1. INTRODUÇÃO
A Síndrome de Rubinstein-Taybi (SRT) é uma condição genética associada ao cromossomo 16. O gene CREBBP é responsável por fornecer instruções na produção crescimento e divisões celulares, essenciais para que o feto tenha um desenvolvimento normal. Entretanto se uma cópia desse gene sofre uma mutação, as células passam então a produzir metade da proteína. Dessa redução sabe-se que ela interrompe o desenvolvimento normal tanto na gestação quanto após o nascimento, porém ainda não foi especificado como são conduzidos os sinais e sintomas próprios da síndrome (Parker & Parker, 2007).
Observa-se que mutações no gene EP300 têm uma pequena porcentagem de causa nos casos da Síndrome, pois as mutações neste gene inativam cópia dos genes de cada célula, provocando sinais e sintomas característicos, mas alguns estudos mostram que as mutações no gene EP300 estão mais associadas com as adulterações no esqueleto leve nas mãos e pés. Em alguns casos mais graves da síndrome, observa-se uma deleção do material genético do cromossomo 16, a partir do braço curto (p.) e é provavelmente a perda de múltiplos genes, a causa das complicações mais sérias. (Parker & Parker, 2007).
Estudo atual mostrou que as variações nos genes CREBBP, TNC, e IGFALS são as potenciais causas de SRT. A mutação genética nos genes CREBBP tem sido associada com o fenótipo comportamental, como por exemplo, má coordenação, deficiências cognitivas severas. Características autísticas têm sido relatadas em pacientes com grandes deleções em CREBBP e outra questão importante é que a transcrição de genes dependente de CREB está relacionada com a formação da memória de longo prazo. A deficiência intelectual e fenótipo cognitivo em pacientes com SRT pode ser derivado dos prejuízos alteração de ligação da proteína CREB. Já a alteração no gene IGFALS provoca atraso no desenvolvimento e crescimento, alteração detectada e típica em pacientes com SRT (Yoo et al., 2015). Portanto, conforme apontam estes estudos, observa-se que as alterações nos genes citados é que são responsáveis pelas características da SRT.
Nota-se que não há predomínio em uma determinada raça ou cor e estima-se uma incidência de 1:125000 a 1: 330000 recém-nascidos e há um maior registro de casos na Holanda. A ocorrência é esporádica e num relato de ocorrência da Síndrome de Rubisntein-Taybi (SRT) em mãe e filho evidenciou-se a possibilidade de herança autossômica dominante, entretanto, a maioria dos pacientes acometidos por esta síndrome não se reproduzem, sendo assim, o mecanismo de herança autossômica dominante pode permanecer camuflado (Delboni, 2009).
1.1. CARACTERÍSTICAS
O estabelecimento de estruturas e circuitos iniciam no útero e após nascimento, a relação entre estrutura e experiência acelera exponencialmente à medida que a criança tem maior acesso a estimulação sensorial, social, comunicativa e cognitivo e então rapidamente a criança desenvolve a capacidade de se relacionar e colaborar com todos os estímulos ao seu redor (Bernstein, 2010).
A criança possui quatro aspectos do seu desenvolvimento: Físico, Psicomotor, Cognitivo e Psicoafetivo. Com base nos estudos, para melhor compreensão das principais características comum em criança com SRT tem-se na tabela 1:
Tabela 1 Características de pessoa com SRT.
| Características | Descrição |
|---|---|
| Físicas* |
Baixa Estatura; Sobrancelhas espessas e arqueadas; Dismorfismos craniofaciais típicos; Nariz pontiagudo; Palato estreito; Boca pequena; Hipoplasia maxilar (desenvolvimento anormal e incompleto dos ossos (maxilar); Orelhas ligeiramente deformadas; Excesso de pelos; Polegares e háluces grandes e alargados; Pés planos; Pelve pequena e inclinada; |
|
Nos meninos normalmente os testículos não descem; Olhos inclinados para baixo com fendas antimongolóides; Anomalias vertebrais; Circunferência microcefalia; Maior incidência a tumores no Sistema Nervoso Central. |
|
| Psicomotoras* |
Limitação dos movimentos do cotovelo; Anomalias ou luxação da patela; Estereotipias motoras (balançar-se, girar e agitação das mãos) Má coordenação; Hipotonia; Problemas ortopédicos. Atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. |
| Cognitivas* |
Alterações neurológicas; Deficiência intelectual e transtorno de aprendizagem, apresentando um (médio de 35-50. Atraso no desenvolvimento da linguagem, expressão e comunicação; Déficit de atenção; Dificuldade de planejamento de ações motoras. |
| Socioafetivas*1 |
Boa interação social; Comportamento repetitivo; Amigáveis, afetuosos e emotivos; Intolerância a barulho e multidão; Dificuldade em reconhecer e evitar perigos. |
Fonte: Delboni (2009)*1, Yoo et al (2015)*.
1.2. QUADRO CLÍNICO
Em relação ao quadro clínico, dentre outros sinais, nota-se importantes alterações nos aspectos oftalmológicos, cujas anomalias mais frequentes podem ser estrabismo e obstrução do ducto lacrimal. As crianças também apresentam em grande maioria, déficit auditivo e obstrução das vias aéreas superiores. Nos aspectos dentários é comum apresentarem dentes mal posicionados e mordida cruzada, desproporção mandíbula, cáries e gengivite. Nota-se também anomalias nas vias respiratórias estruturais e infecções recorrentes no trato respiratório na maioria dos casos. <uanto ao sistema cardiovascular, estudos apontam anomalias cardíacas congênitas em 24 a 38% de pacientes com a Síndrome de Rubinstein-Taybi. Aproximadamente 80% dos pacientes apresentam dificuldades alimentares, obstipação intestinal e alguns adolescentes desenvolvem disfagia, em razão das patologias esofagianas. <uanto aos aspectos urinários, metade dos pacientes sofrem com anomalias renais tal como infecções, hidronefrose, calculose renal e síndrome nefrótica e mais especificamente em relação aos meninos; e observou-se que a grande maioria apresenta atraso ou descida incompleta dos testículos (Delboni, 2009).
2. LINGUAGEM
A linguagem faz parte do sistema da comunicação, é constituída por palavras, expressões gestuais e diversos elementos visuais e auditivos, utilizada para expressar ideias, emoções e significados. O processo de desenvolvimento da linguagem verbal envolve quatro sistemas interdependentes: fonológico (percepção e produção de sons e formação de palavras); semântico (atribuição de significado às palavras); pragmático (comunicação por meio da linguagem e dentro de um contexto social) e gramatical/morfológico (compreensão das regras sintáticas para a formação de frases compreensíveis). A linguagem é umas das habilidades humanas com maior plasticidade e subjetividade e parte da experiência simbólica entre pensamento e memória (Rotta, Ohlweiler & Santos- Riesgo, 2007; Muszkat & Mello, 2009; Prates & Martins, 2011).
Quanto às fases do desenvolvimento da linguagem, se tem o seguinte: aos 3 meses inicia-se os balbucios e a criança sente prazer em produzir sequencias de sons; aos 9 meses realiza imitação e repetição de falas de adultos, mas ainda sem significado; aos 12 a 18 meses a criança expressa falas simples, geralmente isoladas e acompanhadas de gestos, mas com significados; aos 18 a 24 meses geralmente nesta fase a criança já consegue combinar conceitos e formar pequenas frases, podendo utilizar 100 ou mais palavras diferentes; aos 2 a 3 anos nesta idade já consegue utilizar-se de adjetivos e advérbios, conseguindo formar frases mais longas e com vocabulário de 200 a 500 palavras e por fim, a partir dos 3 anos utiliza-se de frases mais elaboradas com substantivos e verbos, conjugando-os no pretérito e futuro, entretanto é comum alguns erros (Muszkat & Mello, 2009).
O transtorno da linguagem envolve uma dificuldade persistente na aquisição e uso da linguagem falada, escrita, de sinais, entre outras em razão da dificuldade de compreensão e produção. Observa-se vocabulário reduzido, frases limitadas, prejuízos no discurso e este transtorno corre logo no início do desenvolvimento e essa dificuldade não é atribuída à deficiência auditiva ou sensorial. O transtorno da fala por sua vez, envolve a dificuldade persistente em produzir a fala, o que consequentemente interfere na compreensão, impedindo a comunicação verbal. O transtorno perturba e limita a eficiência da comunicação, prejudicando a participação e interação social, desempenho acadêmico e profissional e os sintomas ocorrem logo no início do desenvolvimento. As dificuldades não são atribuídas a condições congênitas, lesão cerebral ou outras condições neurológicas (DSM V, 2014).
Os distúrbios de linguagem e comunicação são um dos principais motivos para consulta médica, haja vista que a linguagem se desenvolve de forma lenta e limitada. Conforme Cánovas et al.(2010) estes distúrbios na maioria das vezes estão associados com os deficits de aprendizagem, problemas de comportamento, relações sociais, problemas de enurese e transtorno do desenvolvimento da coordenação. Uma das características presentes na Síndrome de Rubinstein-Taybi é o atraso no desenvolvimento da linguagem.
3. AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA
A neuropsicologia envolve o domínio das inter-relações do comportamento e funções cerebrais, é uma ciência que abrange a psicologia e as neurociências e a partir disso estuda as interações entre o sistema nervoso central, o comportamento e cognição. A avaliação por sua vez deve ser qualitativa e quantitativa, ocorrendo de forma integrada para auxiliar tanto no diagnóstico de doenças neurológicas e psiquiátricas, bem como investiga a origem e intensidade das alterações comportamentais e cognitivas, monitora a evolução destes quadros e pode contribuir para os procedimentos médicos como no caso de uma cirurgia ou orientação aos familiares e também possibilita planejar programas de reabilitação, (Lèfreve, 1989; Miotto, 2012).
No que concerne à avaliação neuropsicológica infantil, propõe-se realizar a princípio uma entrevista com os pais e/ou responsáveis, afim de colher informações relevantes sobre a criança, seu desenvolvimento, seu ambiente e dinâmica familiar e dados sobre sua vida escolar, exames e histórico médico (Cánovas, Mártinez, Sánchez & Roldán, 2010).
4. OBJETIVO
Descrever o funcionamento neuropsicológico de um paciente com SRT e relacionar estes desfechos cognitivos com os achados da literatura sobre a síndrome e com o neurodesenvolvimento esperado para a idade do paciente que foi encaminhado ao setor de Neuropsicologia de hospital terciário de São Paulo.
5. MÉTODO
5.1. APRESENTAÇÃO DO CASO
A anamnese com a mãe do paciente foi realizada no dia 11 de maio de 2015. Antes da realização da entrevista a genitora foi orientada em relação aos termos e ética na publicação do caso e após esclarecimentos sobre procedimentos da avaliação, sigilo e ética do trabalho, concordou em participar, assinando o termo de consentimento livre e esclarecido.
O participante deste estudo de caso é a criança P., do sexo masculino, tem 6 anos e atualmente frequenta a APAE e cursa o pré-escolar. P. é filho de M., 38 anos que possui Ensino Fundamental incompleto, trabalha como diarista e é casada com E., com quem tem mais uma filha, J. de 10 anos e que cursa o 5º ano.
5.2. DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR
Conforme anamnese, M., mãe do paciente, referiu ter tido uma gestação a termo, sem intercorrências e o parto foi cesariana. Quanto ao desenvolvimento neuropsicomotor de P., a mãe refere atraso, informando que o filho sustentou a cabeça e tronco aos 6 meses, sentou aos 9 meses, engatinhou com 1 ano e andou aos 2 anos. P. pronunciou as primeiras palavras aos 2 anos e 6 meses e permanece ainda sem ter a linguagem desenvolvida, não completa palavras e embora as pessoas não compreendam o que é dito por ele, ele compreende a linguagem falada. Em relação à independência e autonomia, genitora refere que P. reconhece e evita perigos e tem razoável nível de independência, conseguindo realizar a maioria de atividades de autocuidados. Nos aspectos psicoafetivos, é afetuoso, porém apresenta comportamentos agressivos e de birra quando contrariado, também tem pouca tolerância à frustração. Apresenta boa interação social tanto na escola quanto na família e na esfera cognitiva, mãe refere apenas desatenção. Quanto à vida escolar, aos 3 anos de idade P. iniciou na creche e permaneceu até os 5 anos, após, iniciou no Jardim I e atualmente cursa o Jardim II (pré-escolar). Em relação às dificuldades de aprendizado, mãe refere que ele apresenta dificuldades de linguagem e escrita, não está alfabetizado, não escreve e reconhece apenas 4 letras: P, J, M e E, ou seja, iniciais dos nomes dos familiares. P. No tempo livre brinca, joga bola e anda de triciclo. Quanto a antecedentes familiares, genitora refere que há 2 primos maternos de 3º grau que apresentam baixa estatura e anomalias físicas, mas sem comprometimentos na vida diária e profissional. O pai de P. também possui um primo de 1º grau com diagnóstico de deficiência intelectual.
5.3. DADOS DE SAÚDE
Histórico dos sintomas e tratamentos realizados: P. nasceu com criptorquidia, quando os testículos ficam retidos na cavidade abdominal. Com 1 ano de idade passou por cirurgia para descer o testículo até o saco escrotal, porém sem sucesso pois não havia testículo e após 6 meses a criança passou novamente por cirurgia. Em acompanhamento com pediatra, aos 2 anos de idade P. foi encaminhado à fonoaudiologia, por não ter ainda a linguagem desenvolvida. Também foi encaminhado para otorrinolaringologia, em que constatou alteração no processamento auditivo unilateral direito. P. foi encaminhado também para neurologia e foi diagnosticado com a Síndrome de Rubinstein-Taybi e com suspeita de Transtorno Global do Desenvolvimento. Foi solicitado exame de cariótipo, mas ainda aguarda resultado. Desde 2013 a criança tem sido acompanhada por oftalmologista em virtude suspeita de glaucoma e permanece aguardando solicitação de exames, já em 2014 passou em consulta com endocrinologista por encaminhamento feito pelo geneticista, pois, apresentava crescimento precoce e exacerbados de pelos. Além destes acompanhamentos realizados no hospital terciário, ele é acompanhado na APAE desde 2014 por profissionais de fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional e equoterapia.
Queixas da família: mãe refere que há atraso na linguagem, baixa estatura, agitação psicomotora, comportamento ansioso e distúrbio alimentar.
Dados ambientais: Em relação à situação econômica, conforme resultados da ABIPEME (instrumento para identificar a classe socioeconômica), a família integra o grupo D-E por obter 11 na pontuação. Quanto à dinâmica familiar, a mãe relatou que vivencia conflitos com o marido.
6. INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO
Com a genitora:
a) Entrevista semiestruturada: Foi utilizada anamnese, a fim de investigar a respeito da queixa, história familiar, história pessoal, desenvolvimento neuropsicomotor, linguagem, nível de independência, aspectos psicossociais, história escolar e profissional, queixas na esfera cognitiva, antecedentes familiares e medicação atual.
b) Escala de Comportamento Adaptativo de Vineland (2005, 2ª Ed.): A escala foi aplicada com a mãe, para identificar o nível de funcionalidade da criança nos seguintes domínios: Comunicação (Receptiva, Expressiva e Escrita), Autonomia (Pessoal, Doméstica e Comunitária), Socialização (Relações Interpessoais, Lazer e Regras Sociais) e Função Motora (Fina e Grossa) e por fim, Comportamento Mal-Adaptativo.
c) Aplicação da Escala de Traços Autísticos (Assumpção Jr., Kuczynski, Gabriel & Rocca, 1999) é composta por 23 subescalas que avalia diversos itens do comportamento e foi utilizada a fim de identificar se a criança apresenta comportamentos autísticos.
Com a criança:
a) Primeira sessão para estabelecimento de rapport e uso de caixa lúdica e desenho livre.
b) Inventário Portage Operacionalizado (Williams & Aiello, 2001). Trata-se de um instrumento de avaliação sistemática e abrange cinco áreas do desenvolvimento de 0 a 6 anos: desenvolvimento motor, cognição, linguagem, socialização e autocuidados. Há ainda uma sexta área, denominada estimulação infantil, que é destinada a bebês.
c) Conforme contato inicial com a criança e com base nas observações optou-se por uma avaliação qualitativa a partir da elaboração de materiais como cartões (revista, ilustração); jogo de memória, quebra-cabeça, brinquedos (reconhecimento e uso pragmático), brinquedos e atividades que avaliem habilidades motoras, expressão de emoções (por meio da interação com a avaliadora), a fim de verificar habilidades sociais.
6.1. PROCEDIMENTOS E ANÁLISE DOS DADOS
A avaliação foi realizada em três sessões de aproximadamente 90 minutos de duração cada. No primeiro atendimento foi realizada entrevista estruturada e levantou-se dados a respeito do desenvolvimento neuropsicomotor da criança além da Escala Adaptativa de Vineland (2005, 2ª Ed.). As sessões subsequentes foram realizadas a avaliação diretamente com a criança na presença da mãe.
A segunda sessão teve como objetivo conhecer e estabelecer vínculo com a criança, bem como fazer observação de seu comportamento para a definição dos instrumentos de avaliação. Foi utilizada a caixa lúdica, desenho livre e solicitado que a criança apontasse para as partes de seu corpo. Durante atendimento o paciente demonstrou afeto e boa vinculação com a avaliadora, também interagia constantemente com a genitora, explorou a caixa lúdica e produziu desenho livre. Por meio da observação clínica, optou-se por avaliação qualitativa com o uso de cartões a partir de figuras ilustrativas e brinquedos com o objetivo de avaliar a capacidade de reconhecimento, nomeação, uso pragmático e social e categorização. Para a avaliação quantitativa, optou-se pelo instrumento formal, o Inventário Portage Operacionalizado, cujas atividades foram realizadas com a própria criança e algumas questões puderam ser respondidas pela genitora. Na sessão seguinte foram utilizados os materiais propostos.
Os resultados da avaliação qualitativa foram possíveis por meio da observação clínica e no que concerne ao uso do instrumento formal, os resultados foram mensurados conforme orientações contidas no próprio inventário.
7. RESULTADOS
Funcionamento Adaptativo da criança:
Em relação ao funcionamento adaptativo de acordo com os resultados obtidos na Escala de Comportamento Adaptativo de Vineland, a criança apresentou o seguinte desempenho e classificação:
Tabela 2 Domínios e classificação do comportamento adaptativo
| Domínio | Classificação |
|---|---|
| Comunicação receptiva | Moderadamente baixo |
| Comunicação expressiva | Baixo |
| Escrita | Baixo |
| Autonomia pessoal | Baixo |
| Autonomia doméstica | Baixo |
| Uso de recursos - comunidade | Baixo |
| Socialização relações interpessoais | Adequado |
| Jogos e lazer | Baixo |
| Regras sociais | Baixo |
Em relação à motricidade, esta é avaliada por este instrumento até 5 anos de idade, portanto não há dados numéricos que possibilite avaliar este domínio em P. As idades equivalentes são as seguintes: Comunicação – 1 ano e 6 meses; Autonomia – 2 anos e 9 meses e Socialização – 3 anos e 4 meses. Em relação ao Nível Mal-adaptativo, P. apresentou uma pontuação de 35, sendo o resultado significante.
Escala de Traços Autísticos – ATA:
Na Escala de Traços Autísticos a criança, conforme entrevista com a mãe, o paciente apresenta-se fora do espectro, com uma pontuação de 14, sendo a nota de corte 15. Ressalta-se a importância de atentar-se para falta de atenção, alterações da linguagem e comunicação e hiperatividade.
Avaliação Qualitativa:
No reconhecimento de figuras, nomeação, uso pragmático e categorização, P. reconheceu 12, sendo elas: Carro, trem, bicicleta, avião, árvore, flores, pássaro, gato, cachorro, frutas, família e bolo de aniversário. Conforme questionado pela avaliadora, P. imitou sons de gato (miau), cachorro (au au) e avião (vruumm). Não conseguiu categorizar e nomear.
Quanto à visuoconstrução e organização perceptual, P. apresentou importante dificuldade em montar quebra-cabeça simples e empilhar objetos.
Nas habilidades motoras, foi proposto andar em linha reta, porém P. indicou não ter compreendido a instrução mesmo avaliadora solicitando que ele imitasse o movimento solicitado por ela. Não conseguiu empilhar e encaixar peças e enfiar contas no barbante. Conseguiu subir e descer escadas alterando os pés, apoiando-se no corrimão. Apresenta boa noção de dentro e fora, conseguindo retirar e colocar botões dentro da caixa.
Inventário Portage Operacionalizado
Quanto ao Inventário Portage Operacionalizado, o paciente apresentou os seguintes resultados, conforme ilustrados na tabela 3:
Tabela 3 Resultados do Inventário Portage.
| Faixa Etária | Desenvolvimento Motor | Socialização | Autocuidados | Cognição | Linguagem |
|---|---|---|---|---|---|
| 0 – 1 | |||||
| 1 – 2 | 88,8% | 100% | 90% | 83,3% | |
| 2 – 3 | 77,7% | ||||
| 3 – 4 | |||||
| 4 – 5 | |||||
| 5 – 6 |
De modo geral, P. não apresenta um desenvolvimento típico esperado para sua faixa etária nas áreas avaliadas. Os resultados obtidos, em sua grande maioria, indicam um desempenho compatível com o esperado para 1 a 2 anos de idade nas áreas de desenvolvimento motor, socialização, cognição e linguagem. Destaca-se melhor resultado na área de autocuidados, com desempenho compatível com faixa etária de 2 a 3 anos.
Mais especificamente na linguagem, P. apresentou desempenho deficitário, compatível com crianças de 1 a 2 anos. Durante a avaliação, demonstrou compreender os comandos por responder às solicitações. Na atividade de nomeação, foram disponibilizados os cartões e solicitado que P. apontasse para cada um conforme a avaliadora falava os nomes e P. por sua vez apontou corretamente para as figuras, reconhecendo-as. Também foi solicitado que ele realizasse sons de carro, avião, gato e cachorro e ele fez corretamente os sons: “miau, au au, vrumm”. Durante a avaliação foi observado que P. fez bastante uso de expressões gestuais bem como apontava para objetos e para mãe, quando solicitava alimento ou brinquedo, também balançava a cabeça em sinal negativo e positivo quando convidado a realizar alguma tarefa. Em todas as sessões foi observado que o paciente emitia poucas palavras isoladas como: “mama, não, bobo, hum”.
No que concerne ao comportamento adaptativo, os menores resultados foram nos domínios de comunicação e autonomia, com melhor resultado em socialização. Não foi possível estimar QI devido à falta de habilidade em responder à avaliação formal.
8. DISCUSSÂO
É importante destacar que a avaliação se refere ao momento atual da vida e do desenvolvimento da criança, não sendo determinante e definitiva. Conforme resultados apresentados em toda avaliação e comparado ao estudo teórico, a criança apresenta atraso no desenvolvimento neuropsicomotor em todos os domínios: Linguagem, cognição, motricidade, socialização e autocuidados, pois seu desempenho apresenta-se em faixas etárias inferiores à sua idade. O paciente também apresenta prejuízos no comportamento adaptativo. Conforme definido por Dornelas et al (2015) atraso no desenvolvimento implica em a criança não se desenvolver ou alcançar as habilidades conforme esperado e de acordo com os estágios pré-definidos. Os distúrbios como anomalias, síndromes genéticas e prematuridade alteram e retardam o curso do desenvolvimento ideal das crianças (Bernstein, 2010).
Na linguagem, demonstra compreender a linguagem falada, os comandos e consegue apontar corretamente para figuras e objetos, demonstrando reconhecer o uso pragmático e indicando que o sistema semântico da linguagem se encontra preservado. P. faz uso de linguagem gestual e aponta para solicitar ou questionar algo e emite palavras isoladas na tentativa de comunicação verbal, entretanto esta ainda não foi desenvolvida. De acordo com a definição dos estágios do desenvolvimento da linguagem dada por Muskat & Mello (2009), Prates e Martins (2011), nota-se que o paciente parece ter desenvolvido o sistema fonológico que se refere à percepção e produção dos sons e formação de palavras, embora não produza muitas palavras e também apresenta ter desenvolvido o sistema semântico, em que atribui significado às palavras. Entretanto, não desenvolveu ainda o sistema pragmático, em que a comunicação se dá através da linguagem e em um dado contexto social e o sistema gramatical/morfológico, em que ocorre a compreensão das regras sintáticas para elaboração de frases.
No que tange a motricidade, o manual não oferece dados numéricos para mensurar esta habilidade em crianças acima de 5 anos, entretanto, conforme dados oferecidos na avaliação por meio do Inventário Portage, confirma-se atraso neste domínio pelo fato de P. apresentar um desempenho semelhante ao de uma criança de 1 a 2 anos.
Os dados apresentados na escala de comportamento adaptativo Vineland (2005, 2ª Ed.) e os resultados obtidos na avaliação neuropsicológica corroboram neste momento para uma hipótese diagnóstica de eficiência intelectual deficitária, por apresentar, conforme critério do DSM V (2014), comprometimento tanto no comportamento adaptativo quanto nos aspectos cognitivos. Assim como o visto no curso e desenvolvimento da síndrome o paciente apresenta funcionamento intelectual compatível com a deficiência intelectual, pois a mutação genética tem também como consequência comprometimento cognitivo importante (Delboni, 2009; Yoo et al., 2015). O manual define a Deficiência Intelectual (Transtorno do Desenvolvimento Intelectual) como um transtorno que ocorre no início do desenvolvimento, incluindo déficit intelectual, funcional e adaptativo em três domínios: conceitual, prático e social. Para diagnóstico, o manual sugere que seja preenchido alguns critérios como: dificuldade na solução de problemas, déficit no raciocínio, pensamento abstrato, aprendizagem acadêmica e através da experiência vivida e também prejuízos nas funções adaptativas que implicam no desenvolvimento e aspectos socioculturais, independência e responsabilidade social, limitando o funcionamento das atividades diárias nos diversos ambientes.
As características apresentadas por P., bem como resultados obtidos por meio de observação clínica e avaliação neuropsicológica confirmam as características apresentadas em pacientes com Síndrome de Rubinstein-Taybi (SRT). A SRT é uma condição genética cujas alterações tem sido associada ao fenótipo comportamental, como por exemplo, má coordenação, deficiências cognitivas severas. Já as mutações que ocorrem no gene EP300 estão mais associadas com as adulterações no esqueleto leve nas mãos e pés (Parker & Parker, 2007).
No que se refere aos traços autísticos, P. não preenche os critérios conforme resultados obtidos na escala ATA. Quanto à eficiência intelectual e fenótipo cognitivo em pacientes com SRT pode ser derivado dos prejuízos alteração de ligação da proteína CREB (Yoo et al., 2015). Neste sentido, constata-se o resultado deficitário apresentado na avaliação neuropsicológica de P.
Em relação às características físicas, psicomotoras, cognitivas e sócio afetivas descritas por Delboni (2009) e Yoo et al.(2015) na SRT, todas corroboram com as características apresentadas por P., como por exemplo nos aspectos físicos nota-se baixa estatura, sobrancelhas espessas e excesso de pelos no corpo, criptorquidia, polegares e háluces grandes e alargadas. No aspecto psicomotor, como descrito na literatura, observa-se no paciente a má coordenação motora e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Na cognição confirma-se atraso no desenvolvimento da linguagem, expressão e comunicação, há dificuldade no planejamento de ações motoras, déficit de atenção e apresentam também funcionamento intelectual compatível com deficitário (QI médio de 35-50) e transtorno de aprendizagem. No que concerne aos aspectos sócio afetivos, P. apresenta comportamento compatível ao descrito pelos autores, ou seja, tem boa interação social, são amigáveis, afetuosos e emotivos e apresentam também intolerância a barulho e multidão e tem dificuldade em reconhecer e evitar perigos. Tais aspectos puderam ser notados em razão da facilidade com que P. se vinculou e se relacionou com a avaliadora bem como seu comportamento durante toda a avaliação e relacionamento afetuoso com a genitora.
Quanto aos dados ambientais, conforme relato da genitora, P. apresenta vivenciar vulnerabilidade social, pois a mãe está desempregada e o pai possui trabalhos informais e esporádicos. Há também conflitos no ambiente familiar, haja vista que o genitor reagiu de forma negativa quanto ao diagnóstico do filho e o casal vivencia conflitos. Neste sentido, Bernstein (2010) destaca a importância de um ambiente familiar que estimule e possibilite um desenvolvimento cognitivo e comportamental, de forma que a criança consiga estreitar redes essenciais e necessárias para seu amadurecimento.
9. CONCLUSÃO
A investigação e avaliação neuropsicológica possibilitou delinear o perfil cognitivo e os deficits apresentados pela criança, bem como descartar a possibilidade Transtorno Global do Desenvolvimento. Os resultados corroboram com os achados científicos no que tange as características físicas, cognitivas, motoras e sociais de pessoas com Síndrome de Rubinstein-Taybi, em especial no que diz respeito a linguagem, haja vista que a criança apresenta um atraso importante neste quesito. Em contrapartida, é de suma importância ressaltar que a criança avaliada apresentou boa intenção de socialização, afetividade e comunicação, o que foi notado pela iniciativa de aproximação com a avaliadora, o vínculo estabelecido e a tentativa de se comunicar por meio de gestos. Tais aspectos psicoafetivos devem ser estimulados e percebidos como via principal para acessar as potencialidades da criança e verificar, junto com ela, os meios possíveis de aprendizagem e desenvolvimento.
A SRT trata-se de uma síndrome rara e neste sentido há limitações quanto à pesquisas, pois observa-se que há poucas produções científicas atuais e mais especificamente para a população brasileira, em especial no que concerne à avaliação e delineamento do perfil neuropsicológico. Portanto, sugere-se que sejam realizadas mais pesquisas neste quesito, bem como atualizar os estudos científicos, haja vista que a maioria dos estudos encontrados não são atuais.













