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Mental

Print version ISSN 1679-4427On-line version ISSN 1984-980X

Mental vol.11 no.20 Barbacena Jan./June 2017

 

ARTIGOS

 

Educação e autoridade: alguns apontamentos sobre a prática educativa e o impossível na emancipação do sujeito

 

Education and authority: a few appointments on the educational practice and the impossible in the emancipation of the subject

 

Educación y autoridad: algunas notas sobre la práctica educativa y lo imposible en la emancipación de sujeto

 

 

Rogério Rodrigues

Mestre e Doutor em Educação (UNICAMP); Pós-doutorando (USP); Docente da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI).

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo foi analisar alguns apontamentos para que se possa elaborar a prática educativa no campo educacional e os processos relacionados com o impossível na emancipação do sujeito. Para tanto, os focos de análise foram as interfaces entre o campo educacional e as considerações freudianas apresentadas no prefácio "A Juventude Desorientada de Aichhorn" (1925) e em outros escritos que também podem colaborar para se compreender a produção do sujeito no campo das relações educativas. Conclui-se que a intensificação das práticas educativas e os variados discursos sobre a questão da aprendizagem seriam tentativas, por parte do educador, de evitar os diferentes enfrentamentos dos problemas educacionais. O processo educacional deveria se constituir como lugar de instauração da produção do sujeito que se opõe a qualquer modo de consolidação de práticas sociais de cunho autoritário e, por isso, já seria o elemento fundamental para que todos aqueles que atuam no campo educativo compreendam desde já a responsabilidade no uso das palavras e, mais propriamente, assumam a autoridade de instaurar a produção de sujeitos para uma sociedade efetivamente democrática.

Palavras-chave: educação; educação e psicanálise; fundamentos da educação; crise na educação.


ABSTRACT

This paper aimed to analyze a few appointments to enable the development of the educational practice in the educational field and the analysis of processes related to the impossible in the emancipation of the subject. To do so, the analysis focused on interfaces between educational field and Freud's considerations in the foreword of "Wayward Youth" by Aichhorn (1925), as well as in another writings, which can cooperate with the understanding of the production of the subject in the field of educational relationships. Thus, it is possible to conclude that the intensification of educational practices and the various discourses on learning would be attempts of the educator to avoid different confrontations of educational problems. The educational process should be a place to establish the production of the subject who opposes to any consolidation of social practices with authoritarian nature and, therefore, would be the key element for all those working in the educational field who assume the authority to establish the production of subjects for a truly democratic society.

Keywords: education; education and psychoanalysis; educational principles; crisis in education.


RESUMEN

El objetivo de este trabajo fue analizar algunas notas para que se pueda desarrollar la práctica educativa en el campo de la educación y los procesos relacionados con lo imposible en la emancipación del sujeto. Por lo tanto, el análisis se centró en las interfaces entre el campo de la educación y las consideraciones freudianas presentadas en el prefacio "La Juventud Desorientada de Aichhorn" (1925) y otros escritos, que también pueden contribuir a la comprensión de la producción del sujeto en el ámbito de la las relaciones educativas. Se concluye que la intensificación de las prácticas educativas y las diversas intervenciones sobre la cuestión del aprendizaje serían intentos de los educadores para evitar diferentes enfrentamientos de los problemas educativos. El proceso educativo debería constituirse como un lugar para establecer la producción del sujeto que se opone a cualquier modo de consolidación de las prácticas sociales de naturaleza autoritaria y, por lo tanto, sería el elemento clave para que todos los que trabajan en el campo de la educación comprendan desde ya la responsabilidad en el uso de las palabras y, más propiamente, asuman la autoridad para establecer la producción de sujetos de una sociedad verdaderamente democrática.

Palabras clave: educación; educación y psicoanálisis; fundamentos de la educación; crisis en la educación.


 

 

Qualquer pessoa que se recuse a assumir a responsabilidade
coletiva pelo mundo não deveria ter criança, e é preciso proibi-la
de tomar parte em sua educação. (Arendt, 2011, p. 239).

 

1 INTRODUÇÃO

Parte-se da premissa básica de que o aparelho escolar é o lugar responsável por oportunizar a transmissão dos elementos da cultura. Outros tantos aparelhos que se encontram presentes na sociedade também podem desempenhar esse papel, mas a unidade escolar possui em seu interior sujeitos habilitados e, portanto, autorizados a desempenhar o papel de proferir os conceitos que constituem os elementos da cultura. No entanto, no que se refere à transmissão do saber erudito no campo educacional, pode-se afirmar que os processos de aprendizagem se encontram em uma completa falência, pois há diversos problemas na educação de crianças e jovens. Freud, no prefácio de "A Juventude Desorientada de Aichhorn" (FREUD, 1990b), escreve que existem "(...) três profissões impossíveis — educar, curar e governar —, e eu já estava inteiramente ocupado com a segunda delas. Isto, contudo, não significa que desprezo o alto valor social do trabalho realizado por aqueles meus amigos que se empenham na educação" (FREUD, 1990b, p. 341).

No entanto, pode-se interpretar que o "impossível" para Freud não significa que essas práticas não sejam realizadas. O importante é compreender a necessidade de romper com práticas educativas que produzem sujeitos no interior do aparelho escolar aprisionados em rotinas completamente destituídas dos elementos básicos para a consolidação do processo de formação cultural.

Poder-se-ia afirmar que a tarefa da teoria crítica no campo educacional seria o de orientar o educador para identificar e elaborar os diversos pontos que impedem a transmissão da cultura erudita. O avanço do aparelho escolar no papel da transmissão do saber passaria por analisar as diversas situações críticas que são muitas vezes estruturais e que decorrem da precariedade na falta de atendimento de profissionais implicados na qualidade de ensino na unidade escolar no intuito de atender toda a demanda da população. O que seria exatamente a implicação na qualidade de ensino na unidade escolar?

Na administração pública, pode-se identificar um conjunto de problemas estruturais na gestão do problema educacional. No entanto, a solução do problema educacional segue como regra geral a aplicação de recursos em capacitação dos professores e na compra de materiais. Dir-se-ia que isso seria apenas a ponta do iceberg, pois somente explica o problema e indica uma solução, sem compreender de fato a sua origem real. Já ocorre certo consenso no campo da administração de que cada dinheiro aplicado na compra de equipamentos requer outro montante superior na aplicação de treinamento de recursos humanos.

Nesse caso, a gestão administrativa escolar deveria assumir as técnicas educativas como parte da solução educacional. Contudo, não se pode fazer o mesmo com as conexões entre a psicanálise e a educação na resolução de problemas no campo educacional. Para Freud,

A psicanálise pode ser convocada pela educação como meio auxiliar de lidar com uma criança, porém não constitui um substituto apropriado para a educação. Tal substituição não só é impossível em fundamentos práticos, como também deve ser desaconselhada por razões teóricas (FREUD, 1990b, p. 342).

Tendo como referencial teórico uma forma crítica de compreender as conexões da psicanálise com o campo educacional, pode-se afirmar que o ponto central seria o de reconhecer que a base de grande parte dos problemas na educação encontra-se na relação destituída de sentido entre o aluno e o professor, pois eles estão também destituídos de implicações com o saber. Portanto, há uma ruptura na passagem do saber entre essas vias de comunicação, entre os sujeitos que se encontram no campo da relação educativa.

Nesse caso, o aluno não aprende pelo fato de ocorrer uma ruptura no vínculo e, como decorrência, uma falha nos processos de transmissão dos elementos da cultura. Esse problema pode estar circunscrito por alguns outros elementos:

  1. falta de competência do professor;
  2. falta de dedicação dos alunos ao estudo;
  3. o aparelho escolar não está adequado para desempenhar a tarefa educativa.

O viés democrático da escola é manifesto quando se pode reconhecer a diferença entre aqueles destituídos do lugar no campo da cultura daqueles sujeitos que se encontram inseridos no campo da cultura. O reconhecimento dessas diferenças entre os sujeitos é a força que estabelece dois mecanismos básicos, quais sejam: identificação e repulsa. No caso do processo identificatório, o sujeito se movimenta pelo próprio desejo no sentido de constituir a si mesmo como uma imagem refletida do outro na cultura. O professor e o aluno, nessa mecânica educativa, atuam na responsabilidade do modelo guiar o outro para um patamar mais elevado na cultura.

Já no caso da repulsa, o sujeito não quer se constituir na imagem desse outro na cultura. Portanto, cabe à organização da unidade escolar garantir apenas as condições necessárias para que o sujeito, por obrigação, faça o dever da "lição para casa" como exercício metodológico de compreender os diversos campos da cultura.

A falta de compreensão desses dois mecanismos que ocorrem na relação educativa (identificação e repulsa) promove a crise na educação brasileira. Isso se apresenta na unidade escolar quando os conjuntos dos sujeitos que ali se encontram não se identificam com o professor, pois esse se encontra em uma posição de obsoleto dentro da estrutura de ensino. A grande questão na solução do problema educacional é investigar: quais os motivos para que ninguém deseje se identificar com o sujeito do saber que ocupa a posição de professor?

O aparelho escolar destituiu de competência técnica o professor e o fez atuar como uma máquina especializada na transmissão da cultura e, desse modo, na garantia apenas dos mecanismos básicos para a produção cultural do sujeito que se encontra esclarecido no campo das ciências para inserir-se naquilo que se denomina como sendo o mercado de trabalho. Nesses termos, a qualidade na educação fica associada ao mercado e isso produz uma resistência na educação do sujeito no campo da consciência crítica.

Tendo como eixo da crise na educação a anulação dos processos identificatórios, o que se tem é uma ampliação da repulsa, mais concretamente das relações humanas destituídas de sentido inovador no campo da cultura. Essa repulsa ampliada destitui o aparelho escolar das condições de exercer o seu papel.

O educar requer uma responsabilidade no "vir a ser" o sujeito, e a perda dessa responsabilidade coloca os problemas da educação brasileira em outras esferas, mais propriamente a crise da educação no campo da filosofia política.

Outro ponto crítico na crise da educação seria o de que essa instauração dos mecanismos de transmissão do saber implica em novos processos educativos que também deveriam estar comprometidos em estabelecer uma resistência à sociedade de mercado e, principalmente, em restabelecer um novo sentido à tarefa de educar orientada para a emancipação do sujeito, rompendo com a lógica do consumo.

Interpreta-se que a crise na educação pode estabelecer outros contrapontos com a hegemonia da sociedade de mercado, ou seja, uma recusa em instaurar a ordem social pautada no modo de produção capitalista e, portanto, o estabelecimento de novos fatores associados à qualidade do ensino. Esses podem ser avaliados a partir de vários determinantes, sejam eles práticos no interior da sala de aula ou elementos institucionalizados pela administração pública.

De um lado, poder-se-ia pensar: a perda de qualidade na educação seria o resultado de uma sociedade que tem como base o mercado, em que a produção é coletiva e a riqueza produzida tende a ser centralizada no acúmulo de poucos. De outro lado, pode-se pensar a crise na educação como resposta ao modo de produção capitalista e, portanto, a crise na educação seria uma modalidade de recusa do referido sistema educacional como aquele que estabelece a base para o funcionamento da dita sociedade de mercado.

Na condição de analisar esses outros aspectos em uma perspectiva crítica sobre a crise na educação, pode-se compreender que nessa recusa ocorre uma positividade da crise por diversos mecanismos de resistência e, assim, há a opção de avaliar a qualidade na educação como algo que se refere também à compreensão das relações entre as práticas e os discursos no interior da unidade escolar no sentido de entender a formação cultural do sujeito em aspectos mais amplos. Para tanto, é preciso compreender a hipótese segundo a qual a prática educativa poderia constituir uma nova hegemonia de ideias e permitir ao sujeito compreender a si mesmo no aspecto da criticidade na instauração da nova ordem social.

Parte-se do pressuposto de que a educação é algo que em si institui diversas práticas e discursos, que, como consequência, instituem a verdade sobre o sujeito por meio do processo de ensino e aprendizagem, em que a responsabilidade e a autoridade se cruzam na produção de práticas educativas.

A transmissão do conhecimento se encontra na polarização da diferença que se estabelece entre a criança e o adulto. Contudo, as condições dessa passagem se ocasionam na incerteza do sucesso na realização da tarefa de inserir as crianças no mundo adulto. Nesse caso, cabe a responsabilidade do adulto na escolha sobre qual mundo em termos de concepção deseja inserir a criança — o pathos da novidade (ARENDT, 2011).

Na educação, essa responsabilidade pelo mundo assume a forma de autoridade. A autoridade do educador e as qualificações do professor não são a mesma coisa. Embora certa qualificação seja indispensável para a autoridade, a qualificação, por maior que seja, nunca engendra por si só autoridade. A qualificação do professor consiste em conhecer o mundo e ser capaz de instruir os outros acerca deste, porém sua autoridade se assenta na responsabilidade que ele assume por este mundo. Face à criança, é como se ele fosse um representante de todos os habitantes adultos, apontando os detalhes e dizendo à criança: – Isso é o nosso mundo. (ARENDT, 2011, p. 239).

Tanto o sucesso ou o fracasso acabam por produzir algum tipo de eficácia no processo de formação cultural do sujeito no campo educativo e, portanto, a crise na educação, nessa interpretação, seria uma fissura na passagem entre o novo e o velho. Nesse caso, por um lado, a prática educativa é produção humana e, por outro lado, é o produto humano. Entretanto, ocorre um desvio entre a produção e o produto, pois nem sempre o educando corresponde às práticas e aos discursos dos educadores. São nesses momentos de crise que se pode identificar aquilo que é denominado pelo senso comum como sendo os "problemas de aprendizagem". No entanto, opta-se por denominar isso como sendo os desvios a que se permitem as rupturas no saber educar e que intensificam as práticas e os discursos educacionais na insistência em fundamentar a verdade, em ser o sujeito educado, e em relação a que há dificuldade de compreensão.

Basicamente, estamos sempre educando para um mundo que já está fora do eixo ou para aí caminha, pois é essa a situação humana básica, em que o mundo é criado por mãos mortais e serve de lar aos mortais por tempo limitado. O mundo, visto que feito por mortais, se desgasta, e, dado que seus habitantes mudam continuamente, corre o risco de tornar-se mortal com eles. Para preservar o mundo contra a mortalidade de seus criadores e habitantes, ele deve ser, continuamente, posto em ordem. (Arendt, 2011, p. 243).

Compreende-se a educação como um longo processo na produção do sujeito educado. Entretanto, considera-se que os manejos da instituição escolar defrontam-se com as dificuldades de aprendizagem compreendidas como uma resistência do sujeito em submeter-se à manipulação de si mesmo no âmbito das práticas educativas. Portanto, como uma formação reativa, o educar traz um efeito inverso, impulsionando o surgimento de uma intensificação das práticas e dos discursos educativos que insistem na possibilidade de produzir singularidades na formação cultural dos sujeitos bem educados. Nesse caso, a investigação centra-se entre o modo como a aprendizagem é pensada (como a correta aplicação da metodologia de ensino) e a intensificação dessas práticas e discursos que atendem a demanda sobre os problemas de aprendizagem — mais educação — que ora pode colaborar com a qualidade do ensino e ora pode estabelecer um fator impeditivo para a aprendizagem e o sucesso escolar.

 

2 O PROBLEMA DO MÉTODO PARA SE COMPREENDER O PROCESSO DE FORMAÇÃO CULTURAL DO SUJEITO: RESTABELECENDO OUTRO SENTIDO À TAREFA DE EDUCAR

O título do livro de Nietzsche (2000), "Humano, demasiado humano", apresenta-se para muitos como sendo uma proposição de cunho pedagógico, qual seja: grande parte das práticas educativas se volta para a intencionalidade da formação do sujeito. No entanto, paradoxalmente, a proposição de Nietzsche se constitui em uma recusa a essa proposição pedagógica, pois

O caráter imutável – Que o caráter seja imutável não é uma verdade no sentido estrito; esta frase estimada significa apenas que, durante a breve duração da vida de um homem, os motivos que sobre eles atuam não arranham com profundidade suficiente para destruir os traços impressos por milhares de anos. Mas, se imaginássemos um homem de oitenta mil anos, nele teríamos um caráter absolutamente mutável: de modo que dele se desenvolveria um grande número de indivíduos diversos, um após o outro. A brevidade da vida humana leva a muitas afirmações erradas sobre as características do homem (NIETZSCHE, 2000, p. 49).

Portanto, uma negação a toda uma tradição pautada na concepção do sujeito como um agregado de conhecimento que o forma em um ser sujeito. No campo escolar, a grade curricular também deveria recusar essa pretensão de "formar o cidadão" e levar em conta que a prática educativa é uma experiência emocional que poderia auxiliar o sujeito a romper com as grades que o aprisionam em um determinado discurso do sujeito, que o impedem de pensar para além de si mesmo. Assim, a cultura como elemento transmitido no campo escolar deve permitir a produção do sujeito para além do próprio sujeito.

Compreende-se que a formação cultural na modernidade ocorre por diversos aparelhos e processos de intensificação dos discursos e das práticas educativas no sentido de proporcionar a aprendizagem e, até mesmo, a solução pedagógica em relação ao fracasso escolar.

Tem-se como perspectiva teórica compreender o ato educativo em uma oposição inversa, que ocorre na simplicidade do fazer da transmissão cultural, em oposição à situação da complexidade do saber educar, na qual tudo seria um entorno ampliado que acaba por tornar mais incompreensível os aspectos pedagógicos. Esses entornos ampliados é que se podem denominar como sendo a instituição do "mestre explicador" (RANCIÈRE, 2002).

Os problemas educativos são interpretados como a própria falta de sucesso educativo e representados, tanto pelos educandos como pelos educadores, como uma necessidade de mais educação. Parte-se também da hipótese de que amais educação acaba por produzir um conjunto de atuações e, principalmente, reações no campo educativo.

Nesse aspecto, a questão sobre o sucesso e o fracasso escolar passa a ser o tema central da pesquisa, principalmente, a análise das intensificações das práticas e dos discursos educativos que elaboram um conjunto de justificavas para os diversos modelos de aprendizagem escolar como solução para os problemas que se apresentam nesse ambiente. Essa atenção voltada para as diferenças entre as diversas instituições escolares pode evidenciar algumas práticas escolares que constituem os fatores associados à qualidade do ensino na educação básica.

Pensar nos fatores associados à qualidade do ensino na educação básica implica uma criticidade que muitas vezes não se deve iludir com a chamada solução educativa. Compreende-se que, geralmente, a solução educativa é utilizada como uma fuga do real, ou seja, o educador para não lidar com a sua própria castração sobre o insucesso em querer educar o outro opta por certo abandono do princípio de realidade. Em grande parte dessas situações, o educador confirma a tese de que o outro não aprende por ser incapaz e busca de modo maníaco apenas a satisfação de si mesmo em querer educar o outro1. Assim, aquilo que se denomina problemas de aprendizagem escolar na verdade se apresenta no real como o sintoma — o retorno do recalcado —, algo não passível de interpretação pelo saber educativo. Dentro desse quadro é que se pode realizar uma análise no sentido de evidenciar os fatores associados à qualidade do ensino na educação básica.

Nesse conjunto de problemas na educação brasileira, pode-se transpor alguns pontos de reflexão decorrentes das conexões entre a psicanálise e a educação, na tentativa de refletir sobre como os educadores pensam e falam sobre as dificuldades escolares: os problemas de aprendizagem.

Pode-se afirmar que os educadores inventam os seus próprios manejos para justificar e solucionar essas dificuldades escolares. É possível afirmar nesse momento que:

Não faltam explicações "pedagógicas" para compreender o "aluno anormal", mais propriamente, o "fracasso escolar", as quais centram-se na tese de uma falta de adequação, ou relação natural, entre a intervenção do adulto e o estado psicomaturacional das crianças e dos jovens. Assim, oscila-se entre afirmações do tipo 'ainda não está maduro para uma tal atividade' e o 'método utilizado revelou ser pouco eficaz' (...). Sendo essa tese da conaturalidade que funciona como algoritmo do raciocínio pedagógico, é possível escutar por aí afirma ções singulares do tipo: 'é por causa da falta de motivação', 'porque é filho de pais separados', 'porque é uma criança favelada', 'porque a lousa é preta e não verde', 'porque, no lugar de dar o intervalo no meio, o professor deu no fim da aula', 'porque, no lugar de fazer uma aula de uma hora, fez uma aula de uma hora e meia e as pesquisas psicológicas alertam para o fato de se produzir estafa psíquica depois de uma hora (LAJONQUIÈRE, 1999, p. 28).

Parte-se da tese de que amais educação, de certo modo, pode se apresentar no âmbito escolar como algo que destitui o enfrentamento dos problemas que se apresentam na questão das causas das dificuldades escolares: os problemas de aprendizagem. Portanto, seria preciso o educador se responsabilizar na construção da verdade sobre o problema educativo no sentido de evidenciar, analisar e, principalmente, documentar a queixa escolar naquilo que se centra na questão da dificuldade escolar ou, mais propriamente, na questão do problema de aprendizagem.

Nesse caso, uma educação de qualidade seria aquela em que se faz um esforço de transpor a função da mais educação como um hábito inserido na educação escolar que fundamenta o real nas questões das causas das dificuldades escolares para alcançar uma compreensão verdadeira sobre as questões dos problemas de aprendizagem no sentido de evidenciar os fatores associados à qualidade do ensino.

Parte-se da tese de que os educadores, para manterem suas manias pedagógicas, optam por inventar práticas e também intensificar os discursos para justificarem a aprendizagem ou, até mesmo, superar as diversas causas de dificuldades para efetivar o referido processo de aprendizagem — a mais educação. Portanto, tanto do lado do sucesso como do lado da falta deste, a aprendizagem é o foco central para se pensar a questão das intensificações das práticas e discursos dos educadores. Assim, o problema da educação escolar pode se encontrar na questão do processo de aprendizagem do aluno como o resultado inverso de pouca educação. Portanto, o educador no âmbito de sua função prática opera como um inventor que possui uma dupla manobra no sentido do educar, pois, de um lado, mantém os pressupostos educativos e favorece a compulsão em educar e, de outro lado, justifica plenamente aqueles que não aprendem.

 

3 RESULTADOS – A QUESTÃO DA AUTORIDADE E A APRENDIZAGEM ESCOLAR ENTRE O PASSADO E O FUTURO

Para Arendt (2011), a questão entre o passado e o futuro se apresenta como um problema teórico e prático a se equacionar nessa passagem, e isso, em termos educacionais, seria possibilitar as condições reais e efetivas para ocorrer essa alteração no interior do aparelho escolar entre o passado e o novo que se impõem pelo nascimento do outro, pois,

O problema da educação no mundo moderno está no fato de, por natureza, não poder esta abrir mão nem da autoridade, nem da tradição, e ser obrigada, apesar disso, a caminhar em um mundo que não é estruturado nem pela autoridade nem tampouco mantido coeso pela tradição (ARENDT, 2011, p. 244-245).

Na presente interpretação, a pergunta correta deveria ser feita em termos pedagógicos: de que maneira seria possível, na relação com o novo, instaurar indicadores possíveis de como se deve proceder para levar o sujeito ao alcance da emancipação? Dir-se-ia que, em parte, essa pergunta é falsa, pois o dizer "como fazer" já seria um fechamento na possibilidade da emancipação do sujeito, pois se estaria definindo um conjunto de pré-práticas educativas. A pergunta deveria ser: como não se deve proceder em termos educativos para produzir o sujeito autoritário? Dir-se-ia que a resposta, pautada em Nietzsche, seria o evitar ou desconfiar daqueles que possuem resposta para tudo, ou seja, "Inimigos da verdade. — Convicções são inimigos da verdade mais perigosos que as mentiras" (NIETZSCHE, 2000, p. 265).

A separação entre a autoridade e o autoritarismo é que, na primeira, a resposta está pautada em uma experiência de vida que compartilha uma verdade; e, na segunda, a resposta do autoritário está pautada em uma vida sem experiência que impõe a verdade. Desse modo, a maneira como se acolhe o outro é que define a posição política do sujeito, portanto,

Não serão nossas verdades a expressão de que já esquecemos a verdade que tremula naquilo que não se sabe? E, a partir daí, não se trataria, melhor dizendo, de que aprendêssemos a constituir um olhar capaz de acolher o acontecimento daquele que nasce? E, se a educação é o modo de receber aquele que nasce, não seria o caso de, então, deixar acontecer a verdade que traz consigo aquele que nasce? (LARROSA, 2004, p. 196).

Em grande parte das unidades escolares, a "coordenação pedagógica" assume a tarefa de manter em funcionamento o aparelho escolar e, portanto, no conjunto dessa problemática é que as práticas e explicações pedagógicas parecem fazer parte de um discurso que promove a manutenção de um sistema educativo em que o real insiste em "(...) socorrer uma incapacidade de compreender" (RANCIÈRE, 2002, p. 23). Contudo, em uma análise crítica dessa situação, sustenta-se a tese de que, na verdade, o que ocorre é justamente outra situação, ou seja,

É o explicador que tem necessidade do incapaz, e não o contrário, é ele que constitui o incapaz como tal. Explicar alguma coisa a alguém é, antes de mais nada, demonstrar-lhe que não pode compreendê-la por si só. Antes de ser o ato do pedagogo, a explicação é o mito da pedagogia, a parábola de um mundo dividido em espíritos sábios e espíritos ignorantes, espíritos maduros e imaturos, capazes e incapazes, inteligentes e bobos. O procedimento próprio do explicador consiste nesse duplo gesto inaugural: por um lado, ele decreta o começo absoluto — somente agora tem início o ato de aprender; por outro lado, ele cobre todas as coisas a serem aprendidas desse véu de ignorância que ele próprio se encarrega de retirar. Até ele, o pequeno homem tateou às cegas, num esforço de adivinhação. Agora, ele vai aprender (RANCIÈRE, 2002, p. 23-24).

Para o "mestre explicador", é o aluno que deve se expor para evidenciar os motivos que o impediram de aprender o ponto. Para tanto, aplica-se prova, analisa-se comportamento, anota-se a motivação, observam-se as capacidades, mede-se o desenvolvimento e após todos esses exames é que se pode concluir, de fato, se o aluno aprendeu ou se foi incapaz de aprender. Quando isso não ocorre, é preciso corrigir a metodologia de ensino apenas para realizar a inclusão do aluno e não pelo fato de que essa não seja pertinente ao processo de aprendizagem.

Para esses educadores, o aluno aprende somente como resultado da função "explicadora do mestre" e, no caso das instituições escolares, a aprendizagem somente se apresenta como o resultado nos desempenhos dos alunos nos exames de avaliação pelos órgãos governamentais.

Está instalado no campo educativo o funcionamento do princípio de prazer e que esse seja somente para a satisfação no sentido da realização da felicidade do "mestre explicador". Sabe-se que, para o sujeito, o alcance da satisfação é um caminho para alcançar a felicidade. Contudo, para Freud, a infelicidade, que é "muito menos difícil de experimentar" (FREUD, 1990a, p. 95), apresenta-se em três direções. A primeira, "de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência" (FREUD, 1990a, p. 95). A segunda, "do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas" (FREUD, 1990a, p. 95). E, por último, "de nossos relacionamentos com os outros homens" (FREUD, 1990a, p. 95). Essa última consideração por si só inviabilizaria a atividade educativa, pois, por mais diferentes concepções de educação que possamos ter, todas pressupõem um encontro de sujeitos. No entanto, grande parte daqueles que trabalham na prática educativa reconhecem que entre o preceptor e o educando se encontra um conjunto de dificuldades para se realizar o encontro entre os sujeitos (RODRIGUES, 2007). Assim, na concepção freudiana, a tarefa de educar pode proporcionar com maior facilidade a infelicidade, pois ambas as partes devem submeter seus impulsos a outras finalidades mais nobres.

Considerando que isso é um princípio psicanalítico, seria a educação uma atividade desprazerosa para o sujeito? Se isso for verdade, é possível dizer que há uma dificuldade em conciliar as teses freudianas com a educação para a busca da felicidade humana.

Não se pode esquecer da citação anterior de que para Freud existem "três profissões impossíveis — educar, curar e governar" (FREUD, 1990b, p. 341). Certamente, a infelicidade humana é um tema que exige maior aprofundamento, e as três direções mencionadas por Freud demonstram bem isso.

Todavia, é possível, nesse momento, apontar para uma resposta freudiana sobre o assunto, qual seja: o conflito entre indivíduo e cultura é inevitável, não havendo, portanto, uma prevenção possível para as neuroses. Albertini (1994) cita o episódio em que Freud, ao ser questionado por uma mãe sobre qual seria a melhor forma de educar seu filho, respondera: "Faça como quiser, qualquer que seja a maneira, ela será igualmente má" (ALBERTINI, 1994, p. 65).

Nesse aspecto, tem-se como suporte teórico a teoria psicanalítica no sentido de elaborar qual o significado dos discursos e práticas educativas na aprendizagem e nas causas das dificuldades escolares: problemas de aprendizagem.

Compreende-se o modo de se interpretar o sintoma educativo, qual seja: o modo maníaco como os educadores atuam no sentido de se manterem na felicidade de se sustentarem plenamente como sujeitos do "mestre explicador". Portanto, uma ruptura com uma educação que reifica o outro seria o da escuta da queixa escolar no sentido de aprofundar a temática sobre "os problemas de aprendizagem". O campo teórico da psicanálise pode servir de base para que diversos educadores possam compreender a dimensão dessa tarefa, mais propriamente a de encontrar um possível diálogo entre a teoria psicanalítica de Freud e a educação escolar.

Quando se refere ao problema de aprendizagem, o ponto central é que aquele que aprende pode se destituir da sua condição de sujeito sensível e tornar-se insensível perante a vida — a formação do caráter manipulador (ADORNO, 1995, p. 130-131). Assim, a tarefa central da aprendizagem deveria ser compreendida como um elemento que possa permitir ao sujeito elaborar a sua própria condição humana — processo de sensibilização.

O fato é que o educador como intelectual deveria propor, a todo o momento, buscar, a partir das contraposições presentes no campo educacional, as possíveis rupturas e resultantes que apontam aos fatores associados à qualidade do ensino na educação básica. De momento, sabe-se que isso é algo que ora consubstancia em melhoria efetiva da aprendizagem e ora justifica a falta de sucesso do aluno e, até mesmo, o impede de prosseguir em sua formação cultural.

 

4 DISCUSSÃO – OS POSSÍVEIS (DES)CAMINHOS DA EDUCAÇÃO

Quando criança, o primeiro livro lido pelo autor deste artigo foi "O Caminho Suave", de Lima (2014), e foi nessa obra que ele foi alfabetizado. Hoje em dia, pode-se concluir que esse caminho da alfabetização não é nada suave e exige grande esforço do professor e do aluno. Nesse esforço educativo, pode-se pensar que a intensificação das práticas educativas e a ampliação dos discursos sobre a questão da aprendizagem seriam apenas tentativas de evitar a falência educativa, mas pode ser também um modo de o educador evitar o enfretamento dos problemas educacionais.

Compreende-se que o problema central no campo educacional seria o de reconhecer que os desajustes nas metas educacionais estão diretamente relacionados com o grau de envolvimento dos sujeitos com a cultura.

O educador pode circunscrever as práticas educativas por demasiadas explicações que, por um lado, justificam o real verdadeiro e, por outro lado, acabam também por produzir certo grau de eficácia no processo de formação cultural dos sujeitos.

Já a falência da educação na sociedade de mercado cumpre um duplo papel necessário, qual seja: justifica a desqualificação do valor da força de trabalho a ser empregada no setor produtivo e, principalmente, justifica o desemprego da força de trabalho no setor produtivo. No caso do emprego da força de trabalho, a crise seria na passagem entre o tempo livre e o mundo do trabalho. O resultado dessas rupturas é que os problemas da pobreza e da opressão ainda se mantêm sem solução. Portanto, pode-se compreender a educação como lugar

(...) onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum. (ARENDT, 2011, p. 243).

A todo o momento, observa-se a necessidade em se pensar criticamente as práticas educativas e, principalmente, suas contradições no sentido de que se tenha como foco o sujeito emancipado no campo das relações humanas. Para tanto, há que se estabelecer todas as esperanças na construção do processo civilizatório que também respeite o conjunto de todas as espécies de formas de vida que habitam esse planeta. Não é por acaso que Hannah Arendt (1906–1975), que presenciou a barbárie instaurada pela máquina alemã de matar, na ascensão do Nazismo, tenha se preocupado com a crise na educação como um lugar de se instaurar a produção do sujeito que se opõe a qualquer modo de consolidação de práticas sociais de cunho autoritárias e, por isso, já seria o elemento fundamental para que todos aqueles que atuam no campo educativo compreendam desde já a responsabilidade no uso das palavras e, mais propriamente, assumam a autoridade de instaurar a produção de sujeitos para uma sociedade efetivamente democrática.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS – O EDUCAR E A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE

Podemos afirmar que educar é alterar o próprio modo de fazer, pensar e sentir do sujeito, e isso encontra-se no campo educativo no predomínio hegemônico da tese de que toda relação de ensino-aprendizagem deve materializar-se em ações que resultem em efetivas trocas de práticas entre os sujeitos e que isso ainda resulte na composição ou alteração de determinados tipos de comportamento no educando. Afirmar isso tem como ponto central a ideia de que o sujeito educado é aquele que desenvolve práticas passíveis de serem observadas, principalmente, avaliadas em função das expectativas do sujeito educador. Alguém aprende algo quando reproduz aquilo que lhe foi intencionalmente ensinado. Compreende-se que quanto mais similar e correta for a reprodução do que foi ensinado melhor terá sido o processo educativo — educar é fazer o "eu" no outro.

Entretanto, educar não seria somente o fato de constituir na prática o "eu" no outro como a reprodução de comportamento, ou seja, é, além disso, a produção da imaterialidade em ser sujeito — a subjetividade. Assim, passa-se de uma situação em que educar é somente a realização de práticas para a compreensão de que a educação é, também, a organização do interno psicológico no sujeito como determinante na produção da subjetividade e, evidentemente, no seu processo de aprendizagem em ser sujeito educado.

O interno psicológico não é passível de observação direta, pois, da mesma forma, apenas é constatado na exteriorização das práticas do sujeito. Tem-se, assim, na prática educativa, a convergência simultânea da materialidade e da imaterialidade em ser sujeito. Considera-se, pois, a psicologia da educação como um modo de contraposição da tese educativa de que o sujeito educado é aquele que somente faz, para a tese da compreensão de que o sujeito educado é aquele que também opera com a psique. Aqui, o ponto de partida é a tese de que a prática educativa corresponde à mistura entre as ações práticas que acrescentam uma determinada metafísica presente na intenção de educar a subjetividade. A psicologia da educação situa-se no cruzamento da dualidade da formação do sujeito que fica ora centrado na prática educativa, ora centrado na subjetividade.

Contudo, como levar até a última instância a tese de que o educar seria a reprodução de uma prática que se apresente como a imagem refletida do educador? Trata-se de uma pergunta cuja resposta tem direcionado o educador a exigir do educando a correspondência única do que é ser sujeito. Em outro aspecto, pensar o educar como a produção de uma metafísica direciona o educador para outra exigência que seria quase inalcançável, ou seja, o de, além disso, reproduzir a subjetividade. Nessa dualidade, retoma-se a metáfora de Rousseau de que "moldam-se as plantas pela cultura, e os homens pela educação" (ROUSSEAU, 1995, p. 8).

Isso pode resultar, basicamente, em uma educação que de um lado trata o homem como uma planta, mecanicamente cuidado pela cultura, e de outro lado pensa o homem como educado pela cultura, mais propriamente, educado no contexto da Bildung. Entretanto, o que seria educar o homem pela cultura no contexto da Bildung?

A ideia de Bildung deixa transparecer a formação do sujeito como algo para além das práticas educativas que se materializam nas ações entre os sujeitos. A Bildung não seria apenas o educar como resultado material que se centra na experiência do educador e sim algo mais amplo, como, por exemplo, as condições de vida de uma determinada época, um povo, uma língua, uma arte, enfim, determinadas circunstâncias que definem a formação cultural do sujeito (SUAREZ, 2005).

Sobre essa consolidação da cultura no sujeito ou o modo de pensar do sujeito, é muito oportuna a investigação de Foucault sobre o conhecimento ao apontar para a instabilidade do modo de saber ser sujeito, pois permite compreender que "o homem não passa de uma invenção recente, uma figura que não tem dois séculos, uma simples dobra de nosso saber, e que desaparecerá desde que este houver encontrado uma forma nova" (FOUCAULT, 1990, p. 13).

Pensar o sujeito como uma construção de práticas educativas aponta para um amplo campo de investigação, pois como já apontado anteriormente é possível compreendê-lo como aquele que se encontra inserido em um conjunto de ações que para Marx formam o ponto central das relações sociais de produção, ou seja,

(...) na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social, político e espiritual (MARX, 1974, p. 135-136).

Tanto para Foucault quanto para Marx, o indivíduo resulta de um conjunto de práticas que alteram ou mantêm o seu modo de ser sujeito; mais propriamente, produzem processos de singularização específicas em cada sujeito. Nesse caso, a educação seria um processo de inserção do sujeito em práticas que o instituam em uma determinada formação cultural (Bildung), que também condiciona o sujeito em uma concepção de mundo, mais propriamente, como uma Weltanschauung que é

Uma construção intelectual que soluciona todos os problemas de nossa existência, uniformemente, com base em uma hipótese superior dominante, a qual, por conseguinte, não deixa nenhuma pergunta sem resposta e na qual tudo o que nos interessa encontra seu lugar fixo (FREUD, 1990c p. 155).

No âmbito de uma Weltanschauung, pensar a questão da educação é compreender a mesma como um campo fenomenológico de múltiplas determinações, entre as quais os diversos modos específicos que resultam no cruzamento das ações práticas e na estrutura da organização do pensamento do sujeito. Para Freud, no campo de uma Weltanschauung

A criança é educada no sentido de conhecer os seus deveres sociais mediante um sistema de recompensas carinhosas e de punições; é-lhes ensinado que sua segurança na vida depende de que seus pais (e, depois, de que outras pessoas) a amem e de que eles possam acreditar que a criança os ama. Todas essas relações são posteriormente introduzidas, inalteradas, pelo homem, na religião. A quantidade de proteção e de satisfação destinada a uma pessoa depende do seu cumprimento das exigências éticas; seu amor a Deus e sua consciência de ser amado por Deus são os fundamentos da segurança que adquire contra os perigos do mundo externo e do seu ambiente humano (FREUD, 1990c, p. 160).

Ao considerar que a Weltanschauung encontra-se, basicamente, dividida em dois grandes segmentos, a partir da nossa hipótese de trabalho, qual seja, de que a materialidade da ação educativa é o ponto de união entre a teoria e a prática, mais propriamente, no caso da educação, a união entre o resultado de uma educação prática e a manifestação da organização psicológica do sujeito que adquire em decorrência de suas experiências com a vida, por um lado, a prática seria entendida como determinada pela própria materialidade da coisa: uma "Weltanschauung prática" e, por outro lado, a prática também é determinada por uma "Weltanschauung teórica".

A unidade entre essas duas Weltanschauung seria o que se denomina no campo do marxismo como a práxis, ou seja, como uma atividade humana que não se resume a uma prática utilitária e sim à interpretação e transformação do mundo (VÀSQUEZ, 1977, p. 5). No campo educativo, contudo, de que maneira pensar a práxis educativa como a unidade da prática e do pensamento que resulte em ações para educar o sujeito?

O campo educativo proporciona as condições para um olhar da psicologia da educação pautado estritamente no biológico do sujeito, a qual apontaria somente para as ações práticas estritas no modo de ser sujeito como o resultado de sua organização neural. Pelas práticas educativas, encontra-se o precioso caminho para educar e produzir a subjetividade. Em contraposição a essa situação, é possível identificar outra psicologia da educação que analisaria as condições simbólicas do sujeito na realização de sua prática.

A via da psicanálise para se compreender o fenômeno educativo seria uma ruptura na tentativa ilusória de educar na reprodução do mesmo, mais propriamente, apontar no sujeito as formações do inconsciente como a injunções que se encontram presentes no desgoverno de suas atuações. Nesse ponto, há um grande problema para o campo da educação, qual seja: como afirmar que a prática educativa é ilusória se essa possui eficácia na formação do sujeito?

Ao partir do pressuposto de que em cada escola e em cada sala de aula os sujeitos são educados para serem a reprodução do sujeito educador, nada haveria de ilusório na afirmação de que a educação reproduz o "eu" no outro. A questão central seria determinar quais os resultados de práticas educativas as quais insistem em fazer o "eu" no outro.

 

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Endereço para correspondência
Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) / Instituto de Física e Química (IFQ) –
Avenida BPS, 1303 –
Pinheirinho, Itajubá, MG.
CEP: 37500-903.
E-mail: rogerio@unifei.edu.br

Artigo recebido em: 08/07/2016
Aprovado para publicação em: 28/10/2016

 

 

1 Essa referência sobre o "outro não aprende por ser incapaz" é uma escuta que obtive durantes anos em que participei das reuniões pedagógicas no período em que trabalhei como professor em escola do Ensino Fundamental e Ensino Médio.

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