INTRODUÇÃO
Disfunção sexual diz respeito a incapacidade de participar do ato sexual com satisfação. As disfunções sexuais masculinas são passíveis de ocorrerem em qualquer etapa do ciclo de resposta sexual, isto é: desejo e excitação, orgasmo e ejaculação, e por último, resolução. A disfunção mais frequente entre as disfunções masculinas é a disfunção erétil (DE), uma dificuldade na primeira fase do ciclo de resposta sexual (Afif-Abdo, 2007).
De acordo com a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), a disfunção erétil é classificada como uma “incapacidade do homem de alcançar ou manter uma ereção adequada para uma relação sexual satisfatória. ” (Departamento de Medicina Sexual SBU-SP, 2020/2021, n.p.). O tratamento e proposta de cuidado da disfunção erétil é estabelecido a partir do reconhecimento da causa da disfunção. Os fatores que podem culminar em DE são: 1. hábitos e estilo de vida como sedentarismo, obesidade, tabagismo, alcoolismo e drogadição, estresse; 2. fatores sociopsicológicos e de personalidade, conflitos de relacionamento, dificuldades econômicas ou questões culturais; 3. doenças físicas de diversas ordens (neurológicas, vasculares, hormonais, urológicas etc.). As possibilidades de tratamento variam de psicoterapia a medicações ou procedimentos cirúrgicos, e muitas vezes esses recursos associados entre si. É recomendável que os profissionais de saúde, além de tratarem ou minimizarem a doença física, orientem o paciente sobre seu quadro e convidem a(o) parceira(o) para o processo terapêutico (Afif-Abdo, 2007).
No Estudo sobre o Comportamento Sexual (ECOS) do brasileiro (Abdo, Oliveira Jr, Moreira & Fittipaldi, 2002) realizado com 2.835 indivíduos, dos quais 47% eram homens e 53% mulheres, foi constatado que 46,2% dos homens possuem alguma dificuldade quanto a ereção. Além disso, encontraram que os três maiores medos para homens envolvendo a relação sexual foram: não satisfazer a(o) parceira(o) (62,6%), contaminar-se com ISTs (58,3%) e perder a ereção (53,4%). Em contraposição, o maior medo para as mulheres foi de contaminar-se com ISTs (54,1%), seguido do receio em não satisfazer o(a) parceiro(a) (45%) e engravidar (40,1%). Tais dados apontam para uma dificuldade de ereção considerável entre muitos homens, assim como para a preocupação de muitos deles com seu desempenho durante o ato sexual, mais do que com a integridade de sua saúde. Deste modo, desempenho e capacidade de ereção parecem estar atrelados, sendo inclusive a dificuldade de ereção um motivo de constrangimento em buscar serviços de saúde para muitos homens (Afif-Abdo, 2007).
A dificuldade em falar sobre sexo, para homens e mulheres do Brasil, é um dado significativo da cultura brasileira que pode implicar na subnotificação das disfunções sexuais aos médicos, e, por consequência, na dificuldade em legitimar a sexualidade como questão de saúde pública (Abdo, Oliveira Jr, Moreira & Fittipaldi, 2002). No que tange à disfunção erétil, dados estimados de 2018 apontaram que a DE afeta cerca de 100 milhões de homens no mundo, o que a torna a disfunção sexual mais comum encontrada em homens acima dos 40 anos. No Brasil, há o indicativo de que ao menos 16 milhões de homens apresentem o diagnóstico (Meyer, 2018). É válido pontuar que no Brasil, assim como em outros países, a DE é uma condição comum cuja principal correlação é que sua prevalência e gravidade aumentam com a idade (Moreira Jr, Abdo, Torres, Lobo & Fittipaldi, 2001). Nesta direção, o envelhecimento populacional está fortemente relacionado ao provável aumento na prevalência de DE nos próximos anos, sendo as projeções para 2025 de 322 milhões de homens com DE no mundo (Aytaç, McKinlay & Krane, 1999).
As tendências projetadas sinalizam um sério desafio social e de saúde, e apontam para a necessidade de políticas públicas que abarquem o aumento da prevalência de disfunção erétil: visando tratar, aliviar ou prevenir (Aytaç, McKinlay & Krane, 1999). Para tal, é fundamental a reflexão sobre sexualidade como fenômeno complexo e amplo, bem como uma questão de saúde dentro da sociedade.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2006), a sexualidade integra uma perspectiva central na vida do ser humano, uma vez que compreende não apenas sexo, mas identidades e papéis de gênero, orientação sexual, prazer, intimidade e reprodução. A sexualidade pode ser vivenciada ou expressa por meio de fantasias, valores, crenças, desejos, atitudes, comportamentos e relacionamentos, sendo influenciada pela interação de fatores biológicos, sociais, políticos, culturais, econômicos, entre outros. Sendo assim, é um fenômeno em nível social em constante transformação; e apreendido e experienciado individualmente, por cada sujeito, à sua maneira.
A hipótese, portanto, é a de que homens com disfunção erétil continuam a vivenciar e lidar com sua sexualidade, uma vez que essa não está restrita ao sexo. Para aprofundar essa questão, no entanto, é válido explorar também as representações em torno da sexualidade masculina no geral, uma vez que homens com disfunção erétil são e se construíram, antes do diagnóstico, como homens. Sendo representação um conjunto de pensamentos e discursos sobre um objeto, ela carrega igualmente a marca do sujeito e de sua atividade, isto é, de quem a pensou (Jodelet, 1993). Este estudo se propôs, portanto, a compreender como se configura a sexualidade para homens com disfunção erétil, bem como as representações circulantes dentro do arcabouço e conhecimento científico sobre sexualidade masculina. Para tal, foi realizada uma revisão integrativa dos últimos 50 anos da literatura brasileira sobre disfunção erétil e sexualidade. Até o presente trabalho, essa questão correspondia a uma lacuna nessa literatura.
Além disso, o estudo legitima a necessidade de mais produções científicas em torno de uma disfunção que, embora comum e compartilhada por uma grande parte da população masculina, ainda carrega um estigma cultural de impotência e sofrimento na vida destes homens. A disfunção erétil os coloca na qualidade de um lugar frágil e vulnerável diante de outras pessoas, especialmente outros pares (Grassi & Pereira, 2001). Neste sentido, compreender a percepção de homens brasileiros diagnosticados com disfunção erétil sobre a sua sexualidade é fundamental para que se busque outras formas de dialogar sobre a disfunção e a vida sexual masculina dentro da cultura e sociedade brasileira. Assim, objetiva-se não apenas superar os estigmas postos atualmente, mas também ampliar o olhar da sociedade para algo que impacta a vida de homens e suas/seus parceiras(os) ainda de uma maneira velada.
OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
Compreender, na literatura técnica brasileira, a sexualidade de homens com disfunção erétil, assim como as representações associadas à sexualidade masculina, tomando como base o conceito de sexualidade segundo a Organização Mundial da Saúde.
2.2 Objetivos Específicos
a. Compreender os temas correlatos que nos aproximam da pergunta “o que é sexualidade para homens com disfunção erétil? ”, apresentados na literatura científica.
b. Compreender como se apresentam os discursos sociais que analisam a sexualidade em homens com disfunção erétil, bem como a relação que fazem do tema masculinidade e sexualidade, a partir da literatura técnico-científica.
MÉTODO
Este artigo se configura como uma revisão integrativa de literatura, cuja questão norteadora foi estruturada por meio da estratégia PICo, que consiste em uma metodologia voltada para pesquisa não-clínica (Takahashi, Saheki & Gardim, 2014). (P) Paciente: homens adultos, com vida sexual iniciada; (I) Interesse: percepção da sexualidade; (Co) Contexto: diagnóstico de disfunção erétil.
Neste processo, foram definidos objetivos gerais e específicos que subsidiaram a revisão. Os termos de busca foram definidos a partir da questão norteadora de pesquisa, sendo estabelecido como critérios de inclusão: (a) Artigos publicados e disponíveis integralmente em bases de dados científicas; (b) Artigos publicados a partir de 1972; (c) Artigos que abordam a discussão do campo da psicologia e da saúde; e (d) Artigos em português, produzidos no Brasil. Com relação ao recorte de artigos publicados a partir de 1972 (critério de inclusão B), justificou-se pela possibilidade de considerar estudos científicos de distintas gerações e, assim, fomentar os resultados, no sentido de contradições ou semelhanças nas concepções de sexualidade ao longo do tempo. Quanto à especificidade de pesquisar e revisar unicamente produções brasileiras (critério de inclusão D), fundamentou-se pelo interesse em investigar a fundo a sexualidade para homens desta cultura. Como critérios de exclusão, foram estabelecidos: (a) Artigos que não condizem com o tema pesquisado; (b) Artigos que, após a leitura de seus resumos, ainda que tratem sobre os temas buscados, não estejam tratando do escopo de interesse para a pesquisa; e (c) Artigos repetidos que já tenham sido contemplados em outros strings de busca.
As bases de dados selecionadas foram BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), Portal Periódicos da CAPES e Scielo (Scientific Electronic Library Online). As buscas pelos artigos foram realizadas nos meses de maio e junho de 2022. No processo de seleção das publicações, foi realizado o cruzamento entre palavras-chave e descritores controlados, buscando potencializar as estratégias de busca. Como palavras-chave, foram definidas: (1) Sexualidade; (2) Disfunção Erétil; (3) Disfunção Sexual; (4) Impotência Sexual. As strings de busca foram definidas a partir destas palavras, utilizando o operador booleano AND. Portanto, as buscas nas três bases de dados foram realizadas de modo sistemático, com os seguintes descritores: (1) Disfunção Erétil; (2) Impotência Sexual; (3) Sexualidade AND Disfunção Erétil; (4) Sexualidade AND Disfunção Sexual; e (5) Sexualidade AND Impotência Sexual. Considerando o volume dos artigos encontrados, foi utilizado o gerenciador online de referências Mendeley para armazenamento dos dados encontrados.
Os dados encontrados foram sistematicamente analisados, a partir de metodologia de apoio (Whittemore & Knafl, 2005; Souza, Silva & Carvalho, 2010) que instrumentaliza o processo de análise da variedade de informações levantadas em revisões integrativas. A análise consiste na redução, exposição e comparação, e por fim conclusão dos dados achados. Redução envolve a divisão em subgrupos, a partir de uma classificação estabelecida previamente para facilitar a análise, como por exemplo: cronologia dos trabalhos; tipo de estudo (experimental, qualitativo etc.). No entanto, o fundamental desta etapa consiste na extração dos dados das fontes primárias: os principais dados são extraídos e agrupados entre si, na intenção de simplificar e organizar de modo sucinto o que está disposto na literatura. Como consequência dessa redução e extração, decorre a exposição dos dados, em tabelas, figuras, categorias temáticas ou outra proposta de sistematização. A exposição facilita a visualização de padrões e relações entre os dados, além de facilitar as interpretações que emergem na etapa seguinte, que é a comparação. Por fim, a exposição e comparação sustentam a conclusão: momento dos autores da revisão de expandirem os esforços de organização e descrição dos achados, para pensá-los e interpretá-los, com maior abstração e generalidade (Whittemore & Knafl, 2005; Souza, Silva & Carvalho, 2010). Neste estudo, portanto, os dados foram analisados de tal modo, sendo dispostos em cinco categorias temáticas.
RESULTADOS
A busca nas bases de dados, após aplicados critérios de inclusão e exclusão, resultou em 13 artigos na BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), 5 artigos na Periódicos CAPES e 0 artigos no Scielo. Estes números correspondem à etapa final de elegibilidade, uma vez que, na triagem dos critérios de exclusão, foi definida a remoção de artigos duplicados nas bases de dados. Além disso, colocou-se o critério de eliminação dos artigos cuja temática, embora compartilhada, não tenha tangenciado o escopo de interesse da pesquisa (ex. protocolos médicos). Tais critérios foram determinantes para o resultado. Os artigos que integraram a amostra final da revisão integrativa da literatura expressaram um total de 18. As tabelas abaixo apresentam os números iniciais e finais do processo de seleção dos artigos:
Tabela 1 Resumo da pesquisa na BVS
| Palavra-chave | Total de artigos | Total após critérios inclusão | Total após critérios exclusão |
|---|---|---|---|
| Disfunção Erétil | 23.036 | 382 | 7 |
| Impotência Sexual | 20.701 | 321 | 3 |
| Sexualidade AND Disfunção Erétil | 641 | 75 | 1 |
| Sexualidade AND Disfunção Sexual | 1.596 | 183 | 2 |
| Sexualidade AND Impotência Sexual | 355 | 49 | 0 |
Fonte: Elaboração da dupla, São Paulo, 2022.
Tabela 2 Resumo da pesquisa na Periódicos Capes
| Palavra-chave | Total de artigos | Total após critérios inclusão | Total após critérios exclusão |
|---|---|---|---|
| Disfunção Erétil | 331 | 176 | 2 |
| Impotência Sexual | 2.634 | 861 | 1 |
| Sexualidade AND Disfunção Erétil | 120 | 65 | 1 |
| Sexualidade AND Disfunção Sexual | 428 | 28 | 1 |
| Sexualidade AND Impotência Sexual | 916 | 360 | 0 |
Fonte: Elaboração da dupla, São Paulo, 2022.
Tabela 3 Resumo da pesquisa no Scielo
| Palavra-chave | Total de artigos | Total após critérios inclusão | Total após critérios exclusão |
|---|---|---|---|
| Disfunção Erétil | 88 | 60 | 0 |
| Impotência Sexual | 50 | 24 | 0 |
| Sexualidade AND Disfunção Erétil | 19 | 15 | 0 |
| Sexualidade AND Disfunção Sexual | 92 | 61 | 0 |
| Sexualidade AND Impotência Sexual | 9 | 9 | 0 |
Fonte: Elaboração da dupla, São Paulo, 2022.
A maioria dos artigos, ou seja, 72% foram extraídos da base de dados BVS, sendo os outros 28% extraídos da base Periódicos CAPES. A pesquisa na base de dados Scielo não resultou em artigos válidos após a aplicação dos critérios de exclusão de artigos duplicados. Quanto às strings de busca, "Disfunção Erétil" foi a que mais resultou em artigos válidos, seguida de "Impotência Sexual", "Sexualidade AND Disfunção Erétil" e "Sexualidade AND Disfunção Sexual", respectivamente. A string "Sexualidade AND Impotência Sexual" não resultou em artigos válidos após aplicados os critérios de exclusão.
Nenhum artigo abordou especificamente a pergunta de pesquisa, porém, todos dizem respeito ao conceito de sexualidade do homem e/ou ao contexto da sexualidade diante do diagnóstico de disfunção erétil. A tabela abaixo apresenta os principais artigos, destacando as especificações concernentes aos autores, título, ano de publicação, periódico de publicação, string de busca e objetivo/metodologia.
Tabela 4 Descrição dos artigos segundo autores, título, ano, periódico de publicação, string de busca e objetivo/metodologia.
| Autores | Título | Ano | Periódico | String | Objetivo/Metodologia |
|---|---|---|---|---|---|
| Abdo, C. H. N. et al. | Disfunção erétil: resultados do estudo da vida sexual do brasileiro. | 2006 | BVS | Disfunção Erétil | O objetivo do artigo foi estimar a prevalência da disfunção erétil e fatores de risco associados em amostra da população brasileira. A metodologia envolveu Um estudo transversal com amostra de conveniência de 2.862 homens, maiores de 18 anos, por meio de questionário anônimo e auto responsivo. |
| Azevedo, C. et al. | A percepção de homens e companheiras acerca da disfunção erétil pós prostatectomia radical. | 2018 | BVS | Sexualidade AND Disfunção Erétil | O objetivo do artigo foi analisar a percepção de pacientes prostatectomizados e de suas companheiras acerca dos desafios vivenciados após a cirurgia, relacionados à sexualidade do casal e aos efeitos da disfunção erétil. Trata se de um estudo descritivo-exploratório, de abordagem qualitativa com coleta de dados a partir de um roteiro semiestruturado aplicado com nove casais. A análise dos dados ocorreu por meio do levantamento de unidades de sentidos e formação de categorias empíricas a partir do referencial da Teoria Social Cognitiva. |
| Carrara, S.; Russo, J. A. e Faro, L. | A política de atenção à saúde do homem no Brasil: os paradoxos da medicalização do corpo masculino. | 2009 | BVS | Disfunção Erétil | O artigo discorre sobre o lançamento da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem pelo governo brasileiro, em 2008, bem como a análise das ações da Sociedade Brasileira de Urologia nos anos seguintes ao lançamento da política, com relação à caracterização da disfunção erétil como problema de saúde pública. O objetivo foi discutir o modo como o discurso dos especialistas, neste caso, os médicos urologistas, se articula ao discurso dos movimentos sociais, tendo como foco central a medicalização do corpo masculino. |
| Cordeiro Parauta, T. et al. | Saúde Sexual de Homens de 25 a 59 anos na Atenção Primária à Saúde. | 2019 | BVS | Impotência Sexual | O objetivo do artigo foi conhecer as demandas do campo da saúde sexual de homens através do relato dos profissionais de saúde da Atenção Primária e identificar que ações são realizadas e direcionadas aos homens para atender suas demandas. Trata se de uma pesquisa descritiva com abordagem qualitativa cuja produção dos dados foi realizada com base em um roteiro semiestruturado aplicado a 17 profissionais referente à caracterização dos entrevistados, questões de conhecimentos gerais sobre saúde sexual e questões específicas sobre as demandas no campo da sexualidade dos homens dentro da faixa etária de 25 a 59 anos. |
| De Zorzi, F; Boris, G. D. J. B. | Disfunção erétil e fenomenologia: o corpo vivido em seus contornos diacríticos. | 2013 | BVS | Disfunção Erétil |
O objetivo do artigo foi discutir a experiência da disfunção erétil sob uma perspectiva fenomenológica e a linguagem estabelecida pelo corpo vivido nesta experiência. Realizaram entrevistas fenomenológicas com duas pessoas, analisadas pelo método fenomenológico de análise dos contornos diacríticos. |
| Faro, L. et al. | Homem com "H": ideais de Masculinidade (re)construídos no marketing farmacêutico. | 2013 | CAPES | Disfunção Erétil | O objetivo do artigo foi analisar os discursos do marketing farmacêutico, através de materiais publicitários de drogas para tratamento da “disfunção erétil”. O material foi coletado em etnografias realizadas em dois congressos, um de sexologia e outro de medicina sexual. |
| Galati, M. C. R. et al. | Sexualidade e qualidade de vida em homens com dificuldades sexuais. | 2014 | CAPES | Sexualidade AND Disfunção Sexual | O objetivo do artigo foi investigar a sexualidade e a qualidade de vida de homens com dificuldades sexuais. Foram selecionados dez homens que procuraram o serviço de sexualidade do CIESEX/UNIFESP. A triagem foi realizada através de uma entrevista estruturada contendo dados sociodemográficos e informações sobre as queixas apresentadas. Optou-se pela utilização dos questionários The Golombok-Rust Inventory of Sexual Satisfaction (GRISS) e Short Form Health Survey 36-item (SF-36), preenchidos pelos próprios entrevistados. |
| Giami, A. | Permanência das representações do gênero em sexologia: as inovações científicas e médicas comprometidos pelos estereótipos de gênero. | 2007 | BVS | Impotência Sexual | O objetivo do artigo foi analisar as novas concepções da função sexual masculina e feminina, bem como compreender como a permanência de estereótipos tradicionais da sexualidade masculina e feminina pode influenciar as pesquisas científicas mais avançadas nessa esfera. Este estudo surgiu a partir da análise de publicações científicas e documentos médicos (escalas de avaliação do funcionamento e das disfunções sexuais) e está inserido numa produção analítica sobre os discursos científicos e médicos acerca da sexualidade. |
| Grassi, M. V. F. C; Pereira, M. E. C. | O "sujeito sintoma" impotente na disfunção erétil. | 2001 | BVS | Disfunção Erétil | O artigo surgiu das reflexões suscitadas pela prática psicoterapêutica com pacientes com queixa de “impotência” e faz parte de uma pesquisa de doutorado em Saúde mental, financiada pela Fapesp cujo objetivo é o estudo da questão psicopatológica subjacente ao sintoma de disfunção erétil. |
| Marques, F. Z. C; Chedid, S.B; e Eizerik, G.C. | Resposta Sexual Humana. | 2008 | BVS | Sexualidade AND Disfunção Sexual | O objetivo do artigo foi trazer a conceituação de sexualidade dentro do tripé biopsicossocial, abordando a fisiologia da resposta sexual humana segundo os estudos de Masters e Johnson e Kaplan, e classificam as disfunções sexuais mais prevalentes entre homens e mulheres, citando suas causas multifatoriais, bem como as possíveis condutas terapêuticas. |
| Martins, P. C. R; Vaisberg, T.M. J. A. | Dificuldades Sexuais Masculinas e Imaginário Coletivo de Universitários: Um Estudo Psicanalítico. | 2010 | BVS | Disfunção Erétil | O artigo aborda a questão do imaginário coletivo de universitários sobre as dificuldades sexuais masculinas, para elucidar o campo psicológico não consciente subjacente. Para tanto, o método psicanalítico foi operado através da teoria dos campos, tendo como suporte a teorização psicanalítica de Bleger. O Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema foi utilizado em aplicação coletiva em uma classe de cinquenta e cinco estudantes de Direito, de ambos os sexos. |
| Rohden, F. e Russo, J. | Diferenças de gênero no campo da sexologia: novos contextos e velhas definições. | 2011 | BVS | Sexualidade AND Disfunção Sexual | O objetivo do artigo foi analisar concepções de gênero e sexualidade presentes no campo de intervenções terapêuticas em torno do sexo. Os procedimentos metodológicos foram observação etnográfica, complementada por análise documental de material impresso referente ao X Congresso Brasileiro de Sexualidade Humana e ao VIII Congresso Brasileiro sobre Inadequações Sexuais, realizados em 2005. A análise privilegiou a interação entre a Perspectiva quantitativa no processamento das variáveis profissão e gênero dos participantes e temas das palestras, bem como a perspectiva qualitativa na análise e interpretação do conjunto mais geral de dados. |
| Rohden, F. | "O homem é mesmo a sua testosterona": promoção da andropausa e representações sobre sexualidade e envelhecimento no cenário brasileiro. | 2011 | CAPES | Sexualidade AND Disfunção Erétil | O artigo trata da construção recente de novos diagnósticos médicos e de um correspondente mercado consumidor em potencial considerando o caso do distúrbio androgênico do envelhecimento masculino ou andropausa, “doença” que afetaria os homens a partir dos 35-40 anos de idade. A perspectiva utilizada centra-se nos estudos sociais da ciência e gênero e particularmente na necessidade de investigar as redes criadas no processo de construção dessa nova categoria. |
| Rohden, F. | Capturados pelo sexo: a medicalização da sexualidade masculina em dois momentos. | 2012 | BVS | Impotência Sexual | O artigo é resultado de um projeto de pesquisa e discorre sobre a medicalização da sexualidade masculina, através da leitura de dois processos históricos no Brasil, que ocorreram no início do século XX e na passagem para o século XXI. O método utilizado na pesquisa articulou técnicas de pesquisa qualitativa como entrevistas, pesquisa documental e observação participante. |
| Rohden, F. | A centralidade do sexo nas estratégias recentes de promoção da saúde do homem no Brasil. | 2014 | CAPES | Disfunção Erétil | O artigo aborda a trajetória do Movimento pela Saúde Masculina, campanha voltada para a orientação da população masculina realizada no ano de 2010. A análise privilegia os registros do site da campanha que contavam com depoimentos dos profissionais de saúde e dos participantes e seus familiares. Tem como ponto de partida o referencial teórico associado aos estudos sociais da ciência, em especial a noção de “rede” e as distinções relativas a gênero e sexualidade. |
| Russo, J. A. | A terceira onda sexológica: medicina sexual e farmacologização da sexualidade. | 2013 | BVS | Disfunção Erétil | O artigo discute a passagem da "segunda onda sexológica", que diz respeito a meados do século XX, para uma terceira fase, está representada pela Medicina Sexual, cujo surgimento se dá na última década do século. O objetivo mais amplo do artigo foi apresentar e discutir a medicalização da sexualidade masculina e seu significado no que diz respeito às relações de gênero. |
| Senem, C. J; Caramaschi , S. | Concepção de sexo e sexualidade no ocidente: origem, história e atualidade. | 2017 | CAPES | Impotência Sexual | O objetivo do artigo foi apresentar um estudo teórico das concepções de sexo e sexualidade na história ocidental. |
| Silva, F. R. C. S. | Considerações sobre a intimidade, a ansiedade e o medo do sucesso em terapia sexual. | 2015 | BVS | Disfunção Erétil | O objetivo do artigo foi apresentar possíveis relações entre a intimidade, a ansiedade e o receio do sucesso sexual em pacientes com diagnóstico de disfunção sexual. |
Fonte: Elaboração da dupla, São Paulo, 2022.
DISCUSSÃO
Diante dos achados levantados na revisão da literatura, a análise foi conduzida por metodologia específica (Whittemore & Knafl, 2005; Souza, Silva & Carvalho, 2010) que resultou em cinco categorias temáticas, agrupadas por aproximações entre as contribuições dos estudos. Cada categoria abaixo, portanto, discutiu os principais achados na revisão de literatura sobre a relação entre sexualidade, em suas plurais facetas, e homens com disfunção erétil.
Sexualidade Biomédica
Segundo Rohden (2012), a discussão da sexualidade masculina vista sob uma ótica medicalizante perpassa dois processos históricos no Brasil, que ocorreram no início do Século XX e na passagem para o século XXI. A andrologia, ciência que cuida da saúde sexual e reprodutiva do homem, foi criada a partir de um fenômeno que ocorreu no início do Século XX, diante da narrativa de combate a doenças venéreas, em especial, a sífilis. Naquele momento, porém, não houve uma formulação significativa de Políticas Públicas voltadas para a temática da sexualidade masculina e foi, portanto, com a criação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), em 2009, que se passou a fomentar a discussão em torno da sexualidade masculina associada ao conceito de saúde. Os discursos em torno de uma vida sexual ativa, a partir deste segundo momento, tiveram impacto sobre a manutenção da qualidade de vida do homem, bem como sobre a prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças diversas, a partir do olhar para as disfunções sexuais. Neste sentido, a disfunção erétil passou a ser o foco de entrada do homem no Sistema de Saúde, bem como o foco da discussão em torno da saúde masculina. Ainda neste ínterim, a autora ressalta o argumento utilizado de forma constante, em torno da disfunção erétil, como sendo o foco principal de preocupação do homem com sua saúde, promovendo um esvaziamento do que poderia ser entendido por saúde sexual, o que acaba por validar a ideia de que a sexualidade masculina está atrelada apenas à ereção. Portanto, a atividade sexual é colocada como condição para que haja não só saúde, mas também virilidade no curso de vida dos homens.
Em consonância, Faro e colaboradores (2013) pontuam que, na década de 80, houve um aumento dos estudos sobre sexualidade masculina em uma perspectiva medicalizada, o que fez com que se criasse uma definição estritamente orgânica da potência sexual do homem, deixando de considerar fatores sociais, afetivos e morais que atravessam o conceito de sexualidade. A potência masculina passou a ser definida pelo campo físico e sexual, fomentada, neste sentido, por um discurso médico e farmacêutico que ganhou cada vez mais destaque no cenário brasileiro. Para Rohden (2012), fica evidente o fato de que o ingresso dos homens aos serviços de saúde está conectado a estratégia de não focar em doenças, e sim, levantar promessas a respeito da melhoria e manutenção da função erétil, o que significa, nas palavras da autora, uma captura desse público pelo sexo.
Russo (2013) complementa que a definição e percepção dos homens com relação às suas sexualidades faz com que haja a busca de uma performance erétil ideal, o que, por sua vez, é uma dimensão capturada pela medicina sexual que busca, através da medicalização, mensurar e tratar essa sexualidade como algo objetivo e concreto, capaz de ser modificado e/ou melhorado através dos medicamentos e estratégias que olham apenas a questão biológica do indivíduo. A autora discorre que foi com a criação da chamada Medicina Sexual nos anos 90 que a sexualidade passou a ser pautada inteiramente no sexo e em sua função ou disfunção orgânica. Para Cordeiro et al. (2019), as principais demandas dos homens no contexto da saúde dizem respeito ao tratamento de infecções sexualmente transmissíveis (IST), à impotência e a exames ou procedimentos. Neste sentido, a abordagem à sexualidade masculina fica pautada apenas nos termos das ISTs, da medicalização e da ereção: colocando o homem e a complexidade da sexualidade dentro de um padrão exclusivamente biomédico.
Comprometimentos da Sexualidade a partir da Disfunção Erétil
A partir da revisão de literatura, a disfunção erétil se revelou um diagnóstico que traz comprometimentos para a forma que o sujeito experiencia sua sexualidade. Em um estudo sobre disfunção erétil e a vida sexual do brasileiro (Abdo et al., 2006), autores apontaram que homens com disfunção erétil apresentam menos atividade sexual e prejuízo na qualidade de vida. Concluíram que há implicações da disfunção erétil na autopercepção, comprometendo a autoestima, e nos relacionamentos interpessoais que esses homens travam, especialmente no domínio afetivo-sexual: como menos relações sexuais por semana, mais relações extraconjugais, falta de libido e ejaculação rápida (Abdo et al., 2006).
Na mesma direção, Galati e colaboradores (2014) desenvolveram uma pesquisa com dez homens com dificuldade sexuais que procuraram um serviço de apoio da Universidade Federal de São Paulo (CIESEX/UNIFESP). Os autores reuniram dados sobre as queixas apresentadas, através de entrevista estruturada, e avaliaram, por meio de questionários traduzidos e validados nacionalmente, o funcionamento sexual (The Golombok-Rust Inventory of Sexual Satisfaction; GRISS) e a qualidade de vida (Short Form Health Survey 36-item; SF 36). Concluíram que há uma baixa qualidade do funcionamento sexual: em termos de baixa expressão da sensualidade masculina (afeto em forma de toque e carícias com a/o parceira/o); evitação de atividade sexual devido a tensão, ansiedade e desconforto presenciados no sexo; dificuldade em estabelecer uma comunicação com a(o) companheira(o) sobre o funcionamento sexual. No campo da qualidade de vida, constataram dificuldades emocionais e de saúde mental atreladas à disfunção sexual, que reverberam diretamente no cotidiano e atividades empreendidas por esses homens (Galati et al., 2014).
Trabalhos teóricos na linha da psicanálise e da fenomenologia apontaram igualmente para as implicações da disfunção erétil na subjetividade. Na linha psicanalítica, Grassi e Pereira (2001) discutem a masculinidade como sintoma na contemporaneidade. A “evidência” dessa masculinidade se apoia no pênis ereto como símbolo de sustentação da potência fálica imaginária. Em outras palavras, a ereção está atrelada ao poder e ao ser homem em sua grandeza e completude. A disfunção erétil, portanto, de uma questão que concretamente afeta o órgão genital masculino, simbolicamente afeta o ser homem: confirma a sensação de “impotência” sexual e libidinal (Grassi & Pereira, 2001).
Por fim, no entendimento fenomenológico, o homem com disfunção erétil só é entendido por meio do seu campo relacional, sendo a coexistência da(o) parceira(o) um fator fundamental para pensar e compreender este corpo que está no mundo, junto de um outro. Assim, a dificuldade ou ausência de ereção faz parte do campo relacional do sujeito. É dentro desta perspectiva que há possibilidades de entendimento e novas condições para esse homem e sua relação (Zorzi & Boris, 2013).
Adaptação e Ampliação da Sexualidade
Aprofundando a noção de sexualidade, Senem e Caramaschi (2017) desenvolveram um estudo teórico acerca das concepções de sexo e sexualidade na história ocidental. Primeiramente, os autores reforçam a importância de entender a sexualidade como um amarrado indissociável de dimensões biológicas, psíquicas e culturais. Sendo assim, um fenômeno vivo, a ser compreendido em uma perspectiva dialética, plural e em contínua transformação.
Sexo diz respeito a uma esfera física e biológica, atrelada aos órgãos sexuais e à genitalidade, bem como ao ato sexual. Sexualidade, por sua vez, se constrói nas dimensões históricas e culturais de uma sociedade, correspondendo à qualidade das vivências sexuais. Deste modo, são contribuições da humanidade que configuram culturalmente as noções de sexualidade, sendo estas passadas ou atualmente vigentes. Os autores apontam a história da sexualidade ocidental como marcada por modelos matriarcais, mas principalmente patriarcais, e por influências vindas da religião, filosofia e medicina (Senem & Caramaschi, 2017). Tais contribuições são coerentes com os trabalhos analisados nesta revisão de literatura, que apontam para uma concepção de sexualidade biomédica e estereotipada em termos de gênero.
Ainda sobre a relação de sexo e sexualidade, os autores destacam a contribuição revolucionária de Sigmund Freud no diferenciamento dos dois fenômenos já em 1905, nos Três Ensaios sobre Sexualidade (Freud, 1905 apud Senem e Caramaschi, 2017). Para Freud, sexualidade está para além do ato sexual e da reprodução como a finalidade deste sexo. A finalidade da sexualidade é a busca pelo prazer e a descarga de pulsão. A satisfação da pulsão deriva do investimento libidinal do sujeito no objeto sexual, isto é, no investimento e descarga de energia psíquica em algo que é desejado. A escolha deste objeto é o resultado de experiências da sexualidade registradas no inconsciente desde o nascimento do sujeito; são experiências vindas da relação com o meio e a cultura que se fazem presentes, ao longo da vida, nas fantasias e práticas sexuais empreendidas por esse sujeito (Freud, 1905).
Neste sentido, Santos Silva (2015) debate sobre as nuances do prazer para homens com disfunções sexuais e as potencialidades da terapia sexual no processo de reconquista deste prazer. A autora coloca a importância de investigar, primeiramente, o medo ou “bloqueio” do prazer e os possíveis aspectos predisponentes, desencadeantes e mantenedores da disfunção. Afirma que a ansiedade de desempenho desses homens – materializada na preocupação da firmeza erétil, do orgasmo e do controle ejaculatório – ofusca a possibilidade da satisfação vivenciada no sexo, e a capacidade individual de dar e receber prazer. Pontua, nesta dinâmica, a resistência de muitos pacientes durante a terapia sexual, por se adaptarem à zona de conforto erótica presente na disfunção; e neste sentido, cabe ao paciente se responsabilizar por seu próprio prazer, e aos profissionais de saúde, o trabalho e suporte para que ele escolha a vivência sexual que melhor funcione para si.
Sabe-se que a terapia sexual beneficia a autoestima sexual e favorece a mudança de foco do paciente para a qualidade do sexo praticado, em relação à frequência das atividades sexuais. Tal estratégia contribui principalmente para os casos de inibição do desejo sexual, ou de comprometimento das fases de excitação e orgasmo. Neste manejo, busca-se valorizar a vivência do prazer em detrimento à preocupação com o desempenho, abrindo o paciente a novas possibilidades de descobertas íntimas e eróticas. Para tal, a autora sustenta a importância da psicoterapia somada à medicação, no intuito de facilitar o desenvolvimento do erotismo do homem em níveis fisiológicos e, principalmente, psicológicos. Nas palavras de Santos Silva: "O sucesso do tratamento depende da qualidade de vida, espontaneidade no ato sexual, autoconfiança sexual e superação de emoções negativas (vergonha, culpa, constrangimento)" (Santos Silva, 2015, p.159).
Relação de Gênero e Sexualidade
A discussão biomédica da sexualidade fomenta a reflexão sobre os efeitos das relações de gênero, presentes na sociedade contemporânea, no campo da saúde sexual. De acordo com Russo (2013), a masculinidade é assegurada pela resposta do pênis, bem como por sua capacidade de penetração, o que se difere do comportamento da mulher, que é vista pela lógica da passividade e pelo desejo ou prontidão em ser penetrada. Para a autora, tais papéis desempenham uma hierarquia básica que estabelece os conceitos de sexo e gênero. Neste sentido, esta compreensão abarca especialmente o campo das profissões e a forma como estas operam diante das demandas que lhe são impostas. A ginecologia-obstetrícia e a psicologia em meados dos anos 60/70 integravam uma aliança em que o foco era a saúde da mulher em uma dimensão mais global e subjetiva, ou seja, mais moral do que física da sexualidade. Este modo de compreender a sexualidade da mulher correspondia a uma maior heterogeneidade no campo profissional, bem como no modo de olhar o comportamento sexual, incluindo discussões a respeito de aspectos sociais ou culturais para além do biológico. No campo masculino, caracterizado por uma maioria de urologistas homens pensando a medicina sexual do homem, a sexualidade se construiu focada nas funções claras do comportamento sexual do homem. A autora pontua que este movimento embasou a farmacologização do sexo que, no caso dos homens, passa a ser compreendido como algo concreto e objetivo, bem como algo mensurável, ou seja, pautado pela ciência e pesquisas.
Neste ínterim, o raciocínio promovido é o de que só é possível mensurar o que é objetivo e, portanto, a sexualidade do homem, uma vez que o comportamento sexual da mulher é considerado subjetivo e menos passível de objetificação científica. A Medicina Sexual, neste aspecto, reforça os estereótipos de gênero com relação ao modo de compreensão da sexualidade (Russo, 2013). Para Giami (2007), a disfunção sexual do homem é embasada em transtornos de comportamento e analisada na realização fisiológica das diferentes funções que integram o ciclo de resposta sexual, sendo excluída a compreensão de elementos psicológicos ou subjetivos. Já a sexualidade feminina é compreendida na dimensão psicológica, uma vez que analisar e tratar os transtornos sexuais de mulheres em uma visão apenas fisiológica é considerado inadequado por diferentes equipes médicas. Assim, a medicina sexual tende a corroborar a propagação de concepções estereotipadas e enrijecidas de gênero.
Sexualidade enquanto Saúde Pública
Abdo et al. (2006) pontuam que a Disfunção Erétil possui fatores socioeconômicos associados à sua etiologia, bem como uma alta prevalência associada a condições clínicas, o que indica um marcador de saúde. Como já mencionado, Cordeiro et al. (2019) discorrem a respeito das demandas dos homens no contexto da saúde sexual que, em maior parte, dizem respeito a um padrão biomédico voltado para o tratamento de ISTs, questões de impotência, bem como a exames e procedimentos. As ações individuais referem-se, neste sentido, à realização de consultas, orientações e solicitação de exames por parte dos médicos e equipe multiprofissional. Não sendo comum, portanto, ações coletivas voltadas para grupos ou demandas específicas desses homens.
Para Marques, Chedid & Eizerik (2008), sintomas sexuais podem estar relacionados a uma séria doença subclínica, por isto, é fundamental que a anamnese sexual seja parte da rotina de consultas médicas. Neste sentido, a educação médica tradicional não dispõe de uma preparação aos profissionais para discutirem sexualidade de um modo amplo. Isso se associa a um sentimento negativo destes profissionais ao lidarem com a temática, que alegam muitas vezes não deterem tempo ou capacidade para tratar desta demanda em consultas rotineiras. Na visão dos autores, os profissionais que estão envolvidos na promoção de saúde precisam compreender que não há necessidade de serem especialistas na área da sexualidade ou possuírem uma relação pessoal com seus pacientes, mediante valores e princípios consonantes aos deles, para que essa discussão ocorra. No entanto, precisam ser bons entrevistadores, capazes de deixarem seus julgamentos, junto de suas ansiedades e inseguranças, de lado.
Cordeiro et al. (2019) complementam sobre ser importante que os profissionais de saúde promovam um espaço com boa comunicação verbal, construindo um vínculo satisfatório de confiança para que o homem se sinta acolhido e seguro para expressar as demandas que não aparecem em um primeiro momento. Portanto, se faz necessária a capacitação dos profissionais de saúde com o objetivo de prestar uma assistência adequada aos homens, em uma abordagem que considere fatores do desenvolvimento do ciclo vital, de gênero, de raça e circunstâncias socioculturais, uma vez que estes são “determinantes do processo saúde e doença” (Cordeiro et al., 2019, p. 9).
CONCLUSÃO
É possível concluir, a partir desta revisão de literatura, a importância da discussão sobre sexualidade e o masculino na contemporaneidade brasileira. Homens com disfunção erétil vivenciam o sintoma físico da não ereção, ou ereção insuficiente para manter o curso de uma relação sexual, apresentando uma série de comprometimentos psicológicos e sociais devido à disfunção. O sofrimento desencadeado por uma função orgânica faltosa é tremendo. Tamanha é a sua dificuldade que os profissionais de saúde igualmente se deparam com seus obstáculos ao tratarem deste diagnóstico, o que, como apontado, também por uma formação que não parece oferecer o sustento adequado quando se trata do campo da sexualidade.
Deste modo, é pertinente inferir que a disfunção erétil se trata, em última instância, de uma causa que é social e que está posta na cultura brasileira para o homem brasileiro. O mal-estar, neste sentido, não é apenas físico, mas social e identitário ao ser homem. No campo da saúde, a possibilidade se coloca na ampliação da concepção de sexualidade masculina, tratada ainda de modo objetivo, biomédico e individual. A possibilidade também é expressa na qualidade da formação de profissionais e gestores de saúde para atender e pensar, como questão pública e psicossocial, a saúde sexual masculina.
É válido pontuar que este estudo é um recorte que compreendeu apenas produções acadêmicas brasileiras, dos últimos 50 anos, devido ao interesse em apreender e sistematizar os entendimentos sobre disfunção erétil e sexualidade para homens do Brasil. O estudo visou responder, de modo inaugural, a uma lacuna na literatura brasileira que não continha um artigo que reunisse as contribuições nacionais sobre disfunção erétil. No entanto, o recorte apenas brasileiro pode também ser considerado uma limitação do estudo, o que expressa, mais uma vez, a necessidade e importância de mais pesquisas na área.












