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Escritos sobre Educação

Print version ISSN 1677-9843

Escritos educ. vol.4 no.2 Ibirité Dec. 2005

 

COMUNICAÇÃO

 

De fontes de memória à proposta de pesquisa de formação de professores

 

 

Fabrine Leonard Silva1; Maria das Graças Silva Teixeira2; Maria Mello Garcia3; Maria Therezinha Nunes4

Instituto Superior de Educação Anísio Teixeira da Fundação Helena Antipoff - ISEAT/FHA

Endereço para correspondência

 

 

No início, o sentimento de urgência

No segundo semestre de 2001, com a instalação da primeira turma do Curso Normal Superior, concretizava-se o projeto de criação do Instituto Superior de Educação Anísio Teixeira - ISEAT na Fundação Helena Antipoff. No início do ano seguinte foram contratados, entre o corpo docente, professores para o cumprimento da relação ensino-pesquisa e extensão. Neste primeiro semestre pensou-se um primeiro projeto de pesquisa denominado “Depoimentos orais sobre o contexto cultural: a trajetória e o legado da educadora Helena Antipoff”.

O projeto nascia com o objetivo de constituir um arquivo de depoimentos em suportes orais e escritos, que permitisse a ampliação e a compreensão da trajetória da educadora Helena Antipoff na multiplicidade de aspectos de sua vida e obra. Pensou-se construir um arquivo de fontes orais para aumentar as possibilidades de pesquisa e difusão da obra de Helena Antipoff. E estas fontes ampliariam as já existentes no Centro de Documentação e Pesquisas Helena Antipoff - CDPHA que preserva parte do acervo de Helena Antipoff. Outra parte encontra-se em uma sala especial na Biblioteca Central da UFMG.

Além de constituir um acervo de fontes orais e escritas para uso de pesquisadores, planejava-se também a produção de vídeos para uso didático. No primeiro momento foi contratado um pequeno curso ministrado por pesquisadoras da UFMG, as professoras Lígia Leite e Inês Assunção Teixeira. A equipe continuou a estudar, frequentar grupos de estudo e seminários, tomando contato com os desafios, os problemas e as complexidades teóricas da História Oral, sendo as principais as que dizem respeito ao seu status, como disciplina, técnica ou método5.

Foi com a intenção de constituição de fontes e arquivo, e não como uma pesquisa, a qual suporia fontes constituídas com vistas a responder determinadas questões, que se pensou inicialmente o projeto. No primeiro semestre de 2002 foram feitas quatro entrevistas com as professoras: Alaíde Lisboa, Elza de Moura, Olga Ulman e o Professor Vicente Torres.

Estas primeiras entrevistas foram gravadas em fitas cassete e uma parte delas gravadas em vídeo. No segundo semestre do mesmo ano de 2002 foram feitas mais seis entrevistas, todas gravadas com tecnologia digital em vídeo e em fitas cassetes. Estas últimas foram feitas com o professor Daniel Antipoff e sua esposa, a psicóloga Otília Antipoff, D. Irene de Melo Pinheiro, Dra. Zenita Cunha Gunther, Prof. Miguel Pizziolo e Lenita de Araújo Chaves. No ano de 2003 e nos seguintes estas entrevistas foram transcritas.

No desenvolvimento do projeto de constituição de um arquivo de memória oral o grupo enfrentou desafios teóricos, metodológicos, técnicos e financeiros, o que o obrigou a avaliar, refletir e repensar. No início havia um sentimento de urgência em relação aos registros da memória das pessoas que conviveram com Helena Antipoff, e não se compreendeu a necessidade de um aprofundamento teórico e técnico para a realização do empreendimento. Este sentimento de urgência era principalmente devido à idade de algumas pessoas que conviveram com Helena Antipoff, algumas doentes, e assim, suas ausências significariam perdas de importantes arquivos. O grupo inicial não percebia a dimensão das implicações teóricas de uma pesquisa de história de vida ou história institucional. O objetivo inicial estava restrito à preservação da memória de algumas pessoas. A contratação de um curso de capacitação de três dias, com professores ligados ao Programa de História Oral da UFMG, não bastaria para resolver questões teóricas e metodológicas que a equipe encontraria na prática. Ao longo do tempo, e a partir de leituras e participações em encontros de História Oral, via-se que não dependia apenas de vontade ou desejo, mas era preciso formar grupo de estudos, captar recursos para dar prosseguimento ao projeto, tal como havia sido concebido6. Quanto ao grupo de estudo, este continuou no Instituto, embora com um número menor de participantes. Os atuais envolvidos têm tentado reservar espaço e tempo para o seu desenvolvimento, dado que um Instituto novo, com apenas cinco anos de criação, demanda da equipe um trabalho, às vezes prioritário, na operacionalização do projeto pedagógico com suas práticas formativas a exigirem estudos e criatividade para afinar concepções e práticas. Sabe-se, no entanto, da importância da pesquisa e extensão em um projeto de formação de professores que se quer de qualidade; então, a necessidade de dar prosseguimento ao trabalho de pesquisa e, até mesmo, ampliá-lo, na busca de compreender a formação de professores como missão institucional e histórica da obra de Helena Antipoff que vem se consolidando no Instituto.

Um balanço do que foi produzido até o momento pode parecer pouco, porém se levarmos em consideração a riqueza da memória registrada e que, das pessoas entrevistadas, duas faleceram e algumas outras estão doentes, pode-se dizer que ele cumpriu com o objetivo inicial para o qual foi criado.

 

Nas entrevistas, possibilidades de pesquisas

O projeto de depoimentos orais, tal como pensado, para constituir fontes, não tinha o objetivo de leitura e interpretação, porém, ao trabalhar com a edição das fitas a equipe verificou as possibilidades de pesquisa que as fontes oferecem, tanto para se compreender as práticas sociais e suas representações, como também para compreender a circulação e a apropriação de conceitos da época derivados das novas concepções da escola nova, tais como: o de escola sob medida, inteligência civilizada, método experimental natural, assim como as práticas de trabalho com alunos excepcionais e o quê, de forma particular, interessa ao Instituto, que é compreender a história das idéias e dos ideais de formação de professores. Na obra escrita de Helena Antipoff, em trabalhos acadêmicos recentes e nas entrevistas, pode-se compreender a riqueza do legado de Helena Antipoff e possivelmente relacionar algumas de suas práticas às modernas teorias acerca da formação de professores autonômos.

No momento, as entrevistas estão transcritas e três delas estão editadas e preparadas para publicação no site da Fundação. Também estarão disponíveis na Biblioteca do Instituto, a partir do início do próximo semestre, os vídeos editados para uso pedagógico. As demais estão sendo editadas e em breve comporão o acervo inicial da memória dos educadores que conviveram com Helena Antipoff. Da leitura das entrevistas pode-se perceber as possibilidades de captar idéias e representações, tanto da personagem como dos depoentes, entendidas como matrizes e efeitos de práticas sociais. O método utilizado é o da história oral, que permite captar a apropriação, circulação e inserção de idéias e práticas, por meio da recuperação da memória de pessoas, em espaço e tempo social7.

 

A continuidade do projeto, memória de professores e a formação de professores autônomos

No Instituto, um grupo de professores do Curso Normal Superior e de Educação Física vem estudando a literatura acerca da formação de professores com vistas à produção de uma pesquisa. O grupo parte de estudos que buscam explicar a formação de professores, considerando a leitura e articulação entre trajetórias de vida, memórias de professores em pesquisas com diferentes preocupações, históricas sociológicas e pedagógicas, mas que possuem em comum, a preocupação em relacionar: formação, construção da identidade profissional, pesquisa e construção de conhecimentos, experiências e saberes específicos - pesquisas diversas e das quais são significativos os livros organizados por Nóvoa (1995, 1995,1997).

No Curso Normal Superior, em dois períodos consecutivos, iniciou-se um trabalho com memorial de professores, que continua com alguns memoriais de formação, na modalidade de monografias de conclusão de cursos. Tem-se realizado um trabalho com a memória de professores, com o uso de relatos escritos e com possíveis relações teóricas e epistemológicas com a metodologia da história oral. Na interseção das áreas de história da educação, história e memória, sociologia, didática geral e específica, e no estabelecimento de relações entre formação profissional, produção e aquisição de conhecimento, busca-se parâmetros para tratar do ensinar a ensinar. Esta posição é assumida hoje por um grupo expressivo de pesquisadores com produção acadêmica de vasta circulação como os de Bueno, Catani e Souza (1998), Catani (2001), Freitas (2000). Dentre as obras referidas, "A vida e o ofício de professores" chama atenção para a possibilidade de trabalhar a teoria e a prática na formação dos professores, a partir do memorial concebido como uma primeira incursão reflexiva na vida escolar e na formação inicial e continuada.

As novas propostas de formação de professores pesquisadores e ou reflexivos enfatizam a memória, o registro e a reflexão da experiência no processo formativo. No entanto, sabe-se que o registro, e até mesmo o diálogo com os instrumentos de registro da memória, sem uma finalidade de pesquisa dos professores formadores, pode resultar em uma prática que tem finalidade em si mesma sem construir novos conhecimentos. Foi a partir dessa constatação e da preocupação com a pesquisa no Instituto, que foi pensada a articulação dos estudos de grupos isolados em uma pesquisa de formação de professores, dando-se continuidade ao projeto de depoimentos orais e para consolidar um projeto de pesquisa que estabeleça vínculos com as práticas formativas concebidas por Helena Antipoff.

A proposta de elaboração de um projeto foi se costurando de forma quase que natural. As ações isoladas foram adquirindo formatos que possibilitam, hoje, pensar a elaboração de um projeto e a consolidação de um grupo de pesquisa para compreender as mudanças e permanências na construção de uma identidade de professores do ISEAT desenvolvidas no diálogo com as experiências antipofianas. Esta pesquisa, que começa a se delinear, tem caráter institucional, justifica-se não apenas para recuperar a vocação histórica de formação de professores que vem da Escola Normal Rural, passando pelas experiências do ISER, transformado em Fundação Helena Antipoff e atualmente constituindo-se no Instituto Superior de Educação Anísio Teixeira, mas também é perceptível que, a cada reforma educacional do Estado ou nova política pública de formação de professores, a Fundação Helena Antipoff não apenas acompanhou como propôs mudanças, assim como acolheu em seu espaço vários cursos de formação em serviço em parceria com a Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais. Quando surgiu a demanda atual de formação de professores de nível superior para o Ensino Básico, ela soube aproveitar seu espaço e criar o Curso Normal Superior e as demais licenciaturas para a educação básica.

A proposta de um projeto de pesquisa da formação de professores na Instituição pode superar uma referência discursiva da tradição, buscando na atualidade, respostas singulares, que consolidem sua marca de formação de professores. Em outras palavras, a pesquisa deve responder para a comunidade acadêmica à questão da identidade dos professores formados no Instituto e isto torná-se fundamental para a projeção do seu futuro.

 

Referências

AMADO, Janaina e FERREIRA, Maria Julieta Morais (org) Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV 2000.         [ Links ]

BUENO, Belmira Oliveira, CATANI Denise Bárbara, SOUZA, Cynthia Pereira de. A vida, o ofício de professores: formação contínua, autobiografia e pesquisa em colaboração. São Paulo: Escritura, 2000.         [ Links ]

CATANI Denise Bárbara. A didática como iniciação: uma alternativa ao processo de formação de professores. In: CASTRO, Amélia Domingues de e CARVALHO, Anna Maria Pessoa de (orgs) Ensinar a ensinar: didática para a escola fundamental e média. São Paulo; Pioneira, 2001. p53-72.         [ Links ]

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1994.         [ Links ]

CHARTIER, Roger. História cultural, entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.         [ Links ]

FREITAS, Maria Tereza Assunção. Memórias de professoras: histórias e histórias. (org) Juiz de Fora: UFJF/Musa, 2000.         [ Links ]

NÓVOA, António. (Org). Vidas de professores. Portugal: Porto Editora, 1995.         [ Links ]

NÓVOA, António. (Org) Profissão Professor. Portugal: Porto Editora, 1995.         [ Links ]

NÓVOA, António. (Org) Os professores e sua formação. Portugal: Publicações Dom Quixote, 1997.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Fabrine Leonard Silva
E-mail: fabrine_silva@yahoo.com.br

Maria das Graças Silva Teixeira
E-mail: mariinhateixeira@globo.com

Maria Mello Garcia
E-mail: mariamellogarcia@hotmail.com

Maria Therezinha Nunes
E-mail: therezinhanunes@gmail.com

 

 

1 Mestre em Educação pela UFMG. Professor do Curso de Educação Física do ISEAT.
2 Mestre em Educação pela UFMG. Professora e coordenadora do Curso de Pedagogia do ISEAT.
3 Mestre em Educação pela UFMG. Professora do Curso de Pedagogia do ISEAT.
4 Mestre em Educação pela PUC/Minas. Professora no Curso de Pedagogia do ISEAT.
5 Ver a respeito. Amado, Janaina e Ferreira, Maria Julieta Morais (org) Usos e abusos da História Oral. RJ: FGV 2000.p. XXII.
6 Em dois períodos consecutivos, nos anos de 2003 e 2004, foram enviados projetos de elaboração de um vídeo com fragmentos da História de Helena Antipoff para a Lei de Incentivo a Cultura do Estado de Minas Gerais. No acompanhamento da tramitação do projeto verificou-se que os projetos sequer foram encaminhados para análise da Comissão da Secretaria que à época possuía entendimentos restritos de cultura, relativa apenas a produtos de caráter artístico-cultural.
7 Ver CHARTIER, Roger. História cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.

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