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Psicologia Hospitalar
versión On-line ISSN 2175-3547
Psicol. hosp. (São Paulo) vol.14 no.1 São Paulo enero/jun. 2016
ARTIGOS ORIGINAIS
Atuação do psicólogo hospitalar na insuficiência renal crônica
Role of the psychologist hospital in chronic renal failure
Ana Paula Pacheco Moraes MaturanaI1; Bianca CallegariI1; Vanessa SchiavonII2
IUniversidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Brasil.
IIFaculdades Integradas de Jaú - Brasil.
RESUMO
Os objetivos do presente artigo foram de identificar e analisar a produção científica nacional sobre a insuficiência renal crônica e a perspectiva da atuação do psicólogo hospitalar. Para tanto, procedeu-se uma busca nas bases: BVS, Scientific Eletronic Library Online, Google Acadêmico e livros. Inicialmente não foram encontrados artigos. Assim, recorreu-se a buscas no banco de teses e dissertações da CAPES a partir dos descritores “psicologia hospitalar” e “doença renal crônica”, onde foram encontrados 282 registros. Após uma busca avançada foram encontradas seis dissertações e uma tese. Dos resultados encontrados, foram selecionadas seis dissertações. Os resultados permitiram uma reflexão sobre o impacto da doença/tratamento. Constatou-se que o psicólogo em conjunto com equipe multidisciplinar e o apoio familiar são bases para o fortalecimento e reestruturação do paciente, auxiliando no enfrentamento da doença.
Palavras-chave: Psicologia Hospitalar, Insuficiência Renal Crônica, Hemodiálise.
ABSTRACT
The objectives of this paper were to identify and analyze the national scientific research on chronic renal failure and the prospect of the Health Psychologist. To this end, a search of the bases proceeded: BVS, Scientific Electronic Library Online, Google Scholar, Books and Bank of CAPES theses. The descriptors used were: chronic renal failure, hospital psychology, hemodialysis. Initially no articles were found. The bench CAPES theses were found 282 records, five master theses, an article and a doctoral dissertation. The results found six master theses were selected. The results allowed a reflection on the impact of the disease/treatment. It was found that the psychologist together with a multidisciplinary team and family support are the basis for the strengthening and restructuring of the patient, assisting in coping the disease.
Keywords: Health Psychology, Chronic Renal Failure, Hemodialysis.
INTRODUÇÃO
A história da psicologia hospitalar no Brasil tem seu início na década de 50 com Mathilde Neder, uma das grandes pioneiras que exerceu e expandiu a profissão. A partir de então, a psicologia hospitalar foi se constituindo enquanto área reconhecida não somente como saber, mas como prática e meio de produção científica. No caminho de sua estruturação, a psicologia hospitalar ganhou forças para sua inserção e divulgação, garantindo um novo modelo de atuação aos profissionais. Ao longo dos anos, tornou-se nítida a evolução que a área obteve, garantindo espaços nos cursos de graduação, em eventos, publicações e, consequentemente, produzindo mudanças na atuação dos profissionais da saúde, na relação médico-paciente, no reconhecimento da importância dos aspectos emocionais no ciclo saúde-doença e valorizando a humanização dentro dos hospitais.
Diante de uma enfermidade é comum que exista um estado de fragilidade e vulnerabilidade, com notáveis alterações na vida dos envolvidos, fato que justifica e torna indispensável a presença de um psicólogo hospitalar no tratamento e acompanhamento dos envolvidos, sejam pacientes, familiares e até mesmo a equipe de profissionais hospitalares. O diagnóstico de uma doença crônica representa várias alterações tanto na vida do paciente quanto de sua família/cuidadores, como: mudanças de rotinas, costumes e alterações físicas e psicológicas (Caiuby & Karam, 2010). Dentre as enfermidades que levam o paciente à hospitalização tem-se a insuficiência renal crônica (IRC). Esta, por ser uma patologia com altos índices de morbidade e mortalidade, tem se tornado um problema de saúde pública que merece atenção.
A IRC pode ser compreendida por uma lesão nos rins e uma consequente perda progressiva e irreversível da atividade desses órgãos. Dependendo do grau da evolução, os rins podem não mais conseguir manter a homeostase do organismo, acarretando sérios prejuízos à saúde do indivíduo (Sociedade Brasileira de Nefrologia [SBN], 2014).
Essa patologia não possui uma cura total, porém é possível ser tratada através de alguns recursos, sendo eles: o tratamento conservador, a diálise peritoneal, a hemodiálise ou transplante renal, que podem, em maior ou menor escala, garantir uma qualidade de vida satisfatória ao indivíduo. Tais tratamentos são essenciais para a melhora e manutenção da saúde do paciente, mas podem ser bastante dolorosos, monótonos e incisivos (Guyton & Hall, 2006).
De acordo com Nakao (2013), os procedimentos dialíticos são capazes de interferir significativamente na rotina dos pacientes, porquanto oferecem sérias restrições que englobam tanto prejuízos à alimentação e ao consumo de líquidos, quanto importantes alterações psicossociais e emocionais. As causas dessas alterações se originam, por vezes, das várias perdas sofridas pelo paciente, como a perda da saúde, de identidade, das condições de trabalho, de autodomínio, ou mesmo pelo medo do desconhecido. Ainda, devido às grandes dificuldades enfrentadas, o paciente pode desenvolver dependência familiar, alterando também sua autonomia e própria autoimagem (Caiuby & Karam, 2010).
Outras complicações podem surgir durante o período de tratamento, como reações com sintomas de depressão e ansiedade, além de distorções da imagem e integridade corporal, de importância dentro da sociedade, atrasos no desenvolvimento (no caso de crianças), disfunções sexuais, e síndromes psico-orgânicas (Caiuby & Karam, 2010).
O tratamento da Insuficiência Renal Crônica geralmente é caracterizado como um processo bastante invasivo, tanto para o paciente quanto para sua família. Simone (2011) defende que o paciente renal crônico luta para entender e aceitar sua doença, procurando compreender a origem e seu tratamento. Diante desses motivos, a tendência da Psicologia e das ciências da saúde é compreender as limitações do tratamento e olhar para o paciente dentro de uma perspectiva que integre as esferas biológica, psicológica e social, como uma forma de minimizar o sofrimento do processo saúde-doença (Straub, 2014).
O psicólogo que atua no hospital trabalha com o paciente que a todo instante procura resgatar sua essência, e muitas vezes, busca justificativas para seu estado de saúde. Em sua pesquisa sobre a atuação do psicólogo junto ao paciente renal crônico, Farias (2012) afirma que cabe a esse profissional buscar entender o que está envolvido na queixa do paciente com uma visão ampla do caso, auxiliando o paciente no enfrentamento desse processo, bem como oferecendo suporte à família e à equipe de saúde.
Em geral as doenças crônicas são responsáveis por forte influência sobre o desenvolvimento e as reações do paciente, da família e de seus grupos sociais. Estratégias de enfrentamento dessas doenças possuem um papel importante de equilíbrio entre o processo sujeito-saúde-doença (Ravagnani, Domingos & Miyazaki, 2007). Estudos apontam que as práticas de enfrentamento mais comuns entre os pacientes hospitalizados estão relacionadas ao suporte social, a família, as práticas religiosas/pensamentos fantasiosos, a autonomia, aos recursos culturais e materiais, valores, crenças e habilidades sociais de cada indivíduo (Bertolin, 2007; Faria & Seidl, 2005; Madeiro, Machado, Bonfim, Braqueais & Lima, 2010; Nunes, Rios, Magalhães & Costa, 2013; Ravagnani, Domingos & Miyazaki, 2007; Schwartz et al., 2009; Zimmermann, Carvalho & Mari, 2004). Desse modo, a intervenção do psicólogo poderá estar pautada nesses recursos, reforçando de maneira positiva o modo de encarar o tratamento e as dificuldades encontradas no decorrer do processo.
A constatação das alterações psicossociais frente à hospitalização vem de encontro com a necessidade do psicólogo dentro deste ambiente de trabalho. Ainda assim, é notável a barreira que esse profissional enfrenta quando em contato com outras áreas da saúde ou com questões burocráticas. É evidente seu reconhecimento, o benefício de sua atuação e o grande avanço que a categoria obteve. No entanto, ainda há muito a se fazer.
O ATENDIMENTO PSICOLÓGICO JUNTO AO PACIENTE RENAL CRÔNICO
As atenções voltadas à terapêutica e à qualidade de vida dos pacientes renais crônicos são recentes e originam-se da constatação de que recuperações mais rápidas e efetivas são resultados de um bem-estar físico e mental, lazer, autonomia, preservação de esperança e senso de utilidade dos pacientes (Martins & Cesarino, 2005).
Diante de uma doença crônica, é possível que se encontre sentido inclusive na morte. A irreversibilidade da morte faz com que o homem se oriente para aproveitar oportunidades, satisfazer desejos e aproveitar seu tempo de vida, garantindo uma melhora em seu bem-estar e na satisfação de dever cumprido (Moreira & Holanda, 2010).
A doença crônica influencia a pessoa a refletir sobre a própria existência e, de certo modo, questionar suas crenças e religiosidades (Schwartz et al., 2009). De acordo com Kübler-Ross (2011), é comum que frente a perdas significativas apareçam estágios de negação, raiva, barganha, aceitação e esperança, como busca por justificativas para a situação e como forma de tentar compreendê-la.
O suporte social, a família, a fé, a espiritualidade, autonomia, aceitação, entre outros, constituem o grande campo de estratégias de enfrentamento utilizadas por pacientes hospitalizados para amenizar o sofrimento da doença. Entretanto, maiores estratégias por parte das equipes de saúde devem ser utilizadas para detectar essas demandas e utilizá-las em possíveis intervenções, garantindo a promoção de um atendimento integral. A participação do psicólogo nesse contexto é de fundamental importância, pois considera um olhar humanizado ao paciente, seu sofrimento e sua subjetividade. Como Resende, Santos, Souza & Marques (2007) pontuam: “O atendimento psicológico auxilia na quebra de tabus e preconceitos, além de incentivar as pessoas a desenvolverem suas capacidades, observando a doença sob outros ângulos” (p.93).
As doenças crônicas originam um estado patológico no indivíduo que pode ser caracterizado por apresentar incapacidade residual, alterações patológicas incuráveis, longos períodos de reabilitação e cuidados extremos no decorrer da vida (Santos & Sebastiani, 1996). No caso da IRC, o desempenho defasado das funções renais remete a tratamentos rigorosos. Com uma rotina desgastante e monótona, o tratamento implica o comprometimento de questões emocionais, econômicas, familiares e sociais, em virtude de um tratamento doloroso, extenso, repetitivo e limitado (Freitas & Cosmo, 2010; Garcia, Souza & Holanda, 2005; Martins & Cesarino, 2005).
Dessa forma, o indivíduo que recebe a notícia de ser portador de IRC passa muitas vezes a apresentar seus recursos emocionais de forma alterada, pois o diagnóstico da doença não apresenta uma perspectiva de cura (Cesarino & Casagrande, 1998). Assim, o acompanhamento psicológico é essencial para o paciente, sua família e todos os envolvidos na hospitalização e no processo saúde-doença, podendo acontecer na forma de atendimentos individuais e grupos terapêuticos.
Atendimentos individuais
Dentro de uma unidade de hemodiálise, o profissional de psicologia deve promover a integração entre o paciente, seus familiares e a unidade de diálise (equipe de saúde, médico e demais pacientes que fazem parte do local), favorecendo a interação para a criação de um ambiente mais positivo para o tratamento (Freitas & Cosmo, 2010).
A orientação a um paciente é um dos maiores pilares quando se fala em doença crônica e em internação. Mudanças acontecem no organismo da pessoa e em sua vida e, por isso, novos hábitos precisam ser adquiridos. O conhecimento sobre a doença, seus sintomas e suas consequências mediante o tratamento ou a falta dele, são determinantes para que o paciente compreenda o que está acontecendo em seu corpo e são fatores decisivos para a adesão e motivação quanto ao tratamento (Nakao, 2013). Vale ressaltar também que a aceitação por parte do paciente para tais orientações depende, inclusive, de sua história de vida e de suas experiências bem ou má sucedidas quanto a esta questão, o que indica a necessidade de acompanhamento individual para detectar fragilidades particulares.
Orientar a equipe também é fator imprescindível para obtenção de sucesso no cuidado ao paciente renal, visto que com o grande tempo destinado ao tratamento, o hospital passa a ser um dos principais ambientes do paciente. Nakao (2013) afirma que não são raros os momentos em que o paciente verbaliza que, mesmo estando no hospital, sente-se em casa, direcionando sentimentos afetuosos pela equipe que dispensa cuidados a ele no momento de sua hospitalização. Nesse contexto, direcionar a equipe no melhor modo para manejo dos pacientes faz-se essencial, pois o vínculo criado entre paciente e profissional da saúde é um dos componentes decisivos até para adesão ao tratamento (Nakao, 2013).
Muitos dos pacientes com IRC, mesmo aceitando e acostumando-se à nova vida, possuem uma grande esperança mediante a um transplante, como se esta fosse a única forma de retomar a sua vida anterior (Garcia, 2004). De acordo com Abrunheiro (2005), o objetivo do transplante não é somente baseado no resgate e sobrevivência de uma pessoa, mas também de oferecer uma maior expectativa e qualidade de vida à mesma. Ao mesmo tempo em que o paciente enfrenta a possibilidade de um transplante, inevitavelmente se depara com a questão da morte (a do cadáver, a do doador vivo e a possibilidade de sua própria morte), pois a realização de qualquer cirurgia oferece riscos (Garcia, Souza & Holanda, 2005). Isso resulta em um momento de estresse que exige acompanhamento do estado emocional, escuta, orientações e esclarecimento de dúvidas.
Compreender os aspectos relacionados à doença crônica possibilita ao psicólogo conhecer as reações advindas de todos os envolvidos no processo. Para que as mudanças construtivas aconteçam mediante o trabalho realizado pelo profissional, torna-se fundamental um trabalho direcionado, especializado e pautado na ética e no rigor técnico.
Grupos terapêuticos
O trabalho em grupo com pacientes portadores de doenças crônicas nos hospitais e serviços de saúde é uma prática assistencial com bases fundamentadas na teoria e técnica do profissional. Os procedimentos variam de acordo com o objetivo do trabalho (Silveira & Ribeiro, 2005).
Os grupos terapêuticos são utilizados como mais uma estratégia para manejo das emoções dos pacientes e como facilitador para adesão ao tratamento. O trabalho é caracterizado por um processo educativo que tem como proposta o compartilhamento de dúvidas, angústias e receios, como troca de experiências. O objetivo é buscar alternativas que auxiliem na superação, no enfrentamento das dificuldades e na adaptação do estilo de vida baseada na nova condição de saúde do paciente (Maldaner et al., 2008).
Trata-se de uma proposta em saúde capaz de mesclar apoio e aprendizagem; uma prática que possui caráter informativo, reflexivo e de suporte. Os grupos mantêm a característica de identificar problemáticas, discutir alternativas e encontrar soluções adequadas para as dificuldades individuais ou grupais que possam comprometer a adesão e o ciclo do tratamento. Além disso, é capaz de motivar o paciente através do acolhimento, da construção de vínculos e do respeito às diferenças. O paciente passa a refletir sobre a sua problemática, o que o estimula a encontrar seus próprios recursos de enfrentamento (Silveira & Ribeiro, 2005).
De acordo com Rebelo (2007), o papel do terapeuta nos grupos deve facilitar a relação entre os membros de modo a criar um clima de confiança. Para isso, podem ser incluídas atividades que permitam a construção de vínculo a partir de outros recursos como livros, filmes, jogos, entre outros. Os terapeutas devem se atentar à linguagem utilizada, às regras e barreiras dos elementos do grupo, possibilitando também o acolhimento e integração de novos membros e servindo de consciência ao grupo.
A terapia em grupo possui características psicoeducativas e psicoterapêuticas. As características psicoeducativas visam orientar o paciente sobre a sua doença e o que se passa em seu corpo, bem como oferecer aprendizado sobre os melhores meios para se cuidar (Nakao, 2013). De acordo com a mesma autora, a psicoeducação é o momento em que o paciente aprende sobre a doença, seus sintomas e suas consequências em relação aos medicamentos e as dietas hídricas e alimentares. Além disso, aprender sobre o autocuidado é de extrema importância para a adesão e o tratamento. A criação de um vínculo de amor e respeito pelo próprio corpo oferece benefícios e favorece o tratamento (Roso, 2012).
As características psicoterapêuticas oferecem meios de autocontrole e manejo do paciente para que o mesmo consiga reconhecer seus momentos de alegrias e frustrações frente ao tratamento, e para que consiga aceitar sua nova condição de vida. Reconhecer seus sentimentos e aceitá-los auxilia os pacientes com a não interrupção do tratamento nos momentos de raiva e incertezas, promovendo melhor qualidade de vida (Bechelli & Santos, 2005).
Em suma, os grupos terapêuticos possuem grandes vantagens para o paciente como suporte social, aprendizado sobre a doença, convívio com outros pacientes, troca de experiências, bem como sensação de aproveitamento do período em tratamento (Rebelo, 2007; Roso, 2012).
Outra vantagem que o trabalho em grupo oferece é o melhor custo benefício dos hospitais, em especial o SUS. Conforme aponta Rebelo (2007), as abordagens em grupo seduziram os responsáveis pelos serviços de saúde nas instituições, tanto pelos resultados clínicos de grandes melhoras quanto pela rentabilidade dos recursos dispostos (humanos, físicos e financeiros).
No entanto, apesar de auxiliar também nas questões individuais, os grupos terapêuticos dispõem menor atenção no que tange às demandas específicas do paciente. Outro complicador para as atividades em grupo são as dificuldades operacionais nos ambientes hospitalares (Bechelli & Santos, 2005; Nakao, 2013).
Nakao (2013) realizou uma pesquisa com pacientes em um centro de diálise e constatou que outros meios eficazes para a saúde e qualidade de vida dos pacientes são as mudanças no ambiente da unidade. Em sua pesquisa foram realizadas festas temáticas onde cada paciente tinha participação efetiva. Os eventos contribuíram para a interação entre os pacientes, além de proporcionar momentos de descontração, reduzindo o foco na doença.
O atendimento a um paciente crônico é bastante complexo e por isso deve ser realizado junto à equipe multidisciplinar. O trabalho em equipe oferece benefícios múltiplos, ou seja, beneficia os profissionais que trocam experiências entre suas áreas e se enriquecem profissional e pessoalmente, como beneficia o paciente que contempla resultados positivos de todas as áreas somado a um ambiente harmonioso (Tonetto & Gomes, 2005).
É importante também que o psicólogo se interesse pelas questões burocráticas e participe de reuniões administrativas para entender o funcionamento do hospital e as necessidades e restrições de cada setor. A discussão dos casos entre os profissionais é essencial para que as áreas se respeitem em seus limites e, juntos, planejem o melhor método para cuidar do paciente (Nakao, 2013). O manejo de conflitos entre os profissionais são questões que demandam atenção. Cada profissional, inclusive o psicólogo, antes de ser profissional, é uma pessoa que, assim como o paciente, possui medos, anseios, frustrações e angústias. Cuidar dessa pessoa também é imprescindível para o sucesso do tratamento (Tonetto & Gomes, 2005).
Sendo assim, visto as necessidades de atuação da psicologia e do psicólogo no contexto na IRC, os objetivos do presente artigo foram identificar e analisar a produção científica nacional sobre a IRC e a perspectiva da atuação do psicólogo hospitalar neste campo de atuação.
MATERIAIS E MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa de cunho exploratório, por meio de revisão bibliográfica acerca da psicologia hospitalar e do papel do psicólogo junto aos pacientes com IRC. Para tanto, procedeu-se uma busca de dados em periódicos indexados nas bases da Biblioteca Virtual em Psicologia e Saúde (BVS-PSI), Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Google Acadêmico, livros e artigos científicos, bem como no banco de teses e dissertações da CAPES. Os descritores utilizados foram: "insuficiência renal crônica", "psicologia hospitalar", "hemodiálise". Inicialmente não foram encontrados artigos para a pesquisa.
Assim, recorreu-se a buscas no banco de teses e dissertações da CAPES a partir dos descritores “psicologia hospitalar” e “doença renal crônica”, onde foram encontrados 282 registros sobre o assunto. A partir de uma busca avançada nos programas de Psicologia, foram encontradas seis dissertações e uma tese sobre o assunto. Dos resultados encontrados, foram escolhidas seis dissertações para a discussão deste trabalho. Os critérios para a seleção foram: o tema abordado, o ano de publicação (2004-2014) e a atuação e contribuição do psicólogo junto ao paciente renal.
Para o presente artigo, também foram realizadas pesquisas sobre o processo dialítico e a consequente interferência na vida do paciente, a fim de proporcionar estudos mais efetivos quanto à atuação do psicólogo na área. Também foram realizadas pesquisas sobre a psicologia hospitalar e seu histórico, bem como meios de atuação do profissional que permitam fornecer ao paciente em tratamento mais qualidade de vida e bem-estar.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os achados foram classificados por ano para análise da produção atual sobre o assunto, levando-se em considerações as publicações dos últimos dez anos. A maior quantidade de publicações científicas se deu no ano de 2012, com quatro publicações, seguida de 2011, com duas. Nos demais anos não foram encontradas publicações abrangendo o tema proposto. De modo geral a produção científica sobre o tema em questão ainda é escassa, apesar do aumento no número de publicações nos últimos anos. A baixa quantidade de material encontrado pode ser justificada pela especificidade do tema, no entanto não extingue a necessidade de pesquisas na área. As pesquisas são apresentadas e discutidas a seguir.
A pesquisa de caráter qualitativo realizada por Cavalcante (2012) em seu mestrado teve como objetivo compreender as repercussões da doença renal crônica e do tratamento de hemodiálise na vida dos cuidadores principais, com o intuito de elaborar e implementar uma intervenção psicoeducativa. Os resultados demonstraram que o tratamento da hemodiálise pode acarretar diversas implicações ao paciente e também a sua família, alterando seu funcionamento e sua dinâmica habitual. Assim, Cavalcante (2012) conclui que o tratamento da hemodiálise requer adaptação dos cuidadores a uma nova rotina. Para isso, faz-se necessário que estes também tenham um espaço que possibilite criar, recriar e/ou fortalecer mecanismos de enfrentamento. Para a autora, as medidas devem ser criadas com a elaboração e implantação de diversas intervenções psicoeducativas com os familiares e cuidadores, com o intuito de minimizar o sofrimento, gerar mudanças e fortalecer suas condições emocionais. Todas as intervenções devem ser realizadas em conjunto com uma equipe multiprofissional (Cavalcante, 2012).
Freitas (2011) teve como objetivo analisar, através de uma revisão bibliográfica e a partir de sua experiência, as características dos pacientes pós-diagnóstico no ambiente hospitalar. O trabalho ressalta a importância da relação médico-paciente considerando esta como importante aliada na busca por um ambiente mais humano e acolhedor, capaz de permitir ao paciente uma expectativa positiva frente ao seu tratamento.
A qualidade do atendimento, um ambiente facilitador e a possibilidade de troca de informações entre diferentes áreas do saber são fatores determinantes para o paciente lidar e superar as dificuldades encontradas ao longo do tratamento. Assim, os dados obtidos na pesquisa apontam para a necessidade de um olhar mais atento à equipe de saúde, que também sofre interferências advindas das perdas da IRC. Nesse sentido, o psicólogo poderá elaborar um planejamento de estratégias que sejam capazes de minimizar a sobrecarga e o estresse de todos que estão atuando nesse contexto (Freitas, 2011).
Com o objetivo de conhecer os modos escolhidos para dar sentido ao adoecimento e os significados atribuídos pela pessoa na vivência cotidiana no tratamento em hemodiálise, na pesquisa de Simone (2011) foi avaliada, por meio de instrumentos, a qualidade de vida dos pacientes renais crônicos. Na análise dos resultados, o significado do adoecer pelos pacientes aparece como fatídico e incontrolável e o curso do tratamento muito depende da interpretação dada pela pessoa. Como estratégias de enfrentamento foram evidenciadas a busca pela religiosidade, as relações interpessoais e a expectativa do transplante renal. A compreensão e interpretação dos sentidos e significados atribuídos pelo paciente a sua vivência contribui para a obtenção de suas respostas existenciais e, consequentemente, contribui com seu tratamento (Simone, 2011).
Dados semelhantes foram obtidos através da pesquisa de Gross (2012), que buscou investigar a percepção sobre a doença renal crônica, as estratégias de enfrentamento e a adesão ao tratamento em pacientes em hemodiálise. De acordo com seus achados, a percepção negativa da doença relaciona-se à não-adesão ao tratamento indicado, apontando significativa relação com comportamentos de baixo autocuidado, sintomas de depressão, menor qualidade de vida, mortalidade e sobrevida. Do mesmo modo, percepções positivas sobre a doença correlacionam-se a dimensões para enfrentamento positivo, aumento do autocuidado e qualidade de vida. Assim, a autora conclui que o conceito de percepção sobre o estado clínico auxilia na compreensão do impacto da doença e da hemodiálise para a qualidade de vida do paciente e é uma dimensão importante a ser avaliada para melhor adesão ao tratamento.
Nesse sentido, Farias (2012) realizou pesquisas de caráter inteiramente bibliográfico com o intuito de analisar a produção brasileira sobre a atuação do psicólogo junto a pacientes com IRC em diálise. Em sua pesquisa, buscou-se entender como o psicólogo está desenvolvendo seu trabalho, se a atuação é caracterizada por interdisciplinaridade, e possíveis intervenções relacionadas aos impactos da diálise nos pacientes e em seus familiares. Os resultados permitiram concluir uma predominância em publicações quanto à atuação do psicólogo durante a manutenção da doença e em temas relacionados à qualidade de vida e adesão ao tratamento. A maioria dos estudos encontrados são pesquisas empíricas, mostrando a necessidade do psicólogo em entender na prática como a diálise afeta os pacientes. Ocorreram resultados satisfatórios em detrimento da implantação de orientação vocacional e utilização de psicoterapia breve como técnica durante o processo de diálise. Contudo, conclui-se que ainda há uma escassez na produção científica a respeito desse tema de estudo (Farias, 2012).
Fontoura (2012), em seu mestrado, realizou uma pesquisa com o objetivo de compreender o significado e a perspectiva de pacientes submetidos à cirurgia de transplante renal, identificando quais as mudanças ocorridas no cotidiano desses pacientes, em seu tratamento e a qualidade de vida encontrada após a realização do transplante. O presente estudo utilizou como método uma pesquisa qualitativa, realizada através de uma coleta de dados com entrevista semiestruturada e um roteiro de perguntas com questões relacionadas à doença e ao tratamento.
De acordo com Fontoura (2012), os resultados apresentaram aspectos positivos observados pelos participantes através do transplante renal, dentre eles, a melhora na qualidade de vida, a independência resgatada, a possibilidade de planejar o futuro com mais segurança, dentre outros. Os aspectos negativos identificados estão relacionados às dificuldades de acesso a consultas médicas, medicamentos, exames, em relação à rejeição do órgão e aos efeitos colaterais da medicação. Foi possível concluir que a pesquisa apresentou informações importantes a respeito do comportamento humano frente à doença e ao transplante renal. Este pode trazer muitos benefícios ao indivíduo, no entanto é um processo contínuo que exige cuidados especiais constantes. Os profissionais também devem implantar melhorias nos serviços oferecidos a esses pacientes, com o intuito de manter a atenção e qualidade no atendimento (Fontoura, 2012).
De acordo com os autores pesquisados, as conclusões sobre seus escritos em relação ao tema proposto permitem concluir a importância da atenção ao cuidador/família do paciente. Entendendo o paciente como ser social, é indiscutível a necessidade de cuidar das pessoas que o rodeiam, sendo estas partes de um sistema integrado, uma engrenagem funcional. Tal conclusão se correlaciona com pesquisas na área (Freitas, 2011; Simone, 2011; Farias, 2012; Gross, 2012) que enfatizam a necessidade de criar grupos com famílias para favorecer o enfrentamento da doença (Cavalcante, 2012; Farias, 2012).
Como peça para a engrenagem, é notável a necessidade da criação de grupos para troca de informações sobre o assunto, bem como partilha de medos, sofrimentos e angústias. Muitas vezes estes sentimentos surgem a partir da falta de conhecimento sobre a doença, daí a importância de se trabalhar com o esclarecimento e com as desmistificações dos significados atribuídos pelos envolvidos no processo saúde-doença. As intervenções psicoeducativas são essenciais para a adesão ao tratamento e sucesso do mesmo (Cavalcante, 2012; Farias, 2012).
Outra questão considerada pelos autores como de suma importância é a relação médico-paciente. Daí vale ressaltar não só a relação entre ambos, como também a relação entre a equipe de saúde e a família, em um contexto mais amplo. A confiança e colaboração mútua entre os envolvidos permite que o processo transcorra de uma forma mais leve. Para a integralidade das áreas de saúde e a eficácia destas se faz necessário ultrapassar os vestígios do paradigma anterior de divisão dos serviços e não inter-relação entre os mesmos. A qualidade no tratamento também é fator decisivo para a sua adesão e o consequente sucesso do mesmo.
Trabalhar com a questão do significado atribuído à morte e às perdas, como citado, tem profundo impacto principalmente se analisadas as formas como o paciente enfrenta suas frustrações. Esses fatores são bases para que o profissional possa encontrar a melhor forma de trabalhar junto com o paciente suas concepções - muitas vezes distorcidas - oferecendo suporte para a busca de sentido mesmo diante de situações desafiantes. Esses fatores favorecem inclusive o trabalho com as perspectivas de futuro do paciente e as idealizações frente ao transplante.
Por fim, em todos os estudos e pesquisas realizadas, ficaram nítidos os efeitos físicos e psicológicos do tratamento para os pacientes e para suas famílias/cuidadores, sendo imprescindível um olhar humanizado para as pessoas que sofrem as consequências da doença e para sua adesão e sucesso do tratamento, bem como para melhora na qualidade de vida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, não restam dúvidas sobre as implicações resultantes da descoberta da Insuficiência Renal Crônica (IRC) na vida do paciente e de seus familiares, e os principais impactos causados não somente em seu estado físico, mas principalmente emocional.
O papel do psicólogo faz-se fundamental no contexto hospitalar, não sendo diferente nos casos de doenças crônicas. O trabalho diretivo e contínuo, oferecendo respaldo e apoio necessário desde a descoberta da doença até os processos pós-cirúrgicos, como nos casos de transplante, muitas vezes são fatores decisivos para o sucesso do tratamento. Do mesmo modo, a família necessita de cuidado e atenção dos profissionais da saúde. O conjunto harmonioso entre paciente, família e equipe multidisciplinar é a chave para a boa evolução do tratamento.
O cuidado com a saúde mental do paciente faz-se indispensável para o bem-estar e a qualidade de vida do mesmo. O atendimento psicológico é realizado com o intuito de auxiliar os pacientes, estimulando-os em seus potenciais, modificando a visão sobre a doença, bem como apresentando outros pontos importantes de reflexão que merecem ser valorizados. A escuta e o acolhimento, conceitos básicos em psicologia, são primordiais e somam pontos positivos ao tratamento ao permitir que os pacientes tenham a possibilidade de ressignificar o momento que estão passando.
O trabalho do psicólogo dentro dos hospitais engloba o suporte ao paciente e seus cuidadores que muitas vezes não possuem estrutura para enfrentar a situação. Esse suporte coloca o psicólogo como profissional capaz de ter a visão do paciente como um todo, um ser biopsicossocial, e o auxilia com a clarificação de seus sentimentos. A necessidade de um profissional da saúde que saiba como entender e compreender o sofrimento do outro se torna indiscutível no âmbito hospitalar. Para tanto, a capacitação se faz necessária para um bom respaldo teórico e técnico do profissional. Ainda assim, a troca de experiências é essencial, além da divulgação de materiais atualizados capazes de nortear os novos profissionais e contribuir para que a atuação nessa área seja mais valorizada e reconhecida.
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Endereço para correspondência
E-mail: paula.psico@hotmail.com
1Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho -UNESP, Bauru, SP, Brasil.
2Psicóloga pelas Faculdades Integradas de Jaú. Jaú, São Paulo, Brasil.