) tinham até o ensino fundamental completo, e os outros sete (33,3%), ensino médio completo, um até com pós-graduação em sua área de trabalho. No que diz respeito à religião, 13 (61,9%) pacientes eram católicos, cinco evangélicos (23,8%) e três de outras religiões (14,3%). Analisando o estado civil, 12 (57,1%) dos pacientes tinham companheiros e sete (42,9%) não.

A idade variou entre 39 e 84 anos com a média de 61,3 e desvio-padrão de 12,6. Já o número de filhos variou entre 0 e 7, com média de 2,6 e desvio-padrão de 2,1.

Todos os pacientes foram submetidos à escala EVA, antes e depois da Intervenção RIME, e o valor da EVA “pré” variou entre 0 e 9 com média de 3,33 (médio bem-estar, cor verde) e a EVA “pós” teve resultados variando de 0 a 8 com média de 1,38 (bom bem-estar, cor azul-esverdeado), conforme exposto nos dados da tabela 1.

 

 

Na comparação do valor encontrado na Escala EVA pós com a EVA pré-intervenção, verificou-se que em 15 pacientes a EVA pós foi menor que a EVA pré. Nenhum paciente apresentou a EVA pós maior que o EVA pré, e seis pacientes apresentaram a EVA pós igual à EVA pré.

Observou-se que a variação da EVA pós em relação à EVA pré só foi estatisticamente significante em relação à própria Intervenção RIME, ou seja, em média, os pacientes apresentaram, antes da RIME, médio bem-estar e, após a RIME, bom bem-estar. Todos os outros fatores associados à Intervenção não apresentaram significância estatística, como se pode ver nos dados da Tabela 2.

 

 

Questionados sobre como estavam se sentindo emocionalmente diante da cirurgia e como se sentiram emocionalmente após a Intervenção RIME, surgiram quatro unidades de contexto que foram: sentimento, emoção, sensação e expectativa de ação, que geraram quatro categorias que representaram a transformação referente ao bem-estar psíquico no pós-operatório mediato, diante da cirurgia para colocação da bolsa coletora. A seguir as quatro categorias:

A primeira categoria - A Intervenção RIME, na maioria das vezes, ajudou a transformar a Dor Psíquica representada por emoções e sentimentos negativos em emoções e sentimentos positivos, com referência, sobretudo, ao sentimento de paz intensa (n=6).  A Dor Psíquica referida antes da RIME foi representada por angústia, tristeza, frustração, vergonha, mal-estar emocional que se transformaram em emoções e sentimentos positivos, como: felicidade, paz, esperança, amor e bem-estar, como revelaram os discursos a seguir:

•Dor psíquica antes da RIME: “Péssima, angustiada, chateada, é ruim” (S5)

•Ressignificação da dor psíquica após a RIME: “Estou bem, a oração me deu um alívio, estou mais leve” (S5)

A segunda categoria - A Intervenção RIME, em grande parte, reforçou os recursos de enfrentamento dos pacientes ostomizados (expectativas de ações positivas), como também ajudou a transformar a expectativa de ação negativa em ações positivas, facilitando a conexão com o Sagrado e com o Self dos pacientes (n=8). A ação negativa referida antes da RIME foi representada por limitação, dificuldade em adaptação. A expectativa de ações positivas, após a RIME foi representada por: experiência significativa, amparo, fortalecimento e conexão com Deus. A seguir, exemplos de discursos:

•Expectativa negativa antes da RIME: “Na verdade, não gostaria de precisar, mas aguardo para funcionar e, mais tarde, tirar de letra o uso até a retirada” (S12)

•Expectativa de ação positiva após a RIME: “Consegui ir para dentro de mim mesma, relaxar e encontrar uma solução para as minhas angústias e depressões. Depois, apreendi na volta a viver cada momento e ser importante para mim mesma e para ajudar mais, ensinar mais, viver hoje, ser livre, mas estou presente na vida de um modo com mais amor” (S12)

•A terceira categoria - A Intervenção RIME não contribuiu para a melhoria do bem-estar dos pacientes ostomizados em pós-operatório mediato que não conseguiram relaxar (n=2). Não houve mudança no bem-estar, após a aplicação da RIME em dois pacientes que apresentaram dificuldade para relaxar, para se concentrarem e para se entregarem ao trabalho, como se pode observar nos discursos:

•Emoções negativas antes da RIME: “Em relação à bolsa, me sinto sem liberdade e envergonhado” (S11).

•Não alteração das emoções negativas após a RIME: “Na palestra, não fui a lugar nenhum, ouvi o ar-condicionado e o ônibus para ir para casa” (S11).

•A quarta categoria - Com a Intervenção RIME, sensações negativas foram transformadas em positivas, provocando o alívio da dor psíquica e da dor física. A sensação de relaxamento e paz, além da conexão com o sagrado transformou as sensações dos pacientes para melhor (n=2). A sensação negativa referida, antes da RIME, foi representada por desconforto, deficiência, dor e estranhamento. A sensação positiva referida, após a RIME, foi representada por: melhora do estranhamento, relaxamento, leveza e redução da dor. As respostas a seguir exemplificam esta categoria:

•Sensações negativas antes da RIME: “Sinto desconforto, um incômodo físico e emocional. A pessoa não nasceu com aquilo, sente uma coisa diferente. Uma coisa estranha” (S18).

•Sensação positiva após a RIME “Melhorou a sensação estranha. Estou com sentimento de paz” (S18).

 

DISCUSSÃO

O tema espiritualidade e sua relação com a saúde vem sendo objeto de interesse cada vez maior no meio científico. Pode-se verificar o resultado desse interesse pelo número de artigos indexados nas principais bases de dados internacionais na área de saúde. Foram identificados 42.734 artigos no PubMed e 63.116 no PsycINFO em uma pesquisa realizada em 21/12/2009 com as palavras- chave: religio e spiritu. Desse montante, quase metade foi publicada nesta última década, respectivamente, 18.478 e 27.100 artigos (Almeida, 2010).

Não só no meio acadêmico, mas também na vida da maioria da população mundial observa-se a importância da espiritualidade. No que diz respeito ao Brasil, após realizar um levantamento nacional que mostrou o alto nível de religiosidade da população brasileira, indicando que 83% dos brasileiros consideram a religião como muito importante em suas vidas e mais de um terço frequenta um serviço religioso, pelo menos, uma vez por semana (Almeida, 2013; Almeida, 2012).

Diante do exposto, a Intervenção RIME é uma intervenção de base espiritual e não religiosa que tem a possibilidade de ser aplicada na maioria da população brasileira, uma vez que as pessoas possuem crenças religiosas distintas, e seu uso pode de alguma forma contribuir para a comunicação dessas pessoas com a dimensão do sagrado, durante o relaxamento e a visualização de imagens.

Neste trabalho, pode-se ratificar o que autores referem sobre o sofrimento psíquico diante da alteração da imagem corporal, como: isolamento social, frustração, vergonha, impotência, alteração da vida sexual e laboral, sensação de perda de controle sobre a vida, sintomas depressivos (Barbutti et al., 2008; Trindade, Luz & Santiago, 2011). Tal constatação foi obtida por meio da análise quantitativa (Escala EVA) e qualitativa (entrevista semiestruturada) do bem-estar emocional dos pacientes ostomizados. Dos 21 pacientes, apenas dois referiram não terem tido alteração do bem-estar emocional. Contudo, o S1 que não sinalizou apresentar alteração do bem-estar, se contradisse no momento da entrevista, referindo a seguinte frase: “Me sinto normal, como se estivesse sem bolsinha. Eu me sinto um pouco deficiente”, e o S17 que relatou “Sentir-se levemente bem. Mais disposto. Estou acostumando bem com a bolsinha, estou colaborando comigo mesmo”.

Diferentemente dos outros trabalhos publicados com a Intervenção RIME em pacientes considerados fora de possibilidades terapêuticas de cura, cujos resultados evidenciaram a prevalência da dor espiritual em detrimento da dor psíquica, neste a prevalência da dor psíquica foi prevalente, visto que se trabalhou com pacientes em tratamento e não em Cuidados Paliativos, na iminência da morte. Mas afirma-se que a aplicação da RIME contribui para a ressignificação da dor psíquica e espiritual dos pacientes em fase final de vida (Elias et al., 2006) e na melhoria do bem-estar psíquico dos pacientes ostomizados pela conexão com o sagrado e o próprio self dos pacientes. Os resultados evidenciaram que nenhum paciente apresentou piora do bem-estar após a aplicação da RIME. A análise estatística confirma que nenhum fator, a não ser a própria intervenção, apresentou significância estatística em relação à melhora do resultado da escala pós em relação à escala pré-intervenção.

Os achados desta pesquisa ratificam os achados do estudo (Koening, King & Carson, 2012) que identificou, em 326 estudos, a associação de religiosidade/espiritualidade aos indicadores de bem-estar psicológico (satisfação com a vida, afeto positivo, autoestima elevada); 256 estudos apresentaram correlação positiva e significativa entre estas mesmas variáveis. Em sua maioria, as correlações mantiveram-se mesmo após controlar as variáveis, como: confusão conjugal, gênero, idade, nível educacional e socioeconômico. Outra revelação foi encontrada em 165 estudos distintos, que demonstraram que os pacientes com maior espiritualidade e religiosidade tendem a apresentar menos depressão e recuperam-se mais rapidamente da depressão quando presente.

Apesar de neste estudo ter-se evidenciada a prevalência da Dor Psíquica em relação à Dor Espiritual, trabalhar com uma intervenção que aborda a dimensão espiritual, além de ter ajudado a melhorar o bem-estar, em alguns casos fortaleceu os recursos de enfrentamento dos pacientes diante do sofrimento vivenciado.

Estudo desenvolvido com base na experiência dos profissionais de saúde na aplicação da RIME observou que a Intervenção, com frequência, desperta sentimentos, percepções e emoções que sugerem maturidade psicoespiritual no profissional de saúde que a aplica, assim como estes profissionais também manifestaram na aplicação da RIME sentimentos e vivências de natureza espiritual/transcendental que refletiram amor e paz e, algumas vezes, sonhos intuitivos (Elias et al., 2007; Elias, Giglio, Pimenta & El-Dash, 2008).

Em estudo de pós-doutorado com mulheres adultas com câncer de mama que fizeram mastectomia radical, os dados indicaram que a Intervenção RIME, em comparação ao grupo controle que recebeu psicoterapia breve por meio verbal, promoveu Qualidade de Vida para estas pacientes por ter minimizado angústias e favorecido a promoção de transformações criativas nas dimensões intrapsíquicas e interpessoais, de forma que novos sentidos e/ou novas atitudes em relação à vida emergiram para a consciência. (Elias et al., in press).

Desta forma, o presente estudo com pacientes ostomizados em pós-operatório mediato corrobora o demonstrado em estudos anteriores: a Intervenção RIME promove transformações positivas nas dimensões socioemocional e espiritual dos pacientes, melhorando o bem-estar e, consequentemente, a percepção da qualidade de vida.

 

CONCLUSÃO

De acordo com o objetivo proposto, constatou-se que a Intervenção RIME contribuiu para a melhoria do bem-estar emocional dos pacientes ostomizados, confirmando a hipótese do trabalho, ou seja, trabalhar com uma técnica que inclui a dimensão espiritual, mesmo identificando que, na amostra, os pacientes possuíam a Dor psíquica, trouxe bem-estar emocional pela conexão com o self e com o sagrado. Em alguns casos, verificou-se que tal conexão, além de melhorar o bem-estar, fortaleceu os recursos de enfrentamentos dos pacientes diante da vivência do luto do corpo mutilado.

Desse modo, a RIME contribuiu para a melhoria do bem-estar dos pacientes ostomizados, revelando o quanto a referida Intervenção pode ser ampliada para outras populações que não seja a de pacientes fora de possibilidades terapêuticas de cura.

Constituiu-se um grande desafio e uma novidade realizar a Intervenção em grupo, e os resultados apontaram que a técnica não ofereceu prejuízo à qualidade da intervenção que foi comprovada pelos resultados alcançados.

Sugere-se, portanto, que outros estudos sejam feitos em grupos, pois o fato de se compartilhar em grupo a experiência contribuiu para o desencadeamento de insights e fortalecimento da rede de apoio entre os pacientes por meio do compartilhamento da experiência por outros membros do grupo.

Por fim, salienta-se a importância de se realizar mais pesquisas envolvendo técnicas que utilizem a dimensão espiritual, a fim de fomentar os profissionais de saúde para se capacitarem e ampliarem sua forma de atuação, contribuindo assim para a comunidade científica e assistencial.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: roberta.oliveirapsi@yahoo.com

 

 

1Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – São Paulo, Brasil.
2Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - São Paulo. Instituto do Câncer do Estado de São Paulo - São Paulo, Brasil.
3Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo - São Paulo, Brasil.
4Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP - São Paulo, Brasil.
5Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo – São Paulo, Brasil.

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