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Psicologia Hospitalar

versión On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.17 no.2 São Paulo  2019  Epub 30-Jun-2025

https://doi.org/10.5281/zenodo.15283468 

Artigo

CONTRATRANSFERÊNCIA COM PACIENTE CRÔNICO: UM OLHAR PARA ESSA RELAÇÃO

COUNTERTRANSFERENCE WITH A CHRONIC PATIENT: A LOOK AT THIS RELATIONSHIP

Maíra Roberta Santos Moura1 

Mirian Akiko Furutani de Oliveira2 

1Psicóloga Aprimoranda Curso de Especialização em Psicologia Hospitalar em Hospital Geral do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade São Paulo E-mail: maira_moura1995@hotmail.com

2Psicóloga orientadora da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade São Paulo


RESUMO

Este trabalho visou compreender a influência da contratransferência no processo de psicoterapia com paciente crônico, neste caso, mulher adulta diagnosticada com Dermatite Atópica. O tratamento desses pacientes pode interferir na conduta terapêutica e gerar diversos sentimentos no psicólogo. Para avaliar a contratransferência, utilizou-se a Escala de Avaliação de Contratransferência (EACT), sendo esta uma escala autoaplicável que quantifica os sentimentos gerados durante um atendimento psicológico. A partir desta observou-se que o tratamento analítico foi influenciado pela contratransferência estabelecida. A proximidade (24%) foi o domínio que mais prevaleceu no atendimento. No total, observou-se 32% de contratransferência estabelecida pela psicóloga. Ao analisar seu conteúdo contratransferencial, houve mudança na sua postura que refletiu no atendimento ofertado à paciente, conseguindo implicá-la mais efetivamente em seu processo de tratamento. Concluiu-se que é essencial olhar para essa relação em supervisão clínica e análise pessoal, para que o tratamento do paciente não seja guiado pelos sentimentos do terapeuta.

Palavras-chave Dermatite Atópica; Contratransferência; Escala de Avaliação de Contratransferência (EACT)

ABSTRACT

This study aimed to understand the influence of countertransference on the psychotherapy process with a chronic patient, in this case, an adult woman diagnosed with Atopic Dermatitis. The treatment of these patients may interfere in the therapeutic conduct and generate various feelings in the psychologist. To evaluate countertransference, we used the Rating Scale for Countertransference, which is a self-applicable scale that quantifies the feelings generated during a psychological care. We observed that the countertransference established influenced the analytical treatment. Proximity (24%) was the most prevalent domain in care. In total, 32% of countertransference was established by the psychologist. By analyzing her countertransference content, there was a change in her posture that reflected in the care offered to the patient, managing to involve her more effectively in her treatment process. We concluded that it is essential to look at this relationship in clinical supervision and personal analysis, so that the patient’s treatment is not guided by the therapist’s feelings.

Keywords Dermatitis; Atopic; Countertransference; The Rating Scale for Countertransference (RSCT)

1. INTRODUÇÃO

A pele é considerada o maior órgão do corpo de uma pessoa, tem diversas funções no organismo humano, como: defesa e proteção dos órgãos, controle de temperatura corporal, funcionamento saudável do organismo e controle de metabólicos (Müller, Campio, Ramos & Gimenez, 2004).

Além das questões de proteção orgânica, a pele é o órgão que sofre mais exposição no corpo humano, ao mesmo tempo que protege, expõe as fragilidades, principalmente relacionadas a doenças dermatológicas (Britto, Santos & Brandão, 2015).

A Dermatite Atópica (DA), uma das doenças mais comuns de pele, origina-se de um processo inflamatório, genético e crônico que altera o funcionamento do sistema imunológico, provocando inflamações superficiais que geram pruridos (Castro, et al., 2006).

A doença também influencia na estrutura familiar, rotina acadêmica, atividades laborais, relações sociais, autoimagem e qualidade de vida das pessoas portadoras da doença (Castro, et al., 2006).

De 10 % a 20% da população mundial apresentam a DA, sendo a maioria delas diagnosticada quando criança, apresentando sintomas de infecção na pele, prurido, vermelhidão em determinadas partes do corpo como articulações e lugares que produzam mais suor (Dias, Gon & Zazula, 2017).

Os tratamentos da DA têm como objetivo principal controlar os sintomas de coceira, reduzir as inflamações recorrentes de pele e prevenir o agravamento do quadro clínico. Por conta da pele ressecada, é necessário o uso constante de hidratantes para aliviar o eczema, e, dependendo do caso, utilizam-se medicamentos baseados em corticoides nos próprios hidratantes. Nos casos mais graves, se faz necessária utilização de medicamentos via oral como também os corticoides e imunossupressores, e, caso ocorram infecções secundárias, uso de antibióticos (Lopes, et al., 2016).

Além dos fatores imunológicos, os pacientes com DA sofrem um grande comprometimento em sua qualidade de vida. O estresse psicológico é um fator que pode gerar e agravar significativamente o curso da doença, em média, 46 a 67% dos pacientes adultos que tenham desenvolvido a doença de forma grave, observou-se que o seu quadro emocional teve influência significativa no agravamento do quadro clínico (Boleira, et al, 2014).

Também se considera que pessoas com DA apresentam elevação do nível de agressividade, sentimentos de inferioridade, insegurança, labilidade emocional, dificuldade em estabelecer relações sociais, ansiedade e depressão, tendo esses sintomas um impacto na qualidade de vida dos pacientes (Muller e Ramos, 2004).

Para Muller e Ramos (2004), durante o tratamento psicológico é necessário haver uma boa relação psicólogo e paciente, evitando momentos que os sintomas como ansiedade, raiva, insegurança e medo nos pacientes viessem à tona, diminuindo a possibilidade de possíveis agravamentos do quadro clínico e, facilitaria o processo transferencial e contratransferencial entre terapeuta/paciente.

Freud (1905/1972) pontua a transferência como experiências psicológicas que, durante o processo da psicoterapia, são revividas intensamente, principalmente por não apresentar relações com o passado, apenas com o presente, e que são aplicadas diretamente do paciente ao médico/terapeuta.

A transferência, segundo Freud (1912/1996), pode se apresentar de forma positiva e negativa. A primeira é a maior aliada para realização satisfatória do tratamento terapêutico, a partir desta, a eficiência da intervenção ocorre com mais efetividade, principalmente por haver um reconhecimento do investimento do paciente no processo terapêutico. Já com relação à transferência negativa, esta é formada por impulsos agressivos e pode ser considerada resistência ao tratamento analítico, podendo ser caracterizada como um grande obstáculo para o trabalho. Assim, acredita-se que a transferência é algo para ser trabalhado no processo terapêutico, pois, ao mesmo tempo que ela pode ser considerada fundamental para melhora clínica de determinado analisando, pode também ser considerada resistência, dificultando acentuadamente o trabalho a ser realizado com tal pessoa.

O analista é o profissional que necessita ter uma escuta ativa para compreender e dar continência a grande parte dos conteúdos trazidos pelo paciente, no entanto, pode haver situações em que o profissional tenha dificuldades em ter essa postura. O conceito de contratransferência foi criado para denominar esta relação do terapeuta ao paciente, porém, era visto como aquilo de mais vergonhoso e que expunha o analista e suas fragilidades, sendo muito criticado no mundo da psicanálise, e havendo a necessidade de ser estudado e compreendido de forma mais ampla até os dias atuais (Losso, 2001).

De acordo com o que é trazido por Freud (1910/1996), o conceito de contratransferência surge sendo um resultado daquilo que o paciente causa emocionalmente e inconscientemente no analista, este conceito está diretamente ligado com o conceito de transferência.

Ferenczi (1933/1992) postula que pode haver dificuldades no processo de análise e inibição da atenção flutuante caso o sentimento contratransferencial seja escondido. Ao esconder esses sentimentos contratransferenciais, o analista pode se tornar insensível ao processo terapêutico, surgindo assim, uma posição mais defensiva e resistente àquilo que o paciente traz. A partir disso, Ferenczi (1933/1992) pontua a necessidade de que o analista dê abertura aos seus sentimentos, pois estes são essenciais para uma melhor escuta e empatia com relação ao paciente.

A posteriori, Heimann (1960) trouxe o conceito de contratransferência como algo essencial para o processo analítico, para o autor, caso a contratranferência seja olhada como um problema, o analista passa a apresentar comportamentos de desapego e frieza emocional para que esta seja evitada. Dessa forma, a contratransferência começa a ser olhada como uma ferramenta essencial para compreensão do paciente e das intervenções realizadas pelo analista, com isso, a ideia de que é algo vergonhoso e a ser escondido começa a ser quebrada.

Heimann (1960) também ampliou significativamente o conceito de contratransferência, trazendo de uma forma geral, que todos os sentimentos que surgirem no analista em relação ao paciente são considerados contratransferência, porém, o analista deve compreender estes sentimentos, para que eles possam ser usados como ferramenta analítica.

Além disso, a contratransferência passa a ser olhada como algo comum e positivo para a construção do trabalho analítico, principalmente por envolver a comunicação entre as partes, sendo estas analista e paciente. A contratransferência pode ser utilizada na compreensão da dinâmica ali estabelecida e também nas possíveis intervenções clínicas que estão sujeitas no processo analítico. Porém, é necessário que o analista compreenda o que está sentindo, para não deixar que essas reações emocionais interfiram de forma negativa no trabalho (Heimann, 1960).

Racker (1979) também aborda este conceito, e o define como sendo algo inevitável e básico na relação entre o analista e o paciente, surgindo assim, uma identificação por parte do analista, que nasce a partir do que o paciente traz durante os atendimentos. Em seus estudos, também afirma que os conceitos de transferência e contratransferência se complementam e estes criam a relação interpessoal no processo analítico.

O inconsciente do analista é fundamental para a compreensão do psiquismo do analisando. Dessa forma, a relação contratransferencial é tão importante para o tratamento analítico quanto à relação transferencial, porém, a primeira deve ser analisada, para que o analista possa controlar seus conteúdos inconscientes, evitando que estes interfiram diretamente no tratamento do paciente, pois, algo que esteja no inconsciente do analista pode interferir diretamente nas reações que o paciente possa vir a demonstrar durante os atendimentos (Freud, 1912/1996).

A partir da contratransferência, Freud (1915/1996) traz, em seus estudos, a importância da análise pessoal, para que o terapeuta consiga compreender os sentimentos contratransferenciais e, principalmente, saber manejá-los, para continuar havendo uma postura minimamente imparcial frente a transferência do paciente.

De acordo com Cataldo Neto, Seganfredo e Cardoso (2003), para o tratamento de pacientes crônicos, como no caso da DA, é necessário que o médico/terapeuta, além das necessárias habilidades técnicas, compreenda e aceite suas próprias limitações, dessa forma, precisa-se identificar obstáculos que surgiram no processo analítico para alcançar um tratamento mais eficaz.

A partir do que foi discorrido, destaca-se que, do ponto de vista psicanalítico, faz-se necessário refletir sobre de que forma a contratransferência poderia interferir nos atendimentos psicológicos de um paciente crônico, dessa forma, este estudo tem como objetivo compreender a influência da relação contratransferencial entre psicóloga e paciente crônico no processo de psicoterapia.

2. MÉTODO

O presente estudo expõe um relato de caso único, com o foco na relação transferencial e contratransferencial entre paciente e terapeuta, visando compreender de que forma essa díade influenciou nos desfechos de manejo clínico do caso.

Para embasamento dos atendimentos psicológicos e das análises dos dados obtidos ao final dos atendimentos, foi utilizada a abordagem psicanalítica que tem como objetivo compreender a dinâmica psíquica do sujeito, trabalhando questões a partir dos conteúdos conscientes e inconsciente trazidos durante as sessões, o que possibilita compreender como o sujeito funciona psiquicamente, seus sintomas físicos e emocionais para melhor compreensão do caso (Figueiredo & Minerbo, 2006).

De acordo com Nasio (2001), o estudo de caso é realizado a partir de um desejo do analista em compreender questões de tal paciente. Quando um atendimento a determinado paciente vira um texto no estilo narrativo, se faz necessário refletir, que essa situação clínica pode ilustrar uma elaboração teórica, a fim de gerar reflexões sobre tal assunto, podendo ajudar futuramente outras pessoas a lidar com a questão ali descrita.

Este trabalho trata-se de uma pesquisa do tipo narrativa, que consiste em compreender o processo de colaboração entre pesquisador e pesquisado. Pode ser considerada uma metodologia baseada na coleta de informações sobre determinado tema, e, dessa forma, o pesquisador poderá entender determinado fenômeno. Neste estudo de caso, os dados foram obtidos a partir das entrevistas psicológicas realizadas quinzenalmente com a paciente (Clandinin & Connely, 2000).

Para Clandinin e Connely (2011), o objeto de estudo principal das pesquisas narrativas são as histórias narradas, é necessário entender as pessoas como indivíduos que estão sempre em interação e inseridas em um meio social, dessa forma, procura-se compreender com mais efetividade a narrativa do mesmo.

Por este motivo o presente trabalho apresenta a elaboração de um caso do ponto de vista do analista de uma paciente com diagnóstico de DA crônico, de difícil manejo clínico da equipe de saúde e quais sentimentos foram mobilizados no processo de contratransferência no analista a partir da narrativa exposta pela paciente.

2.1 Local dos atendimentos:

Os atendimentos psicológicos foram realizados no ambulatório de um hospital geral terciário do estado de São Paulo.

2.2 Instrumento de avaliação:

O instrumento de avaliação utilizado para análise do caso foi entrevista clínica psicológica, embasada na teoria psicanalítica. De acordo com Silva (2013), a entrevista, na pesquisa psicanalítica, é uma ferramenta utilizada também para trazer a subjetividade à tona, pois, a partir do lugar em que o entrevistador se coloca (lugar do saber), gera efeitos sobre o entrevistado.

Para avaliação da contratransferência, foi utilizada a Escala de Avaliação da Contratransferência (EACT) que foi desenvolvida em um estudo qualitativo que avaliou a contratransferência ligada a psicoterapia breve, esta avalia a reação afetiva do terapeuta no início, meio e final de uma sessão específica. A escala consiste em uma lista de 23 emoções que são medidas em uma escala de “0”, sendo este número representando ausência desse sentimento, “1” que traz a ideia de pouco sentimento, “2” sentimentos moderados e, por fim, “3”, representando muita presença de tal sentimento. É uma escala autoaplicável e indica sentimentos relacionados a proximidade, distância e indiferença, que ligam o analista ao paciente (Eiziric, 1997).

Para interpretação dos resultados, os dados brutos obtidos foram transformados em percentuais para se ter uma melhor visualização do valor total.

2.3 Procedimento:

As entrevistas psicológicas da paciente Laura (fictício) iniciaram-se em abril de 2019 e Laura permaneceu em atendimento psicológico ambulatorial, porém, os dados obtidos para este estudo foram colhidos até o mês de outubro de 2019. Foram agendados onze (11) atendimentos, sendo que a paciente faltou em um (1). Vale ressaltar que Laura foi informada verbalmente sobre a pesquisa, explicado sobre qual seria o tema e como seria realizada, a mesma concordou conforme o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em anexo.

3. APRESENTAÇÃO DO CASO

A paciente realiza tratamento médico em um hospital terciário do estado de São Paulo no Serviço de Imunologia devido ao seu diagnóstico de Dermatite Atópica. Foi encaminhada ao serviço de psicologia com a justificativa de descontrole da doença, sem nenhum diagnóstico que justificasse a piora de seu quadro clínico.

Laura atualmente tem 56 anos, nasceu em uma cidade no interior do estado de São Paulo e reside na capital há 30 anos. Trabalha como diarista e cuidadora de idosos, é separada e mãe de três filhos adultos.

Foi diagnosticada com DA no ano de 2017, porém, relatou que os “machucados” na pele com presença de secreção purulenta, prurido (coceira) intenso e febre iniciaram-se no ano de 2006.

Atualmente, apresenta manchas escuras e ressecamento da pele, muita coceira por todo o corpo e dificuldade de enxergar por causa da gravidade da doença. Faz uso de diversos medicamentos: Alenia; Budesonida; Losartana; Lasix; Gabapentina e Loratadina.

Devido à intensidade da coceira, Laura relatou que faz uso de cortisona, sem autorização médica, porém, a equipe sabe desse comportamento e solicita que a mesma pare de fazer uso do mesmo, mas Laura aponta que essa é a única medicação que lhe dá o alívio que necessita, diminuindo a intensidade da coceira e permitindo que ela realize as atividades propostas para o dia.

4. RESULTADOS

Durante os atendimentos psicológicos, Laura relatou que, no ano de 2017, apresentou sintomas de grave infecção por toda a pele, formando bolhas de secreção purulenta, dor intensa por toda a pele, prurido e febre constante, impossibilitando-a de manter a sua rotina laboral. Neste ano, a doença afetou com muita intensidade a sua área facial, por conta disso, se fez necessário internação hospitalar.

Pontuou que, nesse período de internação, separou-se do marido e sentiu-se desamparada, apresentou sintomas de isolamento social, permanecendo dois meses dentro de casa, trazendo em sua fala que não queria que as pessoas a olhassem com o rosto machucado.

Com o agravamento da doença, Laura começou a apresentar pensamentos relacionados a autodestruição, iniciou tratamento psiquiátrico com Rivotril, porém, com a saída da médica psiquiátrica do posto de saúde que realizava os atendimentos, a paciente deixou de tomar a medicação por conta própria.

A paciente também demonstrou dificuldades com relação ao enfrentamento da doença, apresentou sofrimento psíquico acentuado ao relembrar os momentos vividos quando a doença afetou diretamente a sua imagem corporal, apontando que, ao se olhar no espelho na atualidade, não se reconhece, e muitas vezes evita esse comportamento. Apresentou também sentimentos de raiva ao relembrar a época em que trabalhava em uma empresa e que durante o dia, ao realizar suas atividades laborais, necessitava secar o rosto com uma toalha devido à grande quantidade de secreção que era produzida, gerando grave comprometimento de sua rotina e autoimagem.

Durante os atendimentos a paciente coçou seu corpo com frequência, queixando-se de ressecamento e sensibilidade na pele, porém, ao entrar em contato com situações que causaram muito sofrimento no passado, a frequência da coceira aumentou, principalmente na área do rosto, olhos e tórax. Laura relatou que quando está com a mente ocupada, realizando diversas atividades como trabalhar e sair com os amigos, sua coceira diminui muito, porém, assim que finaliza a atividades, a coceira volta com a mesma intensidade anterior.

Ao refletir sobre seu quadro clínico, a paciente afirmou que atualmente possui dificuldade em saber se o sintoma de prurido surge com frequência, ou se ela acostumou a coçar sua pele repetidamente. Essa reflexão surgiu após a paciente relatar que quando está realizando atividades diversas como trabalhar e divertir-se com os amigos, a coceira diminuía significativamente, porém, logo quando entra em casa, a coceira volta. Quando questionada se ao estar realizando outras atividades, lembra-se de seus sintomas, afirma que não, e que ela dificilmente refletia sobre tal comportamento. Laura pontuou que acredita que seus sintomas ansiosos e depressivos têm grande influência no agravamento do seu quadro clínico.

Ao longo dos atendimentos psicológicos, Laura queixou-se frequentemente de dificuldade em realizar as atividades propostas para o dia, relatando hipersonia e dificuldade de levantar da cama. Pontuou sentir-se cansada a todo o momento, perda de interesse significativo das atividades que antes eram realizadas com muito prazer como sair com os amigos e viajar e que hoje, evita se comprometer com esses passeios e, quando se compromete, muitas vezes passa poucos minutos no local. Também pontuou que, quando chega próximo ao tempo de realizar novamente a perícia do INSS por exemplo, suas crises de coceira na pele pioram acentuadamente, apresentando sintomas de insônia e preocupação sem controle, ao refletir sobre o surgimento desses sintomas, a paciente considera o desligamento do auxílio doença, que está ingressada há mais de 4 anos.

Em sua fala, a paciente demonstrou grande tendência em tomar decisões para agradar o outro, pontuou momentos em sua rotina que se privou de realizar coisas por si própria para atender a necessidade do outro. Laura queixou-se desse seu comportamento, porém, afirmou que já houve grandes mudanças com relação a essas tomadas de decisões e que hoje, mesmo ainda tendo dificuldades, nega muitos pedidos dos outros afirmando que esse comportamento lhe fazia muito mal devido à sobrecarga emocional depositada sobre ela, com a qual ela não conseguia lidar. Relatou que, quando as pessoas lhe contam problemas, por menor que eles sejam, há uma tendência de guardá-los para si e tentar resolvê-los, mesmo que nada possa ser feito.

Destaca-se que Laura adoece diante de situações que fujam do seu controle como: perícia do INSS, problemas que não consegue resolver, doenças de pessoas próximas. Nessas situações de não controle, há um agravamento acentuado de seu quadro clínico, as coceiras aumentam significativamente, gerando machucados e ressecamento da pele, a partir desses sintomas, a paciente faz uso indevido de cortisona (proibido pelos médicos), dessa forma, acredita conseguir controlar minimamente os sintomas da doença.

Laura também trouxe em sua fala crenças relacionadas ao mês de agosto e a religião na qual frequenta esporadicamente, pontuou que seu quadro clínico piora acentuadamente nesse mês e situações ruins ocorrem com mais frequência, fazendo com que ela retorne para sua religião neste período, acreditando que o campo espiritual tem influência significativa no seu quadro de DA.

E quanto à relação entre a psicóloga e a paciente Laura? Durante os atendimentos, verificou-se que houve dificuldades significativas para condução do trabalho terapêutico, por diversas vezes a psicóloga também questionou se ela poderia fazer algo pela paciente, se haveria real chance de uma melhora de seu quadro clínico, sendo que ninguém mais conseguiria ajudá-la, notando que esses pensamentos a impediram de compreender e aceitar as suas limitações.

Ao longo dos atendimentos, a psicóloga deparou-se com queixas frequentes de não melhora clínica e emocional, havendo recaídas nesse período dos sintomas depressivos e orgânicos. Algumas vezes deparou-se com a dificuldade de que não conseguia implicar Laura em seu tratamento, trazendo a responsabilidade para si de fazer com que a paciente melhorasse de seu quadro clínico.

Verificaram-se sentimentos de preocupação com a paciente, preocupação esta que fugia algumas vezes do campo psicológico e focava-se cada vez mais no campo fisiológico de Laura. Era perceptível que as crises de DA não estavam sendo controladas, dessa forma, a psicóloga começou a acreditar que não estava sendo possível auxiliar a paciente a elaborar as questões que a incomodavam, sendo similar à equipe médica, que afirmava à paciente que já haviam tentado de tudo para ocorrer uma melhora clínica e que, atualmente, nada mais poderia ajudá-la.

A partir desses acontecimentos e em supervisões clínicas realizadas, foi possível compreender que a contratransferência estabelecida estava dificultando o tratamento da paciente, tornando-se cada vez mais um obstáculo no processo terapêutico. A primeira fala de Laura no primeiro atendimento psicológico foi: “fui ao atendimento médico esta semana e lá me disseram que nada poderia ser feito por mim, se nem aqui tem o que ser feito por mim, para onde eu vou?”. A ideia de que o tratamento psicológico também não conseguiria ajudá-la já estava registrado no inconsciente desde o início do atendimento, dessa forma, interferindo no processo terapêutico, sendo este, começando a ser conduzido a partir da certeza de que assim como a medicina, a psicologia também não poderia fazer nada por ela. Começou a ser percebido sentimento de incapacidade e insegurança na condução do caso, gerando vergonha por acreditar que não conseguiria e que não estava preparada para atender um caso que apresentava um quadro clínico crônico e emocional grave.

Porém, ao longo de supervisões clínicas e análise pessoal, esses sentimentos de medo por não conseguir ajudá-la, angústia e desesperança, começaram a ser olhados de forma analítica, não como vergonhoso e sim como algo importante a ser interpretado, afinal, esses sentimentos surgiram a partir de algo da paciente que tocou profundamente na psicóloga. Ao olhar para estes sentimentos e compreender de forma mais efetiva o que estava acontecendo com a psicóloga, o olhar à paciente também foi modificado e, esses sentimentos que antes eram considerados ruins e um obstáculo ao tratamento, passaram a ser fundamentais na compreensão de forma mais efetiva do que estaria acontecendo no mundo interno de Laura.

Dessa forma é essencial compreender o poder da contratransferência no tratamento psicoterapêutico, e como aquilo que mais chama atenção no caso é o ponto de partida para a condução do tratamento.

Ao analisar um atendimento psicológico com a utilização da EACT, obteve-se os seguintes resultados:

Tabela 1 Resultados obtidos na EACT no domínio “proximidade”. 

Domínio Proximidade Início Durante Final
Curiosidade* 2 1 1
Interesse 2 3* 3*
Simpatia* 2 1 1
Solidariedade 2 2 3*
Afeição 1 1 1
Desejo de Ajudar 3* 3* 3*
Alegria 1 1 1
Tristeza 1 1 1
Pena 2 3* 3*
Atração 0 0 0
Resultado final 16 16 17

No domínio proximidade, destaca-se que nos sentimentos “curiosidade” e “simpatia” os resultados diminuíram um ponto no decorrer do atendimento, indo de moderado para pouco sentimento quantificado. Já os sentimentos voltados para o “interesse”, “solidariedade” e “pena”, aumentaram ao longo do atendimento psicológico, passando de moderado para muito. Já os sentimentos de “afeição”, “alegria” e “tristeza” foram contabilizados em todos os momentos do atendimento com a nota 1, significando que havia pouco desses sentimentos presentes no processo terapêutico. Já o sentimento “desejo de ajudar” manteve-se no alto do gráfico em todos os momentos do atendimento psicológico, e a “atração” foi o sentimento que não apareceu em nenhum momento. Estes dados mostram que a terapeuta demonstrou muita proximidade com a paciente durante todos os momentos do atendimento psicológico.

Tabela 2 Resultados obtidos na EACT no domínio “distância”. 

Domínio Distância Início Durante Final
Desconforto* 2 2 2
Desconfiança 1 1 1
Tédio 0 0 0
Rejeição 0 0 0
Desesperança 2 3* 3*
Reprovação 0 0 0
Acusação 0 0 0
Irritação 0 0 0
Medo 0 0 0
Hostilidade 0 0 0
Resultado final 5 6 6

Já com relação ao domínio de distância, os sentimentos de “tédio”, “rejeição”, “reprovação”, “acusação”, “irritação”, “medo” e “hostilidade” não foram contabilizados em nenhum momento do atendimento. Os sentimentos de “desconforto” e “desconfiança” mantiveram-se durante todo o período do atendimento psicológico, porém, o primeiro foi contabilizado com nota 2, ou seja, este sentimento apareceu em nível moderado ao longo do atendimento, já o segundo, manteve-se com nota 1, dando a ideia de que apareceu com pouca intensidade. O único sentimento que aumentou ao longo do atendimento no quesito distância foi a “desesperança”, que de nota 2 foi para nota 3, mostrando que esse sentimento se tornou muito presente ao longo do atendimento psicológico. Já com relação ao domínio da distância, verificou-se que a terapeuta apresentou pouco distanciamento da paciente.

Foi também contabilizado o domínio da indiferença, fazendo parte desse quesito os sentimentos de “desinteresse”; “distância” e “imobilidade”, porém, não houve pontuação em nenhum momento do atendimento com relação a esses sentimentos, podendo ser observado que a terapeuta não demonstrou indiferença à paciente nem ao início, durante e final do atendimento psicológico.

Tabela 3 Resultados obtidos na EACT em porcentagem. 

Resultado (%) da EACT Início Durante Final Total
Domínio Proximidade 8% 8% 8% 24%
Domínio Distância 2% 3% 3% 8%
Domínio Indiferença 0% 0% 0% 0%
Resultado Final 10% 11% 11% 32%

Nesta última tabela, totalizaram-se os resultados obtidos em porcentagem de cada domínio referente a EACT, ao longo do atendimento psicológico. O maior resultado foi contabilizado no domínio de proximidade equivalente a 24% de um valor total de 100%. Logo em seguida aparece o domínio de distância contabilizando 8%, e nada foi contabilizado no domínio da indiferença. A partir desses dados, contabilizou-se 32% de sentimentos contratransferenciais em um único atendimento.

Ao longo do processo de compreensão dos sentimentos da terapeuta e utilização destes para compreensão do que estava acontecendo no campo analítico, foi possível observar que a psicóloga passou a ter uma conduta mais ativa, conseguindo implicar Laura de forma mais efetiva em seu tratamento. Dessa forma, a paciente passou a respeitar as suas próprias limitações, começando a desenvolver um senso crítico com relação ao que era solicitado pela sua rede de apoio, evitando tomar atitudes que eram feitas meramente para agradar o outro e que muitas vezes a prejudicavam no início do tratamento. Estes eram pontos em que a paciente se dizia incomodada no início dos atendimentos psicológicos, e que puderam ser trabalhados a partir da análise da contratransferência da terapeuta em relação à paciente.

5. DISCUSSÃO

No início dos atendimentos psicológicos, a paciente mostrou-se muito incomodada com toda a equipe médica, pois, eles haviam dito que nada poderia ser feito por ela, neste momento, a terapeuta se viu assumindo este papel de que também nada poderia ser feito, dificultando o processo terapêutico.

Ao analisar os dados obtidos na avaliação da escala de contratransferência, o domínio de proximidade apresentou como resultado final uma porcentagem de 24% de um valor de 100%, que seria o resultado referente a nota “3” em todos os sentimentos e em todos os períodos do atendimento; o domínio distância, quantificou-se o percentual de 8%; e por fim, o valor percentual do domínio da indiferença foi 0%. Com estes resultados, observou-se prevalência do domínio de proximidade na entrevista analisada, seguido do domínio da distância e indiferença.

Analisando apenas os resultados obtidos no domínio de proximidade, aponta-se que eles eram significativamente maiores do que todos os outros domínios, tendo os sentimentos de pena, solidariedade e interesse aumentados ao longo do atendimento e o sentimento de desejo de ajudar manteve-se no topo da lista durante todos os momentos do atendimento.

Com esses resultados, constatou-se que a partir da fragilidade do quadro clínico da paciente, as fragilidades da terapeuta também vieram à tona durante os atendimentos psicológicos. Na tentativa de ajudar Laura, a angústia da possibilidade de que a psicoterapia também não pudesse auxiliá-la, a terapeuta pode reconhecer a sua impotência diante de um quadro grave como de Laura. Refletindo sobre tal situação, há possibilidade de ocorrer aumento dos sentimentos do domínio de distância como aconteceu no sentimento de “desesperança”, dessa forma, a psicóloga adotou um movimento de negar os sentimentos ali depositados, fazendo com que, inicialmente o trabalho com a paciente ocorresse de forma superficial.

Para Heimann (1950/1995), os analistas que apresentam o movimento de ignorar os sentimentos contratransferenciais por medo, tendem a interpretar o paciente de forma superficial, tornando o tratamento não efetivo, porém, o autor afirma que para que isso não ocorra, se faz necessário que o terapeuta aceite esses sentimentos e os trabalhe em análise pessoal, para que o processo terapêutico não sofra influências externas.

Ao refletir sobre a contratransferência e as pesquisas realizadas para compreensão da mesma, percebe-se a evolução do conceito dentro da própria psicanálise. Para Urtubey (1994) apud Duparc (2001), a contratransferência pode ser dividida em quatro grandes grupos.

No grupo um, a contratransferência é vista como algo ruim, inimaginável, sendo este, algo do analista que não foi analisado e que, principalmente, deve ser controlado e escondido pela neutralidade e pelo silêncio (Urtubey, 1994, apud Duparc, 2001). Refletindo sobre o processo de contratransferência entre a psicóloga e a paciente no caso exposto acima, identificou-se que inicialmente, a psicóloga acreditava que, os sentimentos que apareceram durante os atendimentos, a impossibilitaram de intervir e implicar a paciente em seu tratamento. Os sentimentos encontrados na EACT no domínio de “proximidade” como o sentimento de “desejo de ajudar”, e do domínio da “distância”, como o sentimento de “desesperança”, eram escondidos e considerados ruins para o processo terapêutico, dessa forma, a terapeuta adotou uma postura de negar e afastar esses sentimentos.

Já no grupo dois, a contratransferência começa a ser vista como uma quantidade de emoções e sentimentos que o paciente desperta no analista, porém, neste grupo, esses sentimentos podem ajudar no processo terapêutico para compreensão do próprio paciente (Urtubey, 1994, apud Duparc, 2001). Em um segundo momento, a psicóloga pode falar em supervisão e autoanálise sobre os sentimentos relacionados principalmente ao domínio de proximidade, com foco naqueles que aumentaram de intensidade como “interesse”, “solidariedade” e “pena”, exposto na avaliação da escala de contratransferência, compreendendo que, muitas vezes, esses sentimentos que foram despertados nela poderiam ser usados para compreender como o paciente se comporta na vida e possíveis sentimentos que ele gera nas pessoas ao seu redor, podendo começar a usar esses sentimentos como ferramenta para o processo terapêutico.

No grupo três, a contratransferência passa a ser olhada como essencial para o processo terapêutico, porém, é necessário que seja tratada na autoanálise (Urtubey, 1994, apud Duparc, 2001). A partir do momento que a psicóloga começou a olhar e compreender que os sentimentos gerados por Laura não eram obstáculos para o processo terapêutico e que poderiam ajudar nos atendimentos com a paciente, as sessões começaram a sofrer menos interferências externas, dessa forma, a psicóloga conseguiu escutar a paciente de forma mais clara e compreender de certa forma, como ela se comporta na vida, sendo possível realizar intervenções que ajudaram Laura a se implicar no tratamento, obtendo assim, um melhor aproveitamento de seu tratamento.

Por fim, no grupo quatro, a contratransferência é oficialmente considerada fundamental no campo analítico, e serve para compreender toda a situação ali colocada. Aqui, a transferência e contratransferência são consideradas uma unidade, que deve ser olhada e compreendida, para que não haja tanta interferência negativa no processo terapêutico (Urtubey, 1994, apud Duparc, 2001). A partir do olhar para a contratransferência ali estabelecida, as intervenções começaram a ser mais efetivas, ocorrendo melhor separação dos sentimentos da psicóloga e os sentimentos da paciente.

Durante os atendimentos psicológicos, a paciente relatou diversas vezes que quando está realizando atividades como trabalhar e sair com os amigos, a intensidade da coceira diminui consideravelmente. Este comportamento gera questionamentos referentes à possibilidade de que essa coceira possa ocorrer devido Laura já estar acostumada a coçar, e não saber viver no mundo de outra forma que não seja pela via da coceira. Constatou-se que quando Laura não consegue estar no controle de determinada situação, há também o agravamento do quadro clínico. Esta situação é ilustrada quando membros da família a privam de informações referentes a situações que ocorreram em suas vidas, com isso, a paciente pontuou ficar noites sem dormir, aumentando a intensidade da coceira seguida de machucados na pele. No entanto, ao longo dos atendimentos, a paciente pode elaborar essas situações de frustrações e buscar alternativas para que estas não sejam depositadas no corpo em forma de coceira e machucados.

Para Freud (1905/1972), o mecanismo de defesa da resistência é uma força que faz com que o paciente continue apegado ao sofrimento, dificultando a própria melhora clínica, a utilização desse mecanismo é fundamental para o trabalho realizado com o paciente e o manejo clínico. Durante os atendimentos psicológicos, a paciente apresenta dificuldades significativas em desvincular-se da doença, pontuando que “não tenho mais jeito” (sic), podendo ser percebido o mecanismo de defesa da resistência com muita clareza, este que foi trabalhado ao longo dos atendimentos psicológicos e a paciente pode perceber que é possível olhar para si enquanto sujeito, não apenas enquanto doença.

Notou-se importante mudança na terapeuta que refletiu diretamente no tratamento de Laura, após percepção da contratransferência estabelecida ao longo dos atendimentos, Laura pode elaborar questões referentes às suas frustrações relacionadas ao que era imaginado e ao que era real buscando alternativas para compreensão das situações vividas, iniciando o processo de se olhar como sujeito ativo de sua própria vida. Para Freud (1910/1996) é essencial que o analista entre em um processo de autoanálise e, principalmente, que esta seja realizada de modo contínuo e profundo, pois, segundo Freud, caso isso não aconteça, o analista não consegue avançar no tratamento analítico com o paciente, devido às suas próprias resistências que interferem e impedem o tratamento. Nesse sentido, constatou-se a importância das supervisões clínicas para compreensão do caso da paciente e principalmente da análise pessoal, para compreensão dos sentimentos gerados na psicóloga que interferiram significativamente no manejo clínico do caso.

6. CONCLUSÃO

Através dos resultados obtidos, compreende-se que, embora a contratransferência seja algo inevitável no processo de psicoterapia, faz-se necessária análise pessoal e supervisões constantes para entender o motivo pelo qual os sentimentos surgiram e o que é possível fazer com eles.

Verificou-se que o desencorajamento de uma possibilidade de tratamento de saúde fez com que a paciente assumisse um lugar de que não havia mais nada a ser feito, e essa posição influenciou no tanto que ela se engajou no processo terapêutico, esta postura, por sua vez, provocou empatia na terapeuta, que também assumiu uma postura de que nada poderia ser feito.

Quando há o reconhecimento e análise da EACT de que os sentimentos do domínio de proximidade e distanciamento foram mobilizados na terapeuta, somada ao processo de análise, isso fez com que do inconsciente da terapeuta à paciente, pudessem surgir possibilidades concretas de intervenções, mesmo diante do desamparo que surgia durante os atendimentos psicológicos.

No caso de Laura, foi essencial que a terapeuta pudesse compreender os sentimentos que surgiram durante os atendimentos psicológicos, para que assim, os atendimentos ocorressem de forma mais fluída e eficaz. Dessa forma, a terapeuta começa a sair da posição de que nada mais poderia ser feito pela paciente, iniciando um processo de reconstrução do seu papel dentro do setting terapêutico, surgindo maiores possibilidades de intervenções nos atendimentos psicológicos.

Após o trabalho realizado com a terapeuta, foi percebido que houve a possibilidade da paciente reconhecer-se em seu tratamento, saindo de uma posição apenas de um ser doente e passando para uma posição de sujeito ativo em seu tratamento, assim, Laura começou a se olhar como peça fundamental em seu tratamento clínico e psicológico, inicia um processo de estabelecimento de limites para sua vida, evitando a realização de atividades que prejudicavam sua saúde apenas para agradar o outro, queixa acentuada no início do tratamento.

Por fim, foi percebido que a partir do momento em que a terapeuta pode reconhecer as suas limitações, suas potencialidades e os sentimentos contratransferenciais envolvidos na relação terapêutica, houve a possibilidade de não focar apenas na doença de Laura, mas sim, considerá-la como sujeito ativo de seu próprio tratamento, havendo possibilidades de intervenções mais efetivas para uma melhora emocional da mesma.

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