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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.21 no.2 Porto Alegre dez. 2017

 

ARTIGOS

 

Homoparentalidade no contexto da adoção e das práticas parentais: uma revisão sistemática

 

Homoparenthood in the context of adoption and parental practices: a systematic review

 

 

Joelson Alves da Silva1 ; Aline Maria Barbosa Domício Sousa2, I, II ; Juliana Fernandes-Eloi3, II, III

I Universidade de Fortaleza – UNIFOR
II Centro Universitário Estácio do Ceará – Estácio FIC
III Centro Universitário Christus – UNICHRISTUS

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo realiza uma revisão sistemática com objetivo de identificar e discutir preconceitos relativos ao contexto da adoção e das práticas na homoparentalidade no cenário nacional, utilizando como pressuposto metodológico a técnica quanti-qualitativa. Teve foco artigos publicados nas bases de dados SciELO e PePSIC no período de 2006-2015, através da combinação de descritores e utilização de critérios de inclusão e exclusão. Foram selecionados 19 artigos que compuseram o corpus de análise dessa revisão. Os achados revelam que o ano de 2015 teve uma ampliação nos estudos empíricos sobre a homoparentalidade, porém com poucos achados sobre adoção homoparental. Diante dos dados, se considera que as publicações são escassas, apontando a necessidade de mais fomento a pesquisas científicas, além de discussões acerca da temática.

Palavras-chave: Família, Homoparentalidade, Adoção, Preconceito.


ABSTRACT

This article conducts a systematic review having as objective to identify and to discuss prejudices against adoption and homoparenthood in Brazil, using as methodological assumption the quantitative and qualitative approach. This review focuses on articles published on SciELO and PePSIC of database from 2006 to 2015 through combining descriptors: After using inclusion and exclusion criteria, 19 articles were selected to produce the corpus of the analysis made on this review. The findings reveal that, at the year of 2015, there was an extension on empirical studies about homoparenthood, showing, although, few adoptions homoparental. After analyzing the data, it is safe to consider that the publications are scarce and limited, showing the need for promoting more scientific research and discussions on this subject.

Keywords: Family, Homoparenthood, Adoption, Prejudice.


 

 

Introdução

Muito tem se discutido sobre a conjugalidade homossexual e seus desdobramentos juridícos e sociais na contemporaneidade, onde se coloca em pauta a instituição família (Vilhena, Souza, Uziel, Zamora & Novaes, 2011). São discussões que giram em torno também da legitimação em relação à constituição de famílias homoparentais que são amparadas pelo Estado. Pode-se entender a homoparentalidade, como uma forma de parentalidade, exercida por uma pessoa ou um casal que se reconhece homossexual e que resolvem ser pais/mães (Grossi, Uziel & Mello, 2007). O termo surgiu do francês homoparentalité, criado em 1997 pela Association des Parents et Futurs Parents Gays et Lesbiennes – APGL (Roudinesco, 2003), para destacar a especificidade do exercício parental, marcado pela orientação sexual dos pais.

O uso do referido termo traz em seu cerne vários questionamentos, pois coloca em evidência a “orientação sexual” dos pais, onde é diretamente associada ao cuidado dos filhos no exercício da parentalidade. Essa forte associação referente a orientação sexual dos pais e cuidado com os filhos é o que as pesquisas cientificas sobre a homoparentalidade se propõem a desmistificar, revelando que homens e mulheres homossexuais podem ser ou não bons pais, assim como homens e mulheres heterossexuais e que a “boa parentalidade” não depende da orientação sexual e sim da qualidade estabelecida no relacionamento com os filhos, bem como na capacidade relacionada ao cuidado e construção do vínculo no núcleo familiar (Zambrano, Lorea, Mylius, Meinerz & Borges, 2006).

A partir da legitimação e do reconhecimento da conjugalidade homossexual, bem como da constituição das famílias homoparentais, preconceitos relacionados a sexualidade e gênero são problematizados, a partir de argumentos que hierarquizam direitos e desprestigiam valores. Estas questões possibilitam desenvolver estudos que se colocam como desafios a serem discutidos, principalmente no que se refere à adoção por casais do mesmo sexo, bem como os mitos, crenças sobre a criação dos filhos nas famílias homoparentais. Entende-se por adoção homoparental, a modalidade de adoção na qual o casal adotante é constituído por homossexuais (Patterson, 2006) ou por apenas um indivíduo que se declara homossexual.

No Brasil, a discussão acerca dessa temática, tem se aprofundado quando o Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 5 de maio de 2011 aprovou, através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 132 RJ e da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4.277 DF, a união estável de pessoas do mesmo sexo, onde confere direitos e deveres cívicos em união civil, reconhecendo-a como unidade familiar, porém mesmo com o avanço de direitos, o reconhecimento ainda não aprovava a conjugalidade entre casais homossexuais. Somente por meio da Resolução nº.175, de 14 de maio de 2013, é que o STF legitima a conversão de união estável para casamento (Cerqueira-Santos & Fernandes-Eloi, 2015). A partir desta data histórica, a adoção por casais homossexuais passa a ser visibilizada juridicamente no Brasil, embora a Lei de Adoção nº.12.010/09, não especifique sobre a adoção por casais do mesmo sexo.

Trata-se de um marco histórico na cena política brasileira, no que diz respeito ao avanço e conquistas referente ao reconhecimento de direitos relacionados a conjugalidade e parentalidade do público LGBTTTQI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis, Transgêneros e Queer e Intersexuais), onde desconstrói inicialmente um único conceito de família baseada na lógica binária dos sexos, centrada na heteronormatividade, que durante muito tempo levaram à discriminação e exclusão de comportamentos sexuais, sob a acusação de crime, pecado ou doença (Prado & Machado, 2008).

O Conselho Federal de Psicologia (CFP), através da Resolução nº.001/99, define que a homossexualidade não constitui doença, distúrbio ou perversão, e proíbe os profissionais psicólogos de exercer qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, bem como orientar os homossexuais para tratamentos não solicitados, incluindo também propostas de cura de sua orientação sexual. Esta proposta apresenta discussões que demarcam o início de uma outra perspectiva na área da saúde pautada nas transformações histórico-políticas, relacionada a consolidação dos direitos aos cidadãos homossexuais. Dessa forma, o código de ética dos profissionais de Psicologia através da resolução nº.010/05 estabelece princípios fundamentais pautados no respeito, na igualdade e liberdade do ser humano, contribuindo com ações que combatam quaisquer formas de discriminação ou opressão (CFP,1999, 2005).

Diante dessas questões, pensar na conjugalidade homossexual e no exercício da homoparentalidade como configuração familiar, após o reconhecimento jurídico e social, pode-se vislumbrar intensos debates políticos, que oportunizam discutir sobre demarcações importantes em relação ao exercício da cidadania de famílias homoparentais, no que diz respeito a constituição de direitos semelhantes aos dos heterossexuais.

Vale salientar que embora a (in)visibilidade referente a legitimação das famílias homossexuais e homoparentais, tenham ganhado espaço na agenda social e política, convivemos ainda com o preconceito homofóbico, no que diz respeito a diversidade sexual e de gênero, bem como da vivência de famílias homoparentais constituídas pela adoção, onde perpassa toda a conjuntura atual (Prado & Machado, 2008). Neste contexto, torna-se relevante pensarmos e discutirmos como a Psicologia tem se implicado nos últimos anos, para a ascensão de debates e estratégias no fomento a elucidação desta temática. Neste sentido, este estudo se propõe através de uma revisão sistemática, identificar e discutir, por meio das produções científicas entre os anos 2006 a 2015 (10 anos), os preconceitos e as crenças, que permeiam a adoção e as práticas parentais na homoparentalidade no contexto brasileiro.

 

Método

Tipo de Estudo

Este artigo se trata de um estudo de revisão sistemática, onde utilizou-se a técnica quanti-qualitativa (Koller, Couto & Hohendorff, 2014; Goldenberg, 1997). Estabeleceu-se como recorte temporal, produções cientificas acerca da temática homoparentalidade, adoção, crenças e preconceitos no período entre 2006 a 2015 (10 anos).

A revisão sistemática é um método na qual concentra-se um levantamento de estudos científicos, onde permite visualizar uma abrangência de pesquisas sobre determinado tema de modo a buscar resultados, analisá-los, selecioná-los e avalia-los de forma crítica (Koller et al., 2014). Do ponto de vista metodológico, a pesquisa quantitativa e qualitativa, permite uma percepção mais ampla e inteligível no que se refere a complexidade do objeto de estudo, abrangendo uma amplitude descritiva e explicativa dos dados coletados (Goldenberg, 1997).

A pesquisa que compõe este estudo foi realizada na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS Psi - Brasil), que reúne acervo de revistas eletrônicas em saúde, referência em produções e publicações científicas. Foram escolhidas as seguintes bases de dados para a busca dos artigos: Scientific Eletronic Library Online – SciELO e Periódico Eletrônico de Psicologia – PePSIC.

Procedimento de coleta dos dados

No processo da busca de artigos, estabeleceu-se a combinação dos seguintes descritores: [homoparentalidade and homossexualidade; Adoção; Gay; Lésbica; LGBT; Preconceito; Gênero; Família; Adoção and homoparental; Gay; Lésbica; LGBT; Preconceito; Gênero; Família.] Foram selecionados os estudos, que contemplavam os seguintes critérios: a) artigos indexados e completos, publicados nas principais bases de dados SciELO e PePSIC, b) Artigos publicados apenas no campo da Psicologia, c) publicados no período de 2006 a 2015, d) publicados na língua portuguesa, e) temáticas que retratam os preconceitos e crenças homoparentais, bem como, adoção e práticas na homoparentalidade, no contexto brasileiro. Foram excluídos os artigos que apresentaram as seguintes características a) artigos incompletos, b) artigos que não se enquadravam na temática acima mencionada c) artigos em língua estrangeira, d) Estudos não pertinentes ao contexto brasileiro.

Análise dos dados e discussões

De acordo com a figura do Percurso metodológico para a seleção de artigos [figura 1] visualiza-se o quantitativo de artigos encontrados, acerca dos descritores utilizados, os artigos descartados por duplicidade e pelos critérios de inclusão e exclusão, bem como os artigos recuperados para a análise quanti-qualitativa.

 

 

Referente às publicações, conforme mostra a Figura 1 a base de dados SciELO, concentrou maior parte dos artigos, conforme os descritores utilizados no processo de busca da BVS - Psi. Porém na seleção dos artigos, a base de dados PePSIC totalizou a maior parte para os estudos da revisão integrativa, tendo em vista ter sido identificado na base SciELO muitos artigos em duplicidade, escritos em outro idioma e que não contemplavam diretamente a temática estudada.

O resultado dos dados, no que se refere ao ano das publicações (Figura 2), evidenciou que a discussão acerca da temática homoparentalidade e adoção tem ganhado maior relevância a partir de 2011, ano em que houve o reconhecimento e a legitimação da união estável de casais homossexuais pelo STF, ou seja, esses estudos assumem maior destaque somente nos últimos cinco anos, consistindo em 78,9% (n= 15) dos artigos publicados em periódicos do ano de 2011 a 2015, porém nos anos de 2012 e 2014 apenas dois artigos envolvendo a temática, foram publicados nas bases escolhidas. Constatou-se que o ano de 2015 obteve o maior número de publicações, totalizando seis artigos = (31,5%), acerca da temática. Foram identificadas 72 palavras-chave entre os resumos, das quais as mais citadas foram: homoparentalidade (10), família (9) homossexualidade (7), e adoção (5).

 

 

Dos 19 artigos analisados para a revisão sistemática, disponíveis nas bases de dados SciELO e PePSIC, constatou-se que 10 artigos = (52,6%) trazem estudos empíricos, onde predominou a abordagem qualitativa e nove = (47,3%) trazem estudos teóricos com diferentes abordagens e pressupostos teórico-metodológicos (Araújo, Oliveira, Sousa & Castanha, 2007; Dantas & Ferreira, 2015; Rodriguez & Paiva, 2009; Amazonas, Veríssimo & Lourenço, 2013; Pereira, Torres, Falcão & Pereira, 2013; Cerqueira-Santos & Santana, 2015; Lira, Morais & Boris, 2015; Rodriguez, Merli & Gomes, 2015; Meletti & Scorsolini-Comin, 2015; Cerqueira-Santos & Bourne, 2015).

Os artigos teóricos, em sua maioria, apresentaram teorias com ênfase nos estudos da psicanálise e revisões de literatura, sendo três = (15,7%) de estudos de revisão sistemática, com abordagem mista – quanti-qualitativa, e seis artigos = (31,5%) não descritos o método, mas que indicaram revisões bibliográficas (Santos, Scorsolini-Comin & Santos, 2013; Cecílio, Scorsolini-Comin & Santos, 2013; Gato & Fontaine, 2014; Vilhena et al., 2011; Furtino & Martins, 2006; Arán, 2011; Rodriguez & Gomes, 2012; Ferrari & Andrade, 2011; França, 2009).

Os textos selecionados, em sua grande maioria, apresentaram três temáticas discutidas, a qual compuseram as seguintes categorias: 1 - Preconceitos e crenças na adoção homoparental, 2 - Homoparentalidade: gênero e família 3 - Papéis e práticas na homoparentalidade. As categorias são aplicadas em qualquer tipo de análise de pesquisa qualitativa no intuito de estabelecer classificações, de modo a organizar e agrupar ideias que permitam expressar conceitos abrangentes sobre uma determinada temática (Minayo, 1994).

Assim, das categorias que fizeram parte do corpus de análise dessa revisão sistemática, conforme mostra [figura 3] abaixo, observou-se que 32% dos textos trazem como principais elementos de discussão, os preconceitos e as crenças presentes na adoção homoparental, 41% dos estudos abordam a homoparentalidade, gênero e família e 27% trazem aspectos relacionados aos papeis e práticas na homoparentalidade.

 

 

Preconceitos e crenças na adoção homoparental

De acordo com os dados obtidos, observou-se que o preconceito contra a adoção homoparental ainda é uma realidade bastante intensa quando se refere a representações hegemônicas e excludentes sobre o padrão de família na sociedade. Com isto, verifica-se que mesmo com os avanços no âmbito social e político, referente às conjugalidades e parentalidades de pessoas do mesmo sexo, despontam desafios que ainda suscitam questionamentos cobertos de preconceitos, crenças negativas e arraigadas, que contribuem para julgamentos discriminatórios e conservadores acerca dos novos arranjos familiares (Cerqueira-Santos & Santana, 2015).

O preconceito social pode ser conceituado como uma hierarquização entre grupos sociais, de forma a legitimar a inferiorização social em um contexto histórico. Este preconceito se configura nas práticas cotidianas, sustentando a naturalização da exclusão e diferenciação de determinados grupos, onde consequentemente, promove o lugar das desigualdades (Prado & Machado, 2008). Dessa forma podemos perceber a reprodução e sustentação dos diversos preconceitos, bem como posicionamentos contrários aos avanços dos direitos sociais conquistados pelo público LGBTTTQI.

No que se refere à adoção, o preconceito se torna ainda mais acentuado, quando por exemplo, são utilizados argumentos depreciativos, onde colocam a margem a capacidade de casais gays de educarem filhos e constituírem família, o que incorre a crenças limitadoras e discursos estigmatizantes, porém, torna-se relevante mencionar que com a nova lei da adoção, Lei nº.12.010, promulgada em 2009, instituiu-se uma realidade jurídica que demarca paradigmas sobre o próprio conceito de família na contemporaneidade, bem como da garantia de direitos de casais homossexuais a adoção (Cerqueira-Santos & Fernandes-Eloi, 2015). Neste sentido, pais e mães homossexuais, podem constituir outros modelos de família, e exercerem a parentalidade, onde a orientação sexual, estado civil, não devem ser postos ou abordados como desprestígios (Vilhena et al., 2011). Para tanto, o reconhecimento atrelado as normas jurídicas, vem mostrar que não há na legislação brasileira impedimento em relação à adoção por casais homossexuais.

Apesar do volume de informações e discussões que transitam em diversos meios de comunicação, e que contribuem para a visibilidade das famílias homossexuais e homoparentais na contemporaneidade, as pesquisas mostram que os estudos sobre adoção homoparental ainda são escassos e limitados, onde revelam desconhecimentos e posturas estereotipadas, o que culmina na geração e manutenção de preconceitos e estigmas. Assim, verificou-se que algumas pesquisas empíricas foram realizadas entre os anos de 2007, 2013 e 2015 a fim de investigar o posicionamento de estudantes universitários dos cursos de Direito, Serviço Social, e Psicologia acerca da adoção homoparental e homossexualidade. De acordo com os resultados, verificou-se que os estudos revelaram crenças negativas, representações sociais e preconceitos homofóbicos contra a adoção de crianças por casais do mesmo sexo, bem como referente a orientação sexual, ancorados em estereótipos e estigmas que evidenciam posições inflexíveis e intolerantes, a qualquer outro modelo de família.

Assim, verificou-se que numa pesquisa empírica mais recente, realizada no ano de 2015 com grupos de 132 universitários distribuídos entre os cursos de Direito e Serviço Social, foi observado que que ao longo desses anos, a reprodução de preconceitos homofóbicos tem suscitado controvérsias e desconforto no âmbito acadêmico, quando o assunto é adoção homoparental, bem como a vivência da sexualidade de homossexuais. Neste estudo apresentou-se como maior índice de discordância e argumentos contra adoção, os estudantes de Direito, tendo em vista, a legitimação jurídica do público LGBTTTQI ser um fato atual.

As crenças analisadas nesta pesquisa, reforçam estigmas e preconceitos, inclusive ao pensar sobre estes temas, o que contribui para discursos infundados, sobre a adoção e orientação sexual. O posicionamento adotado por estes estudantes em relação a adoção homoparental, apontaram as seguintes expressões: 1) crianças que são adotadas por gays viriam a ser homossexuais no futuro, 2) crianças criadas por casais do mesmo sexo, apresentariam comportamentos diferentes das criadas por heterossexuais, 3) A importância do referencial de ambos os sexos, para o desenvolvimento saudável da criança, além de argumentos morais contra a homossexualidade, pautados numa esfera de inferiorização e associação direta a promiscuidade e a exposição a AIDS e DST’s. Com isto, confirma-se uma realidade ainda imersa em desconhecimento sobre orientação sexual e adoção homoparental, por parte de futuros profissionais, que terão participação direta nos processos de adoção pleiteados por casais homossexuais (Araújo et al., 2007; Pereira et al., 2013; Cerqueira-Santos & Santana, 2015), pois no processo de adoção, operadores do direito, psicólogos e assistentes sociais são atores fundamentais na atuação multiprofissional para a avaliação e emissão de laudos, pareceres, bem como no acompanhamento dos processos para a realização, garantia e cumprimento dos direitos para o exercício adotivo (Furtino e Martins, 2006).

Estas pesquisas são corroboradas com três estudos de revisões de literatura, as quais indicaram a escassez de publicações empíricas, sobre a adoção por gays e lésbicas, bem como referente as vivências na homoparentalidade. Com tudo, vale ressaltar, que não há pesquisas na área cientifica, especificamente nas áreas médica, jurídica e psicológica que aponte a homossexualidade como doença, ou que a convivência com outras pessoas os fará homossexual (Ruas et al., 2009). Portanto não há razões que desqualifiquem e desprestigiem os modos de construção destas famílias na sociedade.

Homoparentalidade: gênero e família

Conforme dados obtidos em pesquisa empírica realizada no ano de 2015, verificou-se que o desejo dos homossexuais em constituir uma família, está relacionada a uma expressão de pertencimento, de fazer parte de uma instituição legitimada e valorizada (Rodriguez et al., 2015), no entanto, a busca por este reconhecimento passa por modelos normativos e relações de poder, que expressam aspectos sobre valores tradicionais da família, dentro de padrões que são considerados corretos, seguindo desta forma, um imperativo heteronormativo, ou seja, a legitimação das famílias homoparentais traz um padrão de adequação ao estado, que pode se constituir como uma hierarquização da sexualidade dentro de uma cultura binarista que inspira como o modelo ideal a ser seguido, ao passo que também visa desconstruir paradigmas sustentados em categorizações padronizadas nos modos de ser família na sociedade (Butler, 2003; Coitinho Filho, 2015).

Neste contexto, ocorrem preconceitos, que incidem nas questões de gênero e sexualidade, em que são atribuídos modos de ser masculino e feminino, onde se sustenta o mito da complementaridade dos sexos (homem/mulher) para a função da boa parentalidade, bem como para a significação da organização familiar (Mello, 2005). Estas atribuições, são perpetuadas nas gerações familiares, impossibilitando compreender novas vivências sobre a masculinidade e feminilidade, onde traz como consequência, padrões no que se refere a papeis estereotipados sobre as funções paternas e maternas (Botton, Cúnico, Barcinski & Strey, 2015).

A discussão destas questões acima explicitadas, torna-se importante, tendo em vista o sentido produzido historicamente, sobre as classificações e categorias sexuais, em um contexto marcado por agências normalizadoras e disciplinarizadoras do corpo e da sexualidade (Foucault,1976/1993). São problematizações que perpassam toda a esfera social, no seu modo de organização e construção da sociedade, enquanto grupo e cultura. Desse ponto de vista, é perceptível o discurso que produz dicotomias amparadas em associações de papeis e funções do homem e da mulher na família, onde conduz a territórios marcados pela hierarquização.

Neste sentido, a mulher seria reafirmada pela sua função da maternidade, e o homem se confirmaria pela paternidade, dado que lhe confere a masculinidade na cultura machista (Cecílio et al., 2013). Essa dualidade imposta traz uma forte representação do que é “ser homem” onde este é visto, como o sujeito do “desejo incontrolável”, “fonte de disposição sexual”, “símbolo da virilidade”, bases que afirmariam a identidade masculina. Tais atributos trazem em seu bojo a noção da promiscuidade como característica inata a essência do masculino que faz parte de todo um panorama histórico sociocultural que reflete nos modelos de família, bem como nas questões de gênero (Tarnovski, 2002; Grossi et al., 2007).

As concepções teóricas acerca da homoparentalidade como arranjo familiar, trazem a Psicanálise como base em estudos realizados nos anos de 2011, 2012 e 2015, onde possibilita discutir sobre as implicações referentes ao parentesco nas famílias do mesmo sexo, no campo psicanalítico. Das premissas básicas da Psicanálise clássica, emergem questões como a manutenção da ordem do simbólico, ligadas ao parentesco na complementaridade dos sexos, no que se refere a importância da identificação primária da criança, o complexo de édipo, a diferenciação dos papeis e nominação no parentesco (pai, mãe) como discussões das funções parentais nas famílias (Grossi, 2003; Arán, 2011; Rodriguez & Gomes, 2012; Rodriguez et al., 2015).

Contrapondo-se a estas perspectivas deterministas que sustentam que a diferença sexual é fundamental nos processos psíquicos e culturais da criança, verificou-se que estas pesquisas teóricas acima mencionadas, propõem reflexões sobre a posição ética dos profissionais Psicólogos e Psicanalistas, frente as novas configurações familiares, bem como a compreensão de que na família homoparental, a ausência da diferenciação dos papéis sexuais não interfere na construção da identidade sexual, bem como no desenvolvimento psicossocial dos filhos, uma vez que as pesquisas realizadas com casais homoparentais mostram que a falta dos dois sexos não incide sobre a formação e construção da identidade da criança e a própria criação não segue determinações biológicas, dessa forma cada sujeito ocupa um lugar de presença e apoio junto a criança não havendo um engessamento de papeis, no que tange a criação dos filhos (Zambrano et al., 2006; Féres-Carneiro, 2009; Rodriguez & Gomes, 2012).

Neste sentido, estas pesquisas traçam um panorama no que diz respeito as transformações sociais no âmbito da família, onde requer que novas formas de pensar as organizações familiares, sejam refletidas de modo a estabelecer relações produtivas entre a Psicanálise e a construção de gênero, onde não se restrinja a modelos aprisionantes da sexualidade, mas que sobretudo, possa transcender os limites da ordem simbólica, atentando-se as singularidades e alteridades nos modos de ser das famílias do mesmo sexo (Rodriguez & Gomes, 2012; Arán, 2011).

Em relação ao conceito de família na contemporaneidade, outros dados adquiridos através de um conjunto de pesquisas realizadas no ano de 2015, permitiu elucidar, que para casais homossexuais com filhos, o conceito de família está baseado em qualidades que se constroem na relação vivenciadas na conjugalidade, como o afeto, amor, respeito, companheirismo, a qual fortalecem as vinculações, mesmo quando vivenciam experiências de preconceitos e conflitos por parte de suas próprias famílias de origem ou da sociedade (Melleti & Scorsolini-Comin, 2015; Rodriguez et al., 2015; Lira et al., 2015). Com isto, numa tentativa de descrever o que seja família na atualidade, podemos pensar e compreender como a união de indivíduos ligados entre si, por laços de afeto e pertencimento, dentro de um universo que não é fixo e restrito somente a vínculos consanguíneos, mas sobretudo aberto a um conceito polissêmico e móvel (Rodriguez & Paiva, 2009; Oliveira, 2011).

Neste sentido, a definição tradicional de família, não mais abarca e sustenta as novas constituições deflagradas por transformações sociais e políticas, embora discursos conservadores, religiosos e moralistas, inclinem-se e insistam em argumentos que evidenciam intolerância e inflexibilidade, na qual reflete em práticas homogeneizadas de exclusão e desigualdade social.

Papéis e práticas na homoparentalidade

Diante dos dados coletados, observa-se que no ano de 2015 houve um acréscimo no número de pesquisas empíricas com abordagem qualitativa, envolvendo casais homossexuais formados por gays e lésbicas com filhos adotivos ou com desejo de parentalidade. Evidencia-se com estes dados, que pesquisadores tem se debruçado nas produções acerca da temática, o que mostra uma crescente preocupação em problematizar e discutir o universo das famílias homossexuais e homoparentais na área da Psicologia. Assim, estudiosos analisaram a vivência de casais homossexuais com filhos adotivos, o desejo de tornar-se pai e mãe, as práticas parentais no que diz respeito às definições de papeis nas responsabilidades atribuídas a cada parceiro para o cuidado e zelo com o filho, bem como a própria vivência da homoparentalidade diante da sociedade (Amazonas et al., 2013; Rodriguez et al., 2015; Meletti & Scorsolini-Comin, 2015; Lira et al., 2015).

Em pesquisa empírica, de cunho qualitativo, realizada no ano de 2015 com casais homossexuais formadas por lésbicas com filhos, tanto adotivos, como de uniões heterossexuais anteriores, os estudos apontaram que o vínculo social e afetivo é o centro das relações destas famílias. Assim, percebe-se que as mães procuram proporcionar uma qualidade nas relações e um diálogo aberto sobre sua sexualidade no convívio diário com os filhos, o que fortalece no enfrentamento das estigmatizações homofóbicas.

Referente a sexualidade dos filhos, bem como a própria criação, embora os estudos científicos, até o momento tenham contestado consistentemente que não há influência da orientação sexual dos pais na construção da identidade sexual dos filhos, ou qualquer comprometimento psicológico, este estudo demonstra que há uma preocupação por parte das mães acerca da pressão social sobre a vivencia da sexualidade dos filhos, uma vez que estes venham a vivenciar a reprovação da orientação sexual dos pais no contexto social, ou seja, há um receio quanto ao preconceito e discriminação nos diversos meios, podendo influenciar no comportamento e interação social da criança, porém enfatiza-se com estes resultados coletados, que a orientação sexual não se constitui aspecto determinante na avaliação da capacidade parental, bem como no desenvolvimento dos filhos, mas, sobretudo a qualidade priorizada nas relações construídas, assim como a disposição e determinação das mães para administrarem os conflitos que venham de algum modo interferir nas organizações familiares.

Outros dados nos permitiu revelar ainda, que a qualidade das relações familiares intergeracionais, está ligada também a redes de apoio, como os vínculos em grupos comunitários, organizações de pais e etc. Esse diálogo vem contribuir para um maior encorajamento dos pais gays e mães lésbicas no enfretamento do preconceito, bem como para uma melhor compreensão acerca do bem estar das crianças. No entanto, torna-se complexo, quando se refere a exposição e visibilidade dessas famílias em cidades pequenas, onde resiste valores conservadores pautados por uma ótica religiosa acerca do padrão da família tradicional (Eggebeen, 2012).

Quando se trata do desempenho parental, relacionado as práticas na dinâmica das famílias homoparentais femininas, os estudos recentes apontam que há uma flexibilidade de papeis nas atividades domésticas, o que demonstra o compartilhamento equitativo das tarefas, responsabilidades e gerenciamento do lar (Meletti & Scorsolini-Comin, 2015; Lira et al., 2015). Corroborando com este dado, autores observaram através de uma revisão de literatura realizada no de 2014, semelhanças entre heteroparentalidade e homoparentalidade no que se refere as práticas parentais, bem como no desenvolvimento psicossocial dos filhos (Gato & Fontaine, 2014).

Dessa forma, os estudos científicos realizados nos últimos anos vêm mostrando incisivamente que ter pais do mesmo sexo não supõe riscos quanto ao desenvolvimento psicossocial e sexual dos filhos (Bos & Gartrell, 2010a). Porém, vale ressaltar que, fatores externos, como a vivência de atitudes discriminatórias, são comprometedoras, o que influencia na autoestima, autoconfiança, quando as crianças são confrontadas com a desaprovação em suas diversas relações, referente a orientação sexual dos pais (Bos & Gartrell, 2010b). Com isto, infere-se que as dificuldades apontadas sobre os processos de adoção ou qualquer outra técnica, ainda interferem diretamente na decisão, preparação e concretização de tornarem-se pais e constituírem uma família, embora exista o desejo.

Em relação a vivência da homoparentalidade, uma pesquisa empírica realizada no ano de 2015, trouxe a comparação das experiências dos homossexuais em suas famílias de origem, que de certo modo balizariam a construção da conjugalidade e parentalidade na vida adulta. Os estudos apontam que modelos que não tenham sido experienciados de forma positiva, ou seja, experiências vivenciadas negativamente na família de origem, podem ser catalisadoras de mudança, no sentido de adoção de posturas distintas no exercício da parentalidade, com por exemplo, uma maior preocupação de agir diferente quando se trata do cuidado e envolvimento afetivo na criação dos filhos, dessa forma os modelos vivenciados considerados positivos formariam uma base para os relacionamentos na vida adulta. Neste sentido, depreende-se influencias, bem como referências na base da transmissão geracional, de modo a romper com modelos negativos, na tentativa de ressignificar valores, bem como, possibilitar experiências mais saudáveis e satisfatórias na constituição familiar dos casais do mesmo sexo (Melleti & Scorsolini-Comin, 2015; Rodriguez et al., 2015).

 

Considerações finais

O objetivo geral desse estudo teve como pressuposto identificar e discutir através de uma revisão sistemática, os preconceitos e crenças relativos ao contexto da adoção e das práticas homoparentais em artigos científicos entre 2006 e 2015. Assim, de acordo com os resultados obtidos, evidenciou-se a escassez de publicações nas principais bases de dados, acerca da homoparentalidade e adoção no contexto nacional, fato que configura uma realidade ainda cercada de preconceitos, tabus e discriminações em relação a essas novas configurações familiares.

É preciso considerar que os achados permitiram observar que as produções empíricas envolvendo casais homossexuais, com pesquisas relacionadas aos papéis, práticas e desejo de parentalidade têm tido destaque nas publicações no ano de 2015, porém, apesar dos avanços, ainda são consideradas minoritárias, principalmente no que se refere ao contexto da adoção homoparental. Importante ressaltar que não foi encontrado nenhum estudo brasileiro que trate diretamente do acompanhamento de crianças adotadas por casais do mesmo sexo, a fim de investigar etapas desenvolvimentais nestas famílias, embora os poucos achados atestem não haver influencias da orientação sexual dos pais no desenvolvimento psicossocial dos filhos (Cerqueira-Santos & Bourne, 2015).

Assim, considera-se que o tema da homoparentalidade no contexto da adoção, precisa ser cada vez mais problematizado e ampliado nos campos da pesquisa cientifica, onde se proponha a refutar discursos aviltantes, centrados nos modos de ser e constituir família na contemporaneidade, numa sociedade marcada por avanços e retrocessos políticos e sociais e desse modo poder vislumbrar estratégias e perspectivas que venham delinear e potencializar amplas discussões, produções e publicações pautadas em dados científicos consistentes e relevantes para os estudos dessas organizações familiares.

 

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Endereço para correspondência
Joelson Alves da Silva
E-mail: joelson3@gmail.com

Aline Maria Barbosa Domício Sousa
E-mail: alinedomicio@gmail.com

Juliana Fernandes-Eloi
E-mail: julianaf.jf@gmail.com

Enviado em: 18/05/2017
1ª revisão em: 29/05/2017
2ª revisão: 28/10/2017

 

 

1 Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário do Ceará – Estácio/FIC. Psicólogo clínico.
2 Orientadora, Doutora em Psicologia Social Crítica pela Universidade de Minho – Portugal e Universidade de São Paulo/Brasil. Docente da Graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza – UNIFOR e do Centro Universitário Estácio do Ceará – Estácio FIC.
3 Doutora em Psicologia pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR, Psicóloga clínica, docente do curso de Psicologia do Centro Universitário Estácio do Ceará – Estácio FIC e Centro Universitário Christus – UNICHRISTUS.

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