A melhoria da qualidade de vida e da longevidade tem levado ao aumento do número de trabalhadores mais velhos que permanecem no mercado após a aposentadoria, gerando, assim, um cenário desafiador. A Estratégia Europeia de Emprego ressalta que é imprescindível promover o emprego acessível para os que pretendem continuar no mercado de trabalho, aumentando as capacidades dos profissionais que querem se inserir no mercado laboral ao longo da vida (European Environment Agency, 2020).
Sendo assim, os principais objetivos da política de mercado de trabalho da União Europeia visam à participação ativa dos profissionais mais velhos e a geração de oportunidades de empregos que contemplem esses trabalhadores (European Environment Agency, 2020). Para implementar os objetivos mencionados, torna-se essencial garantir a saúde mental e física da população mais velha, criando condições de trabalho adequadas que propiciem a aquisição de novos conhecimentos e habilidades, propiciando mais oportunidades de emprego.
No Brasil, o art. 11. do Decreto nº 9.921, de 18 de julho de 2019, que consolida os atos normativos editados pelo Poder Executivo Federal que dispõem sobre a temática da pessoa idosa, menciona que compete ao Ministério da Economia, por meio dos seus órgãos e entidades vinculadas, garantir a implementação de mecanismos que impeçam a discriminação da pessoa idosa quanto à sua participação no mercado de trabalho (Brasil, 2019a). Incentivar a criação de vagas e condições para a permanência dos trabalhadores mais velhos propicia melhorias na autoestima e no bem-estar daqueles que querem e podem continuar trabalhando.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1980, 6,1% da população brasileira era composta por pessoas com 60 anos ou mais de idade, já em 2022, esse grupo etário passou a representar 15,8% da população total e um crescimento de 46,6% em relação ao Censo Demográfico de 2010, quando representava 10,8% da população (IBGE, 2023). Neste contexto, torna-se fundamental investigar o que leva os idosos a continuarem trabalhando após a aposentadoria (Anxo et al., 2019; Seidl et al., 2021; Sousa et al., 2021; Tur-Sinai et al., 2022), bem como compreender as expectativas de quem está próximo ao período da aposentadoria, sobre os possíveis fatores e preditores que podem vir a influenciar a continuidade do trabalho após a aposentadoria (França et al., 2021; Souza & França, 2020).
O conceito da aposentadoria, por ser amplo e multidisciplinar, pode ser compreendido a partir de diferentes perspectivas, considerando os aspectos sociais, econômicos, individuais e estruturais. Segundo Henkens (2022) para que seja possível construir o que ele denomina de “caminhos saudáveis para a aposentadoria”, que contemplam a possibilidade de apresentar boa saúde física, mental e desempenho profissional satisfatório, torna-se importante compreender a aposentadoria a partir de três níveis de análise interligados: macro (governamental), meso (organizacional) e micro (individual).
De acordo com Henkens (2022), o nível macro se caracteriza pelo conjunto de políticas governamentais que influenciam e determinam as regras previdenciárias e as práticas normatizadas pelo estado no que se refere aos critérios para obtenção da aposentadoria, como, por exemplo, tempo de serviço e idade. No nível meso, o autor considera que estão as políticas e ações realizadas pelas organizações que facilitam ou dificultam a permanência dos trabalhadores mais velhos no mercado de trabalho, fazendo com que possam estar produtivos e investindo em suas carreiras como, por exemplo, adaptações no ambiente de trabalho, criação de práticas flexíveis e oferta de treinamentos. O nível micro (individual) se refere aos fatores de ordem intrínseca e extrínseca que influenciam a permanência ou não do trabalhador mais velho no mercado de trabalho, estando relacionados também ao bem-estar físico e mental deste profissional (Henkens, 2022).
Wang e Shultz (2010), a partir de uma revisão de literatura, apontaram que a compreensão sobre os processos da aposentadoria pode ser feita a partir de quatro perspectivas: aposentadoria como tomada de decisão, aposentadoria como um processo de ajustamento, aposentadoria como um estágio de desenvolvimento de carreira e aposentadoria como parte da gestão de recursos humanos. O presente artigo parte da compreensão da aposentadoria como tomada de decisão, considerando o nível micro, que leva em conta a influência das percepções individuais e dos antecedentes comportamentais subjetivos nos resultados da aposentadoria (Shultz & Wang, 2011). Esta perspectiva parte do pressuposto que é singular a maneira como cada pessoa vivencia a transição para a aposentadoria, baseado nas relações e experiências anteriores e seus respectivos vínculos sociais, familiares e de trabalho (Bogoni-Costa, 2021).
A decisão em relação a permanecer ou não trabalhando após a aposentadoria possui caráter multifatorial, complexo e dinâmico (Helal et al., 2021), sendo possível considerar as seguintes possibilidades de decisão (Boehs et al., 2019) tais como: 1. saída antecipada do mercado de trabalho; 2. saída pela aposentadoria definitiva; 3. continuidade pelo bridge employment (emprego de ponte), que pode ser caracterizado como uma fase de transição em que trabalhadores mais velhos estão começando a desengajar psicologicamente da força de trabalho com carga horária menor ou flexível até que ocorra a aposentadoria definitiva (Wang et al. 2009); e 4. continuidade no trabalho de forma regular, mesmo estando apto a se aposentar. Isto segue a uma ordem lógica de envolvimento do trabalhador mais velho ou pré-aposentado com o trabalho que vai do menor ao maior envolvimento. Ou seja, vai desde o early retirement - aposentadoria antes do tempo - até o late retirement - postergação da aposentadoria ( França, 2022).
Existem diversos fatores que influenciam a decisão dos trabalhadores mais velhos por continuarem trabalhando ou se aposentarem como, por exemplo, situação financeira (Boehs et al., 2019; Mountian & Diaz, 2018; Sampaio, 2023), oportunidades para inclusão social, sentimento de utilidade e desenvolvimento intelectual (Magalhães & Brito, 2022; Sampaio, 2023; Souza & França, 2020; Sewdas et al., 2017), local de trabalho com suporte percebido pelas políticas e práticas organizacionais, como, por exemplo, a flexibilidade nas demandas e horários de trabalho (Damman & Henkens, 2018; Scharn et al., 2018; Souza & França, 2020). Estudos apontam, inclusive, que os trabalhadores mais velhos têm permanecido no emprego durante mais tempo, incluindo aqueles que possuem algumas condições crônicas de saúde (De Wind et al., 2018; Gignac et al., 2019; Sewdas et al., 2017).
Independente da opção escolhida ou da(s) variável(eis) que possa(m) influenciar tal decisão, um ponto fundamental para ser sublinhado no estudo da decisão da aposentadoria pela ótica individual é a importância da liberdade e/ou voluntariedade que o trabalhador mais velho deve ter ao decidir se deseja permanecer ou não no mercado de trabalho após a aposentadoria. Apesar de algumas variáveis como, por exemplo, a saúde, poderem implicar e forçar os trabalhadores mais velhos a se aposentarem, outras variáveis podem pressionar o trabalhador para fora do mercado, como, por exemplo, o preconceito etário e a escassez de vagas para pessoas com mais idade. Estudos anteriores apontam para o impacto negativo da involuntariedade da decisão no bem-estar dos trabalhadores mais velhos (Bonsang & Klein, 2012; Dingemans & Henkens, 2014).
A aposentadoria involuntária pode tornar-se um fator prejudicial para a saúde mental dos trabalhadores, ou seja, aqueles que estão dispostos a prolongar suas carreiras mas não conseguem encontrar emprego após a aposentadoria, apresentam níveis mais baixos de satisfação com a vida em comparação com aqueles aposentados que não pretendem continuar em nenhuma atividade profissional (Dingemans & Henkens, 2014). Estes resultados foram reforçados por Guerson et al. (2018) em estudo com 230 aposentados que retornaram ao trabalho após a aposentadoria, apontando que a percepção do trabalho, a satisfação com o salário e a sensação de produtividade influenciaram na satisfação com a vida.
Estudo realizado com 454 aposentados brasileiros apontou que, dentre os que permaneceram trabalhando após a aposentadoria, o fator financeiro foi mais relevante para a manutenção do trabalho, sendo que aqueles que continuaram trabalhando atribuíram maior importância à carreira em comparação aos que se aposentaram de maneira definitiva (Magalhães & Brito, 2022). Estudo realizado por Boehs et al. (2019) com 89 aposentados de uma multinacional revelou que quanto melhor a percepção de qualidade de vida durante a carreira, maior o desejo de não querer se desvincular do trabalho na aposentadoria. Sendo que aqueles que apresentaram as menores médias de satisfação de vida foram os que apontaram o fator financeiro como principal motivo para continuar trabalhando.
Tendo em vista a relevância do tema, tanto no Brasil quanto em outros países que abordam as questões sobre o processo decisório de trabalhadores mais velhos no que se refere à aposentadoria, são necessárias pesquisas que investiguem aspectos e preencham lacunas, frente aos antecedentes e preditores do processo da aposentadoria, o que permitirá oferecer sugestões para políticas, diretrizes e ações nesta área. Sendo assim, este estudo tem como objetivo investigar quais são os fatores, na percepção dos trabalhadores mais velhos, que influenciam a continuidade no trabalho após atingida a idade mínima para concessão da aposentadoria.
Cumpre esclarecer que o presente estudo está inserido em um projeto transcultural - Decisão da aposentadoria e a empregabilidade de trabalhadores mais velhos: a perspectiva ibero-latino-americana, coordenado por França (2022) pelo Brasil e desenvolvido desde 2022, simultaneamente, no Brasil, Espanha, Colômbia e Portugal, obtendo uma amostra total de 2.411 participantes, sendo 754 brasileiros. No que diz respeito à abordagem qualitativa, os dados foram analisados sob a perspectiva multinível (micro - individual; meso - organizacional e macro - governamental). Assim, este artigo retrata a visão micro ou individual dos brasileiros, buscando compreender o que depende de características individuais de acordo com estes trabalhadores para que continuem trabalhando, caso desejem, mesmo após o direito legal à aposentadoria.
Método
Como mencionado acima, este estudo utilizou a abordagem qualitativa multinível (micro, meso e macro) obtida de uma investigação iberolatinoamericana, quali-quanti, utilizando o banco de dados constituido por 754 brasileiros. No presente artigo, foi abordada a perspectiva micro, com a utilização de uma pergunta específica que dizia respeito ao que o próprio trabalhador poderia fazer em função da sua continuidade do trabalho após a aposentadoria: “Para continuar trabalhando após a idade mínima para concessão da aposentadoria é necessário que eu...”.
Participantes
O critério de seleção dos participantes foi estar trabalhando em qualquer atividade profissional, ter 50 anos ou mais e ser alfabetizado (França, 2022). A partir do banco de dados coletados pelo estudo principal (754 brasileiros), foram analisados 339 participantes que responderam à pergunta chave sobre o que é preciso para continuar trabalhando após a idade mínima para concessão da aposentadoria. Desta amostra, 68.2% (n = 232) declarou-se do sexo feminino. A região sudeste registrou a maior participação na pesquisa com 62% dos respondentes. A região nordeste contou com 13,9%, seguidos pelas regiões centro-oeste, sul e norte com 8,8%, 8,2% e 7,1%, respectivamente.
Os participantes tinham entre 50 e 80 anos (M = 58,3; DP = 6,25). Em relação ao estado civil, 65% eram casados/ moravam juntos, enquanto 21.2% se identificaram como viúvos/desquitados ou divorciados e apenas 13,8% como solteiros. Quanto às condições de saúde percebidas, 29,7% (N = 101) dos participantes declararam que a saúde “requer alguns cuidados”, 28,2% (N = 96) percebem a própria saúde como “boa” e 27,9% (N = 95) dizem que é “muito boa”. Por fim, 9,4% (N = 32) se percebem com a saúde “excelente”, enquanto 4,7% (N = 16) “precisando de muita atenção”. A média de dependentes por participante foi de 2,48 pessoas. A média de anos que faltam para a aposentadoria foi de 3,78 anos, enquanto a idade média desejada pelos participantes para aposentadoria foi de 59,4 anos. No Brasil, a partir da Reforma da Previdência realizada no ano 2019, os novos requisitos para os trabalhadores se aposentarem passaram a ser idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 para homens com tempo de contribuição de 30 anos para elas e 35 anos para eles (Brasil, 2019b).
Instrumentos
Por meio da ferramenta Google Forms, aplicou-se um questionário sociodemográfico, com questões relativas à idade, estado civil, região, número de dependentes, saúde atual, quantidade de anos que faltam para a aposentadoria e idade desejada para aposentadoria. Além disso, o participante respondia uma pergunta fechada sobre o que pretendia em relação à decisão de aposentadoria. Por fim, foi realizada a seguinte proposição, que deveria ser respondida de forma aberta: “Para continuar trabalhando após a idade mínima para concessão da aposentadoria é necessário que eu...”.
Procedimentos éticos e de coleta de dados
A participação se deu de forma voluntária e foi aceita por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sendo que o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Salgado de Oliveira sob o parecer CAAE: 3.528.629. A coleta foi realizada ao longo do ano de 2022 em todo o Brasil, com preservação da confidencialidade dos participantes e armazenamento seguro dos dados coletados.
Análise de dados
A pesquisa qualitativa utilizou o delineamento exploratório e descritivo. A análise dos dados sociodemográficos e da pergunta fechada sobre a decisão de aposentadoria foi realizada através da estatística descritiva com o uso do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0. A proposição aberta foi analisada com o programa IRaMuTeQ (Interface de R pour analyses Multidimensionelles de Textes et de Questionnaires) na versão 0.7. Esse programa foi desenvolvido por Pierre Ratinaud (Camargo & Justo, 2013; Lahlou, 2012). É gratuito, de fonte aberta, desenvolvido na linguagem Python (www.python.org) e licenciado pela GNU GPL (v2).
O IRaMuTeQ admite várias análises estatísticas de um corpus textual. Um corpus é o agrupamento de textos referentes a uma pesquisa (Trask, 2004). Em relação a essa pesquisa, o corpus reuniu as respostas à proposição do estudo. De forma a compreender o sentido do conjunto textual, o estudo se desenvolveu através da Classificação Hierárquica Descendente (CHD). Na CHD, os segmentos de texto (STs) são reunidos baseados em seu próprio vocabulário e o grupo é separado conforme frequência dos termos raiz, isto é, os termos na forma reduzida. Dessa forma, a CHD objetiva conseguir classes com segmentos de texto que possuam vocabulários equivalentes uns com os outros, porém diferentes dos segmentos de textos das demais classes. Por fim, essas classes e suas relações são mostradas através da formação de um dendograma (Camargo & Justo, 2018). O dendograma permitiu analisar a formação de eixos e subeixos com suas respectivas classes, como também as relações internas entre os vocabulários e STs. Em termos de critério de inclusão de elementos no dendograma, foi utilizado o nível de significância (p < 0,001) como ponto de corte.
Resultados e Discussão
Este artigo aborda a decisão de continuar trabalhando na aposentadoria sob o ponto de vista individual (visão micro) (Henkens, 2022). Foram obtidas respostas de 339 trabalhadores entre 45 e 80 anos, de todas as regiões do Brasil. Ao serem questionados sobre a decisão de aposentadoria que pretendiam tomar, a resposta fechada com maior destaque foi “Se aposentar e procurar um trabalho/emprego em horário reduzido e/ou flexível” com 58,9% (N = 199). A segunda escolha foi “Se aposentar integralmente e sair do mercado de trabalho” com 18% (N = 61), seguida por “Postergar a aposentadoria e continuar trabalhando na mesma instituição/ se aposentar e procurar um trabalho/emprego em horário integral” com 15,4% (N = 52). Por fim, “Se aposentar antes da idade mínima da aposentadoria” com 7,7% (N = 26). A análise dos resultados do estudo, mostrados a seguir, indicam que para a tomada de decisão de continuar trabalhando após a idade mínima para concessão da aposentadoria, os trabalhadores mais velhos pensam em levar em consideração dois fatores principais, como demonstrados nos eixos obtidos na CHD: qualidade de vida e expectativas.
O IRaMuTeQ trouxe o corpus de 339 participantes distribuídos por 201 Segmentos de Texto (ST). A análise textual requer, pelo menos, uma retenção de 75% (Camargo & Justo, 2013). Na CHD foi empregado 75,5% do corpus que formou um dendrograma de dois eixos, com um subeixo e três classes. Em virtude do percentual de STs retidos, avaliou-se a relevância das classes/categorias encontradas, como também a proximidade das palavras e as associações entre os subeixos.
A Figura 1 nos mostra a relação estabelecida sobre a visão pessoal frente à decisão de aposentadoria dividias em dois eixos. O primeiro é o eixo “(a) Qualidade de vida” formado por uma única classe, a Classe 3 chamada de “Bem-estar”. O segundo eixo é o eixo “(b) Expetativas”, que se subdivide nas Classe 2, “Novo ciclo” e a Classe 1, “Autonomia de escolha”.
Os resultados indicaram que permanecer trabalhando após a aposentadoria depende tanto de aspectos imediatos, associados ao bem-estar, à saúde e à qualidade de vida, quanto de questões futuras, que envolvem expectativas com o novo ciclo e percepção de autonomia no processo de se aposentar.
Eixo (a). Qualidade de Vida
O maior percentual de retidos de todo o dendrograma se encontra na Classe 3, “Bem-estar”, com 49,2%. Essa classe mostra os sentimentos relativos à qualidade de vida e a influência sobre esse momento da vida, ou seja, a aposentadoria. As palavras que apresentam χ2 elevado e, consequentemente, as maiores associações são: saúde, físico, mental e bom. Esta classe mostra como a saúde (física, mental e emocional) é um quesito importante de atenção neste momento da vida. Em particular, ainda que em boas condições físicas, a capacidade de esforço físico não seja considerada mais a mesma. Seguem algumas frases de forma a exemplificar os resultados obtidos, como também ilustram o grifo trazido pelo IRaMuTeQ.
(P04): Tenha uma boa saúde física, mental e emocional.
(P112): Tenha saúde para trabalhar.
(P225): Tenha boa saúde e que tenha um trabalho sem muito esforço físico.
Os resultados do eixo (a) vêm ao encontro de estudos anteriores sobre a decisão de permanecer trabalhando após a aposentadoria, que indicam que a percepção de saúde e bem-estar são fatores de relevância nesta decisão (Anxo et al., 2019; Fisher et al., 2016; Le Blanc et al., 2019; Sullivan & Al Ariss, 2019). Le Blanc et al. (2019), ao realizarempesquisa com 548 trabalhadores holandeses mais velhos (maiores de 45 anos), descobriram que possuir boa saúde está diretamente relacionado à empregabilidade percebida e à intenção de continuar trabalhando até a idade oficial da aposentadoria.
Os relatos dos participantes sobre a percepção de que ter saúde física e mental são favoráveis à permanência no trabalho após a aposentadoria corrobora com o que preconiza a Organização Pan-Americana da Saúde (2021) quando se refere à necessidade de fomentar um envelhecimento saudável em que haja reconhecimento e valorização das contribuições que as pessoas mais velhas trazem para a sociedade. Consequentemente, a manutenção da saúde física e mental gera maior independência e qualidade de vida.
Segundo a World Health Organization (WHO), o conceito de saúde não está relacionado apenas a ausência de doença, mas sim associado ao estado completo de bem-estar físico, mental e social (WHO, 2022). Ao ser considerada a intenção de permanência no trabalho de profissionais mais velhos, a questão da saúde mental torna-se relevante, pois o sentir-se útil e ocupado auxilia na percepção de saúde mental destes trabalhadores. A saúde mental está relacionada ao estado de bem-estar no qual as pessoas conseguem enfrentar o stress gerado pelas situações vividas, valorizando suas capacidades, interagindo com outras pessoas e se permitindo desfrutar bem a vida (WHO, 2022).
Eixo (b). Expectativas
As classes “Novo ciclo” e “Autonomia de escolha” formam o eixo “(b) Expectativas”. Esse eixo traz perspectivas do indivíduo sobre o que decidir para esse momento de vida, isto é, aposentar, continuar trabalhando ou passar a ter atividade laboral mais adequada ao seu perfil. Mas ressalta-se a preocupação dos participantes em, caso continuem trabalhando, que a relação laboral seja produtiva e mais flexível.
Os resultados do eixo (b), “expetativas”, que contempla as classes “autonomia de escolha” e “novo ciclo”, de certa forma se interligam ao eixo 1, tendo em vista que possuir autonomia de escolha passa, necessariamente, pelo “poder escolher”. E este “poder escolher” está relacionado diretamente às condições de saúde e econômico-financeira.
A Classe 1, “Autonomia de escolha”, traz questões práticas como continuar ou não as atividades laborais. Porém, caso a escolha seja continuar ativo de alguma forma, seja por necessidade econômica, seja por opção profissional, será necessária a aceitação desse mercado e atualização. Os elementos que apresentam χ2 elevado são: continuar, atualizar, manter e mercado.
(P44): Me mantenha com energia, conhecimento, ativa intelectualmente para ter valor no mercado.
(P155): Mantenha-me atualizado e com energia.
(P195): Seja aceita no mercado de trabalho.
Não é por acaso que a Escala de Fatores-Chave no Planejamento da Aposentadoria, proposta e testada em 517 principais executivos (França, 2008) e posteriormente com 121 trabalhadores mais velhos de cargos não-gerenciais (França & Carneiro, 2009) destacam que o planejamento é crucial para as atitudes positivas frente à aposentadoria. Neste último estudo, os autores destacaram que o mais importante fator para o planejamento está relacionado aos relacionamentos sociofamiliares, seguido do fator de risco ou de sobrevivência que agrupou não apenas a saúde percebida e o aspecto financeiro, mas quatro itens: investimentos financeiros, desenvolvimento intelectual, promoção de saúde, e alimentação saudável. A importância do planejamento para a autonomia dos indivíduos foi reforçada por Steckermeier (2021) que demonstrou que a satisfação com a vida está positivamente associada com a possibilidade de escolha e as oportunidades que melhoram as condições sociais e a autonomia percebida dos indivíduos.
A percepção da autonomia sobre os processos de trabalho também tem estado presente na literatura como um dos fatores que influencia a permanência no mercado de trabalhadores mais velhos (Anxo & Ericson, 2023; Woźniak et al., 2022). A partir da realização de uma revisão de literatura internacional sobre os fatores que afetam a capacidade de trabalho e a decisão de aposentadoria antecipada de trabalhadores mais velhos, Woźniak et al. (2022) revelaram que a alta demanda de trabalho, representada pela carga excessiva e pressão, somada ao baixo nível de controle (o quanto o trabalhador tem a oportunidade de decidir sobre as atividades que realiza) influenciam a percepção da autonomia e o desejo de continuar trabalhando, sendo que quanto maior o nível de autonomia, maior a possibilidade dos trabalhadores mais velhos permanecerem no mercado de trabalho.
Para além disso, os resultados destacam que aqueles que pensam em continuar trabalhando de alguma forma, seja por necessidade econômica ou por opção profissional, estão dispostos a se manterem atualizados para continuarem competitivos e empregáveis no mercado. Tais resultados vão ao encontro de estudos anteriores que apontam relação entre os níveis de escolaridade e qualificação profissional com as possibilidades e motivação para a permanência no mercado de trabalho após a aposentadoria (Anxo & Ericson, 2023; Froehlich et al., 2020; Sewdas et al., 2017; Weber & Loichinger,2022).
Anxo e Ericson (2023), ao verificarem as razões pelas quais os trabalhadores prolongam a vida de trabalho mesmo tendo direito legal para receber os benefícios previdenciários, descobriram que a motivação intrínseca, influenciada por fatores internos, é prevalente, especialmente entre os trabalhadores mais qualificados. Estudo realizado por Weber e Loichinger (2022) sobre empregabilidade de trabalhadores europeus de 50 a 69 anos revelou correlação positiva entre o nível de educação e de saúde para a continuidade no trabalho, sendo que aqueles trabalhadores mais velhos que possuem maiores níveis de escolaridade e de saúde percebida são os que tendem a permanecer mais tempo inseridos no mercado.
Apesar de estudos anteriores apontarem a necessidade financeira como uma questão importante na decisão de continuar trabalhando após a aposentadoria (Boehs et al., 2019; Magalhães & Brito, 2022), nesta pesquisa a questão financeira não apareceu como uma motivação soberana, uma vez que, para além de auferir rendimento superior ao obtido pela aposentadoria, os trabalhadores priorizariam a realização pessoal na atividade laboral, caso tivessem que continuar trabalhando na aposentadoria. Tais resultados corroboram a pesquisa de Guerson et al. (2018) que argumentam que os aposentados que retornam ao trabalho estão mais satisfeitos com suas vidas.
De modo semelhante, Loh et al. (2023) argumentam que a motivação de trabalhadores mais velhos em continuar trabalhando envolve tanto questões financeiras, quanto subjetivas, como a existência de atividades e objetivos com significado emocional. Estes autores, apesar de indicarem a prevalência de fatores financeiros na motivação em continuar a trabalhar, destacaram que, quando observadas as motivações para se continuar a trabalhar após a aposentadoria, o fato de ser mulher, com mais idade e com status econômico mais alto aumentaria a probabilidade de se ter um perfil mais direcionado a questões socioemocionais (socioemotional-income profile) em detrimento das questões financeiras (income dominant profile).
A Classe 2, “Novo ciclo”, tem 25,9% de retidos. Essa classe mostra a importância do momento de passagem para uma nova fase da vida e as possíveis escolhas. A questão financeira se mostra importante neste momento em conjunto com as condições de saúde. Outra questão relevante é a flexibilidade e a satisfação pessoal acompanharem esse novo ciclo. Percebe-se o valor dado a esses quesitos para a realização da nova fase da vida. As palavras que apresentam χ2 elevado são: gostar, aposentadoria, precisar e atividade.
(P144): Precise de renda maior do que a aposentadoria, que consiga fazer um trabalho sem que isso tenha que me violentar.
(P207): Encontre atividade com carga horária reduzida e que ajude as pessoas de fato.
(P226): Esteja envolvida com uma atividade que me dê realização pessoal.
(P284): Goste muito do que faço.
(P319): Estou me preparando para outras atividades.
No que se refere à classe “novo ciclo”, os resultados demonstram que os participantes estão disponíveis a continuar trabalhando após a idade mínima para concessão da aposentadoria, mas não com um trabalho que seja “a todo custo”. Tais resultados se relacionam com o eixo 1 que preconiza as questões relacionadas à qualidade de vida e ao equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. Os participantes mencionam, ainda, a busca pela carga horária reduzida e por atividades que estejam relacionadas a realização pessoal nessa fase da vida.
Os resultados indicam que, para continuar trabalhando, os participantes esperam encontrar uma atividade laboral mais adequada ao seu perfil, que seja produtiva e flexível. O “mais adequada ao seu perfil”, além de considerar as questões de competência pessoal para o desenvolvimento das atividades de trabalho, pode estar relacionado ao fato de que o emprego/trabalho precise estar de acordo com a condição física do profissional mais velho, que, com o processo natural do envelhecimento, talvez, dependendo da atividade, não consiga ter os níveis de energia e preparo físico exigidos para a realização das tarefas.
Estudos anteriores têm indicado que a percepção de flexibilidade quanto ao trabalho aparece como um dos fatores que influenciam a decisão de permanência no trabalho mesmo tendo tempo para a aposentadoria (Damman & Henkens, 2018; Dingemans & Henkens, 2014). Uma alternativa para a manutenção de profissionais mais velhos no mercado de trabalho, e que está relacionada com essa flexibilidade, é o bridge employment (emprego ponte), tendência observada nos últimos 20 anos que pode ser caracterizado por uma possibilidade de continuidade da atividade profissional remunerada após a aposentadoria com carga horária menor ou flexível, seja em tempo parcial, no modelo autoemprego ou de trabalho temporário (Boehs et al., 2019; Menezes & França, 2012; Wang et al., 2009) até que ocorra a aposentadoria definitiva.
Tais adaptações dependem, por vezes, do quanto a organização e suas práticas de gestão de pessoas são ajustáveis a este grupo de trabalhadores. O papel destas práticas na decisão de se aposentar foi destacado por Wilckens et al. (2022). Para os autores, trabalhadores saudáveis tendem a se aposentar mais tarde; no entanto, para permanecer nas organizações, é preciso que elas adotem práticas de gestão da idade, tais como as associadas à aprendizagem ao longo da vida e ao desenvolvimento de carreira. Um ponto importante é a relação apontada por Wilckens entre a saúde e a intenção de se trabalhar após a idade de se aposentar, e esta é mais forte entre as organizações que oferecem mais oportunidades para se continuar a trabalhar (Wilckens et al., 2022).
A indicação de tais aspectos como importantes sob a análise micro em função da empregabilidade e permanência no trabalho após a aposentadoria trazem desafios para os governos, organizações, na implementação de políticas e práticas de gestão da idade, uma vez que podem motivar trabalhadores a adiarem a aposentadoria, mantendo-se engajados na atividade laboral (Loh et al., 2023). Considerando que a aposentadoria é multifatorial, o planejamento para essa fase exige a união de corresponsabilidades individual, organizacional e governamental.
Considerações Finais
O objetivo deste estudo foi investigar quais fatores, na percepção dos trabalhadores mais velhos, influenciam a continuidade no trabalho após atingida a idade mínima para concessão da aposentadoria. Os resultados convergem para a compreensão de que a decisão de aposentadoria extrapola fatores individuais. Questões associadas à saúde e à necessidade financeira seguem sendo relevantes na esfera de decisão dos entrevistados quando da aposentadoria. No entanto, convivem, corroborando com estudos anteriores, com os aspectos associados à realização profissional e ao próprio contexto laboral. Neste sentido, são necessárias políticas públicas que promovam a saúde e o bem-estar dos trabalhadores mais velhos, proporcionando acesso a programas de saúde ocupacional e oportunidades de trabalho flexível. Além disso, práticas organizacionais devem ser adaptadas para incluir atualizações sistemáticas e a valorização da experiência dos trabalhadores mais velhos, criando um ambiente inclusivo que incentive a permanência e a contribuição desses profissionais.
Por fim, trabalhadores mais velhos que pretendem continuar trabalhando devem buscar oportunidades que valorizem a intergeracionalidade. A empresa que valoriza a experiência e o conhecimento acumulados dos mais velhos, ao mesmo tempo que estimula a aprendizagem mútua entre gerações, tem mais chances de obter o sucesso da equipe, gerando saúde, flexibilidade e harmonia entre os trabalhadores e, consequentemente, o comprometimento destes com a organização.
Entre as limitações do presente estudo estão uma alta quantidade de respondentes fora do perfil etário necessário para contabilizar para a pesquisa pelo fato dos dados que deram origem ao presente artigo fazerem parte da coleta de um estudo maior e a dificuldade encontrada para que aqueles que se enquadravam nos critérios de inclusão respondessem à pesquisa. Investigações futuras devem mapear as oportunidades e os desafios encontrados por estes trabalhadores para inserção e continuidade no mercado de trabalho, além de identificar como mitigar os desafios vivenciados por eles. Sugere-se, ainda, a proposição de estudos que explorem a eficácia de políticas públicas específicas voltadas para a saúde ocupacional e a formação contínua de trabalhadores mais velhos, bem como pesquisas que analisem a interação entre diferentes setores econômicos e a participação ativa desses trabalhadores.
O envelhecimento populacional traz questionamentos para a sociedade. A relevância em estabelecer planejamento para essa fase da vida deve ser levada em consideração. Com isso, é primordial um esforço coletivo para tratar este tema importante e de destaque no Brasil e no mundo, que acompanha o crescimento da população idosa e aumento no número de aposentados que desejam permanecer trabalhando, mesmo que já tenham direito legal de receber a pensão por aposentadoria.