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Psicologia Hospitalar

versión On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.16 no.2 São Paulo  2018  Epub 30-Jun-2025

https://doi.org/10.5281/zenodo.15282259 

Artigo

IMPACTO DA MENINGITE CRIPTOCÓCICA NA COGNIÇÃO DE UMA PACIENTE EM SITUAÇÃO DE UTI

THE IMPACT OF CRYPTHOCOCCAL MENINGITIS IN THE COGNITION OF A PATIENT AT ICU

Gabriella Finsterbusch Magnani1 

Mirian Akiko Furutani de Oliveira2 

1Psicóloga Aprimoranda de Psicologia em Hospital Geral, Email: gabriella_finster@hotmail.com

2Psicóloga orientadora, Diretora de Pesquisa da Divisão de Psicologia do ICHC-FMUSP


RESUMO

A Neurocriptococose é uma infecção fúngica no sistema nervoso central provocada pelo Cryptococcus e sua principal apresentação é pela forma de meningite ou meningoencefalite, ocorrendo em cerca de 80% dos diagnósticos. Exibe ausência de sintomas clínicos preditivos e alta incidência de hipertensão intracraniana, o fator de maior causa de mortalidade. Objetiva-se relatar um caso de paciente jovem, imunocompetente, HIV negativo, diagnosticada com criptococose com evolução meníngica encefálica, amaurose bilateral, paraparesia, hipoacusia, rebaixamento cognitivo e hipertensão intracraniana. Foi feita revisão da literatura quanto à epidemiologia, tratamento e prognóstico. A paciente foi tratada com infusão de anfotericina B, submetida à derivação ventrículo-peritoneal e avaliação neuropsicológica, com morte encefálica como desfecho. A criptococose é uma infecção comum que pode acomenter indivíduos tanto imunocomprometidos, quanto imunocompetentes sem fatores predisponentes. Há evidências de que a abordagem com avaliação neuropsicológica seja benéfica e recomendada para diagnóstico diferencial, terapêutica, prognóstico e reabilitação.

Palavras-chave Neuropsicologia; Neuroinfecção; Criptococose; Alterações Cognitivas; Avaliação Neuropsicológica a Beira Leito

ABSTRACT

Neurocryptococcosis is a fungal infection in the central nervous system caused by Cryptococcus and its main presentation is the form of meningitis or meningoencephalitis, occurring in about 80% of the diagnoses. It shows absence of predictive clinical symptoms and a high incidence of intracranial hypertension, the major cause of mortality. The aim is to report a case of young, immunocompetent, HIV negative patient diagnosed with cryptococcosis with meningeal evolution, bilateral amaurosis, paraparesis, hearing loss, cognitive relegation and intracranial hypertension. The literature on epidemiology, treatment and prognosis was reviewed. The patient was treated with amphotericin B infusion, submitted to ventriculoperitoneal shunting and neuropsychological evaluation, with brain death as outcome. Cryptococcosis is a common infection that may accompany both immunocompromised and immunocompetent individuals without predisposing factors. There is evidence that the approach with neuropsychological evaluation is beneficial and recommended for differential diagnosis, therapeutics, prognosis and rehabilitation.

Keywords Neuropsychology; Neuroinfection; Cryptococcosis; Cognitive Disorders; Neuropsychological Assessment Bedside

INTRODUÇÃO

Com forte contribuição da Psicologia Experimental, a Neuropsicologia abrange os campos de intervenção como: avaliação e reabilitação neuropsicológica. Interessada em traçar um perfil de comprometimento cognitivo em níveis, presentes nos distúrbios neurológicos, neuropsiquiátricos, do desenvolvimento ou adquiridos; e indicar a linha de tratamento na recuperação de uma função prejudicada, perdida ou adaptação aos déficits adquiridos (Haase et al., 2012).

As neuroinfecções, por sua localização no sistema nervoso central, se destacam como possíveis causadoras de prejuízo cognitivo. A possibilidade de evolução para quadros demenciais capazes de reversão faz com que os sintomas neuropsiquiátricos destas infecções dificultem a precisão diagnóstica na detecção de sintomas comportamentais e cognitivos, entretanto, o uso de recursos como a avaliação neuropsicológica podem aumentar as chances de diagnóstico de comprometimentos (Reimer, 2010).

A Criptococose é uma infecção fúngica causada pelo Cryptococcus em duas variedades: Neoformans, que ocorre com maior incidência em indivíduos imunocomprometidos, com alta taxa de mortalidade e Gattii com incidência maior em imunocompetentes, sem fatores predisponentes para infecção fúngica; e com acometimento cerebral e pulmonar (Pantoja, Silveira & Silva, 2009).

A contaminação pelo fungo está relacionada de alguma maneira com um fator de queda da imunidade do hospedeiro, como fatores predisponentes identificados nos ciclos vitais, a gravidez está associada a imunodepressão, entretanto, sua ocorrência em períodos gestacionais tem se mostrado rara (Pereira, Fischman, Colombo, Moron & Pignatari, 1993).

A infecção se dá por via respiratória, tendo tropismo pelo sistema nervoso central. As manifestações se dão como meningoencefalite e no pulmão ocorre de forma assintomática ou semelhante a outras infecções pulmonares, as manifestações cutâneas se apresentam em cerca de 15% dos casos. A doença é sistêmica na maioria das vezes, mas pode se revelar em outros órgãos como coração, fígado, próstata, seios nasais, medula óssea, gânglios linfáticos, supra-renais e rins. É considerada como uma doença oportunista, ocorrendo raramente em imunocompetentes, com ampla possibilidade de manifestações clínicas, o que torna difícil o diagnóstico (Pantoja, Silveira & Silva, 2009).

Pouco se sabe sobre alterações neurocognitivas em meningites fúngicas, há relatos de alterações de nível de consciência, o que impossibilita um diagnóstico de compromentimento cognitivo leve e/ou demência (Reimer, 2010).

O impacto no sistema nervoso central (SNC) pode parecer moderado, tornando-se grave, com sequelas neurológicas e alto risco de mortalidade (Pereira et al., 1993).

Os sintomas podem ser variados de acordo com o tipo de acometimento e a localização da lesão primária, sintomas visuais decorrem de meningite ou meningoencefalite, principalmente quando o paciente apresenta hipertensão intracraniana. As lesões podem ser focais, únicas ou múltiplas no SNC, se assemelhando a neoplasias (Moretti, Resende, Lazéra, Colombo & Shikanai-Yasuda, 2008).

O presente estudo teve como objetivo investigar os impactos decorrentes da meningite criptocócica em funções cognitivas, de uma paciente em situação de internação na U.T.I. da divisão de moléstias infecciosas de um hospital terciário de referência da capital de São Paulo. Utilizou-se de técnicas de avaliação neurocognitiva à beira leito/cabeceira, para avaliar atenção, linguagem, orientação temporal, espacial e autopsíquica da paciente, como medida de rastreio de comprometimento cognitivo.

MÉTODO

Foi utilizada como fundamentação teórica a perspectiva da neuropsicologia e avaliação neuropsicológica da paciente, empregando-se de entrevista com familiar, observação clínica, adaptação (para o contexto de leito) do rastreio cognitivo Montreal Cognitive Assessment (MoCA) para a população Brasileira, acrescentando-se questões de orientação alopsíquica, autopsíquica e memória semântica (contagem de 1-20, evocação de alfabeto, meses do ano e dias da semana); e análise de prontuário.

Apresentação do Caso:

a) Características sociodemográficas do caso estudado:

† S.O.M.S; 34 anos; casada, dois filhos, baixa renda, segundo grau completo, ocupação: operadora de caixa, natural do interior de SP. Imunocompetente diagnosticada com Cryptococcus var gattii. Internada no hospital terciário por um período de 19 dias.

Heredograma:

b) Dados de Saúde:

Diagnóstico de Criptococose com evolução meníngica encefálica, perda de visão e audição, dificuldade de deambulação, rebaixamento cognitivo e hipertensão intracraniana.

A paciente teve como histórico prévio complicação na gestação do segundo filho sete meses antes de sua internação, por eclâmpsia no final do período gestacional. Foi necessário uma cesária antecipada como medida de emergência, sua bebê nasceu com vida, vindo a falecer em poucos dias. Logo após a recuperação do parto, ainda neste período teve quadro de embolia pulmonar fazendo acompanhamento com pneumologista posteriormente durante cinco meses. Logo após a conclusão deste tratamento, iniciaram-se os sintomas do quadro razão deste relato, nos três meses anteriores a sua internação.

Como sintomas iniciais apresentou forte dor de cabeça e desmaio por um mês antes da internação, procurou serviço de saúde em cidade vizinha, onde foi diagnosticada com enxaqueca, e encaminhada para acompanhamento psiquiátrico, tendo diagnóstico de labirintite. Foi iniciando uso de Alprazolam e Rivotril. Em poucos dias teve um quadro de visão turva, referido como efeito colateral da medicação, evoluindo para uma perda de visão com dificuldades motoras de deambulação. Foi encaminhada para oftalmologia que detectou uma complexidade do quadro solicitando a procura por um especialista em neuroftalmologia em São Paulo.

Em ressonância magnética realizada dez dias antes da internação, foram observadas “pequenas imagens ovaladas, exibindo hipersinal na sequência FLAIR localizadas na substância branca principalmente das regiões frontais, sobretudo, à esquerda, inespecíficas à RM podendo representar focos de desmielinização ou gliose”.

A paciente deu entrada através do Pronto- Socorro com pressão alterada e náuseas. Seguiu em internação no PS, onde realizou-se investigação detectando infecção fúngica por “Cryptococcus var gattii”. Evoluiu com meningoencefalite, foi transferida à Unidade Intensiva da clínica de Moléstias Infecciosas por rebaixamento cognitivo, sendo necessário procedimento cirúrgico emergencial por alta pressão intracraniana. Depois de fazer o procedimento de deviração, retornou à enfermaria do PS, tendo um novo rebaixamento poucos dias depois e, retornando à Unidade Intensiva da clínica de Moléstias Infecciosas, onde faleceu.

Ao total foram 19 dias de internação, passando por hipóteses diagnósticas de neuromielite óptica, neurocriptococose, neurocriptococose em imunocompetente e diagnóstico definitivo de neurocriptococose var gattii em imunocompetente. Evoluindo com amourose bilateral, hipertensão intracraniana, paraparesia e hipoacusia, além de alterações do nível de consciência. Como conduta foi adotada a terapia antifúngica com Anfotericina B, associação de Dexametasona, Deamoxi, Fluconazol, Difinidramina, Ranitidina, Enoxaparina, Cloreto de potássio e Ondansetona, sendo necessária intervenção neurocirúrgica de deverivação ventrículo-peritonial.

Foi solicitado acompanhamento psicológico para familiar em situação de acompanhante, no quarto dia de internação. A partir deste atendimento realizado com o familiar, observou-se a necessidade de uma avaliação cognitiva da paciente, uma vez que tal infecção acometeu de forma agressiva o sistema nervoso central. Tendo como sintomas clínicos: perda de visão e rebaixamento cognitivo (confusão mental, discurso desorganizado e perda de consciência).

Como queixas apresentou dificuldades na fala e confusão mental observados por familiar e equipe médica. O familiar apresentou-se com angústia de separação, requerendo seu acompanhamento fixo para a paciente, a fim de ajudá-la com a alimentação e cuidados durante sua internação. A modificação de rotina para o acompanhamento fixo ocasionou um transtorno de adaptação à família no âmbito social e laboral requisitando uma rede de apoio. O familiar referiu que as dificuldades motoras, visuais e a confusão mental da paciente comprometiam sua independência no autocuidado.

Levantou-se como hipótese diagnóstica possível comprometimento cognitivo em decorrência da neuroinfecção fúngica por Cryptococcus var gattii em imunocompetente e a necessidade de avaliação neuropsicológica, a fim de confirmar a suspeita destes acometimentos cognitivos. Como diagnóstico psicopatológico observou-se situação de impacto emocional pelo luto do segundo filho, como rebaixamento da imunidade e progressão grave do quadro, destacando-se que a gestação e o luto são fatores de imunodepressão, que podem ter contribuído de maneira predisponente a contaminação.

Instrumentos de avaliação

Entrevista Clínica: Uma avaliação neuropsicológica se inicia com uma entrevista clínica ou anamnese, onde é possível colher informações importantes sobre a história de vida, histórico clínico, o quadro atual, seu início, a frequência e a intensidade. Em pacientes com alterações intelectuais, cognitivas, estas informações podem ser colhidas com um familiar. É imprescindível, antes de iniciar a avaliação, saber se o paciente está fazendo o uso de medicamentos que podem alterar os resultados dos testes, bem como outras condições clínicas que determinam a escolha de testes que não coloquem o paciente a uma exposição demasiada (Miotto, Lucia & Scaff, 2015). Desta forma foi realizada uma entrevista clínica com familiar da paciente no 4º dia de internação, com a duração de aproximadamente 50 minutos, sendo possível reunir informações sobre seu histórico de vida, atividades laborais, dados de saúde pregressos, início dos sintomas e alterações observadas.

Avaliação Neuropsicológica: É uma ferramenta que não se restringe apenas à aplicação de testes, sua interpretação auxilia num diagnóstico diferencial, identifica alterações cognitivas, seu tipo, sua extensão, detalha quais funções cognitivas se mantêm preservadas e quais estão comprometidas. Identifica como estes prejuízos se dão nas atividades cotidianas, ocupacionais, sociais e pessoais do sujeito. Rastreia alterações de comportamento e humor, dando a luz a prognósticos, terapêuticas e reabilitação (Miotto, Lucia & Scaff,2015). Foram realizadas duas sessões de tarefas cognitivas com S., no 11º e 17º dia de internação, com duração de 20 minutos.

MoCa A: É um teste de aplicação rápida, de 10 minutos, contempla 8 domínios cognitivos: função visuo-espacial, nomeação de animais, memória imediata, atenção, linguagem, abstração, evocação tardia e orientação. Sua pontuação varia entre 0 e 30, sendo os resultados iguais a 26 ou superior, indicativo de normalidade e menor que 25, indicativo de comprometimento cognitivo leve. O MoCa para a população brasileira foi traduzido e adaptado por uma equipe da Universidade Federal de São Paulo, estudado em uma população de 80 idosos, tendo sensibildade igual a 40% e especificidade a 90% (Memória, 2011). A aplicação do MoCa foi adaptada restringindo-se apenas às categorias que não necessitavam de recursos visuais e motores visto que a paciente apresentava prejuízo nestas funções, priorizando domínios como: atenção, linguagem e orientação; e acrescentadas perguntas de memória autobiográfica como: nome completo, idade, data de nascimento, estado civil, número de filhos, endereço, nível de escolaridade, ocupação e quadro clínico; memória semântica como: contagem de 1 a 20, soletração de alfabeto, dias da semana, meses do ano e quantidade de dias do mês.

Triagem Cognitiva à beira leito/cabeceira: Como vantagem, os teste de triagem à beira leito não estruturados fornecem ferramentas para a coleta de dados, com possíveis métodos padronizados de interpretação, que auxiliam na precisão diagnóstica ou preditiva de sintomas sutis (Fogel, Faust e Nelson, 1986).

Análise de Prontuário: Foram analisados dados do prontuário que relatassem suas evoluções neurológicas dia-a-dia, observações da equipe médica, resultados de exames, procedimentos, condutas e intervenções.

Análise dos dados

Os dados coletados a partir da entrevista clínica com o familiar, resultados de exames, anotações de evolução em prontuário e informações do período de internação foram analisados qualitativamente. Considerando-se também todos os dados que pudessem fornecer informações relevantes sobre o status cognitivo da paciente pregressos à internação, para possibilitar uma compreensão ampla do caso.

O teste de rastreio MoCa foi analisado juntamente com a triagem beira-leito, foram computados os valores brutos dos itens em que a paciente conseguiu responder adequadamente (sendo 1 resposta correta, 0 resposta incorreta). Cada item do teste avalia um domínio cognitivo correspondente, a seguir são apresentados os resultados do desempenho da paciente e seus domínios cognitivos avaliados.

RESULTADOS

Foi observado como atitude em tarefa empenho em S. na execução das atividades e durante toda a avaliação neuropsicológica, sendo solícita a todas as instruções. Na primeira sessão de avaliação mostrou-se consciente, orientada no tempo e espaço, apresentou dificuldade nas tarefas de repetição de frases, onde conseguiu reproduzir apenas uma sentença completa de cada uma das duas frases propostas, omitindo parte ou reproduzindo de forma incompreensível, bem como prejuízo na atenção sustentada.

Na segunda sessão mostrou-se um pouco desorientada no tempo, orientada no espaço, verificou-se também prejuízo na atenção sustentada, memória de curto prazo pela dificuldade em concluir a tarefa de repetição de frase, reproduzindo-a tardiamente.

Como resultante dos dois dias de avaliação neuropsicológica apresentou-se preservada a orientação alopsíquica, memória autobiográfica e memória semântica, prejuízo nos processos atencionais, na memória de curto prazo operacional e prejuízo na linguagem com dificuldade fonoarticulatória, produção oral e repetição. A paciente revelou-se lentificada na execução de tarefas e fadigou-se rapidamente quando aumentado o grau de exigência cognitiva.

Em tomografia computadorizada de crânio realizada 27 dias antes da internação não observou-se alterações, já em ressonância magnética realizada 10 dias antes da internação observou-se pequenas imagens ovaladas, exibindo hipersinal na sequência FLAIR localizadas na substância branca principalmente das regiões frontais sobretudo à esquerda, inespecíficas à RM podendo representar focos de desmielinização ou gliose.

A seguir são apresentados os resultados dos dados médicos, exames de imagem e avaliação do ponto de vista neurológico em forma de quadro:

Dia Dados Médicos/Clínicos Resultados de Exames Status Neurológicos
H.D. Neuromielite óptica TC de crânio sem alterações Sem dados.
H.D. Neurocriptococose ------------------------------ Vigil, atenção básica preservada, sustentada prejudicada - não conseguiu numerar meses do ano de modo inverso.
H.D. Neurocriptococose em imunocompetente - Discreta queda do palato para a direita com desvio da úvula para a direita – Em infusão de Anfotericina B apresentou hipertermia e tremores generalizados ------------------------------ Vigil, orientada, com períodos variáveis de sonolência.
H.D. Neurocriptococose var gattii ------------------------------- Vigil e orientada.
Resultado definitivo: Diagnóstico Neurocriptococose var gattii em imunocompetente – Referiu cefaleia frontoparietal tipo peso e intensa, apresenta reações durante infusão. TC de crânio sem alterações Mais agitada.
Passou a apresentar rigidez na nuca.

TC de crânio: Aumento das dimensões ventriculares, restante sem alteração.

Achado de consolidação em TC de tórax, aparentemente assintomático.

Mantendo confusão mental, Levemente sonolenta, obedece a comandos simples, desorientada, fala por vezes desconexa.
------------------------------------------------- ------------------------------- Mantendo confusão mental, levemente sonolenta, obedece a comandos simples, desorientada, fala por vezes desconexa.
------------------------------------------------- ------------------------------- Oscilação de nível de consciência entre estado torporoso e sonolência, confusa.
------------------------------------------------- ------------------------------ Dificuldade de compreensão por hipoacusia.
10º Neurocirurgia - DVP TC de crânio: Orifício de trepanação parietal direito, pelo qual se insere dreno de derivação ventricular com trajeto passando pelo ventrículo lateral direito e ponta inserida no coro do ventrículo lateral esquerdo. No trajeto, observa-se poucas áreas hipo e hiperatenuantes, correspondendo a áreas de gliose e sangramento, respectivamente. Demais achados: leve dilatação do sistema ventricular, apagamento dos sulcos da alta convexidade, restante do parênquima encefálico com coeficientes de atenuação habituais. -------------------------------
11º ------------------------------------------------- -------------------------------- Consciente, fala lentificada e levemente empastada.
Como resultado da primeira avaliação neuropsicológica apresentou dificuldades na produção oral de repetição de frases, dificuldade fonoarticulatória, reproduzinho apenas uma sentença completa de cada uma das duas frases, omitindo o restante ou reproduzindo de forma incompreensível
12º ------------------------------------------------- ------------------------------- Consciente e orientada
13º ------------------------------------------------- --------------------------------- Sonolenta, pouco contactuante, porém orientada.
14º ------------------------------------------------- -------------------------------- Consciente e orientada
15º ------------------------------------------------- TC de crânio: Sem alterações em relação à comparação ao exame anterior. Desorientada no tempo e espaço, confusa.
16º Perda importante de audição do lado esquerdo ------------------------------ Confusa e desorientada
17º Piora de padrões inflamatórios USG abdome total: Queixa de dor em hipocôndrio direito (região da ponta da derivação ventricular); Conclusão: Edema subcutâneo da região anterior das costelas e do hipocôndrio direito, sem caracterizar coleções. Demais estruturas abdominais dentro dos padrões da normalidade. Como resultado da segunda avaliação neuropsicológica apresentou orientação autopsíquica, espacial e desorientação temporal, prejuízo na atenção sustentada, memória de curto prazo e dificuldade em concluir tarefa de repetição, reproduzindo-a tardiamente.
Não contactuante e emitindo sons incompreensíveis (No período da noite apresentou quadro de rebaixamento cognitivo).
18º Iniciado protocolo de morte encefálica TC de crânio: Controle pós-operatório de neurocirurgia. Sedada em uso de droga vasoactiva.
19º Confirmação de morte encefálica ------------------------------- Óbito.

DISCUSSÃO

Relatado o caso desta jovem imunocompetente, HIV negativo, diagnosticada com meningoencefalite, a percepção dos achados do ponto de vista neurocognitivo considera que a paciente prevaleceu com status neurológico oscilante durante seu período de internação.

Com o desfecho de óbito, não foi possível coletar dados relevantes sobre condições sanitárias em sua residência, criação de animais domésticos ou rurais, bem como percursos/trajetos por regiões com incidência de contaminação por Cryptococcus.

Entretanto, seu familiar empregava-se com o manuseio de aves puedeiras, o que pode ou não estar associado à sua exposição ao agente infeccioso. Já como fatores predisponentes e de queda de imunidade, associa-se o período gestacional e o luto, uma vez que as condições de complicações do parto e embolia pulmonar posterior podem estar relacionadas com os primeiros indícios de manifestação do fungo em seu organismo.

Prejuízos cognitivos decorrentes de neuroinfecção não são prevalentes em todas as incidências de contaminação, entretanto, algumas se destacam pelo mecanismo fisiopatológico do tropismo, como as meningites fúngicas (Reimer, 2010).

A presença de sintomas meníngeos pode ser manifestada por náuseas, vômitos, rigidez de nuca, alterações de consciência, déficit de memória, linguagem, cognição, em alguns casos de acometimento de pares cranianos, por estrabismo, diplopia, ou paralisia facial; déficit visual, amaurose, podendo ser de caráter temporário ou definitivo ao longo da evolução e tratamento. Cerca de 50% dos casos possuem tomografia cerebral com indicadores dentro da normalidade, com isto a vasta possibilidade de sinais e sintomas clínicos na meningoencefalite criptocócica torna o diagnóstico comprometido e sujeito a equívocos, por vezes, sendo a demência, a única manifestação da doença. Sinais neurológicos como ataxia, alteração do sensório e afasia também podem ser observados clinicamente de forma indicativa (Moretti et al., 2008). Considerando ainda a preferência do fungo pelo SNC, é de grande importância a avaliação do status neurológico de pacientes com hipótese diagnóstica de neurocriptococose como método de procedimento de diagnóstico diferencial.

Os dados de avaliação neuropsicológica e observação clínica de status neurológico dia a dia do caso relatado apontam défictis cognitivos nos campos de memória episódica operacional, linguagem de produção oral e fonoarticulatória, repetição e nomeação; e processos atencionais, relacionando-se aos resultados de exame de imagem que sustentam lesões acarretadas à região de Broca por focos fúngicos na região frontotemporal à esquerda.

Lesões na área de Broca podem acarretar perda da fluência da fala, do padrão motor complexo envolvidos no controle da vocalização, comprometer a produção oral, a compreensão, repetição e nomeação (Miotto, Lucia & Scaff, 2015). Observou-se alterações de fala não fluente, laboriosa, dificuldades de articulação, ritmo e melodia, assim como nas afasias de Broca.

Embora as primeiras queixas da paciente tenham se iniciado por vias orgânicas: enxaqueca, perda de visão e dificuldades motoras, a literatura nos dá base para sustentar que casos de manisfestação fúngica em região do SNC podem ter como indício que a infecção atingiu e/ou alcançou o cérebro, pelos prejuízos de rebaixamento cognitivo. Desta forma, sugere-se que, em casos de hipótese diagnóstica de neurocriptococose, a implementação de um protocolo de conduta multidisciplinar que inclua a avaliação neuropsicológica seja garantido no intuito de um diagnóstico diferencial que possibilite desfechos com melhores prognósticos, levando a tratamentos mais assertivos em relação às possíveis necessidades orgânicas e cognitivas de novos casos.

A contribuição da neuropsicologia em avaliações com instrumentos específicos pode garantir a linha de tratamento de sinais sutis de meningoencefalite criptocócica. “Os testes detectam delírio moderado a grave e demência com precisão aceitável e podem ser valiosos em contextos clínicos para ajudar a garantir que esses distúrbios não sejam negligenciados, especialmente quando os principais cuidadores dos pacientes não possuem treinamento neurológico ou psicológico extensivo” (Fogel et al., 1986).

A literatura ainda é controversa quanto à conduta a ser tomada em casos de neuroinfecções com lesões ao SNC, tais lesões possuem uma lenta recuperação e podem permanecer após o tratamento concencional (Moretti, et al., 2008). Desta maneira faz-se necessário um diagnóstico diferencial que possibilite o planejamento de conduta e reabilitação.

Há um grande crescimento de trabalhos científicos voltados a relatar prejuízos cognitivos em pacientes com meningite, devido à importancia atual das funções mentais superiores nos âmbitos de desempenho social, laboral e acadêmico. Entretanto, a ciência carece de resultados que estabeleçam a prevalência dos transtornos cognitivos e demências de causas infecciosas, reversíveis, bem como seus impactos através da aplicação de testes neuropsicológicos (Reimer, 2009).

Os testes podem ser úteis para caracterizar o nível geral de comprometimento das populações clínicas ou de pesquisa e para documentar mudanças no estado do paciente que ocorrem com tratamento ou com progressão da doença. Sua simplicidade e clareza também os tornam úteis como ferramentas de ensino (Fogel et al., 1986).

Pesquisas futuras no campo da neuropsicologia contribuirão com a produção de instrumentos de maior sensibilidade a alterações sutis encontradas em quadros de neuroinfecções, possibilitando um diagnóstico diferencial a direcionar qual a mellhor conduta ou intervenção a ser tomada a fim de promover benefícios ao paciente.

CONCLUSÃO

Conclui-se que apesar de complexa a avaliação beira-leito de uma paciente por infecção criptocócica, esta foi possível dentro de limitantes relacionados à escassez de instrumentos específicos para tal avaliação bem como, de literatura que abarque os desfechos relacionados aos impactos dos transtornos cognitivos decorrentes de infecções fúngicas. Campo de pesquisa ainda amplo a ser explorado.

REFERÊNCIAS

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