INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo descrever, mediante uma revisão sistemática, a produção científica acerca do plantão psicológico no Brasil, entre os anos de 2010 e 2021. Para isso, entende-se o plantão psicológico como uma prática clínica de curta duração que teve origem no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, visando oferecer acolhimento e atendimento imediatos, principalmente, nos momentos de crise, evitando-se triagem e filas de espera (Rebouças & Dutra, 2010). Baseado no modelo de aconselhamento psicológico de Carl Rogers, no processo de plantão a ênfase é dada à pessoa e não ao problema relatado por ela, a partir da abertura do plantonista para acolher qualquer demanda que possa surgir (Mahfoud, 2013). Somam-se a isso, algumas características essenciais, como (Pereira, 2019): a impossibilidade de planejamento ou agendamento prévio; foco no agora, pelo fato de o atendimento ter um número limitado de sessões; e a possibilidade de implementação em diferentes contextos.
A partir desse desdobramento rogeriano e dessas características, como uma prática consolidada em diversos dispositivos formativos universitários em nível de ensino, pesquisa e extensão (Castelo Branco, 2021), o plantão psicológico foi objeto de diversos estudos revisionistas. B. Souza e A. Souza (2011), em uma revisão sistemática pioneira abarcaram a produção científica sobre o plantão psicológico entre os anos de 1997 e 2009, ressaltando que os estudos compilados eram oriundos de pesquisas dissertativas, heterogêneos em suas discussões e com enfoque na Abordagem Centrada na Pessoa (ACP). Scorsolini-Comin (2015) teceu uma revisão integrativa sobre os procedimentos de pesquisas e intervenções no plantão psicológico, entre 2000-2014 e identificou uma predominância de estudos qualitativos e relatos de experiências em clínicas escola de universidades, sob um viés fenomenológico-existencial. Souza, Lima, Peixoto e Tavares (2019) desenvolveram uma revisão narrativa sobre o uso do plantão psicológico com ênfase na ACP no campo da Psicologia Escolar discutindo as possibilidades de aplicação desse serviço para prevenir e tratar demandas psicológicas que afetam o desempenho escolar. Lima, Carvalho e Pires (2020) fizeram uma revisão integrativa sobre o emprego do plantão psicológico como uma estratégia de clínica ampliada no viés da ACP, acenando que sua consolidação no campo da Saúde Pública em termos de promoção do cuidado em saúde e prevenção de quadros clínicos mais severos. Silva, Tomaz & Silva (2020), em uma revisão sistemática sobre os procedimentos de atendimento breve no plantão psicológico, aceraram que essa prática tem respondido às demandas contemporâneas clínicas, sociais e de saúde a partir de um enfoque no acolhimento imediato nos momentos iniciais da crise psicológica, sendo isto o fator terapêutico mais forte nesse tipo de atendimento.
Diante desse panorama de diferentes revisões sobre os diversos aspectos do plantão psicológico, considerando que o trabalho de revisão sistemática deve ser realizado de forma constante e incessante para prover subsídios para estudos teóricos, empíricos e aplicados (Zoltowski, Costa, Teixeira & Koller, 2014), ajuizamos a necessidade de atualizar um estudo de revisão sistemática de caráter mais amplo e descritivo sobre o plantão psicológico no Brasil, com a intenção de descrever o estado corrente desse campo de estudos.
1. MÉTODO
Trata-se de uma revisão sistemática baseada nos preceitos de Costa e Zoltowski (2014). A pergunta-problema que norteou todas as consultas nessas bases foi: qual é o estado corrente do plantão psicológico no Brasil a partir de suas produções científicas de artigos? A busca foi realizada a partir dos artigos coletados nas seguintes bases de dados: SciELO (Scientific Electronic Library Online); INDEX PSI; LILACS (Literatura LatinoAmericana e do Caribe em Ciências da Saúde); PEPSIC (Periódicos Eletrônicos em Psicologia); DOAJ (Directory of Open Access Journals). Entendemos que todas essas bases foram representativas por se constituírem como bibliotecas virtuais que sediam uma considerável população de periódicos, dos quais estão situadas variadas revistas brasileiras que publicam sobre o plantão psicológico. Além disso, são virtuais e de domínio público, pois são amparadas por diversas entidades governamentais e organizacionais da Psicologia como ciência e profissão que visam a disseminar os conhecimentos psicológicos de forma ampla e gratuita.
Os descritores utilizados na busca dos artigos foram os mesmos que apareceram nas plataformas indicadas, a saber: “plantão psicológico”; “psychological duty”; “guardia psicológica”; “aconselhamento psicológico”. Estrategicamente entendemos que os artigos associados ao objetivo desta revisão estariam utilizando um, ou mais de um, desses termos. Ressalta-se que durante a pesquisa no LILACS, DOAJ e SciELO foi possível utilizar todos os descritores em uma única busca, relacionando-os com o operador booleano OR. Já nas plataformas INDEX PSI e PEPSIC, a busca pelos termos precisou ser dividida em duas fases: primeiro, foram pesquisados os termos “plantão psicológico”, “aconselhamento psicológico” e “psychological duty” conectados pelo OR; em seguida, foi realizada a busca com “plantão psicológico”, “aconselhamento psicológico” e “guardia psicológica”, também, ligados pelo OR. As buscas nas bases aconteceram nesta ordem: 1) DOAJ; 2) LILACS; 3) PEPSIC; 4) INDEXPSI; 5) SciELO.
A partir da pesquisa nas bases de dados, os artigos encontrados foram organizados em uma planilha única. Em seguida, foi realizada a exclusão dos artigos repetidos em mais de uma base de dados ou por descritor. Os artigos presentes em mais de uma plataforma foram contabilizados apenas uma vez. Adotamos como os seguintes critérios de inclusão: as produções serem artigos publicados em periódicos nacionais; versarem qualquer assunto relacionado ao campo do plantão psicológico; serem de qualquer categoria editorial (estudo teórico e relato de pesquisa, relato de experiência ou estudo empírico); contarem com acesso integral ao texto; estarem publicados entre 2010 e 2021. Ressaltamos que optamos por: iniciar a busca em 2010, para seguir com a atualização da revisão sistemática de B. Souza e A. Souza (2011), que findou nas produções de 2009; encerrar a coleta em outubro de 2021, por ser o período com a possibilidade de compilação temporal completa das publicações. Excluímos: todo tipo de material que não era artigo, como teses e dissertações; publicações que não estivessem diretamente relacionadas ao tema ou que apenas o mencionasse superficialmente, sem investigação ou discussão; e outras revisões sistemáticas para nos focarmos nos estudos mais reflexivos e aplicados. Para obter essa compilação, inicialmente, foram lidos os títulos, resumos e as palavras-chave dos artigos levantados. Após a exclusão dos textos que não atenderam os critérios, foi realizada nova leitura desta vez integral para outra avaliação de inclusão. Salientamos que a busca e o armazenamento dos textos foram realizados por cinco juízes, no período de novembro de 2021 a março de 2022.
A seguir, na Figura 1, apresenta-se o fluxograma que possibilitou a organização e tabulação da amostra bibliográfica final para ser analisada.
Por fim, os artigos que se encaixaram totalmente nos critérios pré-estabelecidos foram analisados a partir das seguintes categorias: base de dados; ano de publicação; periódico; autores; filiação institucional; tipo de estudo (teórico, empírico ou relato de experiência); fundamentação teórica utilizada para pensar e discutir o plantão psicológico; tema e contexto de atuação.
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em relação aos 35 artigos que compuseram o banco de dados final, 54% (n=19) foram acessados através da plataforma DOAJ, 22% (n=8) pela LILACS e 22% (n=8) pela PEPSIC. É necessário destacar que as plataformas INDEX PSI e SciELO, as duas últimas bases a serem analisadas, não aparecem nesses dados por dois fatores: 94% (n=16) e 94% (n=85), respectivamente, dos artigos encontrados inicialmente, também estavam presentes nas outras bases de dados e foram contabilizados nelas; somado a isso, os que restaram, 6% (n=1) e 6% (n=5), não estavam de acordo com os critérios de inclusão e foram excluídos. Este acontecimento reforçou a percepção dos autores acerca da escolha adequada das plataformas, visto que elas são consideradas as de maior relevância dentro dos objetivos deste artigo. Inferimos que a razão para o Directory of Open Access Journals (DOAJ, 2022) ser a base que mais sediou artigos sobre o plantão psicológico advém do fato dessa organização ser gerida pela Infrastructure Services for Open Access CIC (IS4OA), que contém quase 17.500 periódicos de livre acesso, oriundos de 45 países, sobre diversas áreas das quais a Psicologia brasileira está inserida. O fato de o LICACS e o PEPSIC expressarem o mesmo número de publicações, a despeitos dos critérios de exclusão empregados, decorre de ambas as bases serem parceiras e concentrarem periódicos latino-americanos de onde os brasileiros se destacam.
A partir dos artigos presentes na amostra final, esses foram distribuídos de acordo com o ano de publicação, resultando na Tabela 1, exposta a seguir.
Tabela 1 Distribuição de publicações
Ano | F | % | Ano | F | % |
---|---|---|---|---|---|
2010 | 1 | 3% | 2016 | 4 | 11% |
2011 | 3 | 9% | 2017 | 1 | 3% |
2012 | 5 | 14% | 2018 | 0 | 0% |
2013 | 1 | 3% | 2019 | 6 | 17% |
2014 | 3 | 9% | 2020 | 2 | 5% |
2015 | 3 | 9% | 2021 | 6 | 17% |
Total = 35 (100 %) |
Fonte: elaboração própria
Observamos que os anos de 2019 e 2021 agrupam o maior número de publicações sobre o plantão psicológico, enquanto o ano de 2018 não expressou nenhuma produção. Na tentativa de pensar esses resultados, se analisamos os 12 anos de produção em termos de triênios, podemos observar uma inconstância de produções, havendo sempre um ano mais produtivo e outro que beira a “improdutividade” (n=1) ou até mesmo seria “improdutivo” (n=0). Frisamos que o adjetivo “improdutivo” atribuído ao ano de 2018 deve ser entendido com cautela, visto que entre os artigos publicados posteriormente relatam pesquisas realizadas durante o ano “improdutivo”. Atentamos que o triênio 2019-2021, computa 39% das produções minutadas o que insinua uma tendência de aumento de produções em relação aos triênios anteriores de 2016-2018 (14%), 2013-2015 (21%) e 2010-2012 (26%). Assim, notamos que o campo de produções sobre o plantão psicológico é inconstante; e, embora o último triênio tenha sido profícuo em relação ao contexto tabulado, não se pode afirmar que essa ascensão perdure.
Em seguida, a Tabela 2 aborda as revistas em que os artigos foram publicados.
Tabela 2 Distribuição das publicações entre os periódicos
Periódico | F | % |
---|---|---|
Revista do NUFEN | 6 | 17% |
Estudos e Pesquisas em Psicologia | 4 | 11% |
Psicologia em Estudo | 3 | 8% |
Psicologia: Ciência e Profissão | 2 | 6% |
Revista da Abordagem Gestáltica | 2 | 6% |
Revista da SPAGESP | 2 | 6% |
Temas em Psicologia | 2 | 6% |
Demais periódicos | 14 | 40% |
Total | 35 | 100% |
Fonte: elaboração própria
No que se refere aos periódicos em que os artigos estudados foram publicados, foi possível identificar 21 revistas diferentes. Na Tabela 2 foram explicitadas separadamente apenas aquelas que continham mais de um artigo, alcunhando-se como “Demais periódicos” aqueles que publicaram somente 1 artigo. A revista com o maior número de artigos publicados foi a Revista do NUFEN – Phenomenology and Interdisciplinarity (n=6; 17%), que aborda os temas Psicologia Humanista, Fenomenologia, Existencialismo e Hermenêutica (Revista do NUFEN, 2022). Em seguida, a Estudos e Pesquisas em Psicologia (2022), que tem uma orientação editorial mais geral aos campos da Psicologia Clínica do Desenvolvimento, Social, Psicanálise e História, expressa 4 artigos (11%) das produções minutadas. Em relação à primeira revista, podemos inferir que o elevado número de artigos está relacionado ao fato de que, na maioria das vezes, o plantão psicológico possui como base teórica e interventiva abordagens humanistas e de estirpe fenomenológico-existencial. No que diz respeito à segunda revista, conquanto ela tenha um foco e escopo mais geral, percebe-se uma tendência editorial para publicar artigos de orientação humanista e fenomenológicoexistencial.
No tocante aos autores e coautores responsáveis pelos artigos analisados, foram listados 88 no total. Entre eles, a mais producente foi Marciana Gonçalves Farinha (n=3; 8%), seguida de Emanuel Meireles Vieira, Érico Douglas Vieira, Henriette Tognetti Penha Morato, Maíra Bonafé Sei, Marcia Alves Tassinari, Maria Lúcia Mantovanelli Ortolan, Tatiana Benevides Magalhães Braga e Vera Engler Cury, que escreveram 2 artigos (6%) cada um. Os demais 79 autores se envolveram em 1 artigo cada. Isto sugere uma manifestação da Lei de Lotka (Alvarado, 2002), a qual permite explicar que a disseminação de estudos sobre o plantão psicológico ocorre a partir da incursão pontual de vários autores, enquanto poucos autores apresentam incursão/produção mais duradoura sobre o tema.
Ainda em relação aos autores compilados, analisamos os seus agrupamentos para a escrita dos artigos em termos de produção em autoria única e coautoria. Assim, dos 35 artigos revisados, percebemos que: 7 produções (20%) tiveram autoria única; 14 (40%) apresentaram dois autores creditados; 8 (23%) indicaram três autores; 4 (11%) expressaram quatro autores; 1 (3%) apontou seis autores; 1 (3%) acenou sete autores. Observamos que a maioria dos artigos foi escrito em dupla, representando 40% das publicações, seguido pelos autores que escreveram em trio ou sozinhos, que representam, respectivamente, 23% e 20% cada. Podemos inferir que pelo fato de o plantão psicológico ser um recurso formativo de terapeutas realizado em universidades, através do trabalho grupal de discentes e docentes, isso repercute nas produções em duplas, sobretudo na esfera de pesquisa que funciona mediante o trabalho de orientador-orientando; ou pelos trabalhos oriundos das ações de extensão e práticas de estágio que possibilitam mais de duas autorias.
Em relação à análise da filiação dos autores e coautores, exposta a seguir na Tabela 3, foram consideradas todas as filiações de um mesmo autor que esteja envolvido em artigos diferentes. No caso de autores que, por vezes, apresentaram dupla filiação em um mesmo artigo, por critérios de organização, contabilizou-se apenas a filiação apresentada em comum.
Tabela 3 Filiação institucional dos autores e coautores
SIGLA | F | % |
---|---|---|
UFPA | 10 | 12% |
UNICAP | 7 | 8% |
USP | 7 | 8% |
UFC | 6 | 7% |
UEL | 6 | 7% |
UFU | 6 | 7% |
PUC – Campinas | 4 | 4% |
UFGD | 4 | 4% |
Demais instituições | 38 | 43% |
Total | 88 | 100% |
Fonte: elaboração própria
De acordo com os dados observados na Tabela 3, no que diz respeito às faculdades e universidades: 52% se encaixam no grupo de instituições públicas, contendo tanto federais quanto estaduais; 38% são instituições particulares; e o restante, 10% não se trata de faculdades ou universidades, mas instituições que oferecem cursos de formação e pós-graduação (lato sensu). Em relação às instituições públicas e privadas e o total de filiações tabuladas (N=88), a maior parte permanece em instituições públicas (n=60; 68%), onde foi encaixada a Prefeitura Municipal de Poço de Caldas e o INPE por se tratar de órgãos públicos. As instituições privadas, considerando o Instituto Müller-Granzotto, expressaram 32% (n=28) do total de filiações.
Em uma distribuição geográfica das 88 filiações levantadas, indicam-se as regiões: Sudeste com 31% (n=27) das publicações; Nordeste com 25% (n=22); Norte com 16% (n=14); Sul com 12% (n=11); Centro-oeste com 9% (n=8). Contudo, 7% (n=6) das filiações não puderam ser encaixadas em nenhuma região, em razão de tais instituições possuírem sedes em diferentes estados do Brasil, dificultando esse registro. Dessa forma, foi possível observar que as filiações dos autores estão mais concentradas na região Sudeste.
A análise seguinte diz respeito aos tipos de estudo utilizados nos artigos. Para a organização dessas informações, foi dada preferência para a tipologia citada pelo próprio autor no resumo e no decorrer do texto. Nesse sentido, foram obtidas as seguintes tipologias: relatos de experiência (n=14; 40%); estudos teóricos (n=10; 29%); pesquisas-intervenções (n=4; 11%); estudos documentais (n=2; 6%); outros (n=5; 14%). A partir destes dados, pode-se perceber a prevalência dos relatos de experiência como publicações responsáveis por compartilhar com a comunidade científica e profissional, como o plantão psicológico tem sido implementado e realizado nos mais diferentes contextos institucionais em que está inserido. Por sua vez, percebemos que os artigos teóricos buscam discutir os conceitos e conhecimentos pré-existentes sobre o plantão psicológico, além de relacioná-los e articulá-los com temáticas associadas. As pesquisasintervenções buscavam identificar as potencialidades e os resultados do plantão psicológico, enquanto o serviço estava sendo desenvolvido e praticado. Muito próximo disso, os estudos documentais (n=2; 6%) realizaram suas investigações acerca do plantão psicológico através dos registros e documentos de intervenções (prontuários, autorrelatos de atendimentos e fichas) que já tinham acontecido antes da escrita do artigo. Em relação aos tipos de estudo que compõem o grupo “outros” (n=5; 14%), estão presentes todas as perspectivas metodológicas que foram utilizadas em apenas um artigo. São elas: estudo de caso; teoria fundamentada; hermenêutica colaborativa; análise de discurso qualitativa e quantitativa; e pesquisa quantitativa de natureza descritiva.
Sobre a análise das fundamentações teóricas utilizadas no material estudado, indicada a seguir na Tabela 4, sua organização e categorização foi feita a partir dos termos e definições apresentados pelos próprios autores dos artigos. Pensando nas situações em que essa informação não foi encontrada com clareza, foi elaborada a categoria “Não especificado”.
Tabela 4 Bases teóricas dos artigos
Base teórica | F | % |
---|---|---|
ACP | 10 | 24% |
Fenomenologia Existencial | 7 | 17% |
Psicanálise | 3 | 7% |
Cognitivo Comportamental | 2 | 5% |
Gestalt-Terapia | 2 | 5% |
Psicologia Histórico-Cultural | 2 | 5% |
Outros | 9 | 22% |
Não especificado | 6 | 15% |
Total | 41 | 100% |
Fonte: elaboração própria
Para justificar o número de frequência das bases teóricas nos textos (n=41) ser superior ao número de artigos compilados pela revisão (n=35), é necessário expor que: 5 textos indicaram mais de uma base de fundamentação teórica; destes 5, em quatro opúsculos foram citadas duas teorias e em um foram citadas três teorias. Em relação à categoria “Outros”, esta é composta por todas as teorias que tiveram a frequência igual a 1, ou seja, foram citadas em apenas um artigo.
Os dados encontrados nesta revisão confirmam o maior número de artigos embasados na ACP, com um total de 24% (n=10). Frisa-se que plantão psicológico é uma modalidade de intervenção terapêutica brasileira que sofreu influência e se desdobrou epistemologicamente do aconselhamento psicológico rogeriano (Castelo Branco, 2021). Historicamente, durante sua concepção e consolidação no Serviço de Aconselhamento Psicológico do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, o plantão psicológico foi implantado e praticado ao partir do envolvimento de vários professores humanistas (Tassinari & Durange, 2011), sobretudo rogerianos, como Rachel Lea Rosenberg, uma das responsáveis pela vinda de Carl Rogers ao Brasil (Mahfoud, 2013; Vieira, 2019). Devido a esse contexto, nota-se que essa herança permanece como base de fundamentação do plantão psicológico, o qual ajuda a disseminar os aportes rogerianos no Brasil. Logo, conforme o exposto e em comparação à revisão sistemática de B. Souza e A. Souza (2011), observamos que a ACP ainda exerce uma base teórica constante no plantão psicológico.
Na sequência da ACP, notamos uma indicação de fundamentações teóricas fenomenológicas-existenciais (n=7; 17%) para pensar o plantão psicológico. De um modo geral, essa perspectiva filosófica é bastante empregada por parte de docentes no ensino superior brasileiro de modo a pensar e tentar aplicar seus aportes à clínica psicológica, basicamente tomando-a como uma abordagem humanista (Orengo, Holanda & Goto, 2020; Matos, Castelo Branco & Goto, 2020). Podemos relacionar esses resultados com o que foi exposto na Tabela 2, dado que as revistas do NUFEN e Estudos e Pesquisas em Psicologia apresentam abertura para publicar artigos relacionados à ACP e à perspectiva fenomenológica-existencial.
Ainda em relação à Tabela 4, é notável a presença de artigos que falam do plantão psicológico a partir da perspectiva das mais diferentes teorias, com destaque para a Psicanálise (n= 3; 7%) e a vertente Cognitivo Comportamental (n= 2; 5%). Essa informação mostra que a estrutura e objetivos essenciais ao plantão psicológico não estão mais restritos a abordagens psicológicas de orientação humanista, fenomenológica e existencial, podendo ser praticados a partir dos mais diversos vieses existentes na Psicologia.
Para maior detalhamento, o item “Outros” é composto pelas seguintes teorias: Análise institucional; Etnopsicologia; Existencialismo; Fenomenologia; Hermenêutica fenomenológica; Hermenêutica heideggeriana; Psicodrama; Psicologia humanistafenomenológica; e Psicologia social comunitária. Mesmo nesta parcela de artigos podemos observar as mesmas características encontradas no restante: apesar da prevalência de teorias próximas ao humanismo, estão presentes outras diversas abordagens, expandindo o potencial do plantão psicológico em sua capacidade de interlocução com diversas teorias.
A última categoria observada nos artigos selecionados diz respeito aos temas e contextos de aplicação do plantão psicológico. Dos 35 artigos, 23% (n=8) discorrem sobre reflexões acerca do plantão, com destaque para as temáticas: pós-modernidade, contemporaneidade, políticas públicas e demais articulações teóricas. Para retratar a temática dos artigos com viés mais prático, em que era possível identificar o contexto em que o plantão estava ocorrendo, foi elaborada a Tabela 5.
Tabela 5 Temas e contextos de aplicação abordados pelos artigos
Tema | F | % |
---|---|---|
Universidade | 14 | 52% |
Unidade de saúde | 5 | 18% |
Distrito policial | 3 | 11% |
Instituição de acolhimento | 2 | 7% |
Centro religioso | 1 | 4% |
Comunidade | 1 | 4% |
Escola | 1 | 4% |
Total | 27 | 100% |
Fonte: elaboração própria
Em relação aos 14 artigos que abordam o contexto universitário: 8 dissertam sobre o plantão psicológico praticado em clínicas-escola; 3 abordam serviços voltados para os discentes; 2 projetos de extensão voltados para os membros da universidade e população em geral; e, 1 retrata o serviço de assistência judiciária da universidade para a comunidade. Relativo ao emprego do plantão psicológico em unidades de saúde, 2 textos se referem a unidades básicas de saúde e 3 a hospitais. Na sequência, têm-se 3 artigos que retratam o emprego do plantão psicológico nos distritos policiais, sendo 1 na delegacia geral e 2 em delegacias especializadas em atendimento à mulher. No que concerne ao plantão psicológico em instituições de acolhimento, os 2 textos são voltados para atendimentos a pessoas em situação de vulnerabilidade. Por fim, aparece o artigo que aborda a prática do plantão em um centro religioso, terreiro de umbanda, outro que se passa em uma comunidade com população de baixa renda e a categoria “escola” que trata do contexto escolar em geral. Diante desses resultados, apontamos que o plantão psicológico, como uma modalidade terapêutica contemporânea, é um serviço que possui em suas características estruturais e funcionais uma vocação institucional (Pereira, 2019; Castelo Branco, 2021), que o torna flexível para ser aplicado em diversos contextos laborais imersos em diversas temáticas além da clínica tradicional, exercida em consultório particular e em que se faz exclusivamente psicoterapia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados resultantes desta revisão sistemática, que teve como objetivo descrever a produção científica acerca do plantão psicológico no Brasil entre os anos de 2010 e 2021, indicam que houve variação na publicação de artigos no decorrer desses anos, com picos em 2019 e 2021. Em relação aos periódicos em que os materiais foram publicados, a Revista do NUFEN e a Estudos e Pesquisas em Psicologia apresentaram maior frequência, sendo possível relacionar isso com a base teórica predominantemente relacionada à ACP e a perspectiva fenomenológica-existencial. A maioria dos artigos foi escrita por duplas de autores; observa-se que a maioria dos textos ocorrem a partir de produções pontuais de diversos autores. Mais da metade das produções está associada a instituições públicas e, em relação à região das filiações, a região Sudeste se destacou. A respeito dos tipos de estudos, destacaram-se os relatos de experiência. Em relação às bases teóricas houve maior frequência de artigos citando a ACP e Fenomenologia Existencial. Por último, as universidades configuram o contexto de emprego do serviço mais recorrente entre os artigos estudados.
Em vista disso, podemos visualizar que, apesar de ainda ser muito influenciado por seu contexto clínico e rogeriano de origem, o plantão psicológico possui diversas possibilidades de inserção no cenário brasileiro. Mesmo sendo uma prática que é desenvolvida, predominantemente, no contexto universitário e por membros desta comunidade, o plantão psicológico permanece em constante ampliação, alçando novos espaços.
Espera-se, portanto, que os próximos estudos acerca do plantão psicológico possam abranger campos mais diversos, dada a sua possibilidade de implementação em diferentes contextos, como as políticas públicas, escolas, organizações e unidades de saúde, que demandam a presença desse serviço e podem usufruir de suas contribuições. Diante da prevalência da ACP como referencial teórico para fundamentar o trabalho no plantão psicológico, fazem-se necessários estudos que distingam mais claramente elementos relacionais específicos deste serviço em relação aos adotados num modelo de relação psicoterapêutica preconizado por Carl Rogers. Ademais, ressalta-se a possibilidade de maior emprego de perspectivas teóricas diferentes da ACP e de outras vertentes do Humanismo na prática do plantão psicológico, visto que já são encontrados artigos que utilizam teorias de base psicanalítica, cognitivas comportamentais, entre outras. Tal possibilidade resultaria em uma maior diversificação e possibilidades dos estudos acerca do plantão psicológico.