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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.22 no.1 Porto Alegre jan./jun. 2018

 

ARTIGOS

 

Diferenciação do self: revisão integrativa de artigos empíricos internacionais

 

Differentiation of self: integrative review of international empirical articles

 

 

Milena Carolina Fiorini1, I ; Fernanda Graudenz Müller2, II; Simone Dill Azeredo Bolze3, III, IV

I Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
II Centro Universitário do Alto Vale do Itajaí - UNIDAVI
III Familiare Instituto Sistêmico
IV Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A diferenciação do self refere-se à capacidade para adquirir equilíbrio entre funcionamento emocional, intelectual, intimidade e autonomia nas relações. O objetivo deste estudo foi identificar e analisar as variáveis associadas ao processo de diferenciação do self em pesquisas empíricas internacionais, publicadas nos últimos cinco anos. Realizou-se uma revisão integrativa da literatura, a partir da busca na base de dados Wef of Science, que resultou em 22 artigos científicos. As publicações foram analisadas em relação ao ano, ao método, à amostra e ao país onde foram produzidas. Efetuou-se, ainda, uma categorização temática, com base na similaridade dos conteúdos abordados pelas pesquisas. Os resultados indicaram associações positivas da diferenciação do self com variáveis ligadas ao bem-estar psicológico e à capacidade de relacionamento interpessoal, e negativas com fenômenos que apresentam relação com sofrimento psicológico e transtornos mentais. Esses achados reforçam a importância da diferenciação do self em intervenções psicoterapêuticas individuais, conjugais e familiares.

Palavras-chave: Teoria dos sistemas familiares, Diferenciação do self, Revisão de literatura, Constituição do self.


ABSTRACT

The differentiation of self refers to the capacity to obtain balance between the functioning of emotional, intellectual, intimacy and autonomy in relations. The objective of this study was to identify and to analyze the variables associated to the process of differentiation of self in international empirical researches, published in the last five years. It was made an integrative literature review, starting from the search in the data base Wef of Science, which resulted in 22 scientific articles. The publications were analyzed in relation to the year, method, sample and country where they were performed. It was done, yet, a thematic categorization, based in the similarity of the contents covered for the researches. The results indicated positive associations of the differentiation of self with variables related to the psychological welfare and to the capacity of interpersonal relationship, and negative associations with phenomenon that have relation with psychological suffering and mental disorders. These findings reinforce the importance of differentiation of self in individual, marital and family psychotherapeutic interventions.

Keywords: Family systems theory, Differentiation of self, Literature review, Constitution of self.


 

 

Introdução

Murray Bowen (1978, 1991) desenvolveu a Teoria dos Sistemas Familiares, considerada uma das teorias mais abrangentes sobre o comportamento humano, especialmente devido ao seu caráter universal. As famílias, segundo a teoria boweniana, são constituídas por uma massa indiferenciada do ego familiar que se caracteriza pelo sentimento de pertencimento ao grupo e pela tendência à fusão entre os membros. No entanto, no desenvolvimento ao longo de seu ciclo vital, a família desempenha duas tarefas complementares: ao mesmo tempo em que cria esse sentido de pertencimento, também promove a diferenciação de seus integrantes (Bowen, 1991). O funcionamento familiar saudável é alcançado, portanto, quando essas duas forças divergentes, de ligação emocional e necessidade de aquisição da individualidade, encontram e mantém um equilíbrio (Bowen, 1978).

De acordo com Bowen (1978), no momento em que uma criança nasce, esta se encontra fusionada com sua família. Ainda segundo o autor, no decorrer de seu crescimento, ela vivencia momentos de maior pertencimento, compartilhando crenças, regras, mitos e valores de família; e outros, de diferenciação, expressando-se a partir de sua singularidade.  A diferenciação do self ocorre ao longo de todo o desenvolvimento e configura-se como um processo dinâmico e evolutivo, definido como a capacidade para adquirir equilíbrio entre funcionamento emocional, intelectual, intimidade e autonomia nas relações (Bowen, 1978). No entanto, a diferenciação tende a se estabelecer de forma mais sólida na fase da adultez jovem, momento geralmente vinculado à separação emocional e/ou física da família de origem (Carter & McGoldrick, 1995).

A transição para o status de jovem adulto delimita uma mudança na dinâmica familiar, de modo que os pais precisam substituir o controle pelo apoio, enquanto os filhos buscam por maior autonomia e menor hierarquia na relação. Como toda a fase de transição do ciclo vital, esse processo tende a evidenciar o padrão de funcionamento do sistema (Carter & McGoldrick, 1995). Nos casos em que a família apresenta um funcionamento saudável, ou seja, consegue estabelecer fronteiras emocionais claras entre os membros, apoio mútuo e tem flexibilidade para mudanças, a tendência é que os pais incentivem a aquisição de independência do jovem adulto, favorecendo a sua diferenciação. Quando a família apresenta excesso de envolvimento emocional (fronteiras difusas), é possível que contribua para que o filho permaneça dependente. Por outro lado, quando há imposição de limites de forma rígida e desligamento emocional entre os integrantes, o jovem adulto tende a estabelecer uma relação pseudoindependente com a família, afastando-se emocionalmente e, por vezes, fisicamente. Em casos mais extremos, padrões de funcionamento com fronteiras excessivamente rígidas podem acarretar no rompimento da relação (Minuchin, 1982).

Indivíduos menos diferenciados tendem a ser mais dependentes emocionalmente, além de pouco tolerantes e flexíveis para lidar com situações estressantes. Já aqueles que conseguem se diferenciar de forma satisfatória apresentam maior capacidade de equilíbrio emocional, que lhes permite estar em contato íntimo com as pessoas, porém preservando a sua autonomia (Skowron & Friedlander, 1998).  Segundo Keer e Bowen (1988), a união conjugal, que representa uma das relações com maior nível de intimidade, é fortemente influenciada pelo nível de diferenciação dos parceiros. O casamento demanda uma negociação implícita ou explícita de diversas questões, tanto em termos individuais quanto de padrões de funcionamento oriundos de cada uma das famílias de origem (Carter e McGoldrick, 1995). Quando não há diferenciação satisfatória do casal ou de um dos cônjuges, inúmeros conflitos podem ser gerados (Bueno, Souza, Monteiro, & Teixeira, 2013).

Três outros conceitos da Teoria dos Sistemas Familiares são fundamentais para a compreensão do processo de diferenciação do self. Kerr e Bowen (1988) mencionam a projeção familiar, definida como a transmissão da indiferenciação dos pais para os filhos, representada pelo cuidado excessivo e preocupação ansiosa, durante o processo de desenvolvimento. A transmissão multigeracional, por sua vez, envolve a transferência de questões emocionais (crenças, expectativas, mitos e valores, vivenciados pela família) ao longo das gerações, perpassando-as. Por fim, a triangulação diz respeito ao envolvimento de uma terceira pessoa numa relação conflituosa até então estabelecida entre dois membros da família, quando essa díade está carregada de tensão emocional. A entrada da terceira pessoa tende a gerar o descarregamento da tensão e a reequilibrar o sistema de forma temporária. As triangulações tendem a ocorrer com maior frequência entre os pais e um dos filhos, e dificultam a percepção de sentimentos e pensamentos dos envolvidos, bem como a aquisição de autonomia por parte do filho, prejudicando o seu processo de diferenciação (Kerr & Bowen, 1988).

Bowen(1978) propôs o desenvolvimento de uma escala para mensurar o nível de diferenciação do self. O instrumento não foi elaborado com o propósito de atribuir um escore exato de diferenciação, de modo que sua importância é mais teórica e qualitativa do que quantitativa. A escala foi dividida por Bowen (1978) em quatro quadrantes, com diferentes faixas de classificação do nível de diferenciação, variando de 0 a 100: no primeiro quadrante (0 a 25), encontram-se as pessoas menos diferenciadas, caracterizadas por altos níveis de dependência e reatividade emocional; o segundo (25-50) representa indivíduos ainda pouco diferenciados e facilmente influenciáveis; e o terceiro 50-75) corresponde aos indivíduos com maior capacidade de assumir uma posição clara do eu, apoiando-se menos no julgamento dos outros; e no quarto quadrante (75-100), situam-se as pessoas com maiores níveis de diferenciação do self, dotadas de maturidade e grau elevado de independência emocional.

O conceito de diferenciação do self foi operacionalizado por Skowron e Friedlander (1998), por meio da elaboração do Inventário de Diferenciação do Self – DSI, um instrumento de autorrelato que mensura a diferenciação do self em jovens e adultos, a partir da avaliação das suas relações significativas atuais e com a família de origem. O inventário foi revisado por Skowron e Schmitt (2003), originando o Inventário de Diferenciação do Self Revisto − DSI-R, composto por 46 itens, divididos em quatro dimensões: reatividade emocional, corte emocional, posição do eu e fusão com outros. A reatividade emocional reflete a capacidade para responder aos estímulos ambientais com base em respostas emocionais automáticas; o corte emocional indica o limite ou distanciamento emocional e comportamental em relação aos outros, bem como um possível temor em relação à intimidade nos relacionamentos; a posição do eu denota um sentido claro e definido do self e a habilidade de manter as crenças e convicções pessoais, mesmo quando pressionado a fazer o contrário; e a fusão com outros representa a identificação e o envolvimento emocional com os outros significativos, que pode ocasionar certa dependência (Skowron & Schmitt, 2003). As respostas do inventário são obtidas por meio de uma escala Likert de seis pontos que varia da alternativa “nada verdadeira” (equivalente à pontuação 1) a “muito verdadeira” (correspondente à pontuação 6). Para o cálculo da pontuação total, seguem-se instruções que geram uma média para cada dimensão, sendo que as maiores pontuações representam níveis mais elevados de diferenciação (Skowron & Schmitt, 2003).

No contexto brasileiro, o construto diferenciação do self ainda é pouco explorado, dado que foram encontradas apenas quatro pesquisas nacionais sobre a temática, todas qualitativas. Reis e Rabinovich (2006) realizaram um estudo com jovens adultas baianas que apresentavam dificuldades de relacionamento com a família de origem e diversos sintomas psicossomáticos. Os resultados indicaram que fronteiras rígidas entre mães e filhas, e destas com a família extensa, prejudicavam o processo de diferenciação das mulheres que tendiam a abandonar os estudos e a assumir responsabilidades que caberiam aos pais. Duas investigações abordaram o impacto do processo de diferenciação do self na relação conjugal (Bueno et al., 2013; Martins, Rabinovich, & Silva, 2008). Ambas as autoras constataram que a dificuldade de diferenciação de um ou ambos os cônjuges em relação às suas famílias de origem tende a reproduzir padrões repetitivos de comportamento e, consequentemente, gerar dificuldades no relacionamento conjugal. Já a pesquisa de Pellegrini, Silva, Barreto e Crepaldi (2015), caracterizada com um relato de atendimento clínico de uma mãe e seu filho jovem adulto com base no referencial sistêmico, sugeriu que os conflitos existentes entre mãe e filho se relacionavam à fragilidade das fronteiras entre os subsistemas, com distanciamento entre os pais e emaranhamento entre mãe e filho, fatores do funcionamento familiar que prejudicavam o processo de diferenciação do self do jovem adulto. Tendo em vista a importância do processo de diferenciação do self para o desenvolvimento psicossocial saudável, aliada à escassez da produção científica da temática no Brasil, o objetivo deste artigo foi identificar e analisar as variáveis associadas ao processo de diferenciação do self em pesquisas empíricas internacionais, publicadas nos últimos cinco anos.

 

Método

Foi realizada uma revisão integrativa da literatura, com base nos cinco estágios delimitados por Whittemore e Knafl (2005): 1) Identificação do problema; 2) Pesquisa bibliográfica; 3) Avaliação dos dados; 4) Análise de dados; e 5) Apresentação das conclusões. De acordo com esses autores, o desenvolvimento de uma revisão integrativa envolve a análise crítica e a síntese da literatura representada em um tópico integrado, de forma a gerar novas perspectivas acerca de determinado fenômeno.

Como o objetivo deste estudo não foi mapear o estado da arte sobre diferenciação do self, ou seja, não houve intenção de esgotar a produção científica que aborda a temática, mas identificar e analisar as variáveis associadas ao construto por investigações recentes, optou-se por utilizar exclusivamente a base de dados internacional Web of Science, do Institute for Scientific Information (ISI)/Thompson Reuters. Esta escolha se justifica pelos seguintes motivos: a plataforma Wef of Science possui uma abrangência confiável (indexa aproximadamente 9.700 revistas ou periódicos) e apresenta atualização semanal e diversas funcionalidades que facilitam a busca, tornando-a mais assertiva4. Além disso, a plataforma Wef of Science permite que o pesquisador selecione publicações específicas da área de Psicologia, possibilitando o acesso exclusivo ao conhecimento científico produzido por esse campo de conhecimento.

A busca foi orientada pelo emprego do termo “differentiation of self". O procedimento inicial consistiu na delimitação dos seguintes critérios de inclusão: 1) Selecionou-se a opção “tópico” que determina a presença do termo escolhido no título, no resumo e/ou nas palavras-chave dos artigos; 2) Estabeleceu-se o período entre os anos de 2012 a 2016 (correspondente aos últimos cinco anos); e 3) No item “mais configurações”, optou-se apenas pela grande área temática das ciências sociais (Social Sciences Citation Index). A partir da delimitação desses critérios iniciais, foram identificadas 44 publicações. Após a realização desses procedimentos, foram adicionados dois critérios de exclusão: 4) No item referente ao tipo de documento, optou-se apenas por artigos científicos (article), tendo em vista que esse tipo de publicação geralmente passa por um processo rigoroso de avaliação que tende a conferir credibilidade ao estudo; e 5) No item relativo às categorias temáticas, foram abarcadas somente as áreas relacionadas à Psicologia (Psychology) e ao estudo de famílias (Family Studies).Ao acrescentar os últimos dois critérios, a busca resultou em 38 artigos científicos. A partir da leitura do resumo dessas 38 publicações, identificou-se a necessidade de excluir 16 pesquisas que não contemplavam o escopo proposto por este trabalho, sendo que oito apresentavam validações do Inventário de Diferenciação do Self - DSI em diferentes países; quatro investigavam construtos não relacionados à temática; e quatro eram de ensaios teóricos.

Os 22 artigos restantes foram lidos na íntegra e avaliados em relação ao ano de publicação, ao país onde a pesquisa foi desenvolvida, à descrição da amostra e ao delineamento metodológico (método empregado, procedimentos de coleta e análise de dados). Além disso, as publicações foram analisadas a partir de uma categorização temática (Bardin, 2011), realizada com base na similaridade dos assuntos abordados pelos estudos, com foco nas variáveis associadas ao processo de diferenciação do self. Por fim, os resultados foram sintetizados e discutidos à luz da literatura, de forma a apresentar as principais conclusões advindas das pesquisas analisadas, bem como as implicações para o campo teórico e prático que compreendem a temática proposta.

 

Resultados

Em relação ao ano de publicação, apenas um artigo foi identificado em 2012 (n=1), seis no ano de 2013 (n=6), sete em 2014 (n=7), três em 2015 (n=3) e cinco em 2016 (n=5). Quanto aos países onde foram desenvolvidas as pesquisas, constatou-se destaque para os Estados Unidos, com nove (n=9) artigos publicados, seguidos de Israel, com sete (n=7) publicações. Foram encontrados três (n=3) estudos realizados em Portugal, e as três investigações restantes foram desenvolvidas na Coreia do Sul (n=1), Espanha (n=1) e Itália (n=1).

No que se refere ao método empregado, todas as pesquisas coletadas (n=22) utilizaram abordagem quantitativa. A coleta de dados envolveu a aplicação de escalas e/ou questionários, de acordo com as variáveis investigadas por cada pesquisa. A análise dos dados, em todas as publicações, contemplou procedimentos estatísticos descritivos (especialmente descrição de médias e desvios-padrão) e inferenciais (testes T, análise de variância e covariância, análise fatorial confirmatória, testes de correlação, regressão, análise multivariada, testes de modelos de mediação múltipla, modelagem de equações estruturais e modelagem multinível). Ainda sobre o delineamento metodológico, é importante pontuar que, para fins de mensuração da diferenciação do self, 21 estudos utilizaram o Inventário de Diferenciação do Self Revisto - DSI-R (Skowron & Schmitt, 2003), adaptado e validado nos respectivos países onde as pesquisas foram desenvolvidas.

Referente à descrição das amostras, o tamanho variou de 64 a 783 indivíduos. Estudantes foram alvo de 13 pesquisas, sendo uma com alunos de Ensino Médio, nove com universitários e três com participantes que cursavam pós-graduação. Quatro investigações empregaram amostras de casais e/ou famílias, uma de adolescentes com seus pais e, por fim, as restantes abarcaram amostras de adultos e/ou jovens adultos com características específicas, de acordo com as demandas exploradas pelos autores. Em termos de idade, constatou-se grande variedade de faixas etárias, desde 15 até 78 anos, e com médias variando entre 18 e 45 anos.

A categorização temática foi realizada com base na congruência dos temas e variáveis centrais abordadas pelos estudos, resultando em quatro categorias: sintomas fisiológicos e transtornos mentais; bem-estar psicológico e relacionamento interpessoal; relação conjugal; e funcionamento familiar. Os resultados classificados em cada uma das categorias são apresentados a seguir:

Sintomas fisiológicos e transtornos mentais

Esta categoria temática abrange seis publicações que abordam a relação entre o processo de diferenciação do self e variáveis relacionadas a sintomas fisiológicos negativos, bem como a transtornos mentais. O estudo de Peleg e Rahala (2012) comparou a relação entre nível de diferenciação do self e sintomas fisiológicos (fadiga, ressecamento da boca, dificuldades respiratórias, dores nas costas ou no pescoço, vômitos, insônias e dores de cabeça) entre 282 universitários árabes ou judeus, com idade média de 24 anos. Os sintomas fisiológicos foram positivamente correlacionados com dimensões negativas da diferenciação: reatividade emocional e corte emocional entre os judeus e reatividade emocional entre os árabes. Com uma amostra de 300 graduandos israelenses com idade média de 29 anos, Peleg e Zoabi (2014) constataram associações positivas entre ansiedade social (definida pelos autores como medo de avaliação negativa, angústia em situações novas e evitação de angústia em geral) e as subescalas da diferenciação do self de reatividade emocional, corte emocional e fusão com outros, e associações negativas, com posição do eu.

A pesquisa realizada por Jankowski et al. (2013a) testou um modelo de relação entre tarefas de parentificação (que ocorre quando um ou ambos os pais posicionam uma criança para desempenhar papéis e funções de adulto no sistema familiar) e sintomas de depressão com a percepção de injustiça na família e a diferenciação do self enquanto mediadores. A amostra foi composta por 783 estudantes de graduação dos Estados Unidos, com idades entre 18 e 48 anos, e os resultados apoiaram o modelo de mediação múltipla proposto: a relação entre parentificação e níveis elevados de sintomas depressivos e de perturbação mental foi mediada pela injustiça percebida dentro do contexto familiar e pela diferenciação do self.

Peleg e Arnon (2013) examinaram as diferenças entre 67 pacientes diagnosticados com esquizofrenia e 67 indivíduos considerados não esquizofrênicos (israelenses entre 25 e 65 anos), em termos de níveis de diferenciação de self. A esquizofrenia foi definida pelos autores como um transtorno psiquiátrico heterogêneo e complexo, frequentemente crônico, que engloba sintomas de perturbação na avaliação da realidade. Os achados indicaram que as pessoas diagnosticadas com esquizofrenia apresentam menores níveis de diferenciação do self, e consequente tendência a criar relações fundidas e simbióticas e a reagir com níveis mais altos de corte emocional, quando os relacionamentos são ameaçados e apresentam dificuldades para expressar suas necessidades pessoais.

O estudo desenvolvido com 439 adultos em Israel, de idade média de 18 anos, por Peleg e Mass-Friedman (2013), investigou as reações entre preocupação com o terrorismo, visualização da mídia, diferenciação de self, traços de ansiedade e percepções de estresse relacionadas à segurança. Os autores encontraram correlação negativa significativa entre traços de ansiedade ligados à preocupação com o terrorismo e o nível de diferenciação do self. Peleg, Deutch e Dan (2016), por sua vez, avaliaram as relações entre diferenciação do self, percepções das expectativas acadêmicas dos pais e ansiedade diante de testes, em 392 estudantes universitárias israelenses, com idade média de 23 anos. O construto ansiedade diante de testes foi definido pelos autores como uma desagradável reação emocional diante de uma situação avaliativa e da preocupação com possíveis consequências indesejáveis causadas por falhas. Os resultados sugeriram que as graduandas com níveis mais altos na dimensão corte emocional relataram percepções negativas em relação às expectativas dos pais e escores mais elevados de ansiedade diante de testes.

Bem-estar psicológico e relacionamento interpessoal

Nesta categoria temática estão contemplados seis artigos que tratam de associações entre o construto diferenciação do self e variáveis ligadas ao bem-estar psicológico e aos aspectos positivos do relacionamento interpessoal. Jankowski, Sandage e Hill (2013) testaram um modelo teórico de associação de perdão, bem-estar, sintomas de depressão e compromisso de justiça social (definido como uma preocupação ativa relacionada à defesa da justiça social), tendo como mediadores a diferenciação do self e a humildade. A amostra foi composta por 213 estudantes de graduação norte-americanos entre 21 e 63 anos. Tanto a diferenciação do self quanto a humildade mediaram a associação entre o aumento do perdão e a redução da depressão.  Além disso, a diferenciação também funcionou como mediadora da relação entre o aumento do perdão e do compromisso de justiça social.

A pesquisa desenvolvida por Sandage e Jankowski (2013), com 139 estudantes de pós-graduação de profissões assistenciais nos Estados Unidos, com idades variando de 21 a 59 anos, constatou que a diferenciação do self atua como mediadora da relação entre bem-estar espiritual (representa uma maneira de se relacionar com o sagrado que gera um senso de significado e propósito na vida), compromisso de justiça social e competência intercultural (capacidade de pensar e agir de forma interculturalmente apropriada e com sensibilidade a diferenças). Os resultados encontrados por Jankowski, Stev e Sandage (2014), a partir de uma amostra de 138 estudantes norte-americanos de mestrado com idade média de 31 anos, indicaram que a diferenciação do self e a gratidão disposicional (definida como uma percepção apreciativa e positiva da vida) mediaram a associação entre oração meditativa (prática contemplativa que procura ampliar a atenção plena e representa uma forma de espiritualidade) e competência intercultural. Já os achados do estudo realizado por Sandage, Crabtree e Schweer (2014), com 202 estudantes americanos de pós-graduação, com idade média de 34 anos, demonstraram associação positiva entre o nível de diferenciação do self, a esperança (definida como a capacidade de vislumbrar e trabalhar para um futuro melhor) e o comprometimento com a justiça social.

Bartle-Haring, Shannon, Bowers e Holowacz (2016) desenvolveram uma pesquisa com 93 famílias norte-americanas, cujos participantes tinham idade média de 31 anos. O objetivo dos pesquisadores era verificar se os níveis de diferenciação do self do terapeuta estariam positivamente associados a níveis mais elevados de aliança terapêutica. A hipótese não foi totalmente confirmada, sugerindo que a aliança terapêutica é mais influenciada por fatores extraterapêuticos e, principalmente, pela gravidade dos sintomas. Por fim, a investigação de Johnson, Schamuhn, Nelson e Buboltz (2014) avaliou os efeitos dos níveis de diferenciação do self no desenvolvimento de carreira de 231 estudantes universitários norte-americanos, cuja média de idade foi de 23 anos. Os autores constataram que escores mais baixos de corte emocional e reatividade emocional, bem como índices mais elevados de posição do eu, previram níveis mais altos de identidade vocacional e tomada de decisão profissional.

Relação conjugal

Esta categoria temática abarca cinco publicações que relacionam o processo de diferenciação do self a variáveis ligadas ao relacionamento conjugal. O primeiro estudo, desenvolvido por Ferreira, Narciso, Novo e Pereira (2014), em Portugal, com 438 indivíduos (idade média de 37 anos), identificou a diferenciação do self como preditora do desejo sexual, da intimidade e da satisfação do casal. Ferreira, FraenkeL, Narciso e Novo (2015) realizaram uma pesquisa com 32 casais (64 indivíduos), também portugueses, cuja média de idade era de 40 anos, buscando compreender como o nível de diferenciação do self se relaciona com as experiências sexuais e o desejo sexual dos casais, bem como com as possíveis mudanças na sua percepção sobre o desejo e a diferenciação, ao longo do relacionamento. A maioria dos casais relatou que o início da relação foi demarcado por alto desejo sexual e baixa diferenciação. À medida que o relacionamento progredia, os participantes sugeriram que, por meio de estratégias de ajustamento (promoção de interesses pessoais, melhoria da integridade pessoal e investimento em conexão positiva), foram capazes de aumentar o seu nível de diferenciação.

A investigação, produzida por Ferreira, Narciso, Novo e Pereira (2016), contou com uma amostra de 33 casais portugueses, com idade média de 40 anos. Os dados foram analisados tanto individualmente quanto por casal, de modo que os seguintes resultados foram destacados pelos pesquisadores: os parceiros dentro de um casal não apresentaram índices mais próximos de diferenciação do self, se comparados aos indivíduos que não se relacionavam entre si; maiores índices de discrepância de diferenciação entre o casal associaram-se negativamente com graus elevados de satisfação conjugal; e médias mais elevadas da diferenciação entre o casal relacionaram-se positivamente com maiores índices de satisfação conjugal. A pesquisa desenvolvida por Rodríguez-González, Skowron, Gregorio e San Roque (2016), com uma amostra de 118 casais espanhóis (idade média de 44 anos), também não identificou similaridade entre os níveis de diferenciação dos membros do casal, porém encontrou associação positiva da diferenciação do self com ajuste conjugal. Lampis (2016) demonstrou correlação positiva entre diferenciação do self e percepção do ajuste diádico (refere-se à mensuração da qualidade do relacionamento conjugal), entre 468 graduandos de psicologia da Itália, cujas idades variaram entre 19 e 69 anos.

Funcionamento familiar

A quarta categoria temática engloba cinco pesquisas que tratam de aspectos do funcionamento da família de origem e sua influência no processo de diferenciação do self, incluindo osfenômenos de triangulação, projeção e transmissão multigeracional. O estudo de Giladi e Bell (2013), efetuado nos Estados Unidos com 215 judeus, cujas idades variaram de 18 a 70 anos, investigou se a diferenciação do self e o estilo comunicacional familiar representariam fatores protetivos para o estresse traumático secundário (refere-se aos efeitos do trauma em pessoas que foram traumatizadas indiretamente ou secundariamente) de familiares da segunda e terceira geração de parentes que passaram pelo holocausto. Os resultados sugeriram associação negativa entre estresse traumático secundário, tanto com a diferenciação do self quanto com a comunicação familiar.

A pesquisa desenvolvida por Kim et al. (2014), com uma amostra de 235 coreanos e idades variando de 20 a 70 anos, demonstrou correlação positiva entre diferenciação do self, satisfação familiar e comunicação saudável com a família de origem. Outro estudo produzido pelos mesmos autores (Kim et al., 2015), nos Estados Unidos, constatou associação positiva entre diferenciação do self e funcionamento familiar saudável (representado pela comunicação positiva e pela satisfação familiar) entre três diferentes amostras: sul-coreanos que residiam na Coreia do Sul, sul-coreanos que viviam nos Estados Unidos e branco-americanos, resultando em 277 participantes, com idade média de 30 anos. A investigação de Peleg (2014), realizada com 217 graduandos de Israel (idades entre 19 e 42 anos), apontou correlações negativas entre eventos estressantes vivenciados na infância e na adolescência (compreendidos como circunstâncias ameaçadoras ou prejudiciais que produzem mudanças significativas) e diferenciação do self, e positivas, com triangulação intergeracional.

O último estudo contemplado por esta categoria (Peleg, Miller, & Yitzhak, 2015) examinou 88 adolescentes, com seus pais (cujas idades situavam-se na faixa de 34 a 65 anos). A pesquisa buscou relacionar a ansiedade de separação dos filhos (que representa uma parte da crise normativa de maturação e separação dos pais, ao tentar estabelecer uma identidade separada dos mesmos) após a transição para o ensino médio, por um lado, e a diferenciação de self e a ansiedade de separação de seus pais (definida como um estado emocional desagradável que diz respeito a preocupações e apreensão da mãe ou pai sobre deixar seu filho), por outro. Os achados sugeriram correlação negativa entre a diferenciação materna do self, e especificamente seus níveis de posição do eu, com a ansiedade de separação dos adolescentes, ou seja, os adolescentes, cujas mães apresentaram níveis mais baixos de diferenciação e que não possuíam um sentido claro e definido do eu, demonstraram índices mais elevados de ansiedade de separação.

 

Discussão

Em linhas gerais, a revisão integrativa indicou associações positivas da diferenciação do self com variáveis ligadas ao bem-estar psicológico e à capacidade de relacionamento interpessoal, e associações negativas, com fenômenos que apresentam relação com sofrimento psicológico e transtornos mentais. No que se refere aos anos de publicação, não se observaram diferenças significativas entre os períodos. Esse fato permite constatar certa regularidade na produtividade científica internacional sobre diferenciação do self, se forem considerados os últimos cinco anos, bem como a base de dados escolhida para a coleta dos artigos.

A avaliação dos resultados referentes aos países onde foram desenvolvidas as pesquisas possivelmente retrate a representatividade da exploração do construto diferenciação do self por determinados núcleos de pesquisa / universidades internacionais, já que os nomes de alguns autores comumente se repetem nos três países que apresentaram os maiores números de publicações. Nos Estados Unidos, país com a maior produção científica a respeito da temática, cinco das nove publicações desenvolvidas são representadas por pesquisadores de duas universidades: Bethel University e Boston University (Sandage, Crabtree, & Schweer, 2014; Sandage & Jankowski, 2013; Jankowski et al., 2013a; Jankowski et al., 2013b; Jankowski et al., 2014). Em Israel, todas as sete publicações encontradas contam com a participação da Max Stern Yezreel Academic College (Peleg, 2014; Peleg & Arnon, 2013; Peleg & Mass-Friedman, 2013; Peleg & Rahala, 2012; Peleg & Zoabi, 2014; Peleg et al., 2015; Peleg et al., 2016).O mesmo ocorre em Portugal, sendo que os três artigos coletados foram produzidos por pesquisadores da Universidade de Lisboa (Ferreira et al., 2014; Ferreira et al., 2015; Ferreira et al., 2016).

Quando se analisam os resultados concernentes ao método, evidencia-se a disparidade entre a abordagem que vem sendo empregada no Brasil, se comparada aos demais países contemplados pela amostra. Enquanto no Brasil não foi localizado nenhum estudo quantitativo envolvendo o construto diferenciação do self, em âmbito internacional todas as investigações utilizaram esse método. Atenta-se, ainda, para a aplicação do Inventário de Diferenciação do Self Revisto − DSI R como uma ferramenta que tem contribuído para a grande maioria das pesquisas internacionais, contrariamente ao contexto brasileiro que parece ainda não ter se apropriado desse instrumento como forma de avaliação da diferenciação do self.

Por fim, no que se refere às amostras, percebe-se que há uma variedade de públicos-alvo, especialmente em termos de idade. Esses dados remetem a pensar que a diferenciação do self representa uma variável com diversas possibilidades de exploração. A explicação para a prevalência do público universitário pressupõe duas alternativas: primeiramente, os graduandos costumam ser recrutados para as pesquisas por conveniência, já que estão no contexto das universidades aonde geralmente são desenvolvidas as pesquisas científicas. Além disso, os universitários encontram-se no estágio do ciclo vital em que o processo de diferenciação tende a ser mais proeminente (Carter & McGoldric).

A partir da síntese dos estudos contemplados pela categoria sintomas fisiológicos e transtornos mentais, percebe-se que níveis elevados de diferenciação do self têm sido negativamente associados com diversos fenômenos que tendem a gerar sofrimento psicológico, em consonância com os resultados obtidos pela pesquisa brasileira de Reis e Rabinovich (2006). Isso indica que quanto mais diferenciada a pessoa é em relação a sua família de origem, menos ela tende a referir sofrimento emocional. Quando se consideram especificamente as variáveis investigadas pelas pesquisas coletadas neste estudo, identificou-se correlação negativa da diferenciação do self com: sintomas fisiológicos negativos (Peleg & Rahala, 2012), tarefas de parentificação, senso de injustiça, depressão (Jankowski et al., 2013a), esquizofrenia (Peleg & Arnon, 2013) e diferenciadas facetas de ansiedade, como traços gerais de ansiedade (Peleg & Mass-Friedman, 2013), ansiedade social (Peleg & Zoabi, 2014) e ansiedade diante de testes (Peleg et al., 2016).

Constata-se que os resultados compilados na categoria sintomas fisiológicos e transtornos mentais são condizentes com a premissa de Keer e Bowen (1988), os quais defendem que indivíduos menos diferenciados correm maior risco de desenvolver problemas, tanto de natureza física quanto mental, à medida que carecem de recursos de autocontrole e enfrentamento adaptativo. A relação negativa entre diferenciação do self e variáveis ligadas ao sofrimento psicológico, especialmente traços de ansiedade, também já encontra suporte na literatura científica (Miller, Anderson, & Keala, 2004; Skowron & Friedlander, 1998). Esses dados reforçam a suposição de Bowen (1978) de que um processo satisfatório de diferenciação é fundamental para a promoção da saúde física e psicológica.

Ao integrar os resultados referentes à categoria bem-estar psicológico e relacionamento interpessoal, observa-se que o construto diferenciação do self vem sendo associado positivamente com variáveis que apresentam relação com bem-estar psicológico e capacidade de relacionamento interpessoal, em consonância com os achados de Miller et al. (2004). Os dados levantados pelos estudos sugerem que indivíduos com níveis maiores de diferenciação do self tendem a apresentar índices mais elevados de humildade (Jankowski et al., 2013b), compromisso com a justiça social (Sandage & Jankowski, 2013; Sandage et al., 2014; Jankowski et al., 2013b), gratidão disposicional (Jankowski et al., 2014), bem-estar espiritual (Sandage & Jankowski, 2013) e competência intercultural (Sandage & Jankowski, 2013; Jankowski et al., 2014). Níveis elevados de diferenciação obtiveram correlação positiva, ainda, com redução da depressão (Jankowski et al., 2013b), formação da identidade profissional e tomada de decisão na carreira (Johnson et al., 2014).  

Os resultados sintetizados na segunda categoria (bem-estar psicológico e relacionamento interpessoal) parecem confirmar a hipótese de que indivíduos mais diferenciados são capazes de desenvolver sua singularidade por meio das relações, estabelecendo posições definidas, porém mantendo a flexibilidade (Bowen, 1978). Além disso, quanto maior o nível de diferenciação do indivíduo, mais satisfatoriamente ele desenvolve recursos internos de autorregulação e equilíbrio emocional (Keer & Bowen, 1988). Quando se consideram os aspectos de cunho profissional, destaca-se que os achados de Johnson et al. (2014) já foram reconhecidos por pesquisa anterior (Larson & Wilson, 1998).

Por meio da síntese dos estudos contemplados pela categoria temática relação conjugal, percebe-se que o processo de diferenciação do self apresenta associação positiva com as seguintes variáveis relativas ao relacionamento conjugal: desejo sexual, intimidade e satisfação do casal (Ferreira et al., 2014; Ferreira et al., 2015; Ferreira et al., 2016), além de ajuste conjugal (Lampis, 2016; Rodrigues-González, 2016). Esses dados corroboram a importância que Bowen (1978; 1991) atribuiu ao processo de diferenciação do self para o estabelecimento de relacionamentos íntimos, à medida que esse possibilita o equilíbrio entre ligação emocional e autonomia nas relações. Skowron e Friedlander (1998) complementam, afirmando que cônjuges mais diferenciados tendem a constituir um casamento menos conflituoso, tendo em vista a possibilidade de maior negociação e flexibilidade entre o casal, além da delimitação mais clara dos padrões de funcionamento que cada um traz de suas famílias de origem e de como estes se refletem no casamento.

Quando se consideram o desejo sexual e a satisfação conjugal, Ferreira et al. (2014) pontuam que indivíduos mais diferenciados são mais aptos a estabelecerem mudanças no relacionamento sexual, sem ficarem presos à rotina. Além disso, o fato de serem mais hábeis no autogerenciamento das emoções protege a relação de graves conflitos e, consequentemente, de baixa satisfação entre o casal, conforme dados já identificados por estudo anterior (Skowron, 2000).

Para Bowen (1978), a escolha pelo cônjuge costuma ser orientada pela similaridade entre os níveis de diferenciação do self de cada parceiro. Porém, esse pressuposto não foi confirmado por Ferreira et al. (2016) e Rodríguez-González et al. (2016). Tais resultados são condizentes com outra investigação que também não comprovou a hipótese de similaridade nos índices de diferenciação do self dos parceiros (Skowron, 2000). No entanto, o processo de diferenciação do self pode ser considerado um fator relevante nas relações conjugais, pois quando a média da diferenciação do casal é alta (ou seja, quando os níveis de diferenciação individuais somados e divididos por dois apresentam índice elevado), a dissimilaridade não afeta o ajuste conjugal (Rodríguez-González et al., 2016) e atua como fator de proteção para o desejo sexual (Ferreira et al., 2016).

A síntese das pesquisas pertencentes à categoria funcionamento familiar demonstra correlação negativa da diferenciação do self com estresse traumático secundário (Giladi & Bell, 2013), eventos estressantes durante a infância e a adolescência (Peleg, 2014) e ansiedade de separação (Peleg et al., 2015). A relação entre eventos estressantes na vida e baixos níveis de diferenciação do self apoia a concepção teórica de Kerr e Bowen (1988), de modo que eventos estressantes, durante a infância e adolescência, tendem a diminuir a capacidade de regular as emoções e de manter um sentido claro de si mesmo nos relacionamentos. Assim, indivíduos menos diferenciados podem sentir uma forte necessidade de envolvimento na triangulação intergeracional, como forma de solicitar apoio e calor emocional de um dos pais ou de outros significativos na vida adulta. Tanto Bowen (1978) quanto Carter e McGoldrick (1995) afirmam que eventos traumáticos podem prejudicar a saúde do funcionamento familiar, ao longo de várias gerações. Ressalta-se, também, que a constatação de que a ansiedade de separação tende a ser mais elevada em indivíduos com menores níveis de diferenciação do self pode ser decorrente tanto do fenômeno da projeção quanto da transmissão multigeracional, já que o cuidado excessivo gerado por um padrão de funcionamento familiar ansioso tende a ser transmitido aos filhos, gerando obstáculos maiores na busca da diferenciação em relação à família.

Por outro lado, os resultados da quarta categoria (funcionamento familiar) indicam associação positiva da diferenciação do self com satisfação e comunicação familiar (Giladi & Bell, 2013; Kim et al., 2014; Kim et al., 2015). Esses achados corroboram outra investigação (Chung & Gale, 2008) e parecem ter um caráter universal, conforme defendido por Bowen (1991). Parte-se da premissa de que a comunicação saudável entre os membros familiares tende a gerar clareza nas funções delimitadas a cada integrante e fronteiras nítidas entre os subsistemas, além de apoio emocional recíproco e flexibilidade da família diante de mudanças no ciclo vital (Minuchin, 1982), fatores que facilitam o processo de diferenciação.

 

Considerações finais

O objetivo deste estudo foi identificar e analisar as variáveis associadas ao processo de diferenciação do self em pesquisas empíricas internacionais, publicadas nos últimos cinco anos. Dentre os resultados mais substanciais, destaca-se que índices elevados de diferenciação do self vêm sendo correlacionados positivamente ao desenvolvimento de saúde física e mental, além de favorecer o relacionamento interpessoal, tanto no que se refere às relações com alto grau de intimidade, como a conjugal, quanto à convivência social com indivíduos de diferentes culturas. Ressalta-se, ainda, que níveis maiores de diferenciação têm sido associados negativamente a fatores físicos e mentais que geram sofrimento psicológico, com notoriedade para variadas formas de ansiedade.

A síntese das investigações coletadas parece confirmar os pressupostos da Teoria dos Sistemas Familiares, à medida que corrobora a relevância dos fenômenos da triangulação, da projeção e da transmissão multigeracional e do padrão de funcionamento familiar, para o processo satisfatório de diferenciação do self. Ao considerar a possível universalidade da teoria boweniana, também se constata que o desenvolvimento dos estudos em diferentes cenários culturais e com públicos diversos tem apresentado aspectos comuns, porém essa premissa ainda carece de maior exploração científica.

As implicações dos achados deste estudo podem contribuir para intervenções de psicólogos no contexto clínico, seja individual, conjugal ou familiar. As múltiplas variáveis relacionadas ao processo de diferenciação do self legitimam a avaliação do nível de diferenciação dos pacientes como um recurso bastante útil, tanto para fins de diagnóstico quanto para a delimitação de estratégias psicoterapêuticas. Nesse sentido, a identificação de padrões de funcionamento específicos, advindos da família de origem, bem como seu impacto nas demais relações que o indivíduo estabelece com outras pessoas, e em especial, com parceiros amorosos, é fundamental para que psicólogos auxiliem seus pacientes no processo de diferenciação. Com base nos resultados deste estudo, esse processo, quando satisfatório, tende a impulsionar a melhoria da saúde física, psicológica e relacional.  Algumas pesquisas também trazem dados importantes em termos de desenvolvimento de carreira, de modo que os fenômenos da Teoria dos Sistemas Familiares, com enfoque na diferenciação, também podem se configurar como aportes para profissionais que atuam na área de orientação profissional.

É fundamental pontuar que os dados encontrados por esta pesquisa apresentam limitações, devido à escolha por uma metodologia específica de revisão de literatura, ao período de busca delimitado e à opção por uma única base de dados. Como indicações para futuros estudos teóricos, sugere-se o emprego de outros tipos de revisão (por exemplo, sistemática ou bibliométrica) e a utilização de diferentes critérios de inclusão/exclusão.

Já no que diz respeito a investigações empíricas em âmbito internacional, novos estudos podem buscar relações da diferenciação do self com o desenvolvimento de outros transtornos mentais (a exemplo da esquizofrenia), além de realizar investigações longitudinais e também qualitativas, com o objetivo de trazer resultados complementares aos que já foram encontrados, ou mesmo, novas descobertas que venham a questioná-los. A restrição da amostra deste artigo ao contexto internacional foi devida à escassez de estudos nacionais sobre diferenciação do self que não fornece, ainda, um panorama para construção de uma revisão de literatura, fato que confere um amplo quadro de possibilidades para o desenvolvimento de pesquisas no contexto brasileiro. Um passo fundamental para a ampliação da exploração científica da temática se refere ao emprego e à possível adaptação/validação do Inventário de Diferenciação do Self Revisto – DSI R, no cenário nacional. Estudos com utilização de abordagem quantitativa que venham a mensurar a relação do processo de diferenciação do self com variáveis já investigadas internacionalmente provavelmente forneceriam resultados comparativos interessantes. Por fim, de acordo com a diversidade de amostras e variáveis identificadas pela coleta de dados, também seria viável estender as pesquisas para públicos de faixas etárias diversas e para outros fenômenos ainda não explorados pela comunidade científica internacional.

 

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Endereço para correspondência
Milena Carolina Fiorini
E-mail: milenacf.psicologa@gmail.com

Fernanda Graudenz Müller
E-mail: psicologafernandamuller@gmail.com

Simone Dill Azeredo Bolze
E-mail: simoneazeredo@yahoo.com.br

Enviado em: 04/08/2017
1ª revisão em: 18/10/2017
Aceito em: 16 /12/2017

 

 

1 Psicóloga (CRP 12/08720); doutoranda e mestre em Psicologia (UFSC); especialista em Psicologia clínica de base relacional sistêmica (Familiare Instituto Sistêmico).
2 Psicóloga (CRP 12/05108); doutora e mestre em Psicologia (UFSC); especialista (CFP) em Psicologia clínica de base relacional sistêmica (Familiare Instituto Sistêmico); Professora de Graduação (UNIDAVI).
3 Psicóloga (CRP 12/07491); doutora e mestre em Psicologia (UFSC); especialista em Psicologia clínica de base relacional sistêmica (Familiare Instituto Sistêmico); Professora de cursos de especialização e de pós-graduação (Familiare Instituto Sistêmico e UNOESC).
4 Informações obtidas por meio do Programa de capacitação da biblioteca da UFSC, sobre revisões de literatura. Disponível em: http://www.bu.ufsc.br/design/ModuloAvancadoPesquisaIntegrativa2011oficial.pdf.

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