INTRODUÇÃO
O suicídio é um ato racional e/ou cultural que sempre esteve e estará presente em todas as sociedades da antiguidade à modernidade sem qualquer distinção sociocultural e geográfica. O que deve haver de dessemelhante é a natureza e intensidade/variação/ prevalência da manifestação do fato social no sentido da teoria durkheimiana. É bom dizer que o aparecimento do suicídio pode ser compreendido por meio de uma taxa normal que uma determinada parcela da sociedade estará voluntariamente predisposta a cometer em qualquer contexto sócio-histórico e cultural. Para o sociólogo francês Émile Durkheim (1999), toda a sociedade no passado e/ou no presente está predisposta a apresentar um percentual de indivíduos que estão tendentes a entrar nas estatísticas oficiais de mortes voluntárias no mundo ocidental, contudo, respeitando as particularidades significativas de cada país, região, clima, topografia, cultura e religião. É bom esclarecer que, no caso ligado a fatores fisiológicos (loucura, delírios, melancolia, vesânia etc.) os números de mortes voluntárias não podem ultrapassar àquela amostra que toda sociedade deve apresentar espontaneamente, logo, objeto de estudo da psiquiatria e outras áreas afins.
Assim, o suicídio é um fenômeno, conforme Durkheim, eminentemente social e tem aparecido e aumentado significativamente os números a partir do século XVIII, com o surgimento e o impulso da revolução industrial e as transformações socioculturais e políticas desencadeadas com o aparecimento de um novo éthos moral e sociocultural no contexto da sociedade moderna, por exemplo, o individualismo excessivo, a ausência de integração social e a hiperespecialização.
A revolução industrial desencadeou o êxodo rural, o individualismo, o aumento da jornada de trabalho, a miséria social, o alcoolismo e a exclusão social, portanto, transformou profundamente as relações sociais no modo de produção em curso. Nesse entendimento, países/regiões/continentes passaram, posteriormente, por essas mudanças advindas das causas impulsionadas pelo progresso e desenvolvimento do capitalismo moderno.
O Brasil aparece nesse contexto a partir da metade do século passado com o plano de desenvolvimento acelerado, sobretudo marcado por um tipo de economia de mercado profundamente centrado no progresso individual, urbanização, êxodo rural, favelização e desintegração social que são características extremamente preocupantes com o avanço da modernidade.
A pesquisa delineou o perfil dos sujeitos que cometeram suicídio em vinte quatro (24) municípios pertencentes à região do meio-oeste catarinense por meio de análise e interpretação de dados estatísticos oficiais e públicos obtidos no Instituto Geral de Perícias (IGP/IML-SC) de 2000 a 2013. A região em tela tem exibido um perfil predominante dentro deste recorte geográfico para vinte três municípios atendidos pelo IGP, núcleo Joaçaba, SC, com prevalência de índices significativos anualmente de mortes voluntárias.
A investigação buscou apresentar as estatísticas oficiais do fenômeno social suicídio a partir da abordagem sociológica comparativa/funcionalista de Émile Durkheim (2005). Para ele, o suicídio é um fato social, logo, manifesta-se de maneira coercitiva, geral e exterior ao indivíduo, portanto, se afasta das explicações biológicas e fisiológicas realizadas por outras áreas do conhecimento, no caso, a psiquiatria e a psicologia. Ademais, numa perspectiva durkheimiana, esse tipo de morte voluntária apresenta múltiplas variáveis (ano, estação do ano, mês do ano, dia da semana, horário, idade, sexo, religião, estado civil, alcoolismo, instrumentos utilizados e outras variáveis) a depender do contexto social, cultural das relações sociais estabelecidas (mais ou menos integradas) na região investigada. Já os objetivos específicos foram: a) Levantamento de dados estatísticos oficiais respectivamente no IGP/IML – Instituto Geral de Perícias – Joaçaba, SC; b) traçar o perfil das pessoas que cometeram suicídios na região a partir das planilhas de homicídios do IML-SC; c) identificar a prevalência de mortes por cada município analisado.
Para a organização e tabulação dos dados levantados (nas planilhas dos homicídios em geral e recortou-se especificamente para as mortes voluntárias fornecidas)2 contidos nos arquivos dos computadores do IGP/IML. Para análise e apresentação dos dados, utilizou-se o Editor de Planilha Excel3 para elaboração dos gráficos e figuras publicadas nos resultados e discussões.
1. REFERENCIAL TEÓRICO
O suicídio enquanto fenômeno social passa a ser objeto de estudo da sociologia, notadamente, estudado por Durkheim (1897/1999) a partir do século XIX, sobretudo apoiado em estatísticas oficiais e públicas de países como Alemanha, França, Suíça, Itália, Dinamarca, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Suécia, Irlanda, Hungria, Inglaterra, Finlândia, Rússia, onde os índices superavam a média de casos por regularidade e prevalência de suas manifestações mais significativas. Assim, a sociologia procura descrever as características epidemiológica inerentes ao fato social suicídio em conformidade com a região, o clima, a temperatura, a cultura, a religião e a moral dos indivíduos.
Dizer que as sociedades humanas apresentam tendências mais ou menos pronunciadas para o suicídio não constitui uma metáfora, mas, para Durkheim (1897/1999), não deixa de ser a expressão máxima da natureza das coisas e de como elas se manifestam na sociedade em geral.
Considerando que a pesquisa durkheimiana foi realizada em mais de dez países europeus, especialmente naqueles que mais apresentavam taxas elevadas de suicídios dentro de um mesmo país, região, departamentos e municipalidades. Dito isto, Durkheim (1897/1999) veio a concluir que o suicídio não é uma simples soma de unidades independentes, isto é, um conjunto de fenômenos desorganizados, aleatórios no tempo e espaço, mas uma realidade com regularidade de manifestação. Para ele, o ato voluntário constituiu por si um fato novo e sui generis; que possui a sua unidade e a sua individualidade, isto é, natureza própria e manifestação eminentemente social. A partir das investigações durkheimianas se passou a considerar o suicídio como fenômeno que tem relação direta com o meio onde os indivíduos são educados e instruídos no mundo social em que estão envolvidos intensamente.
Organização Mundial da Saúde (OMS) sinaliza que o suicídio está entre as dez causas de mortes mais frequentes em muitos países estudados e inventariados. No Brasil, são registradas dez mil perdas/mortes por ano, com taxa de 4,8 a cada cem mil habitantes, em 2008 (Fiocruz, 2014).
A realidade brasileira é bastante importante nesse contexto atual, visto que não havia no passado estudos que mostrassem os impactos desse fenômeno social na realidade dos estados e dos municípios brasileiros. Assim, em 2012, e, pela primeira vez, o Ministério da Saúde se mostrou bastante preocupado com os altos índices de suicídios entre jovens e adultos no Brasil, razão pela qual orientou (e até destinou recursos públicos) a/os governantes/países para pensar uma política pública específica de assistência e monitoramento no que se refere ao fato social em tela.
Ainda conforme a OMS a taxa global de suicídio padronizada por idade para 2016 foi de 10,5 por cada 100 mil pessoas. As taxas variaram amplamente entre os países, de cinco mortes por suicídio por cada 100 mil a mais de 30 por cada 100 mil. Não se pode perder de vista um outro dado preocupante, que 79% dos suicídios no mundo ocorreram em países de baixa e média renda, já os países de alta renda apresentaram a maior taxa – 11,5 para cada 100 mil. Quase três vezes mais homens morrem por suicídio do que mulheres em países de alta renda, em contraste com os países de baixa renda, onde a taxa é mais igual (OMS, 2019).
Considerando a pesquisa da OMS (2019), é preocupante os dados a respeito dos jovens brasileiros, sobretudo aqueles com idades entre 15 a 29 anos. Assim sendo, o suicídio foi a segunda principal causa de morte nesta faixa de idade, estando atrás apenas dos acidentes de trânsito. Entre adolescentes de 15 a 19 anos, o suicídio foi a segunda principal causa de morte entre meninas (após condições maternas) e a terceira principal causa de morte entre meninos (após acidentes de trânsito e violência interpessoal).
O suicídio é um tema bastante estudado na área de medicina, sobretudo no campo da psiquiatria e áreas afins. A abordagem dessa especialidade está voltada principalmente para aspectos ligados a manifestações biológicas, fisiológicas, meio físico e disposições orgânico-psíquicas do enfermo, conforme já explicitado por uma vasta literatura médica/ epidemiológica nos séculos XIX e XX, mas tem pouco adentrado no contexto sociocultural e antropológico do mundo social [cultura, valores, crenças, moral, sazonalidade, trabalho etc.] dos indivíduos. Em virtude dessas considerações, o suicídio numa definição durkheimiana “[...] é toda a morte que resulta mediata ou imediatamente de um ato positivo ou negativo, realizado pela própria vítima” (Durkheim, 2005, p. 13). Em outras palavras, para o autor, a pessoa é sabedora de que a sua ação social resultará em um atentado contra sua própria vida, a saber, o objetivo da morte como fim último.
Atualmente as instituições e a sociedade começam a perceber que é preciso estudar e ampliar a discussão a respeito do fenômeno do suicídio não para estigmatizar, invisibilizar e reforçar o silêncio (tabu sociocultural) que gira em torno dessa questão de saúde pública mundial. É importante se atentar para as reflexões oriundas de Durkheim quando afirma que:
Na realidade, o que pode contribuir para o desenvolvimento do suicídio ou do crime não é o fato de se falar deles; mas a maneira como se fala. Onde essas práticas são rejeitadas, os sentimentos que despertam traduzem-se pelos relatos que delas são feitos e, por conseguinte, mais neutralizam do que excitam as predisposições individuais. E ao contrário, quando a sociedade está moralmente despreparada, o estado de incerteza em que mergulha inspira-lhe, com relação aos atos imorais, uma espécie de indulgência que se exprime involuntariamente todas as vezes que se neles e torna menos perceptível o seu caráter moral. Nesse caso, o exemplo se torna verdadeiramente temível, não por ser um exemplo, mas porque a tolerância ou a indiferença social diminuem a repulsa que ele deveria inspirar (Durkheim, 1897/1999, p. 137).
Convém notar, outrossim, que a abordagem sobre disposições orgânico-psíquica e a natureza do meio físico é incompleta por não fazer distinção entre duas espécies de mortes bastante distintas, por exemplo:
Não podemos alinhar na mesma classe e abordar da mesma forma a morte do alucinado que se precipita de uma janela alta porque a julga próxima do solo e a do homem, de espírito são, que atenta contra a sua vida estando consciente disso. Aliás, em certo sentido há poucas mortes que não sejam a consequência, próxima ou longínqua, de procedimentos do paciente. As causas de morte situam-se muito mais fora de nós do que em nós e só nos atingem se nos aventurarmos a adentrar sua esfera de ação. (Durkheim, 1897/1999, p. 13).
Posto isto, o fator predisposição é algo que está inerente às condições fisiológicas e biológicas devendo ser objeto de estudo especial da psiquiatria enquanto ciência que se apropria desse assunto em especial.
Durkheim (1897/1999) analisa o significado comum a todas as formas possíveis dessa renúncia suprema do indivíduo, o ato que a consagra ser realizado com conhecimento de causa da própria vítima, ou seja, ela saberá que a sua ação levará a uma reação positiva e violenta contra a sua própria vida. Nesse sentido, a própria vítima, encontra-se em estado consciente e espírito são, portanto, de interesse de observação do sociólogo e dos estudos de sociologia em geral.
Com efeito, entre as diversas espécies de mortes existem aquelas que apresentam o seguinte traço particular: o fato de serem obra da própria vítima, de resultarem de um ato de autoria do próprio paciente; por outro lado, ocorre que essa mesma característica está na base da ideia que normalmente se tem de suicídio. Aliás, a natureza intrínseca dos atos que levam a esse resultado não é muito importante. Embora de modo geral o suicídio seja pensado como ação, positiva e violenta, que implica um investimento de força muscular, uma atitude puramente negativa ou uma simples abstenção podem ter a mesma consequência (Durkheim, 2005).
O que há em comum a todas as formas possíveis dessa renúncia suprema é o ato que a consagra ser realizado com conhecimento de causa; é a vítima, no momento de agir, saber o que resultará de sua conduta, seja qual for a razão que a levou a assim se conduzir. Todos os fatos de morte que apresentam essa particularidade característica distinguem-se claramente dos outros, em que o paciente ou não é o agente de seu próprio falecimento ou o é apenas de maneira inconsciente (Durkheim, 1897/1999).
Cada sociedade tem, portanto, em cada momento de sua história, uma aptidão definida para o suicídio. Mede-se a intensidade relativa dessa aptidão tomando a relação entre o número total de mortos voluntários e a população global (todas as idades e ambos os sexos). Logo, chamá-lo-emos esse dado de taxa social de mortalidade-suicídio própria à sociedade considerada (Durkheim, 1897/1999).
Desse modo, segundo o sociólogo francês, todas as sociedades estão predispostas a fornecer um determinado contingente de mortos voluntários que não seja excessivamente preocupante do ponto de vista do estado social e/ou do fato social em si. Essa predisposição pode, portanto, ser objeto de um estudo especial e centrado no âmbito da sociologia enquanto ciência comparativa.
Para Durkheim (1897/1999) o contexto social tem importância na medida em que são os grupos que sofrem a pressão externa e, dessa maneira, tendem a responder a determinadas expectativas coletivas associadas a falta de coesão social e/ou integração demasiada. Assim, é objeto de análise da sociologia as causas por meio das quais é possível agir, não sobre os indivíduos isoladamente, mas, sobre o grupo, a coletividade e a nação.
Com base na argumentação do suicídio como fenômeno sociológico na teoria durkheimiana, apresenta-se os três tipos de suicídio: o primeiro, está relacionado ao suicídio egoísta que destaca: “o egoísmo não é um fato simplesmente auxiliar; ele é a causa geradora. Se nesse caso se afrouxa o laço que liga o homem à vida, é que o laço que liga à própria sociedade relaxou”; o segundo, o suicídio altruísta é aquele “solidário com essa ética refinada que eleva tão alto a personalidade humana que ela não pode subordinar-se a mais nada”. Ou seja, manifesta-se o intenso altruísmo; o terceiro e último, é o chamado de suicídio anômico e tende a manifestar-se quando: “[...] a sociedade está perturbada, ou por uma crise dolorosa ou por transformações felizes, mas demasiado súbitas, é provisoriamente incapaz de exercer essa ação; e eis de onde provêm ascensões bruscas dos suicídios, cuja existência estabeleceremos acima” (Durkheim, 1897/1999, p. 272).
Considerando cuidadosamente os argumentos que a teoria durkheimina desenvolve sobre o fenômeno do suicídio e evidenciada neste artigo; a seguir, mostrá-lo-emos os resultados e discussão a respeito da pesquisa de campo realizado no âmbito das vinte e quatro unidades municipais do meio-oeste catarinense no que tange ao fenômeno suicídio em conformidade com os dados estatísticos da região realizado pelo Instituto Geral de Perícias (IGP/IML), Núcleo regional de perícias de Joaçaba, Santa Catarina.
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
De acordo com Schmitt, Lang, Quevedo e Colombo (2008) o estado de Santa Catarina (SC) é parte integrante da região sul do Brasil e tem prevalência altíssima de mortes voluntárias por ano e variações regionais. Os estudos disponíveis indicam que o coeficiente de mortalidade por suicídio nesse estado gira em torno de 7/100.000 habitantes, o que representa quase o dobro da média nacional. Assim como no Brasil, “as taxas de morte por suicídio em SC, também apresentam variações regionais significativas” (Schmitt et al., 2008, p. 116).
O estado catarinense apresenta um dos maiores coeficientes nacionais de morte por suicídio (7/100.000). No entanto, a distribuição desses índices não é homogênea entre oito principais regiões [Litoral, Nordeste, Planalto Norte, Vale do Itajaí, Planalto Serrano, Sul, Meio-Oeste e Oeste]; por isso, importante se faz observar e refletir sobre a pesquisa de Sehnem e Palosqui (2014), que vem a calhar com os pressupostos da abordagem durkheimiana apontada neste trabalho em tela. De acordo com as pesquisadoras, no extremo oeste catarinense apresentou-se uma mortalidade média por suicídio de 10 casos para cada 100.000 habitantes entre os anos de 1980 e 2005, como se pode notar, está bem acima da média estadual apontada na investigação realizada por Schmitt et al. (2008).

Fonte: do autor, adaptado [imagens] do www.google.com.br.
Mapa 1 Localização do estado de Santa Catarina e Região do Meio-Oeste, Brasil.
O Gráfico 1 a seguir é uma representação geográfica dos vinte quatro municípios analisados com base nos dados coletados do IGP/IML-SC, núcleo regional Joaçaba, sobre o de número de óbitos por suicídio na região. Pode-se observar a partir das colunas os municípios que mais apresentam em números absolutos notificações de mortes por suicídio durante os de 2000 a 2013, com base na coleta de dados. Convém notar, outrossim, que os municípios de Joaçaba, Campos Novos, Capinzal e Herval D´Oeste apresentaram uma média móvel alta em termos absolutos em comparação com os outros municípios menos populosos investigados. Todavia a pesquisa evidenciou mudanças significativas, quando tratamos de números relativos, como se observa, são os municípios com menor censo demográfico que apresentam prevalência maior de casos de suicídio, sobretudo nos municípios como Erval Velho, Ipira, Lacerdópolis.
Na pesquisa descritiva realizada por Sehnem e Palosqui (2014) na região do extremo oeste catarinense entre 1980 e 2005, evidenciou-se que os homens cometem mais suicídio que as mulheres; além disso a faixa etária com maior número de mortes por suicídios compreende entre 40 e 50 anos. Esse estudo em tela mostrou que o enforcamento é o método mais utilizado em ambos os sexos, também revelou que as pessoas casadas cometeram mais o suicídio no recorte temporal da pesquisa. É importante dizer que a realidade da pesquisa das autoras não está descolada do contexto social manifestado noutros recortes de pesquisas estudados na região sul do Brasil. Os dados da pesquisa dos municípios do meiooeste catarinense dialogam e corroboram com pesquisas realizadas em outras microrregiões, principalmente com a pesquisa do extremo oeste catarinense em tela.
Tomando por base a perspectiva durkheimiana e os estudos a respeito da região em discussão, formulou-se a seguinte pergunta: existe um perfil predominante por gênero na região dos municípios analisados com base nas estatísticas do IGP/IML-SC entre 2000 e 2013? Essa indagação foi de suma importância para se chegar a traçar o perfil do gênero/ sexualidade nos municípios investigados.
Considerado o recorte de gênero, o gráfico acima revela que 77,6% das mortes voluntárias são do sexo masculino e 22,4% são do gênero feminino. Os dados do meio oeste catarinense em análise vêm reforçar as pesquisas internacionais a respeito de estatísticas mais elevadas entre homens do que mulheres. Durkheim (2005) afirma que a aptidão das mulheres para a morte voluntária está longe de ser superior e/ou equivalente à do homem, assim, concluindo que o suicídio é uma manifestação significativamente masculina e manifestada de igual maneira em todas as realidades e estratos investigados do mundo social.
Já em relação à faixa etária, a pesquisa no meio-oeste catarinense demonstrou que o público acometido pelo suicídio tem um perfil entre 30 e 45 anos, isto é, ainda bastante jovem do ponto de vista da longevidade para os parâmetros da sociedade contemporânea. Considerando a faixa etária em discussão, pode-se deduzir que venha a ser o estrato social da população economicamente ativa da sociedade.
Sehnem e Palosqui (2014) numa pesquisa realizada sobre o perfil epidemiológico do oeste catarinense em 2014, mostrou que ocorreram 498 suicídios no estado de Santa Catarina, no ano de 2009. Neste mesmo ano do censo, segundo o Ipea (2024), a taxa por 100 mil habitantes foi de 8,48%, isto é, ficando atrás apenas do estado do Rio Grande do Sul com média de suicídio de 10,10% por 100 mil habitantes. De acordo com as pesquisadoras, “[...] a faixa etária com maior número de suicídios compreendeu dos 40 a 50 anos de idade, de 50 a 59 anos, de 20 a 29 anos, respectivamente” (Sehnem & Palosqui, 2014, p. 367).
As estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a mortalidade por suicídio “[...] aumentou 60% nos últimos 45 anos; a maioria corresponde às faixas mais jovens da população. No ano de 2000, um milhão de pessoas cometeram suicídio, uma morte a cada 40 segundos e uma tentativa a cada três segundos” (Sehnem & Palosqui, 2014, p. 366).
No que tange aos dias e horários previamente escolhidos para a morte voluntária na região/municípios investigados do meio oeste catarinense, verifica-se que ocorrem significativamente oscilações durante a semana, no entanto, são as segundas-feiras e quintasfeiras os dias de maior prevalência de manifestações de suicídios na região investigada.
Considerando as ocorrências semanais (os dias da semana) reveladas na pesquisa, é importante dizer que as condições regionais/locais são condicionantes para se compreender a manifestação da materialidade do fato social em cada localidade. A tendência de mobilidade das oscilações diárias não corresponde uma lógica operacional de igualdade em todos os contextos já estudados. Durkheim (1999) preconiza que o suicídio diminui à medida que a semana se aproxima de seu fim [final de semana], sobretudo a partir da sexta-feira. Ou seja, o fenômeno social suicídio (como fato social) se apresenta como uma média móvel durante a semana, ou seja, sofre oscilações de ocorrências durante a jornada semanal a depender do contexto social em que as pessoas estão envolvidas.
Em que pese os horários preteridos pelas vítimas também reflete a realidade de cada país, região e localidade investigada. No caso do estudo em tela, de 2000 a 2013, tem revelado os horários da manhã (intervalos de 08h00 às 09h00 e 10h00 à 11h00) e à tarde (das 14h00 às 15h00 aparentemente com intervalo e retomando das 16h00 às 17h00), a nosso ver, momentos de muita intensidade social dos indivíduos na sociedade, sobretudo no que tange às atividades laborais tanto na zona urbana como na rural. Considerando o sistema fuso horário, o que prova definitivamente a realidade dessa relação é o fato de que em todas as estações a maioria dos suicídios ocorrem durante o dia [de maior intensidade da atividade humana e menor intensidade], entretanto, em compensação diminui durante à noite. É com bastante rigor de análise das incidências de suicídios manifestados durante o dia/temperatura, que Durkheim afirma: “[...] não se pode evocar a ação do sol e da temperatura para explicálo” (Durkheim, 1897/1999, p. 104).
Assim sendo, para Durkheim, o dia favorece o suicídio porque é o momento em que as pessoas desenvolvem uma atividade maior de energia física em que as relações humanas se cruzam, entrecruzam e atravessam os indivíduos de tal modo que a vida social é mais intensa.
Em virtude dessas considerações sobre intensidade das relações entre os indivíduos na sociedade moderna, Durkheim afirma:
Tudo converge, pois, para provar que, se nas 24 horas é o dia o momento que mais favorece o suicídio, é precisamente por ser o momento em que a vida social está plenamente efervescente. Temos então uma razão que nos explica por que o número de suicídio se eleva à medida que o sol permanece mais tempo acima do horizonte (Durkheim, 1897/1999, p. 107).
Importante se faz dizer que os meses de maior prevalência de mortes voluntárias no estudo da região do meio oeste catarinense, de 2000 a 2013, tem evidenciado oscilações e aquilo que Durkheim (1897/1999) chamou de “correntes suicidógenas” de circulação/ variação anual da média móvel de suicídios. Considerando o gráfico abaixo, observa-se que os meses de novembro, dezembro, janeiro, fevereiro e março, no caso do estudo do meiooeste catarinense, são aqueles que mais apresentam estatísticas de mortes voluntárias por média móvel de habitantes. Num paralelismo com a teoria durkheimina (meses mais quentes na Europa em que ocorrem mais prevalências de mortes voluntárias vão de junho a agosto, o verão europeu); já em Santa Catarina, região sul do Brasil, o suicídio, pois, atinge o seu apogeu nos meses mais quentes do ano, que são novembro, dezembro, janeiro e fevereiro, março, de modo que a partir de maio começa a decrescer (entrada dos primeiros ventos gelados do inverno vindo da região polar para o Brasil Meridional), e muito perceptivelmente vem as oscilações.
Posta assim a questão, é de se dizer que as variações termométricas não têm qualquer relação com mortes por suicídio na teoria durkheimiana. Ou seja, se a temperatura tivesse alguma implicação significativa “[...] a influência que se lhe atribui, esta deveria igualmente se fazer sentir na distribuição geográfica dos suicídios. Os países mais quentes deveriam ser os mais dizimados” (Durkheim, 1897/1999, p. 99).
É importante destacar que os resultados evidenciados na pesquisa não vêm a corroborar e reforçar o senso comum regional de que são nas estações frias que mais se manifestam o fato social do suicídio no estado de Santa Catarina ou na região do Brasil Meridional. Os próprios estudos sociológicos durkheimianos revelam e desmistificam estudos constituídos dos séculos passados que atribuíam à natureza/clima maior incidência de mortes voluntárias e desconsideravam a intensidade das relações sociais no modo de produção vigente.
É importante dizer que, a época do ano apresenta influência na decisão pela morte voluntária em conformidade com a teoria durkheimiana e os estudos mais recentes com base em dados levantados nos órgãos oficiais. Assim, no gráfico 6, pode-se constatar que a prevalência de suicídios por estações do ano, normalmente, a estação verão tem aparecido em todos os estudos/cenários como o período que apresenta mais ocorrência de mortes voluntárias. Considerando isso, a pesquisa vem evidenciar por meio do levantamento tal pressuposto sociológico.
Em vista dos dados apresentados na pesquisa sobre a prevalência do suicídio na microrregião do meio-oeste catarinense, é muito importante ampliar os estudos e pesquisas nas diversas regiões brasileiras para compreender, interpretar e explicar sociologicamente o fenômeno das oscilações e das correntes suicidógenas que existem e elevam as estatísticas de estados, municípios e cidades no Brasil. Como se pode notar, a realidade brasileira é heterogênea, múltipla, complexa, por isso, necessário se faz aprimorar os estudos de cunho sociológico e epidemiológico sobre a temática suicídio nas pesquisas científicas no Brasil. É necessário que amplie o escopo do debate e da reflexão para além das questões fisiológicas; biológicas, genéticas, que já foram estudadas exaustivamente apenas por um viés de transtornos mentais e emocionais; mas que ainda deixam lacunas investigativas para outras áreas do conhecimento científico. Em razão disso, a OMS (2019) sinaliza para tal questão faz tempo, no caso, ela sugere a criação de grupos de estudos interdisciplinares que envolvam profissionais do âmbito da sociologia, antropologia e filosofia nas discussões. Finalmente, a organização mundial recomenda categoricamente que os órgãos governamentais deem atenção devida ao fenômeno social do suicídio no planeta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa sobre o suicídio fez o levantamento estatístico dos fatores externos que incidiram sobre os indivíduos na região do meio oeste catarinense. Com base nos dados analisados, a investigação evidenciou que o perfil é predominante masculino em todos os municípios mencionados. Além do mais, a investigação revelou que a época do ano tem prevalência sobre as estatísticas de mortes voluntárias, assim, reforçando a hipótese demonstrada pelas pesquisas durkheimiana de que a intensidade das relações sociais e laborais durante o verão mais intensificada e acelerada (e incidem, afetam e atravessam o mundo social dos indivíduos) do que em outras estações do ano.
A pesquisa demonstrou que as unidades municipais apresentam números de mortes voluntárias proporcionalmente maiores do que a média estadual, conforme se verificou no ranking de estados pelo número de suicídio no Brasil do portal de notícias www.deepask.com.br. Assim, os dias e os horários, conforme o levantamento estatístico da pesquisa, são previamente escolhidos pelos indivíduos (por exemplo, segunda-feira e quinta-feira e os horários escolhidos normalmente são pela manhã e tarde) para cometer o suicídio.
Também a investigação apontou que em números relativos os municípios que mais apresentam taxas de suicídios de 2000 a 2013 na região analisada são: Erval Velho (320/100 mil habitantes), Lacerdópolis (310/100 mil habitantes), Ipira (250/100 mil habitantes) e Jaborá (195/100 mil habitantes) entre outros. Isto é, onde mais ocorre o fenômeno suicídio são nas unidades municipais com menos de cinco mil habitantes em números relativos.
A pesquisa evidenciou que o fenômeno suicídio apresenta-se com elevados índices (em números relativos), principalmente nos municípios com menos de cinco mil habitantes. Assim, conclui-se que os municípios inventariados apresentam taxas elevadas de mortes voluntárias, isto é, índices significativos em nível de estado de Santa Catarina (2º colocado no ranking brasileiro ficando atrás apenas do Rio Grande do Sul), colocando em relevância o estudo como fonte de reflexão científica na resolução de problemas locais e regionais.
Portanto, medidas são necessárias em relação à questão da saúde mental das populações no sentido de atenuar o problema dos municípios que apresentam estatísticas elevadas de suicídios, a nosso ver, índices bastantes significativos em nível de estado de Santa Catarina e Brasil. Em razão disso, mostra-se a relevância da pesquisa como fonte de reflexão científica para as instituições governamentais e não-governamentais na resolução de problemas/prevalências de perdas/mortes por suicídio em níveis locais e regionais.