Introdução
Os estudos sobre a inteligência são de longa data e desafiam muitos pesquisadores (Almeida, Roazzi, & Spinillo, 1988). Uma das teorias de maior destaque científico explicou a inteligência em uma visão multidimensional. Assim, em um estrato estão agrupados dez fatores ligados às capacidades amplas, no qual encontram-se, por exemplo, a inteligência fluida e cristalizada. Acima desta camada está a inteligência geral (ou fator g) e em um nível abaixo estão as capacidades mais específicas, constituídas por aproximadamente 70 fatores. Estas inteligências estão direcionadas à compreensão das habilidades cognitivas, de aspectos mais impessoais do indivíduo (Mayer, Panter, & Caruso, 2012; Primi, 2003).
Apesar dos desafios que apresentam, os estudos sobre a inteligência tiveram seguimento, o que fez com que diversos pesquisadores, ao longo do tempo, tenham sugerido a existência de várias inteligências, as quais poderiam estar além das capacidades intelectuais, agrupando também aspectos sociais e emocionais (Woyciekoski & Hutz, 2009). Thorndike (1936) foi um dos pioneiros na tentativa de ampliar o conceito, propondo a existência da inteligência social, referida como a capacidade de perceber os estados emocionais de si e dos outros e, a partir da sua compreensão, agir da melhor forma. Complementarmente, Stenberg (2000), na sua proposta de definição e compreensão da inteligência, pontuou que os seres humanos são essencialmente sociais e o não reconhecimento de habilidades sociais poderia significar uma dificuldade de adaptação social. Além dos aspectos sociais, também foram considerados os fatores emocionais da inteligência. Por exemplo, partir do modelo psicométrico de inteligência, alguns pesquisadores na década de 90 buscaram compreender a inteligência emocional, que foi definida como a capacidade de perceber, avaliar e expressar emoções e sentimentos e de controlá-los em busca de um crescimento pessoal (Mayer & Salovey, 1997).
Dentre as diferentes inteligências, há aquelas focadas em “coisas” e as focadas em “pessoas”. Nesta direção das habilidades voltadas ao outro, estudos buscaram explorar o que envolve o acesso ao entendimento geral das pessoas sobre a sua personalidade e a dos outros – que permitiria conhecer o universo da experiência interna e externa dos indivíduos (Mayer, 2008). Por exemplo, uma pessoa que compreende sua personalidade e a do outro, poderá conduzir sua vida e escolhas de forma mais bem sucedida, melhorando a comunicação com os indivíduos ao seu redor (Mayer, Panter, & Caruso, 2012). Este conjunto de habilidades é apresentado pela literatura científica como um novo tipo de inteligência: a inteligência pessoal (Mayer, Panter, & Caruso, 2012).
A Inteligência Pessoal (IP) é definida como a capacidade de raciocinar sobre a própria personalidade e a dos outros. Está focada, portanto, nas pessoas, assim como as inteligências emocionais e sociais (Mayer & Skimmyhorn, 2016). Ela explica o raciocínio que os indivíduos empregam para conhecer-se e outras pessoas, permitindo reduzir conflitos nos relacionamentos. Isso conduz ao bem-estar e a relações mais agradáveis, além de permitir criar o futuro desejado, a partir de escolhas de vida e carreira mais congruentes (Mayer, 2014).
No que diz respeito à personalidade, ela se trata de um sistema psicológico complexo e composto por um padrão de sentimentos, pensamentos e comportamentos que interagem entre si e têm efeitos na expressão e nos comportamentos de uma pessoa (Mayer, 2007; Pervin, Cervone, & John, 2005). Ainda, ela pode ser definida como variação única de um indivíduo sobre o design evolutivo da natureza humana, expressa como um padrão de desenvolvimento de traços disposicionais, adaptações características e histórias de vida integrativas complexas e situadas em uma cultura específica (McAdams & Pals, 2006).
Para Larsen e Buss (2010), a personalidade é o conjunto de traços e mecanismos psicológicos dentro do indivíduo que são organizados, relativamente duradouros e que influenciam suas interações e adaptação nas esferas intrapsíquicas, físicas e sociais. Em suma, personalidade é um sistema psicológico composto por partes (emoção, cognição, motivação e traços) que interagem, desenvolvem e impactam na expressão e nos comportamentos de uma pessoa (McCrae & Costa, 1997; Mayer, 2007). Um dos modelos mais discutidos na área da psicologia da personalidade é o dos Cinco Grandes Fatores (Big Five). Este modelo representa um avanço conceitual e empírico no campo da personalidade ao descrever dimensões e características humanas básicas de forma sólida e replicável (Hutz et al., 1998; McCrae & Costa, 1997). As cinco dimensões da personalidade classificadas no modelo do Big Five, são: (1) Extroversão, (2) Socialização (ou amabilidade), (3) Realização (ou conscienciosidade), (4) Neuroticismo e, (5) Abertura a experiência (McCrae, 1993; McCrae & Costa, 1997). Os cinco fatores dizem respeito a informações muito importantes que as pessoas querem ter sobre aquelas com quem vão interagir e conviver e sobre si. Isso porque os indivíduos têm a necessidade de entender aqueles com quem convivem ou conviverão (McAdams, 1992).
Mais especificamente, os cinco grandes fatores organizam e descrevem as principais diferenças dos indivíduos socialmente e emocionalmente (McAdams & Pals, 2006). Desta forma, existem vantagens adaptativas em ser capaz de identificar nos outros as características que fazem parte dos cinco fatores. Ter conhecimento a respeito de características centrais das pessoas, possibilita uma capacidade maior de entender como agir em relação a elas (Hutz et al., 1998). Isso porque o raciocínio sobre a personalidade permeia as atividades diárias. Pessoas pensam sobre as outras, falam das outras, tomam decisões relacionadas às outras e refletem sobre a relação com as outras. Neste aspecto é que a IP se torna relevante, tanto em um nível pessoal quanto social (Mayer, 2014).
A IP envolve a habilidade de: (a) reconhecer informações relevantes de personalidade através da reflexão e da observação de si e dos outros; (b) formar modelos acurados de personalidade a partir destas informações; (c) guiar escolhas usando as informações de personalidade, quando relevante; (d) sistematizar objetivos, planos e história de vida para obter resultados satisfatórios. Por meio deste ciclo, que pode ser descrito como aprendizagem-entendimento-mudança, indivíduos reconhecem e desenvolvem seu conhecimento com base na personalidade e reorganizam suas escolhas e histórias de vida e carreira. Estas habilidades que envolvem a IP resultam em um modelo que reflete a ideia de que a inteligência deve reconhecer informações, construir modelos a partir delas, usá-las e sistematizá-las (Mayer, 2008). Diante disso, a identificação deste tipo de inteligência é relevante, pois possibilita a consciência da necessidade de desenvolvimento de habilidades em um indivíduo, o que pode resultar em uma vida e carreira mais satisfatória.
Neste sentido, Mayer, Panter e Caruso (2012) elaboraram um instrumento para avaliar a IP, com o intuito de verificar a sua existência e funcionamento nas pessoas. Inicialmente, o desenvolvimento e validação do instrumento envolveram três estudos independentes. A partir destes, houve uma evolução das versões denominadas TOPI 1.0, 1.1 e 1.2, respectivamente. As três versões testadas empiricamente foram constituídas por quatro dimensões, que correspondem àquelas propostas pela teoria da inteligência pessoal. A dimensão 1, nomeada “Reconhecer informações da personalidade” foi projetada para testar a capacidade de reconhecer informações relevantes para a personalidade, desde o reconhecimento de traços de personalidade, a partir de imagem de rostos, até a identificação de estados pessoais internos (ex.: motivações, sonolência). A dimensão 2, “Formar modelos”, testa o conhecimento dos traços de personalidade. A dimensão 3, “Guiar escolhas”, testa a capacidade do indivíduo de usar as informações da personalidade para planejar seu desenvolvimento. Por fim, a dimensão 4, “Sistematizar planos”, testa o conhecimento de uma pessoa sobre quais metas têm maior probabilidade de dar certo e quais poderiam gerar mais conflitos.
A fim de utilizar a medida em pesquisas com amostras de profissionais e em estudos envolvendo outras variáveis, Mayer, Panter e Caruso (2017) revisaram o TOPI 1.2, que possui 134 itens, e propuseram uma versão reduzida. O TOPI-MINI-12 é um teste de aptidão constituído de 12 itens que mede a IP, sendo uma versão voltada apenas para a realização de pesquisas. Os 6 primeiros itens (1 a 6) foram extraídos da dimensão “Formar modelos”. Os itens sequenciais (7 a 12) são provenientes da dimensão “Guiar escolhas”. Apesar de conter itens de duas dimensões específicas, os estudos com a versão reduzida indicaram uma estrutura unidimensional (Mowlaie et al., 2016; Philips, 2016; Mayer, Panter, & Caruso, 2017; Mayer, Panter, & Caruso, 2018). Por se tratar de um teste de aptidão, para cada item, há uma única resposta correta. Os resultados do teste são descritos em três categorias: alta performance (de 11 a 12 acertos), média performance (entre sete e 10 acertos) e baixa performance (de zero a seis acertos). A consistência interna (alpha de Cronbach) do instrumento original variou entre 0,65 e 0,86 (Mowlaie et al., 2016; Philips, 2016; Mayer, Panter, & Caruso, 2017; Mayer, Panter, & Caruso, 2018).
Os estudos realizados para verificar o funcionamento da TOPI MINI-12 ocorreram com diferentes amostras, como: estudantes iranianos (Mowlaie et al., 2016), população geral (Philips, 2016), pessoas com deficiência empregadas (Philips, 2016), militares e trabalhadores (Mayer, Panter, & Caruso, 2017). Estas pesquisas mostram que a escala apresenta um funcionamento adequado quando aplicada a diferentes culturas e grupos. Ainda, o autor do instrumento, ao desenvolvê-lo, analisou a literatura científica relevante para as manifestações da IP na vida de um indivíduo e considerou a identificação de tais expressões no contexto de uma pessoa, na biografia e nas escolhas. As habilidades avaliadas incluem, portanto, áreas como o conhecimento das próprias características, a capacidade de se avaliar (e avaliar outras pessoas), o gerenciamento de metas pessoais e escolhas da trajetória de vida e carreira (Mayer, 2009).
Outros estudos buscaram correlacionar a TOPI-MINI-12 com outra medida de IP respondida em formato de autorrelato, a Self-Estimated Personal Intelligence measure (SEPI). Nesses estudos, as correlações foram fracas e moderadas, indicando que a crença de uma pessoa em sua habilidade de raciocinar sobre a sua personalidade - medida com a SEPI - difere da capacidade real - avaliada com a TOPI-MINI-12- (Mayer, Caruso, & Panter, 2021; Mayer, Caruso, & Panter, 2020). Em outro estudo, Mayer, Lortie, Panter e Caruso (2018) utilizaram a TOPI-MINI-12 como uma medida para avaliar a IP real de trabalhadores e correlacionar esse dado à percepção sobre e o comportamento de trabalho. Os resultados desse estudo indicaram que indivíduos que apresentaram uma IP mais elevada tendem a perceber maior suporte no ambiente de trabalho e realizar menos trabalho contraproducente. Com isso, os pesquisadores conseguiram notar um funcionamento promissor da escala para a seleção de funcionários em ambientes laborais.
Com esses estudos nota-se a aplicabilidade da IP, como um construto de relevância científica e que ainda tem sido pouco explorado. A capacidade de refletir sobre si decorre, entre outros aspectos, da necessidade de adaptação constante e autorresponsabilização que o mundo, em constante transição, impõe aos indivíduos (Leal, Souza, & Souza, 2018). Tal capacidade possibilita aprofundar o autoconhecimento e tornar mais claros os autoconceitos, contribuindo para que os indivíduos sejam capazes de tomar decisões assertivas em diferentes âmbitos de suas vidas, considerando quem são e o que almejam fazer (Rizzatti, Sacramento, Valmorbida, Mayer, & Oliveira, 2018).
A construção de carreira é um processo complexo, exigindo dos profissionais capacidade de constantemente se adaptar aos novos tempos. Mais do que olhar para fora para desenvolver carreira, os profissionais precisam olhar para dentro para que consigam tomar decisões de carreiras satisfatórias. Ou seja, a relação ideal entre o que o indivíduo é e o que a sociedade espera, pode resultar em histórias de vida e carreira relevantes. Em processos de aconselhamento para o desenvolvimento de carreira, o indivíduo é encorajado a construir uma narrativa sobre sua história e articulá-la com seus interesses vocacionais, como uma forma de ligação psicossocial entre o self e a sociedade (Savickas, 2002).
Isso torna a IP relevante para a construção das carreiras atualmente. Por conta da capacidade humana de refletir sobre si, o indivíduo assume um papel importante na construção de sua carreira na atualidade: o de lançar mão de habilidades pessoais que permitam que se conheça, se desenvolva e faça escolhas de carreira satisfatórias. Tendo em vista tais aspectos e os resultados promissores da escala, TOPI-MINI-12, em diferentes amostras, mas, principalmente com trabalhadores, é que se problematizou sobre a aplicabilidade e funcionamento desse instrumento com este público no Brasil.
É importante salientar que, segundo a literatura, a melhor forma de medir inteligências é através do uso de escalas de aptidão. Assim, escolheu-se o teste em questão, uma vez que o construto avaliado é um dos tipos de inteligência (Mayer, Lortie, Panter, & Caruso, 2018). Com isso, o presente estudo teve como objetivo adaptar o Teste Reduzido de Inteligência Pessoal (TOPI-MINI-12) para o contexto brasileiro. Além disso, buscou verificar evidências de validade baseadas na estrutura interna, conforme as indicações dos Standards for educational and psychological testing (2014), para o Teste Reduzido de Inteligência Pessoal (TOPI-MINI-12) versão adaptada para o Brasil.
Método
Adaptação do instrumento
Para a tradução e adaptação do Teste Reduzido de Inteligência Pessoal, foram observadas as etapas sugeridas por Borsa, Damásio e Bandeira (2012) e, também, pelo guia de adaptação de instrumentos do International Test Comission (2017), assim preservando as evidências de equivalência semântica dos itens e adequando as propriedades psicométricas da nova versão do instrumento. Ainda nesta adaptação, foi observada a aderência cultural ao contexto brasileiro.
Inicialmente foi solicitada a autorização para a tradução e adaptação do instrumento original com o seu autor John D. Mayer. Após obter as permissões necessárias, o instrumento original foi traduzido para o português por dois tradutores independentes nativos na língua portuguesa e com fluência em inglês, que eram estudantes de mestrado e doutorado em psicologia. A participação de dois tradutores é importante para minimizar possíveis vieses linguísticos, psicológicos e culturais (Borsa et al., 2012; ITC, 2017). Na sequência, um especialista em testes de personalidade, doutor em psicologia e um representante da amostra, do sexo masculino e convidado a partir da rede de contato do pesquisador, avaliaram a tradução. As pontuações realizadas visaram a adequação semântica dos itens.
De posse das considerações, o pesquisador consolidou uma síntese da versão do instrumento adaptado para o contexto brasileiro. A síntese foi avaliada novamente por um especialista em teste de personalidade, sendo ele um doutor em psicologia, com o objetivo de verificar se a adaptação não afetou o significado dos itens. Solicitou-se, então, que um novo representante da amostra, do sexo masculino e contatado a partir da rede social do pesquisador, verificasse se as instruções, questões e respostas estavam claras ou precisavam ser reformuladas.
Pequenas alterações foram indicadas a fim de tornar as informações mais claras. Feita a revisão do teste em português, foi efetuada a etapa de back translation, que significa traduzir de volta para o idioma original do instrumento (inglês) por um tradutor que não tenha participado da tradução nas etapas anteriores (Borsa et al., 2012; ITC, 2017). Esta etapa foi realizada por uma professora de inglês, convidada pelo pesquisador. A back translation foi revisada por um especialista em avaliação psicológica, sendo ele doutor em psicologia com ênfase em avaliação psicológica e pelo pesquisador responsável pela adaptação do teste, ambos fluentes na língua inglesa. A nova tradução foi enviada ao autor do instrumento original, John D. Mayer, para sua verificação e aprovação. O autor, juntamente com outros especialistas em avaliação psicológica e em Inteligência Pessoal, fez sugestões de adaptação para que os itens traduzidos não perdessem seu significado original, que foram prontamente atendidas. Uma vez concluídas as revisões, realizou-se uma etapa adicional, a coleta piloto.
A coleta piloto, situação em que o teste é respondido individualmente por representantes do público-alvo e amostra geral, contou com 10 participantes, cinco homens e cinco mulheres, sendo eles estudantes universitários e trabalhadores, todos convidados a partir da rede de contato dos pesquisadores deste estudo. Os participantes preencheram o teste individualmente e na presença de membros da equipe de pesquisa previamente treinados. O objetivo desta etapa foi verificar o entendimento dos participantes acerca dos itens e a melhor forma de expressar as questões propostas por cada um deles. Verificou-se com esta etapa que todos os itens expressavam claramente o significado do que buscavam avaliar. As etapas descritas previamente encontram-se sintetizadas na Figura 1.
Destaca-se que no processo de tradução e adaptação do instrumento não foi excluído nenhum item, mantendo a escala com a estrutura igual ao original. Assim, a versão final do teste permaneceu constituída de 12 itens, que se referiam às dimensões “Formar modelos” e “Guiar escolhas”. Os itens consistiam na descrição de situações para as quais os respondentes deveriam indicar a resposta mais adequada. As respostas eram apresentadas no formato de quatro afirmativas, uma das quais é considerada a mais adequada ou correta. Após a adaptação, foi dada sequência à coleta de dados geral.
Participantes
A etapa de coleta de dados para verificar as evidências de validade de estrutura interna para a TOPI-MINI-12 contou com uma amostra de 453 participantes, com idade média de 37 anos (DP=9,30), de ambos os sexos, dos quais 343 (75,7%) eram do sexo feminino e 110 (24,3)% eram do sexo masculino. Em relação à escolaridade, 15,7% não possuíam formação de nível superior, 25,2% possuíam superior completo e 59,1% tinham pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado). Foram incluídos na amostra: 1) Profissionais que trabalhassem há pelo menos um ano em algum emprego efetivo; 2) Empreendedores com um ano de empresa; 3) Profissionais que tivessem mais de 18 anos. O cálculo do tamanho amostral seguiu a recomendação de Hair, Black, Babin, Anderson e Tatham (2009) de que a razão entre o número de casos e a quantidade de variáveis seja igual ou maior do que cinco, a fim de obter resultados mais robustos.
Procedimentos éticos
A realização deste estudo seguiu rigorosamente os padrões éticos em pesquisas, de acordo com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). O projeto foi submetido e sua realização foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (CAAE 82023518.0.0000.5336). O estudo contou com uma etapa de tradução e adaptação do instrumento em que foram convidados representantes da amostra, especialistas na área de avaliação psicológica e teste de personalidade, estudantes de mestrado e doutorado em psicologia e uma tradutora, que somente participaram após a concordância e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Na etapa da coleta de dados geral para verificação da estrutura do instrumento, as pessoas consentiram em participar da pesquisa por meio da leitura e concordância com o TCLE em formato online.
Procedimentos de coleta de dados
Após a etapa de tradução e adaptação, foi realizada a aplicação do questionário final, contendo o TOPI-MINI-12 e questões sociodemográficas para a caracterização da amostra. O recrutamento dos participantes se deu por meio das redes sociais LinkedIn, Instagram e Facebook, e através de contatos pessoais e profissionais dos pesquisadores. Aos participantes foram enviadas informações explicando os objetivos do estudo, condições para participação e o link para preenchimento do questionário. Para iniciar a pesquisa, os participantes tiveram que indicar sua concordância por meio do TCLE online.
Procedimentos de análise de dados
Os dados coletados foram submetidos a análises descritivas com o programa estatístico Software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 23 e empregou-se análise de resposta ao item (Rasch) por meio do software Winsteps v. 3.72.2 (Linacre, 2011). A matriz de correlações tetracóricas dos itens foi submetida a uma análise paralela. A técnica consiste em comparar os autovalores empíricos com autovalores simulados em duas técnicas, simulação paramétrica (Monte Carlo) e permutação dos valores amostrais (reamostragem) (Timmerman & Lorenzo-Seva, 2011). Foram retidos os fatores com autovalores maiores que o percentil 95 dos autovalores simulados em ambas as condições.
Após a decisão sobre a dimensionalidade do instrumento, foi conduzida uma análise de Rasch, método da família de análises da Teoria de Resposta ao Item, para itens dicotômicos (Boone, Staver, & Yale, 2014). Nesta técnica, os parâmetros de dificuldade dos itens (δ) e do traço latente dos indivíduos (θ) são dispostos em uma mesma escala linear de logaritmos de chance (log-odds units), chamados logits. Uma função logística (monotônica crescente) é utilizada para representar a probabilidade de endosso dos itens como resultante da dificuldade dos itens e o nível do traço latente dos participantes. Como medidas de ajuste são analisados os erros quadráticos médios de cada item, INFIT e OUTFIT, considerando o intervalo de 0,5 a 1,5. Esses índices indicam o quanto o comportamento dos itens se ajusta ao modelo de mensuração em termos de respostas condizentes com o nível do traço (infit) e outliers (outfit). Por fim, a fidedignidade dos itens foi estimada pela probabilidade de ordenação dos itens, predita pelo modelo.
Resultados
Concluída a etapa de coleta de dados, foi iniciada a etapa de análise e obtenção dos resultados. Inicialmente foram realizadas análises descritivas para a caracterização da amostra. Posteriormente, começaram as análises para a verificação da estrutura do instrumento, o que permite alcançar o objetivo do estudo, de obter evidências de validade com base na estrutura interna para o TOPI-MINI-12 adaptado ao contexto brasileiro. Desta forma, primeiramente foi realizada uma análise paralela, com o intuito de verificar a quantidade de fatores a serem retidos. Os resultados da análise constam na Figura 2.
A análise paralela indicou a retenção de um único fator, conforme a Figura 2. Ao comparar os autovalores empíricos aos simulados, fica nítida a saliência do primeiro fator em relação aos demais, a partir de múltiplos critérios, como os dados simulados nos modelos paramétricos (pontilhado menor) e por permutação de valores (pontilhado maior), assim como por critérios clássicos, como de autovalor > 1 (linha horizontal).
Após a obtenção da estrutura unidimensional do instrumento, seguiu-se com a análise de Rash, a fim de verificar o nível de dificuldade dos itens (δ) e do traço latente dos indivíduos (θ), o que permitirá observar o quanto o comportamento dos itens se ajusta ao modelo de mensuração no que se refere às respostas condizentes com o nível do traço (infit) e outliers (outfit). Os resultados deste procedimento são apresentados na Tabela 1.
Itens | δ | infit | outfit | Item-total corr. |
---|---|---|---|---|
IP3 | 2,78 | 1,09 | 1,33 | 0,35 |
IP10 | 1,65 | 1,01 | 1,00 | 0,45 |
IP7 | 1,15 | 0,99 | 1,00 | 0,45 |
IP2 | 0,44 | 1,00 | 0,96 | 0,42 |
IP4 | 0,26 | 1,08 | 1,10 | 0,33 |
IP1 | -0,10 | 0,95 | 0,89 | 0,42 |
IP9 | -0,49 | 0,94 | 0,86 | 0,39 |
IP5 | -0,86 | 0,92 | 0,88 | 0,37 |
IP8 | -0,86 | 1,08 | 1,18 | 0,23 |
IP11 | -0,96 | 1,00 | 1,13 | 0,28 |
IP12 | -1,43 | 0,94 | 0,83 | 0,30 |
IP6 | -1,59 | 0,96 | 0,77 | 0,29 |
Média | 0,00 | 1,00 | 0,99 | 0,32 |
SD | 1,27 | 0,06 | 0,16 | 0,07 |
Confiabilidade | 0,99 |
Nota. Item-total corr.= Correlação Item-total.
A Tabela 1 apresenta o ordenamento dos itens pelo nível de dificuldade (δ), medidas de ajuste e correlação item-total. O item mais fácil, considerando o nível de IP da amostra, é o item IP6 (Andreia estava prestes a dar um retorno, merecido, porém muito negativo, sobre o desempenho de um de seus funcionários no trabalho, então se lembrou da vez em que: a. Seu namorado disse que não a amava mais.; b. Ganhou um prêmio numa rifa da igreja., c. Um professor na faculdade lhe disse que deveria se dedicar mais, e depois de uma discussão franca, isto lhe ajudou a ser aprovada no semestre., d. Foi contratada para este trabalho. A resposta correta para esta questão é a c.). Isto quer dizer que indivíduos com pouca expressão dessa característica acertam este item. Além disso, nota-se que a resposta correta tem uma extensão e detalhamento maior que as demais alternativas, o que também pode ter impactado no funcionamento do item.
De modo inverso, considerado o mais difícil, estava o item IP3 (Um jogador profissional de futebol recordou de todas reportagens e entrevistas negativas sobre o seu rendimento no campeonato anterior. Ele usou essas lembranças para: a. Aprender mais sobre si mesmo, b. Ficar bravo e motivado para um grande jogo em que seu time não era o favorito, c. Se preparar para a sua aposentadoria, d. Estar relaxado e calmo para o último jogo do campeonato. A resposta correta para esta questão é a b.). Nota-se que este item demonstra exigir um maior nível de habilidade para ser respondido corretamente.
Todos os itens apresentaram ajuste dentro do esperado nas medidas de infit e outfit. A medida de correlação item-total apresentou valores de baixos a moderados, indicando pouca variabilidade amostral e distribuição assimétrica de IP na amostra investigada. Contudo, a medida de fidedignidade foi adequada, representando alta probabilidade (0,99) da ocorrência da ordenação dos itens em uma nova amostra. Por fim, A Tabela 2, indica os escores possíveis da medida de IP, seus postos percentílicos e o escore modelado Rasch.
Acertos | Percentil | Score Rasch |
---|---|---|
0 | 0 | -4.21 |
1 | 0 | -2.90 |
2 | 0 | -2.04 |
3 | 0 | -1.46 |
4 | 1 | -.97 |
5 | 5 | -.52 |
6 | 14 | -.09 |
7 | 27 | .36 |
8 | 43 | .85 |
9 | 62 | 1.41 |
10 | 82 | 2.10 |
11 | 94 | 3.10 |
12 | 99 | 4.53 |
A partir dos resultados apresentados na Tabela 2 é possível prever os escores em futuras amostras e usar os escores modelados em outros testes estatísticos ou conhecer o nível dos sujeitos na escala padronizada de logits. Percebe-se, pelos valores da Tabela 2, que as pontuações da amostra do presente estudo foram negativamente assimétricas, indicando uma grande ocorrência de participantes com as pontuações mais altas. Os resultados apresentados permitiram verificar a estrutura do TOPI-MINI-12 adaptado ao contexto brasileiro e, ainda, observar o seu funcionamento, possibilitando inferir que tem uma estrutura adequada para avaliar a IP de indivíduos brasileiros. Na sequência esses dados serão discutidos à luz da teoria.
Discussão
O presente trabalho teve como objetivo adaptar o TOPI-MINI-12 para o contexto brasileiro, o que foi realizado de forma detalhada, respeitando as etapas necessárias para a obtenção de uma versão adaptada congruente com o instrumento original. Ainda, foi objetivo deste estudo verificar evidências de validade baseada na estrutura interna para o TOPI-MINI-12. De acordo com os Standards for Educational and Psychological Testing (2014) a validade de um teste se refere ao grau com que as evidências e teoria sustentam as interpretações que se fará das pontuações obtidas com um instrumento e, de forma mais específica, avaliar a estrutura interna de um instrumento permite verificar se o construto teórico se comprova empiricamente.
Tendo em vista tais indicações, pode-se perceber, a partir dos resultados obtidos, que tal objetivo foi alcançado, uma vez que as análises com a versão adaptada do TOPI-MINI-12 mostraram uma estrutura adequada empiricamente e consoante com a versão original do instrumento (Mayer, Panter, & Caruso, 2018). Evidencia-se que, em contexto brasileiro, também foi encontrada uma estrutura unidimensional, ainda que os itens que compõem o instrumento sejam derivados de duas dimensões do teste maior.
Também, no que diz respeito ao funcionamento do teste em uma amostra brasileira, verificou-se que os resultados não diferiram significativamente dos encontrados com as amostras internacionais (Mowlaie et al., 2016; Philips, 2016; Mayer, Panter, & Caruso, 2017; Mayer, Panter, & Caruso, 2018). Ou seja, em termos de confiabilidade do teste, ainda que não tenha sido utilizada a mesma análise que no estudo internacional, a versão brasileira obteve resultados robustos, o que demonstra a sua fidedignidade. Mais especificamente, foi possível observar a capacidade do teste de aptidão de exibir diferentes níveis de dificuldades em cada uma das questões avaliadas com alta probabilidade (0,99) da ocorrência da ordenação dos itens na ocasião de uma nova amostra, bem como níveis de ajuste adequados.
Outro resultado observado se refere ao funcionamento dos itens, especificamente sobre o seu nível de dificuldade. Dois itens apresentaram um nível de dificuldade diferenciado, como o item seis, sendo o mais fácil e o item três, o mais difícil. Destaca-se que ambos os itens representam a dimensão “formar modelos”, no que diz respeito à IP e o que se verifica no teste maior (Mayer, Panter, & Caruso, 2018). Essa dimensão se dá na sintetização das informações obtidas anteriormente para a constituição de modelos mentais adequados sobre a própria personalidade e a de outras pessoas. Assim, identificar o próprio padrão de funcionamento da personalidade (traços principais) e o de outras pessoas, permite que o indivíduo faça escolhas mais assertivas em sua vida (Mayer, 2008). No caso do item seis, pode-se argumentar que a resposta correta discrimina melhor a presença do modelo, de forma que pessoas com baixa representatividade desta habilidade tendem a pontuar corretamente. Contudo, é preciso pontuar que a resposta correta ficou com um nível de extensão e detalhamento muito diferente das demais alternativas, o que também pode levar a um endosso mais facilmente.
No que diz respeito ao item três, verificado como o mais difícil, parece exigir um nível maior de habilidade para perceber a informação obtida anteriormente e formar o modelo mental sobre a própria personalidade, o que também pode ter uma relação com os aspectos apresentados na resposta correta (b. Ficar bravo e motivado para um grande jogo em que seu time não era o favorito), em que ficar bravo e motivado são duas expressões diferentes, que podem, inclusive remeter a mais de um fator da personalidade, como ao neuroticismo (bravo) e abertura à experiência (motivado) (McCrae, 1993; McCrae & Costa, 1997).
O TOPI-MINI-12 adaptado ao Brasil, ainda se mostra promissor para pesquisas relativas ao desenvolvimento de carreira, pois permitirá compreender como os trabalhadores brasileiros estão desenvolvendo tal habilidade e, com isso, poder pensar estratégias para auxiliá-los no melhor desempenho no trabalho e em melhores escolhas de carreira e vida (Mayer, 2009). Além disso, os indivíduos organizam e atribuem sentido para suas vidas, descobrem quem são e constroem identidade a partir de suas histórias. A capacidade de refletir sobre sua vida, atribuir novos significados e tomar uma decisão a partir destas informações é fundamental para o processo de construção e transição de carreira (Savickas, 2017).
Ademais, neste estudo, que contou com uma amostra de trabalhadores, notou-se que a escala foi eficaz na sua avaliação, apresentando uma estrutura coerente com a original. No entanto, há limitações quanto à amostra que devem ser consideradas, como o fato de ser constituída principalmente por mulheres e por profissionais com ensino superior completo. Em um dos estudos conduzidos por Mayer et al. (2012) com a escala completa, houve uma diferença média na pontuação total do TOPI 1.2 por gênero, com mulheres superando os homens em cerca de meio desvio padrão. Considerando que a amostra deste estudo era composta por mulheres em sua maioria (75,7%), isto pode explicar as médias relativamente altas.
Além disso, outra limitação deste estudo e da amostra se refere ao fato de a coleta de dados ter sido realizada de forma on-line e a partir das redes sociais e de contato dos pesquisadores. O público que foi acessado representa uma parcela dos trabalhadores que tem maior nível educacional e acesso às questões relativas ao desenvolvimento de carreira. Portanto, é preciso cautela ao afirmar que o TOPI-MINI-12 adaptado ao contexto brasileiro, pode ser útil e apresentar bom funcionamento com todas as classes de trabalhadores.
Outra limitação importante deste estudo se refere à necessidade de se verificar novas evidências de validade ao instrumento adaptado, a fim de verificar se suas propriedades psicométricas se replicam de forma robusta e adequada. Por exemplo, investigar a relação do TOPI-MINI-12 com um teste de personalidade contribuirá para verificar se o instrumento de fato está funcionando em contexto brasileiro. Por esse motivo, ressalta-se que as pontuações e inferências realizadas neste estudo são iniciais e têm o intuito de instigar os pesquisadores a darem continuidade aos estudos com a IP e com o TOPI-MINI-12 relacionados ao contexto de carreira.
Considerações Finais
Considerando o objetivo do estudo, de adaptar e verificar evidências de validade baseado na estrutura interna para o TOPI-MINI-12, pode se concluir que este foi alcançado e que deixa margens para futuras investigações. Tendo em vista a importância da personalidade, assim como do autoconhecimento nos resultados da vida de uma pessoa, dispor de um instrumento que permita ao indivíduo avaliar a capacidade de entender a si próprio e tomar decisões baseadas neste entendimento, torna-se crucial na atualidade.
A consciência do grau de habilidade em IP permitirá que profissionais da área do desenvolvimento humano estimulem a expansão e o desenvolvimento desta inteligência. Finalmente, dada a incipiência do estudo sobre a IP, especialmente no Brasil, espera-se que outras pesquisas possam fazer uso do TOPI-MINI-12 para ampliar a compreensão sobre a expressão e relações desta inteligência com a população brasileira.
Ainda, apesar dos resultados promissores, ressalta-se a relevância de que a versão estendida do teste seja validada no Brasil para uma maior compreensão das dimensões deste tipo de inteligência e maior entendimento dela na vida e carreira das pessoas. Além disso, indica-se que em futuras pesquisas seja considerada uma coleta de dados que abranja várias classes de trabalhadores, bem como possam ter uma distribuição mais equilibrada de homens, mulheres e LGBTQIAP+. Ainda, pode ser importante considerar a aplicação do instrumento com populações distintas, como pessoas com deficiência e/ou em vulnerabilidade social.
Apesar das limitações do estudo, é possível afirmar que seus resultados elucidam diversas questões e abrem novas possibilidades de investigação para o desenvolvimento de carreira em profissionais brasileiros. A partir do estudo pode-se ratificar a importância do autoconhecimento para a construção de carreiras (e, portanto, narrativas) que permitam a construção de um autoconceito capaz de refletir o indivíduo e suas características, assim levando à expressão destes em carreiras que façam sentido. E, finalmente, apresenta um construto capaz de apoiar profissionais da área de orientação profissional a conduzirem processos que permitam aos clientes reconhecerem recursos necessários para construir trajetórias de carreira mais satisfatórias.