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Revista Brasileira de Orientação Profissional

On-line version ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.24 no.1 Campinas Jan./June 2023  Epub Oct 28, 2024

https://doi.org/10.26707/1984-7270/2023v24n0108 

Artigo

Construção e evidências iniciais de validade de conteúdo da Escala da Narrabilidade1

Construction and initial evidence of content validity of the Narratability Scale

Construcción y pruebas iniciales de la validez de la escala de narrabilidad

João Paulo Koltermann1 
http://orcid.org/0000-0003-1279-8147

Maiana Farias Oliveira Nunes1  2 
http://orcid.org/0000-0003-4891-5982

1Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/SC, Brasil


Resumo

O modelo Life Design propõe intervenções de carreira que incluem processos narrativos e identitários. Com destaque, o conceito da narrabilidade trata da capacidade de articular, identificar e comunicar eventos significativos da história pessoal com continuidade e coesão. O presente artigo apresenta o processo de desenvolvimento de um instrumento de medida para avaliação da narrabilidade. Para a construção e a busca de evidências de validade iniciais dos itens recorreu-se à literatura científica internacional, à percepção de profissionais da área, à análise de juízes e à análise semântica. Criou-se a Escala da Narrabilidade, com 36 itens que tratam da narrabilidade no contexto brasileiro, e são apresentadas evidências iniciais de validade de conteúdo. Os dados são discutidos quanto aos possíveis avanços e limites na definição e avaliação da narrabilidade de carreira.

Palavras-chave narrativas; orientação vocacional; avaliação psicológica; construção de carreira

Abstract

The Life Design model proposes career interventions that include narrative and identity processes. Importantly, the concept of narratability deals with the ability to articulate, identify, and communicate meaningful events from personal history with continuity and cohesion. The present article presents the development of a measurement instrument to evaluate this construct. The international scientific literature was used for the construction, a validation process occurred through a judges’ analysis and a semantic analysis. The Narratability Scale was created with 36 items to access narratability in the Brazilian context, and initial evidences of content validity are presented. The data are discussed as to the advances and limits in the definition and evaluation of career narratability.

Keywords narratives; vocational orientation; psychological assessment; career construction

Resumen

El modelo de diseño de vida propone intervenciones en la carrera que incluyen procesos de narración e identidad. Es importante destacar que el concepto de narratabilidad se refiere a la capacidad de articular, identificar y comunicar acontecimientos significativos de la historia personal con continuidad y cohesión. El presente artículo presenta el desarrollo de un instrumento de medición de la narratabilidad. Se utilizó la literatura científica internacional y se realizó un proceso de validación mediante un análisis de jueces y un análisis semántico. Se creó la Escala de Narrabilidad con 36 ítems que tratan de la narrabilidad en el contexto brasileño, y se presentan las primeras evidencias de validez de contenido. Se discuten los datos en cuanto a los avances y límites en la definición y evaluación de la narratabilidad de la carrera.

Palabras clave narrativas; orientación professional; evaluación psicológica; construcción de carrera

Introdução

A área de Orientação Profissional e de Carreira (OPC) conta com diferentes conceitos e teorias, dentre os quais, a Teoria da Construção da Carreira aparece em destaque para lidar com as demandas contemporâneas de carreira (Savickas, 2005). Nesta direção, Savickas et al. (2009) propuseram o Modelo do Life Design (MLD) que trouxe diretrizes para as intervenções orientadas por essa teoria. Os autores indicam que as intervenções de carreira devem desenvolver a adaptabilidade, a narrabilidade, a atividade e a intencionalidade dos clientes. Entende-se que: a adaptabilidade traz uma atenção sobre os processos de mudança; a narrabilidade lida com a continuidade das experiências; a atividade trata de ações de engajamento; e a intencionalidade refere-se a um comportamento com sentido voltado ao futuro. Em geral, os conceitos destacam a importância de a pessoa desenvolver a flexibilidade, a autenticidade e a capacidade de se engajar em atividades com sentido (Savickas et al., 2009). O presente estudo tem por objetivo apresentar o processo de construção da Escala da Narrabilidade (ENa), como também investigar suas evidências iniciais de validade de conteúdo.

Dentre os conceitos pontuados por Savickas et al. (2009) no modelo, somente a narrabilidade trata diretamente dos processos narrativos que estão evidenciados nos manuais de prática da área – como o Life Desining Counseling Manual (Savickas, 2015). O conceito de narrabilidade é vinculado ao diálogo entre o profissional e o cliente, em que há o desenvolvimento de uma macronarrativa da história do cliente com recortes que, ao serem conectados, desenvolvem um senso de coerência e de continuidade entre as experiências narradas (Savickas et al., 2009). Diante da literatura da área de OPC, que utiliza o conceito da narrabilidade, é possível defini-la como a capacidade de identificar, articular e comunicar eventos marcantes da história pessoal e de carreira com continuidade e coesão, de forma a ajudar a compor uma narrativa autobiográfica com sentido para o futuro (Di Fabio et al., 2019; Hartung & Santilli, 2018; Maree, 2019; Savickas et al., 2009). Portanto, o conceito trata do desenvolvimento da identidade através da exploração, mapeamento e conexão de experiências do cliente. Inclusive, para Hartung (2011), as narrativas são fundamentais para o processamento das emoções e são parte fundamental para o desenvolvimento da carreira e para a produção de sentido nas escolhas profissionais. Apesar de ser um fenômeno investigado em diversos países (Koltermann & Nunes, 2023), não foi encontrado instrumento nacional ou internacional que tenha por objetivo avaliar a narrabilidade.

Este processo de construção da identidade através das narrativas é um processo relacional, simbólico e linguístico (Gergen, 2009), o que evidencia a complexidade desta questão. Muitas intervenções que se focam no recurso da narrabilidade trazem em destaque a importância da escuta realizada pelo profissional, do envolvimento dos familiares nas últimas etapas da intervenção e que o projeto de vida seja um projeto que ocorre em meio às relações sociais (Maree, 2018; Maree & Symington, 2015; Marshall et al., 2011; Savickas, 2015; Savickas et al., 2009). Por consequência, é ressaltada uma questão dialógica (Savickas, 2016) e relacional – em que há a necessidade do outro para a construção narrativa (Gergen, 2009; White, 2007). Assim, os processos narrativos por trás da intervenção proposta no Life Desining Counseling Manual podem envolver tanto processos de reflexão, que se referem ao ato de se observar, como de reflexividade, sendo este um processo dialógico e de agência pessoal (Savickas, 2016).

De forma complementar ao MLD, o Modelo dos Momentos Inovadores (Innovative Moments Model; IMM) também propõe um foco sobre o fenômeno narrativo para entender as mudanças que ocorrem nos clientes por meio das intervenções (Gonçalves et al., 2018). O IMM é compreendido por vários autores como uma boa métrica para avaliar o sucesso de intervenções clínicas e de carreira (Cardoso et al., 2016; Fernández-Navarro et al., 2018; Gonçalves et al., 2016; Montesano et al., 2017; Nasim et al., 2021). O IMM, mesmo tendo por base as narrativas (que no geral são abordadas por meio de delineamentos de pesquisa qualitativos), propõe formas de diferenciar os processos narrativos e avaliá-los quantitativamente.

Na última atualização do IMM, Gonçalves et al. (2018) reconheceram três níveis distintos de complexidade no desenvolvimento narrativo dentro da intervenção. Para os autores: Nível 1) diz respeito às experiências de distanciamento da posição mal adaptada (maladaptive framework); Nível 2) diz respeito às narrativas centradas na elaboração e expansão dos comportamentos vinculados à mudança; Nível 3) abriga comportamentos de meta-posição e de reconceitualização (ou reconceptualização). Os achados clínicos reforçam os últimos níveis como os mais relacionados com a melhora clínica (Gonçalves et al., 2018). Assim, reconhece-se que, após o cliente elaborar melhor a problemática (Nível um), um sentido alternativo pode ser percebido (Nível dois) e consolidado (Nível três). É um raciocínio semelhante com a proposta da ‘reflexão’ e ‘reflexividade’ de Savickas (2016), sendo esses processos considerados importantes para a mudança ocorrer durante a intervenção de carreira.

De forma geral, reconhecer uma progressão nos processos narrativos significa uma compreensão mais apurada sobre o que ocorre no decorrer de uma intervenção psicológica para que ela seja considerada bem-sucedida. Batista et al. (2019) indicam que os processos narrativos mais complexos (de Nível três) ajudaram tanto para uma mudança mais adaptativa quanto para o desenvolvimento de um senso de continuidade e de agência da pessoa, o mesmo que Savickas (2016) atribui para a reflexividade, vinculando-a com a reconceitualização. Nos estudos de Batista et al., (2020) e de Gonçalves et al. (2021), os autores apontaram que comportamentos narrativos vinculados à reflexão (de Nível 1 e 2) apareceram em proporções maiores e estiveram presentes antes dos comportamentos de reconceitualização (de Nível 3), que são observados sobretudo no final das intervenções. Gonçalves et al. (2021) hipotetizaram que, para a mudança ocorrer, os comportamentos de reflexão precisariam ser expandidos para a ação e para a reconceitualização. Esses estudos indicam um possível padrão de evolução das narrativas, em que os níveis mais baixos (mais simples, como da reflexão) são necessários para o surgimento dos mais altos (mais complexos e significativos, como da reconceitualização).

Alguns estudos focaram especificamente na integração entre o IMM e o MLD. Por exemplo, no estudo de Cardoso et al. (2019) foi possível entender que na intervenção de carreira ocorreu uma progressão narrativa correspondente às etapas de intervenção do Life Desining Counseling Manual proposta por Savickas (2015). De forma semelhante, Batista et al., (2020) indicaram, através da observação das narrativas dos clientes que passaram pela intervenção proposta por Savickas (2015), que houve uma evolução dos processos narrativos mais básicos para os mais complexos até o fim da intervenção. A exemplo dos estudos de Cardoso et al. (2019), de Batista et al. (2020) e de Silva et al. (2020), é possível entender a proposta do IMM como uma referência importante para abordar os processos narrativos no contexto de carreira.

Argumenta-se, conforme Cardoso et al. (2019), que as articulações entre o IMM e o MLD vêm a ser benéficas para pensar com mais clareza os processos narrativos, sobretudo considerando que as elaborações conceituais sobre a narrabilidade de carreira, conforme a proposta do MLD, ainda são iniciais. Por enquanto, ainda não há um detalhamento sobre a definição da narrabilidade aplicada ao contexto de carreira com base no MLD, dificultando sua operacionalização em intervenções e em processos avaliativos. Diante da insuficiência da operacionalização do construto da narrabilidade e da complexidade dos processos narrativos, é compreensível o desafio que a área de OPC enfrenta para empregar este conceito. Contudo, os estudos sobre o IMM (Batista et al., 2020; Gonçalves et al., 2018; Montesano et al., 2017) demonstram a importância deste esforço de avançar diante dos elementos narrativos, pois estes parecem ser importantes para diferentes tipos de intervenção (Cardoso et al., 2019).

Apesar das possibilidades de articulação entre o IMM e a narrabilidade de carreira, há algumas limitações da aplicação direta deste modelo para a avaliação do progresso dos clientes em termos de narrabilidade de carreira. Alguns elementos que contribuem para essa limitação são o fato de o IMM possuir um foco maior na psicologia clínica e na melhora sintomática dos clientes (Fernández-Navarro et al., 2018; Gonçalves et al., 2021; Nasim et al., 2021), e o fato de se utilizar, de forma predominante no IMM, uma metodologia de avaliação que envolve a gravação e a observação da intervenção para a avaliação das narrativas, o que, ainda que com benefícios próprios, traz uma complexidade que torna o método pouco acessível para algumas pesquisas. Complementarmente, diante das práticas de intervenção do MLD, alguns autores apontam para a importância de se expandir os métodos de avaliação do MLD (Fabio, 2016; Maree, 2018, Rudolph et al., 2019).

A presente pesquisa é um estudo exploratório do conceito de narrabilidade de carreira, propõe-se a relatar a construção da Escala da Narrabilidade (ENa) no contexto de carreira e a investigar evidências preliminares de validade de conteúdo. A construção de um instrumento para a avaliação da narrabilidade é importante para: a) expandir as opções de ferramentas de avaliação da narrabilidade, b) orientar estudos da OPC e dos processos narrativos com uma ferramenta adaptada ao contexto de carreira; e c) facilitar estudos com delineamentos quantitativos que precisam de instrumentos para estudar padrões de associação entre este e outros fenômenos ou que busquem avaliar a eficácia das intervenções. Afinal, no MLD já se observam propostas de intervenção narrativas que poderiam usufruir deste tipo de instrumento de avaliação (Briddick et al., 2018; Hall, 2018; Hartung & Santilli, 2018). Assim, nota-se a importância de esforços que busquem avançar no desenvolvimento do construto da narrabilidade.

Método

Esse estudo pode ser definido como qualitativo, de corte transversal e com um levantamento descritivo para identificar melhor o fenômeno, no caso, da narrabilidade de carreira (Sampieri, Collado & Lucio, 2013; Gerhardt & Silveira, 2009). Mais especificamente, o estudo envolveu o levantamento de dados com diferentes fontes – acessou artigos empíricos, teóricos e profissionais psicólogos que atuam com intervenções de OPC – e, por fim, realizou a análise de juízes e a análise semântica dos itens construídos. As informações coletadas foram utilizadas para a construção e para obter evidências iniciais de validade de conteúdo da Escala da Narrabilidade (ENa).

Participantes

Participaram da pesquisa profissionais que atuam com OPC (para a etapa de construção de itens); pesquisadores com no mínimo mestrado concluído para atuar como juízes para fins de validade de conteúdo (para a etapa análise de juízes); e pessoas da população geral que avaliaram a clareza das instruções e da redação dos itens (para a etapa de análise semântica).

Inicialmente, foram entrevistados cinco psicólogos que trabalham com OPC no Brasil. O foco das entrevistas foi captar a percepção dos profissionais sobre as demandas e dificuldades dos clientes que buscam OPC. Estas percepções foram importantes para gerar informações que ajudaram no processo de construção e contextualização dos itens da escala. Como critério de inclusão dos participantes desta etapa, os profissionais deviam conhecer o MLD e trabalhar com OPC. Em seguida, sete psicólogos com mestrado e/ou doutorado em Psicologia participaram na análise de juízes dos itens construídos, dos quais dois eram da área da psicometria e cinco eram da área de OPC. Todos os participantes desta etapa tinham mestrado ou doutorado concluído e experiência com avaliação psicológica e/ou na construção de instrumentos psicométricos. Por fim, participaram da análise semântica sete pessoas de diferentes sexos, idades e escolaridades. Na busca de se obter uma diversidade de perfis sociodemográficos, foram selecionados quatro mulheres e três homens, entre eles: três possuíam ensino superior completo, dois estavam no meio de um curso de graduação, dois possuíam somente o ensino médio completo, e a idade variou de 22 a 58 anos (22; 25; 25; 27; 40; 43; 58).

Instrumentos

A pesquisa incluiu dois instrumentos que foram desenvolvidos especificamente para este estudo. Eles são descritos a seguir:

Roteiro de entrevista semiestruturada, usada com psicólogos que atuam em OPC: o roteiro de entrevista possuía seis questões voltadas a conhecer as percepções do profissional a respeito do processo de intervenção com seus clientes. Essas entrevistas tinham como propósito identificar comportamentos que se conectassem com o conceito da narrabilidade do MLD, de modo a ajudar na construção dos itens para a ENa.

Formulário para a avaliação dos itens: o segundo instrumento trata de um formulário que foi entregue para os juízes para a avaliação dos itens criados para avaliar a narrabilidade. Este formulário incluiu uma introdução com a definição da narrabilidade e, na sequência, a apresentação dos itens da ENa, para avaliar a adequação deles para avaliar o fenômeno. Coube aos juízes avaliarem a adequação dos itens para o construto e, quando pertinente, deixar sugestões qualitativas de modificação na redação deles. No caso da análise semântica, não foi utilizado um formulário, cada participante foi entrevistado individualmente. Foram questionados quanto à própria compreensão dos itens da escala (não foi disponibilizada a definição do construto).

Procedimentos éticos

A pesquisa seguiu a resolução de número 510 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Inicialmente ela foi aprovada por um comitê de ética, com protocolo (CAAE: 47012421.1.0000.0121). Antes da realização da coleta com os participantes, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi apresentado e obteve-se a concordância de todos os participantes.

Procedimento de coleta e análise de dados

Após a aprovação do estudo pelo comitê de ética, a busca dos participantes ocorreu com a técnica da bola de neve e foi iniciada com os profissionais que trabalhavam com OPC e que tinham conexões com o grupo de estudos do pesquisador. Os profissionais da área de OPC foram contatados com uma carta convite padrão, o mesmo procedimento foi realizado com os juízes e com os participantes da análise semântica. No primeiro contato com os três grupos de participantes, todos foram questionados quanto à disponibilidade e se atendiam os critérios de inclusão para seu grupo (seja na participação como profissional da área, ou como juiz). No caso dos participantes que atuaram como juízes, o currículo lattes deles foi consultado antes da realização do convite, de modo a verificar de forma preliminar se possuíam as características desejadas. A entrevista com os profissionais da área ocorreu on-line, por meio da plataforma do Google Meet e cada uma durou cerca de uma hora. Cada entrevista foi gravada e transcrita, e posteriormente, o material transcrito foi lido e foram realizados agrupamentos das percepções semelhantes dos profissionais frente a prática de OPC. Os resultados da entrevista e a fundamentação teórica foram a base para o desenvolvimento da primeira versão dos itens para avaliar a narrabilidade.

Após a etapa de consulta aos psicólogos que atuavam com OPC e da revisão da literatura da área, os itens foram construídos e submetidos à análise de juízes. A análise de juízes ocorreu por meio de um questionário via plataforma do Google Forms, em que os juízes tiveram que assinalar se achavam ou não adequados os itens frente o construto e, também, poderiam deixar sugestões ou observações mais específicas. Os itens que apresentassem uma baixa concordância quanto ao construto da narrabilidade ou que os juízes indicaram como inadequados foram removidos ou modificados. Esperou-se obter uma porcentagem de concordância absoluta (Percent of absolute Agreement) igual ou superior a 0,75 (Matos, 2014) entre os itens selecionados.

Somente após os ajustes na redação dos itens, com base na análise feita pelos juízes, buscou-se os participantes para a análise semântica. As entrevistas foram feitas individualmente e duraram entre 30 minutos e uma hora. Registrou-se as percepções de cada participante sobre a clareza dos itens e o que cada um entendia sobre o conteúdo do item. Toda incoerência encontrada entre a percepção dos participantes e o objetivo do item foi revista para o aprimoramento da redação dos itens. Estas etapas de análise foram escolhidas conforme as indicações de Alexandre e Coluci (2011) para a avaliação de evidências iniciais de validade com base no conteúdo. Após estes processos, obteve-se a versão final da ENa para este estudo.

Resultados

Os resultados foram divididos em quatro partes distintas, cada qual irá tratar de uma etapa da coleta de dados e da elaboração da escala. A etapa um trata das entrevistas com os cinco profissionais que trabalham na área de OPC no Brasil. A etapa dois traz a construção dos itens da ENa. A etapa três envolve a análise das respostas dos sete juízes que avaliaram a ENa e das primeiras modificações no instrumento. Por sua vez, a última etapa descreve a análise semântica realizada por sete representantes da população alvo da escala e as últimas modificações antes da versão final da ENa gerada neste estudo.

Entrevistas com profissionais de OPC

A idade dos profissionais variou entre 29 e 50 anos e eles tinham entre quatro e oito anos de prática em OPC. Em geral, os participantes apontaram achar o MLD bastante flexível e que se destaca por auxiliar na intervenção com um processo considerado mais subjetivo e emocional junto aos participantes. No entanto, indicaram que este modelo apresenta desafios por ser ainda um método pouco investigado, sem muitas ferramentas ou estudos nacionais que orientem a prática.

Nos relatos dos participantes foi possível distinguir algumas demandas comuns nos processos de OPC. Todos os profissionais relataram que grande parte dos clientes apresentavam dificuldades em refletir, desenvolver autoconhecimento, resgatar memórias significativas, em parar para pensar em si no dia a dia, em lidar com as emoções no processo de escolha e de planejamento ou em falar sobre a própria vida e experiências profissionais em entrevistas de emprego. Neste sentido, as demandas abordadas nas práticas de OPC envolviam ajudar o cliente a lidar com momentos de transição, a planejar passos, a elencar prioridades, definir metas e encontrar atividade realizadoras. Muitas vezes, os clientes eram pessoas que pensavam pouco na própria história, raramente conversavam com outras pessoas sobre si mesmos ou possuíam pouco tempo para parar para pensar em si e na própria jornada profissional.

Também, todos os profissionais relataram critérios que se assemelharam bastante entre si para a avaliação do sucesso da intervenção. Para eles, o sucesso da intervenção está vinculado ao cliente conseguir elaborar novos insights em relação à sua própria história, conseguir conversar sobre as próprias experiências profissionais com outras pessoas – orientador, amigo ou familiar –, começar a realizar ações em busca de mudança e a ficar mais engajado ou confiante com os objetivos pessoais. Estes aspectos envolvem a pessoa conquistar mais coerência na própria narrativa profissional, isso é, fazer conexões entre as suas experiências, identificar eventos significativos, perceber as consequências das próprias ações e conseguir identificar o que é mais interessante para si mesmo. Sobretudo, o sucesso foi perceptível quando o cliente se apresentava mais organizado, feliz, capaz de refletir sobre a própria vida, iniciar planejamentos, perceber novas opções/oportunidades, buscar novas informações e identificar melhor os próprios limites e prioridades.

Observou-se alguns exemplos nos relatos dos profissionais a respeito das dificuldades e demandas dos clientes. Muitas vezes, os profissionais relataram que os clientes traziam: “Não sei o que eu gosto”; “Eu inicio várias coisas, mas não termino”; “Eu não consigo lidar com o meu chefe”; “Quando acordo, não quero ir pro trabalho”; “Eu me sinto constantemente confuso”; “Eu me sinto sem controle sobre a minha vida”, “Eu tenho dificuldades de pensar nas minhas experiências importantes”; “As pessoas geralmente decidiam as coisas por mim”.Os profissionais também apresentaram exemplos de falas que ajudam a indicar o sucesso da intervenção: “Estou me escutando mais”; “Nessa semana, eu pensei em algumas coisas, fez muito sentido aquilo que conversamos”; “Posso aproveitar muitas coisas que já aprendi para outros caminhos”; “Encontrei cursos e atividades que eu acho que eu vou gostar de fazer”; “Estou conseguindo me organizar melhor”; “Eu me percebo mais dono da minha própria vida”. As frases relatadas pelos profissionais foram importantes inspirações para a construção dos itens da escala.

Em síntese, considerando o conjunto de informações obtidas por meio das cinco entrevistas, percebeu-se a importância de a pessoa ser capaz de identificar experiências pessoais marcantes e de perceber a si mesma, aspecto que trata do autoconhecimento e da capacidade da pessoa de identificar e reconhecer a relevância das experiências pessoais do passado e do presente. Também aparece em destaque a importância da agência pessoal frente à construção das próprias narrativas, assim tomando ação no desenvolvimento de conexões, explicações e uma cadência narrativa para os eventos da vida. Estes aspectos também foram permeados por uma questão dialógica e relacional, em que se evidencia na importância da pessoa contar sobre as próprias experiências e elaborar a narrativa de si junto à outras pessoas – enfoques já teorizados no MLD (Savickas et al., 2009; Savickas 2015, 2016). Por fim, evidenciou-se uma questão emocional, isso é, a forma como o cliente consegue se organizar e se localizar na própria história, reconhecendo sentido ou não em suas atividades, estando vinculado a sensações de confusão, desordem, motivação ou controle – a questão emocional é de suma importância para o modelo (Hartung, 2011). Assim, parece que para o desenvolvimento de uma continuidade entre as histórias de vida, aspecto basilar da narrabilidade, é necessário um autoconhecimento significativo, a atividade de refletir e de conectar eventos marcantes para, então, coconstruir junto às outras pessoas uma narrativa coerente a respeito de si mesmo.

Construção dos itens

Para a construção dos itens foram utilizadas duas fontes principais, a saber: a) a base teórica que descreve os processos narrativos (Gergen, 2009; Gonçalves et al., 2018; Koltermann & Nunes, 2023; Savickas et al., 2009; White, 2007;); e b) os relatos sobre a prática de OPC de profissionais da área no Brasil, recém-descritos neste artigo. Optou-se por entrevistar profissionais da área de OPC em acréscimo à fundamentação teórica da narrabilidade, pois assim foi possível ter acesso a relatos da experiência empírica do profissional de OPC que, mesmo incluindo aspectos além do construto da narrabilidade, ajudou a contextualizar os itens à realidade brasileira e a encontrar alguns dos elementos da narrabilidade na experiência do profissional (como a descrição de comportamentos de reflexão, narração, percepção da história pessoal etc.).

Quanto à síntese dos elementos constitutivos e operacionais buscados na literatura, utilizou-se como base a fundamentação teórica do MLD (Savickas et al., 2009; Savickas 2015, 2016) e as articulações entre a narrabilidade de carreira – com base no MLD - com o IMM (Cardoso et al., 2019; Silva et al., 2020). Dentre os elementos observados ao adotar as duas proposições teóricas, a narrabilidade trata da capacidade da pessoa de identificar experiências pessoais, de perceber a si mesmo, de perceber as mudanças, os impactos e as exigências das situações, tal como a capacidade de realizar conexões, construir explicações e compreender os motivos por trás de sua história (Koltermann & Nunes, 2023). A título de exemplo, no item “Às vezes eu me comparo com quem eu era anos atrás.”, buscou-se avaliar a capacidade da pessoa de perceber a si mesma e a mudança ao longo do tempo; no item “Eu tenho dificuldade de tomar decisões profissionais.”, evidencia-se uma insuficiência da narrativa sobre si (da narrativa identitária) para fundamentar um caminho com sentido para o futuro; e no item “Percebo o que faz sentido para mim profissionalmente.”, buscou-se avaliar a capacidade da pessoa de conectar o que sente e o que busca profissionalmente, conseguindo êxito em perceber uma atividade com sentido. Desta forma, os itens foram construídos com base no MLD e no IMM, e, também, usando como base situações concretas descritas pelos orientadores profissionais. Alguns exemplos de itens podem ser vistos na Tabela 1.

Tabela 1 Exemplos de diferentes versões de itens selecionados 

Redação inicial Redação após análise de juízes Redação após análise semântica
Eu sei dos limites e das possibilidades da minha realidade profissional atual. Eu percebo os limites e as possibilidades da minha realidade profissional atual. Eu percebo as possibilidades da minha realidade profissional atual.
Frequentemente eu paro para pensar em como eu era anos atrás. Eu costumo parar para pensar em como eu era anos atrás. Às vezes eu me comparo com quem eu era anos atrás.
Eu sinto que não consigo me organizar profissionalmente. Eu tenho dificuldade de me organizar para tomar decisões profissionais. Eu tenho dificuldade de tomar decisões profissionais.
Me sinto inseguro(a) nas minhas decisões. Uso o que eu sei sobre mim mesmo para a tomada de decisão. Eu penso na minha história quando eu tomo decisões profissionais.
Eu sei o que faz sentido para mim. Percebo o que faz sentido para mim. Percebo o que faz sentido para mim profissionalmente.
Estou a todo momento mudando de objetivo. Eu sei pouco sobre mim. Eu me entendo pouco.

Desse modo, ao considerar o conjunto de informações obtidas tanto na literatura como nas entrevistas com profissionais da área, foram construídos 55 itens, alguns com redação positiva frente o construto (indicando que quanto maior concordância, maior nível de narrabilidade) e outros com redação negativa (sugerindo que quanto maior a concordância, menor nível de narrabilidade). Utilizou-se uma escala de cinco pontos para aferir o quanto a pessoa concorda ou discorda com a afirmação sobre si mesma.

Análise de juízes

Os juízes tiveram a tarefa de avaliar a adequação dos itens frente ao construto da narrabilidade a partir de sua definição teórica, e dar sugestões de aprimoramento na redação dos itens. Nesta etapa, os 55 itens foram enviados para os juízes, dos quais 19 itens foram considerados confusos, ambíguos ou inadequados e foram eliminados, 15 itens receberam sugestões de aprimoramento, e 21 itens foram aprovados sem necessidade de modificação. Diante destes 36 itens, observou-se uma porcentagem de concordância absoluta de 98% entre os juízes. Assim, os juízes concordaram que estes itens tratavam adequadamente do construto da narrabilidade, visto sua definição teórica. Exemplos das modificações realizadas nesta etapa podem ser vistos na Tabela 1.

Análise semântica

Somente após os ajustes feitos com base nas sugestões obtidas na análise de juízes, os 36 itens foram submetidos à análise semântica. Nas entrevistas, os participantes representantes da população alvo tiveram que comunicar o que compreenderam sobre cada afirmação, se teriam alguma dificuldade em responder e, inclusive, o que compreenderam que a afirmação estava ‘querendo dizer’, relatando assim a própria compreensão da afirmação com outras palavras. Observou-se que muitos itens possuíam palavras que tornavam as afirmações muito abstratas ou muito rebuscadas, dificultando a compreensão dos participantes com menor escolaridade. Também, houve situações em que algumas palavras traziam certa ambiguidade para a questão, o que permitia múltiplas interpretações. Desta forma, 21 itens sofreram pequenas modificações, 15 foram aprovados sem modificação e nenhum item foi eliminado. Exemplos das modificações são apresentados na Tabela 1.

Discussão

Realizou-se um esforço exploratório de operacionalização do construto da narrabilidade de carreira com base na literatura científica da área e fontes empíricas. Para tanto, contou-se com: a) uma base teórica que descreve os processos narrativos (Gergen, 2009; Gonçalves et al., 2018; Savickas et al., 2009; White, 2007) e a narrabilidade (Di Fabio et al., 2019; Hartung & Santilli, 2018; Maree, 2019; Savickas et al., 2009); b) informações sobre a prática de OPC relatadas por profissionais da área no Brasil; e c) uma revisão das definições e dos itens por juízes e pela população alvo (análise semântica). O relato dos profissionais da área foi uma forma de conseguir uma perspectiva empírica sobre o processo de OPC. Com eles foi possível reconhecer na prática alguns dos processos narrativos descritos pela teoria, o que foi fundamental para ajudar a embasar os itens de forma realista e contextualizada. Com base no relato dos profissionais sobre suas percepções sobre os clientes, foi possível construir itens vinculados à prática de OPC no Brasil e que, por sua vez, foram conectados com o MLD e avaliados quanto à sua compatibilidade teórica e compreensibilidade por juízes. Com este estudo, chegou-se a uma versão com 36 itens para a ENa que tratam da narrabilidade no contexto da OPC no Brasil.

Frente aos resultados obtidos com os profissionais da área de OPC, observa-se que os relatos dos atendimentos e dos critérios utilizados por eles tiveram grande semelhança entre si e foram úteis como exemplos práticos para fundamentar a construção inicial dos itens. Inclusive, foram observados nos relatos elementos que foram relacionados com a teoria que embasa os processos narrativos da narrabilidade. Nessas entrevistas, os profissionais relataram sobre como realizavam as intervenções em OPC, trouxeram exemplos e descreveram tanto as demandas iniciais quanto o que os profissionais compreendiam como uma intervenção bem-sucedida. Na articulação entre os relatos e os elementos descritos teoricamente, observou-se: a) ficou evidente a questão relacional por trás dos processos narrativos, em que é necessário interagir com outra pessoa para escutar, validar e ajudar a coconstruir a narrativa pessoal (Briddick et al., 2018; Maree, 2018, 2019; Savickas, 2015; Savickas et al., 2009); b) reafirmou a complexidade que são os processos narrativos, principalmente por demonstrar uma prática multideterminada, perpassada por questões familiares, sociais e contextuais do cliente (Brockmeier & Harré, 2003; Gergen, 2009; Gonçalves et al., 2018; White, 2007); e, por fim, c) como a capacidade de refletir, identificar eventos marcantes e realizar conexões entre diferentes momentos da história pessoal é fundamental para a ocorrência do insight, para a reconceitualização e para o sucesso da intervenção (Cardoso et al., 2019; Silva et al., 2020; Gonçalves et al., 2018). A partir destes pontos, foi possível construir itens para acessar de uma forma inicial a narrabilidade.

Diante das perguntas da escala também ficou evidente a importância da análise de juízes e da análise semântica – destaque já presente na literatura científica (Alexandre & Coluci, 2011; Pasquali, 2008). Como as análises ocorreram diante do primeiro esforço de construção de uma escala para avaliar a narrabilidade, os diferentes níveis de avaliação, análise e ajuste foram de suma importância para assegurar a qualidade do instrumento nesta versão da ENa.

Os itens que permaneceram na versão final deste estudo são compatíveis com a definição de narrabilidade e com as propostas mais amplas das intervenções que tomam por base o Life Designing Counseling Manual – que envolvem processos de rememoração, reflexividade e coconstrução (Savickas, 2015; Savickas, 2016; Savickas et al., 2009). Os itens selecionados tratam do quanto a pessoa tem: a) a capacidade de pensar acerca das próprias experiências, com destaque para as experiências profissionais; b) a disponibilidade e o desejo em realizar reflexões e conversar acerca de si mesmo com outras pessoas; e c) a aptidão de conectar eventos ou experiências para o surgimento de insights que podem embasar projetos de vida futuros. Dentre eles, alguns não se restringiram ao contexto profissional, pois, tal como indicam as perguntas de Savickas (2015), são a partir de outras experiências e relações da vida que podemos encontrar a base para construir um sentido para uma prática profissional – esta característica também é observada na escala que avalia a adaptabilidade no MLD (Savickas & Porfeli, 2012). Inclusive, a ENa está coerente com os estudos do IMM sobre os processos narrativos que indicam a importância da ação, reflexão e reconceitualização das experiências para o sucesso da intervenção (Gonçalves et al., 2018).

Ademais, ainda não é possível definir previamente a dimensionalidade do construto. Diante do IMM, é possível supor a existência de mais de uma dimensão, estas poderiam se referir aos diferentes níveis de complexidade dos processos narrativos que o modelo descreve (Gonçalves et al., 2018). Por outro lado, com base no relato dos profissionais de OPC e com os comentários dos juízes, não foi possível chegar em nenhuma conclusão definitiva a respeito da dimensionalidade da narrabilidade de carreira. Na prática, observou-se a complexidade do tema e a abstração que envolvem os processos narrativos, sobretudo por eles tratarem de como as narrativas são construídas, elaboradas e apresentadas – que são processos altamente dinâmicos. Ainda assim, é possível apontar os conceitos de reflexão e reflexividade como referências importantes para esta discussão dentro do MLD. Estes conceitos são reconhecidos como centrais na intervenção (Savickas, 2016) e, também, apareceram em destaque nas entrevistas com os profissionais de OPC. Sobretudo, parece viável uma solução unifatorial, em que a narrabilidade, mesmo que complexa e multideterminada, trata como um todo da competência narrativa. Estas questões poderão ser investigadas futuramente por meio da análise da estrutura interna da ENa.

Em suma, a busca de evidências de validade de conteúdo é um processo complexo, ainda mais para um construto que trata de processos abstratos e multideterminados. No presente estudo, houve evidências de validade de conteúdo favoráveis, uma vez que foram adotados diferentes passos em prol da qualidade da escala elaborada: a) foi realizada uma revisão de literatura para encontrar as principais referências que descreviam a narrabilidade (Di Fabio et al., 2019; Hartung & Santilli, 2018; Maree, 2019; Savickas et al., 2009) e os processos narrativos da intervenção do MLD (Savickas, 2015; Cardoso et al., 2019; Silva et al., 2020); b) os itens foram construídos a partir de relatos da experiência empírica de profissionais da área; c) observou-se a adequação dos itens para avaliar a narrabilidade por meio da análise de juízes; e d) houve uma revisão dos itens com auxílio da população alvo, aferindo a clareza e a compreensibilidade. Desta forma, obteve-se um instrumento adequado para pesquisa sobre narrabilidade de carreira, ainda que por meio de um estudo exploratório, que poderá ser usado em novas investigações que objetivem a testagem da dimensionalidade da escala, a avaliação da consistência interna dos itens, a correlação da escala com constructos teoricamente relacionados (Reppold et al., 2014), assim como a aplicação para avaliação de mudanças em processos de intervenção em OPC.

Considerações finais

Em geral, entende-se que os objetivos foram alcançados e os itens criados para a ENa apresentam evidências iniciais de validade de conteúdo adequadas. Este instrumento poderá servir para outras pesquisas da área, de modo a permitir a testagem da adequação do MDL no Brasil, assim como um critério para avaliar a evolução dos clientes em termos de narrabilidade em processos orientados pelo MDL. A busca por um instrumento psicométrico que trate dos aspectos narrativos em OPC está vinculada com a importância da disponibilidade desses instrumentos para as pesquisas da área, tal como se evidencia com o exemplo da adaptabilidade (Johnston, 2018), que é avaliada em diversos países por meio da Career Adapt-Abilities Scale (Savickas & Porfeli, 2012).

Por este ser um construto ainda pouco explorado, houve alguns limites frente à sua operacionalização por meio de um instrumento. Entre os limites da presente pesquisa, a análise de juízes poderia ter se beneficiado de uma métrica mais complexa como o Coeficiente de Validade de Conteúdo – CVC (Alexandre & Coluci, 2011). Contudo, o estudo se restringiu a avaliações qualitativas dos juízes e ao cálculo da porcentagem de concordância absoluta, pois, diante de 55 questões a serem avaliadas, considerou-se: a) a maior riqueza de informações do retorno qualitativo com comentários; e b) um cuidado em não expor os juízes a uma atividade excessivamente extensa, o que poderia reduzir o número de participantes na pesquisa. Também, é possível que a abrangência do conteúdo dos itens da escala não acesse todos os elementos do construto ou diferentes níveis dele. Futuramente, a ENa poderá ser investigada por meio da Teoria de Resposta ao Item, de modo a aprimorá-la e verificar a abrangência dos itens para a avaliação do construto. Por fim, sugere-se que outras pesquisas utilizem a ENa com uma amostra ampla para a avaliação da dimensionalidade do instrumento e para o aprimoramento da discussão sobre a constituição do construto narrabilidade.

1A presente pesquisa teve financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Recebido: 06 de Outubro de 2022; Revisado: 27 de Abril de 2023; Aceito: 17 de Maio de 2023

2Endereço para correspondência: Centro de Filosofia e Ciências Humanas. UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina, Trindade. CEP: 88040900 - Florianópolis, SC - Brasil

João Paulo Koltermann é Mestre em psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina, psicanalista em formação pelo Grupo de Estudos Psicodinâmicos de Santa Catarina e psicólogo clínico. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1279-8147E-mail:jpjohnn@gmail.com

Maiana Farias Oliveira Nunes é Doutora em Psicologia pela USF, é professora adjunta da Universidade Federal de Santa Catarina, atuando na graduação e na pós-graduação em psicologia. Tem atuado com avaliação psicológica e com temas voltados para o desenvolvimento de carreira, tomada de decisão profissional e planejamento de carreira com adolescentes e adultos. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4891-5982E-mail:maiana.nunes@ufsc.br.

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