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Pensando familias
versão impressa ISSN 1679-494X
Pensando fam. vol.23 no.1 Porto Alegre jan./jun. 2019
ARTIGOS
Influência da chegada do bebê na relação conjugal no contexto de depressão pós-parto: perspectiva materna
Influence of infant's arrival on marital relationship in the context of postpartum depression: mother's perspective
Bruna Gabriella Pedrotti1, I ; Giana Bitencourt Frizzo2, II
I Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
II Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq-Brasil)
RESUMO
O presente estudo investigou a perspectiva materna sobre a influência da chegada do bebê na relação conjugal, no contexto de depressão pós-parto. Participou deste estudo uma mãe, de 38 anos, cuja família era composta pelo marido, de 33 anos, pela filha, de dois anos e meio e pelo filho, de 10 meses. A análise das entrevistas contemplou quatro conceitos: poder e igualdade, adaptabilidade, coesão e processos comunicativos. Observaram-se dificuldades como desequilíbrio de poder na relação (principalmente no que se refere à divisão de tarefas pelo casal), dificuldades de adaptação do casal às novas demandas, impacto negativo na comunicação e expressão de afetos e sentimentos, além de estratégias disfuncionais de resolução de problemas. Os resultados deste estudo corroboram os achados da literatura, que caracterizam esta transição do ciclo vital como um momento de crise familiar e conjugal, que é agravado pelo contexto de depressão materna.
Palavras-chave: Conjugalidade, Relações conjugais, Depressão pós-parto, Parentalidade.
ABSTRACT
The present study investigated the mother’s perspective about the influence of infant´s arrival on marital relationship in the context of postpartum depression. A mother, 38 years old, whose family consisting of a husband, 33, her two 1/2 year old daughter and the 10-month-son participated in this study. The interview analysis used four concepts: power and equality, adaptability, cohesion and communicative processes was used as the guiding principle of the analysis. Difficulties were observed as an imbalance of power in the relationship (especially regarding the division of tasks by the couple), difficulties of adaptation of the couple to the new demands, negative impact on the communication and expression of affections and feelings, as well as dysfunctional resolution strategies of problems. The results of this study corroborate the findings of the literature, which characterize this life cycle transition as a time of family and marital crisis, which is aggravated by the context of maternal depression.
Keywords: Conjugality, Marital relationships, Postpartum depression, Parenting.
Introdução
A transição da vida conjugal para a parentalidade requer um consenso entre o casal e exige satisfação conjugal por parte daqueles que desejam tornar-se pais (Silva, 2009). O período de transição para a parentalidade se caracteriza por mudanças na imagem que cada um dos cônjuges tem de si mesmo, do outro e da própria relação (Doss & Rhoades, 2017; Stern, 1997). Por conseguinte, com a chegada do bebê, tanto o pai quanto a mãe passam por mudanças importantes, bem como o sistema familiar em si. Minuchin (1982) afirma que a transição para a parentalidade representa a inclusão de um novo subsistema na família: o parental. Dessa forma, o subsistema conjugal deve adaptar-se para lidar com essa nova demanda, buscando preservar o apoio entre o casal, no intuito de prover suporte um ao outro frente às exigências da vida. Entretanto, em razão de todas as demais reestruturações que precisam ser realizadas nesse período, a intimidade do casal pode deixar de ser o foco central para as famílias (Simonelli, Parolin, Sacchi, De Palo, & Vieno, 2016).
A principal diferença entre casais considerados “saudáveis” e aqueles que apresentam dificuldades não está na presença ou ausência de problemas, mas na maneira como eles são resolvidos (Walsh, 2002). Para a compreensão dos fatores funcionais e disfuncionais presentes no relacionamento do casal, Walsh (2002) se refere a conceitos que define como importantes para o equilíbrio da relação: poder e igualdade, adaptabilidade, coesão, processos comunicativos, expressão das emoções e resolução de problemas. A clareza e o funcionamento das regras estabelecidas, bem como o encontro de um equilíbrio e um consenso dentre os fatores citados são preditivos de um relacionamento funcional. Já o desequilíbrio e a ausência do consenso entre o casal nesses aspectos podem caracterizar elementos disfuncionais da relação conjugal.
Uma vez que atualmente o modelo mais comum de relacionamento é o modelo em que tanto o homem quanto a mulher trabalham, entende-se que este seria um modelo caracterizado por papeis simétricos entre a esposa e o marido. Idealmente, os dois veriam com igual importância o trabalho, assim como a divisão das tarefas como o cuidado da casa e dos filhos. Entretanto, a realidade encontrada é diferente, tendo as mulheres somado suas responsabilidades profissionais às suas responsabilidades domésticas (McGoldrick & Shibusawa, 2016; Walsh, 2002; Yavorsky et al., 2015). Deve-se fazer a ressalva que alguns autores têm trazido a teoria da equidade e a noção de contribuições compensatórias, que propõem que essa divisão não será necessariamente igual em tempo dispensado às tarefas, mas que deve satisfazer as necessidades dos membros do casal em comum acordo (DeMaris & Mahoney, 2017a). Nesse sentido, é preciso que os membros sintam como justa e satisfatória entre eles essa divisão de tarefas e quando para as mulheres essa divisão não é entendida como justa, isso pode levar a sentimentos de sobrecarga e maior conflito entre o seu papel familiar e profissional (Yavorsky et al., 2015).
Um estudo de Menezes e Lopes (2007), realizado com quatro casais no Brasil, evidenciou a importância da qualidade da relação conjugal estabelecida anteriormente à transição para a parentalidade, no que diz respeito ao impacto desta mudança no relacionamento. Ao avaliarem a relação conjugal na transição para a parentalidade, constataram que não é a transição para a parentalidade, em si, que gera uma crise no sistema familiar e conjugal, mas sim a história de cada casal e a qualidade de sua relação afetiva que vão ser relevantes para a existência e superação de uma crise ou não. Nesse mesmo sentido, o estudo de Figueiredo et al. (2018), realizado com 129 casais portugueses, indicou que altos escores referentes a interações negativas entre o casal estavam relacionados a um aumento na incidência de depressão em mães e pais dos 3 aos 30 meses após o nascimento do filho.
Como este é um momento de intensas mudanças, que exigem muito principalmente da mãe, eventualmente as mulheres podem deparar-se com dificuldades e sintomas depressivos. Há uma vasta literatura indicando que os sintomas depressivos da mãe podem permanecer ou até surgir ao longo do primeiro ano de vida do bebê, ainda bastante relacionados com o nascimento da criança (Rapoport & Piccinini, 2011; Alvarenga & Palma, 2013), e por isso será usado o termo depressão pós-parto materna para conceituar a depressão que acomete as mães ao longo desse primeiro ano de vida do bebê.
Mães deprimidas podem passar a voltar-se para si mesmas e acabam não se mostrando tão disponíveis para o seu bebê, o que pode prejudicar a relação entre a díade (Alvarenga & Palma, 2013). Portanto, a depressão materna representa uma situação de risco para a mãe e o bebê, já que afeta a relação entre eles e, com isso, pode influenciar negativamente nos cuidados parentais inerentes à situação de parentalidade (Rapoport & Piccinini, 2011). Com isso, pode ser necessário que o pai assuma o papel de apoio para a mãe, tanto traduzido no tempo em que o pai está com o bebê, na frequência em que ele participa nas necessidades básicas do filho (como a alimentação, troca de fraldas, banho), bem como no auxílio financeiro e na colaboração quanto às tarefas domésticas e familiares (DeMaris & Mahoney, 2017b; Sotto-Mayor & Piccinini, 2005). Frente à importância da percepção do apoio à mãe, autores afirmam que um baixo nível de apoio social, bem como baixo nível de apoio oferecido pelo parceiro, pode aumentar o risco de sintomas depressivos maternos (Kim, Connolly, & Tamim, 2014) ou em situação de apoio satisfatório, suscitar uma melhora importante nos sintomas depressivos das mulheres (DeMaris & Mahoney, 2017b; Misri, Kostaras, Fox, & Kostaras, 2000).
A depressão pós-parto pode também afetar a comunicação do casal em relação aos comportamentos necessários à resolução de conflitos, bem como à expressão de sentimentos em si (Frizzo, Prado, Linares, & Piccinini, 2010; Linares & Campo, 2000). Em vista disso, vários estudos indicaram que mulheres em situação de depressão podem ter dificuldades para explicar os motivos e consequências de suas brigas, o que prejudica a comunicação do casal (Frizzo, Silva, Piccinini, & Lopes, 2011). Ainda que a literatura aponte o impacto que a depressão pós-parto pode causar na relação do casal, outros autores (Carter, Grigoriadis, & Ross, 2010; Figueiredo et al., 2018) evidenciaram que os estudos sobre o tema sugerem uma influência mútua entre depressão pós-parto e relação conjugal.
Tendo em vista a importância desse período na relação conjugal, bem como familiar, este estudo tem como objetivo analisar de que forma a chegada do bebê influenciou a relação conjugal em contexto de depressão pós-parto materna para um casal, na perspectiva da mãe.
Método
Participantes
Participou deste estudo uma mãe, que apresentava depressão pós-parto, com base nos seus escores na Escala de Depressão Pós-Parto de Edimburgo (EPDS) e na identificação de episódio de Depressão Maior Atual através do Mini International Neuropsychiatric Interview (M.I.N.I PLUS). Foi escolhido o caso que proporcionava maior oportunidade de aprendizado (Stake, 2006), em função de ter vários elementos relativos à relação conjugal. Entretanto, apenas a mãe participou da pesquisa. A família da participante, de 38 anos, era composta pelo marido, de 33 anos, pela filha, de dois anos e meio e pelo filho, de 10 meses, quando do primeiro contato com a família. A participante era funcionária pública e atuava na área da saúde e seu marido era supervisor técnico de uma empresa. O casal morava junto há 12 anos.
O presente estudo fez parte de uma pesquisa maior denominada “Depressão pós-parto: Prevalência, antecedentes e intervenção” (DEPSICO) (Frizzo, Piccinini, Silva, Levandowski, & Donelli, 2012). Esse projeto teve como objetivo investigar a prevalência e os antecedentes de depressão pós-parto e o impacto de uma psicoterapia pais-bebê para as famílias em que a mãe apresentava diagnóstico de depressão pós-parto. O caso apresentado neste estudo buscou participar da pesquisa por indicação. Após a participação, foi encaminhado para atendimento em psicoterapia pais-bebê no Centro de Atendimento Pais-bebê da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O projeto foi realizado de forma multicêntrica e contou com a participação de equipes de pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Este projeto foi apreciado e aprovado pelo comitê de Ética do Instituto de Psicologia da UFRGS e atende à resolução 466/2012 sobre pesquisa com seres humanos.
Delineamento, procedimentos e instrumentos
Trata-se de estudo qualitativo, com delineamento de estudo de caso único (Yin, 2005), no intuito de analisar de que forma a chegada do bebê influenciou a relação conjugal de um casal em contexto de depressão materna.
Inicialmente, a mãe respondeu à Ficha de contato inicial (GIDEP/NUDIF, 2003a) utilizada no estudo, que visou examinar se as famílias atendiam os critérios para participar do projeto. Quando houve concordância em participar, as mães foram convidadas a ir ao Instituto de Psicologia da UFRGS, onde assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Posteriormente, preencheram uma Ficha de Dados Sociodemográficos da Família (Adaptado de NUDIF, 2008) com o objetivo de caracterizar as participantes em termos sociodemográficos e de saúde.
Embora outros instrumentos tenham sido aplicados como parte do DEPSICO, no presente estudo foram considerados os dados coletados pela Escala de Depressão Pós-natal de Edimburgo (EPDS) (Cox, Holden, & Sagovsky, 1987; Santos et al., 2007), que consiste em um instrumento de autoavaliação para rastrear Depressão Pós-Parto, cujo ponto de corte para rastreamento é >10; pela M.I.N.I. PLUS (Amorim, 2000; Sheehan et al., 1998), uma entrevista diagnóstica padronizada breve, que avalia comorbidades psiquiátricas; pela Escala de Ajustamento Diádico Revisada (R-DAS) (Busby, Crane, Larson, & Christensen, 1995), utilizada para avaliação de ajuste nos relacionamentos (ponto de corte: 47) composta por três subescalas: consenso diádico (ponto de corte: 22,6), satisfação diádica (ponto de corte: 14,3) e coesão diádica (11,1); pela Entrevista sobre a Gestação e o Parto (GIDEP/NUDIF, 2003b) e pela Entrevista sobre a Experiência da Maternidade (GIDEP/NUDIF, 2003c), as quais foram realizadas individualmente, em local apropriado, gravadas em áudio e transcritas na íntegra para análise. Essas entrevistas, de caráter semiestruturado, investigavam, respectivamente: (a) a experiência da gravidez, a experiência do parto e dos primeiros dias com o bebê, e (b) diversos aspectos sobre o dia-a-dia da mãe com o bebê, a experiência de ser mãe, a rede de apoio e a amamentação do bebê.
Análises dos dados
No presente estudo, os instrumentos padronizados (EPDS, M.I.N.I. PLUS e R-DAS) foram analisados conforme o respectivo manual. A análise da depressão utilizou a EPDS e M.I.N.I. PLUS, no intuito de detectar a presença de sintomas de depressão pós-parto e episódio de Depressão Maior Atual, assim como de excluir outros possíveis transtornos concomitantes. O ajustamento conjugal foi avaliado através dos escores da R-DAS.
Também foram analisadas as duas entrevistas semiestruturadas: Entrevista sobre a experiência da maternidade e Entrevista sobre a gestação e o parto. Foi utilizada, como norteadora da análise temática (Braun & Clarke, 2006), uma adaptação dos conceitos propostos por Walsh (2002) em seu estudo sobre casais saudáveis e casais disfuncionais: Poder e igualdade, Adaptabilidade, Coesão e Processos comunicativos.
Resultados
Inicialmente, será realizada uma breve apresentação do caso, compreendido através de estudo de caso descritivo (Yin, 2005). A fim de possibilitar a compreensão do fenômeno a partir de diferentes fontes de evidências (Yin, 2005) e triangulação de dados (Henwood & Pidgeon, 2010), serão relatados os resultados obtidos pela avaliação da relação conjugal através da R-DAS e, por fim, as vinhetas que representam as categorias da análise temática.
Descrição do caso
Juliana e Rodrigo moravam juntos há 12 anos. Juliana contou que ela era uma esposa dedicada ao marido: separava sua toalha de banho, preparava a comida, organizava a casa, cortava as unhas do marido e se arrumava para ele. Mesmo que trabalhasse, correspondia às expectativas do marido, que viaja a trabalho por 15 dias, uma vez ao mês. Tinham um relacionamento estável, mesmo que com algumas divergências de opinião. Com a chegada da primeira filha, algumas de suas tarefas começaram a ser adiadas, pois precisava dedicar-se à filha, tendo menos disponibilidade para o marido. Com isso, passaram a ter mais brigas, em função de cobranças que começaram a surgir. Mesmo assim, segundo Juliana, próximo à filha completar um ano de idade, o casal começou a se reorganizar e a ter uma relação conjugal com menos brigas e discussões.
Quando a filha do casal estava com aproximadamente um ano e oito meses de idade, Juliana engravidou novamente, de forma não planejada. Entretanto, com a gravidez de Lucas, o relacionamento que estava começando a se reorganizar, tornou a desestabilizar-se. Juliana passou a apresentar sintomas depressivos, o que fez com que precisasse se afastar do trabalho, além de não conseguir mais lidar com as tarefas domésticas. As cobranças continuaram, o que contribuiu para que Juliana se sentisse sobrecarregada.
Em meio a uma discussão, Juliana contou ao marido que estava grávida, no intuito de que ele não brigasse mais com ela, o que não aconteceu. Durante a primeira gravidez, Rodrigo tratava Juliana com cuidado e preocupação, já na segunda gravidez não. No momento em que Juliana estava grávida de Lucas, ela e o marido estavam envolvidos em obras na casa que haviam comprado um mês antes de sua filha mais velha nascer. Com isso, a segunda gravidez, então, foi bastante agitada: havia a responsabilidade pela obra, pelo seu trabalho e pelo cuidado da filha no período em que o marido viajava. Ainda, Rodrigo passou a ter ciúmes do filho com a esposa, em função de não ter a mesma atenção que tinha antes, pois o filho demandava muito de sua mãe. Na segunda gestação, Rodrigo não participou das consultas médicas, não esteve presente no hospital enquanto Juliana ficou internada com Lucas após o parto e Juliana não se sentia mais cuidada como anteriormente.
Avaliação da relação conjugal através da R-DAS
Os resultados obtidos através da Escala de Ajustamento Diádico Revisada (R-DAS) (Busby et al., 1995) indicavam que o casal possui um baixo ajustamento conjugal (escore = 37). A subescala de Consenso, que avalia a percepção individual do nível de concordância do casal sobre questões que são básicas à relação, como questões financeiras e religiosas, mostrou-se abaixo da média (escore = 22). A subescala de Satisfação, que busca medir as percepções individuais frente a questões relativas ao divórcio, bem-estar, ao compromisso com o futuro do relacionamento, dentre outros fatores, também é considerada abaixo da média (escore = 9). Por fim, a subescala de Coesão, que avalia o senso de compartilhamento emocional do casal e as percepções individuais relativas ao engajamento mútuo em interesses externos, aos projetos em conjunto e à estimulação de ideias, também se mostrou abaixo da média esperada (escore = 6).
Avaliação da relação conjugal a partir das entrevistas
Poder e igualdade
Esse tema envolve características funcionais, em que há uma complementaridade diante das obrigações e sentido de igualdade e de liderança partilhada, ou características disfuncionais, como uma relação assimétrica na qual ambos desenvolvem papeis e funções diferentes, sendo a área de um dos dois subvalorizada (Walsh, 2002). Neste caso, por mais que esposa e marido trabalhassem, a responsabilidade de cuidados com a casa, em geral, era atribuída à Juliana. Com a chegada de Carolina e, posteriormente, de Lucas, Juliana passou a somar suas responsabilidades do trabalho com as responsabilidades de cuidar dos filhos e da casa: “Né, porque tem as cobranças, né. Então, é cadê minha roupa do banho, tu nunca mais cozinhou ou tu faz sempre a mesma comida ou é só comida congelada”. Dessa forma, passou a sentir-se sobrecarregada, sem conseguir dar conta de todos os seus afazeres, sendo cobrada pelo marido: “Aí ele me cobra porque eu não estou trabalhando, aí tem que fazer e se eu trabalho eu também tenho que fazer. ... Ele quer tentar uma organização, só que ele cobra de mim, que eu faça essa organização, mas eu não quero fazer, eu não tenho ânimo pra fazer” [sic].
Observa-se, portanto, que o casal apresenta características disfuncionais em relação ao equilíbrio de poder. Há um desequilíbrio nesse aspecto, caracterizado por uma relação assimétrica, em que ambos desenvolvem papeis e funções diferentes, sendo a área de um dos dois subvalorizada, no caso a de Juliana. Não foram observados aspectos funcionais sobre este conceito, através do relato de Juliana.
Adaptabilidade
Adaptabilidade diz respeito ao equilíbrio entre a manutenção de uma estrutura estável e ao mesmo tempo flexível em resposta às mudanças da vida. Exige regras claras, mas passíveis de serem negociadas e alteradas, além de flexibilidade e tolerância (Walsh, 2002). Até a chegada dos filhos, Juliana cumpria suas responsabilidades profissionais e domésticas, dedicando-se ao marido com mais frequência, o que, segundo seus relatos, trazia mais estabilidade ao casal. Após o nascimento dos filhos, entretanto, as responsabilidades aumentaram, de forma que Juliana passou a ter mais afazeres e menos tempo para dedicar-se à rotina do casal, a qual era apreciada por Rodrigo. “Ah, [o casamento] ficou pior. O casamento bagunçou muito mais, teve muito mais brigas, ah, ele tinha ciúmes terríveis do Lucas. Já reclamou que essas coisas… esses cuidados que eu tinha com ele, que eu não tenho mais” [sic]. Com as mudanças, todavia, o casal não se adaptou de forma equilibrada para lidar com as novas responsabilidades, demonstrando ausência de flexibilidade e tolerância, além do não estabelecimento de regras claras de reorganização familiar: “Só pedi pra ele dar comida e ele “ah, não posso te esperar?”. Sabe? Não tem. ...Ele não sabe qual é a medida da mamadeira, não sabe... Tipo... Tá, ele dá o banho, mas eu que alcanço, eu que tiro... Tudo sou eu. Tudo” [sic].
Quanto à divisão dos cuidados das crianças, a maior parte da responsabilidade ficava com Juliana. Segundo ela, o marido ajudava em alguns momentos, entretanto, ou necessitava do auxílio de Juliana, ou demonstrava estar muito cansado por sua rotina de trabalho, o que fazia com que evitasse algumas tarefas: “Não, porque eu já pedi ontem, por exemplo, ele ia tomar banho, ‘tu não pode botar o Lucas junto contigo dentro do box? E até que tu vai tomar banho e ele fica ali, fica… e aí, tu ensaboa ele’, ‘ah, não’. Porque é mais um problema! É mais um trabalho pra ele” [sic]. Através da análise do relato de Juliana, não foram observados aspectos funcionais significativos sobre este conceito.
Coesão
Esse tema se refere ao equilíbrio entre proximidade e respeito ao distanciamento e às diferenças individuais. É a preservação do espaço do casal e do espaço de cada um, individualmente (Walsh, 2002). A partir do relato de Juliana, é possível observar que não existe uma fronteira em torno do casal, que estabeleça qual é o seu espaço: “Lucas nasceu, ele não passou as noites comigo no hospital, até porque ninguém ia cuidar bem da Carolina como ele em casa. ... Então quando eu cheguei em casa que o Lucas não calava a boca, ele se mudou pro quarto do lado. ... Quando ele tinha oito meses ele voltou pro quarto”. Fica evidente, ainda, uma ausência de iniciativa por parte do casal em buscar estabelecer essas fronteiras e reafirmar o vínculo preexistente: “O que eu posso te dizer assim, ele foi pro quarto do lado e eu não fiz nenhum movimento pra ele voltar. Ãhn... também, também tava cômodo, né, porque também ficar no quarto e ficar reclamando não adianta, né” [sic].
Além disso, o espaço individual de cada um dos cônjuges também não estava bem estabelecido. Sem regras sobre o novo funcionamento e adaptação familiar estabelecidas, os conflitos pela não consideração da individualidade de cada um se mostravam presentes: “Depois que aumentou, com o Lucas, a família, aí, essa coisa assim, por exemplo, de… dele… de eu ter que respeitar a vida, a parte dele, mas eu não posso ter a minha vida a parte” [sic]. Dessa forma, não foram observadas características funcionais sobre coesão, através do relato de Juliana.
Processos comunicativos
Referem-se à necessidade de constantemente redefinir e tornar explícitas as ideias e expectativas em relação ao casamento, ao companheiro e a si mesmos. A clareza de regras, de papeis e de mensagens torna-se essencial (Walsh, 2002). Nesse sentido, é possível perceber que a comunicação do casal, em geral, mostrava-se prejudicada. Eles estavam em um momento do relacionamento em que preferiam evitar expor suas ideias e suas percepções, no intuito de evitar mais discussões e brigas: “.... O Rodrigo diz que eu só falo ‘ram-ram, ram-ram’ ou abstraio o que ele fala. Geralmente é. Porque eu não posso dar opinião porque ele não vai aceitar opinião” [sic]. Segundo ela, quando um membro do casal expõe sua percepção frente a uma situação, esta não é bem aceita, ou não é permitido ter sobre isso um diálogo. Portanto, não se mostraram evidentes aspectos funcionais nos processos comunicativos do casal, através do relato de Juliana.
Quanto à expressão das emoções, que se refere à capacidade de chegar a um acordo sobre como se exprimem reciprocamente os sentimentos de amor, afeto e cuidado (Walsh, 2002), pode-se apreender uma expressão implícita da noção de afeto esperada pelos membros casal. Entretanto, esta se dá através de queixas, não através de uma comunicação clara, onde seria estabelecido um acordo sobre como deveria ser a expressão dos sentimentos entre o casal. Como já citado, segundo Juliana, Rodrigo sentia falta dos cuidados da esposa com ele, como fazer o almoço, preparar o seu banho e cortar suas unhas. Juliana, por outro lado, relatou sentir falta da iniciativa do marido em ajudá-la nos cuidados com as crianças e de perceber que ela também gostaria de ter um momento para ela, além de querer que o parceiro fosse mais carinhoso e presente:
.... ele gosta de ser paparicado. Então, ele sente. Ãhn, ele reclama que eu não corto mais as unhas dele. ... eu fazia comida pra ele, né, eu me arrumava pra ele, eu separava a roupa do banho dele, com a Carolina, alguma coisa já desajeitou. Mas depois voltou a engrenar de novo e com o Lucas… não tem mais. ... ele já não me tratava mais com aquelas coisas que [na] primeira gravidez ele me tratava... eu era o bibelozinho né, aí já não era mais assim [sic].
Todavia, o casal não demonstrava buscar soluções para expressarem com clareza suas vontades e sentimentos. Assim, características funcionais não estavam presentes no relato de Juliana sobre a expressão das emoções.
Ainda, o casal aparentava ter dificuldades em todo o processo que envolve resolução de problemas, desde a identificação partilhada de um problema, até sua resolução (Walsh, 2002). Através do relato de Juliana, percebe-se que há pouca clareza na comunicação e que eles apresentavam dificuldades em reconhecer as diferenças nos sentimentos e nas ideias um do outro: “.... porque ele não consegue fazer as coisas do mesmo jeito e monopolizar pra fazer .... sabe, ele já começa a botar mil problemas, enfim. Então eu vou lá e faço. Eu evito problemas”. [sic] Com isso, um dos membros, no caso Juliana, diz evitar expor sua opinião frente ao conflito, no intuito de evitar o problema: “Hoje em dia, dificilmente eu brigo, assim ó... eu deixo ele me xingar, falar as coisas e eu ‘aham, aham, aham’ e nem brigo” [sic]. A partir do relato de Juliana, por conseguinte, não foram observadas estratégias funcionais de resolução de problemas. Após avaliação inicial, o caso foi encaminhado para psicoterapia no Centro de Atendimento Pais-Bebê (UFRGS).
Discussão
A partir dos resultados obtidos, percebe-se que o nascimento do bebê teve um impacto importante na relação conjugal e familiar dos participantes do presente estudo. Neste caso, mesmo que o casal já exercesse a parentalidade com sua filha mais velha, o casal vivenciou o nascimento do segundo filho de forma diferente, com outros desafios e com outras dificuldades. Piccinini, Pereira, Marin, Lopes e Tudge (2007) ressaltam que o nascimento do segundo filho tende a trazer importantes implicações para a dinâmica das relações familiares, como mudanças nos papeis de cada membro da família, na relação com a rede de apoio, na vivência da relação conjugal, no comportamento do primogênito e na relação genitores-primogênito.
Além das mudanças esperadas apontadas pela literatura, a família vivenciava um contexto com outros fatores estressores, como a reforma da casa durante e após a gestação da mãe, bem como os sintomas depressivos apresentados por ela. Em relação à depressão materna, estudos indicam que esta tende a produzir um impacto negativo sobre a interação familiar, a relação conjugal e, principalmente, sobre o desenvolvimento socioemocional da criança (Alvarenga, Oliveira, Gomes, & Freitas, 2016; Simpson-Adkins & Daiches, 2018). Inclusive, no momento em que o casal estava se reorganizando em sua vida conjugal e se readaptando ao novo membro da família, a filha mais velha, com a nova gestação e chegada do segundo filho, o relacionamento se desorganizou novamente, o que desencadeou mais brigas e discussões entre eles.
Outro aspecto relevante do relato de Juliana é o ciúme do marido em relação a ela com o filho e sua insatisfação quanto a dividir a atenção dela. Tal sentimento é explicado por Stern (1997), que entende que o marido compita com o bebê pela atenção, o que o autor chama de “síndrome do marido como o segundo bebê”. A chegada de um bebê pode, portanto, desencadear sentimentos ambivalentes e de ciúmes em relação ao novo membro da família, uma vez que este demanda muito dos pais, principalmente da mãe, que passa a direcionar seu cuidado ao filho e não mais apenas ao marido (Peruchi, Donelli, & Marin, 2016; Zanatta, Pereira, & Alves, 2017), o que pode contribuir para o declínio do ajustamento conjugal (Hernandez & Hutz, 2009). Além disso, no contexto de depressão pós-parto, o pai também pode estar fragilizado, de forma que apresente dificuldades em suprir as necessidades da mãe de apoio emocional e instrumental (Gabriel, Silva, Portugal, & Piccinini, 2015).
Quanto à relação e ao ajustamento conjugal do casal, a análise dos resultados obtidos através da Escala de Ajustamento Diádico Revisada (R-DAS) confirmou que o casal possuía um baixo ajustamento conjugal. Esse resultado reflete os demais dados obtidos através dos temas de análise levantadas, uma vez que não foram observados aspectos funcionais na relação conjugal a partir do relato de Juliana. Isso pode ser explicado pelos sintomas depressivos de Juliana, que poderiam estar influenciando sua percepção quanto ao apoio do marido e quanto ao seu relacionamento em si. Mesmo assim, a literatura aponta que não apenas os distúrbios nos relacionamentos conjugais são concomitantes com a depressão, mas eles também podem preceder e suceder episódios depressivos (Figueiredo et al., 2018; Hollist, Falceto, Seibel, Springer, Fernandes, & Miller, 2016; Sotto-Mayor & Piccinini, 2005) ou mesmo retroalimentá-los de forma que os indivíduos que apresentam mais sintomas apresentam menor satisfação conjugal (Hee, 2006; Neves & Duarte, 2015). No estudo de Hollist et al. (2016), a satisfação conjugal continuou a ter uma relação significativa com a depressão das mulheres ao longo do tempo, explicando 24% da sua variância.
No que se refere à adaptabilidade do casal, evidenciou-se uma dificuldade em adaptar-se às novas demandas e a se reestruturarem após a transição para a parentalidade. Como o nascimento dos filhos, por si só, é um evento estressante para a maioria dos casais, com um segundo estressor como o contexto de depressão materna, a adaptação se torna mais complexa. Tal resultado foi corroborado pelo estudo de Frizzo, Brys, Lopes e Piccinini (2010), em que as esposas que estavam deprimidas relataram dificuldades adicionais quanto à relação conjugal, em relação à reorganização do tempo do casal quando o bebê não estava presente, em comparação ao grupo de esposas sem depressão.
Os resultados do presente estudo indicam, também, que as fronteiras em torno do casal não se mostraram bem definidas, aspecto característico de um déficit na coesão da relação conjugal. A transição para a parentalidade exige uma vasta gama de estratégias de enfrentamento para lidar com as mudanças nos papéis e na sexualidade do casal, fortalecer a rede de apoio social e proteger-se da intrusão dessa rede (Murta, Rodrigues, Rosa, & Paulo, 2012), aspectos que estão incluídos no estabelecimento das fronteiras entre os subsistemas familiares.
Em relação à coesão, evidenciou-se um conflito entre individualidade e relação conjugal no relato de Juliana, que demonstra que o espaço individual de cada um dos cônjuges também não estava bem definido. Percebe-se que o casal pode apresentar esse dilema, pois valorizar os espaços individuais pode significar fragilizar os espaços conjugais e vice-versa (Féres-Carneiro, 1998).
Quanto ao equilíbrio de poder entre o casal, observou-se uma relação assimétrica, com desequilíbrio na divisão de tarefas e sobrecarga da mãe em função das responsabilidades assumidas. O sentimento de injustiça nesse desequilíbrio pode acentuar inclusive os sintomas depressivos maternos (DeMaris & Mahoney, 2017b). Manente e Rodrigues (2016) observaram na amostra de seu estudo uma associação entre sentir falta de ajuda e manifestação de depressão. Em sua revisão da literatura sobre o relacionamento conjugal e a depressão materna, Sotto-Mayor e Piccinini (2005) apontam que, com o nascimento do bebê, passa a existir menos tempo para usufruir de momentos íntimos como casal e as demandas financeiras são maiores. Inclusive, há mais tarefas diárias a serem realizadas e crescem os conflitos sobre esta divisão de tarefas (DeMaris & Mahoney, 2017a; Sotto-Mayor & Piccinini, 2005; Yavorksy et al., 2015). Ainda, enquanto alguns casais se comprometem a um ideal de igualdade, os fatos não condizem com isso (Sotto-Mayor & Piccinini, 2005; Yavorksy et al., 2015).
Assim, quando a mulher possui atividades profissionais e/ou sociais que lhe impossibilitam doação integral de tempo à maternidade, como é o caso do presente estudo, isso pode aumentar a tensão emocional da mãe (Manente & Rodrigues, 2016). Nesse sentido, a divisão de tarefas familiares resulta na diminuição de sobrecarga e no aumento de satisfação conjugal (DeMaris & Mahoney, 2017b), o que não foi relatado pela mãe do presente estudo.
No que se refere aos processos comunicativos, estes se mostraram prejudicados, de forma que o casal evitava expor sua opinião no intuito de evitar brigas e, portanto, não foram observados aspectos funcionais nesse sentido. Além disso, não havia consenso entre o casal quanto à demonstração e expressão de afetos e sentimentos. Frizzo et al. (2011) identificaram, em seu estudo, dificuldades quanto à expressão de sentimentos e ideias tanto nas esposas como nos maridos, em casos em que a esposa apresentava indicadores de depressão. Inclusive, o diálogo sobre os problemas do casal não se mostrou garantia de sua resolução (Frizzo et al., 2011). Nesse sentido, a estrutura da relação conjugal (Menezes & Lopes, 2007), bem como os padrões de interação entre o casal (Figueiredo et al., 2018) possuem forte influência no desenrolar da transição para a parentalidade, já que esse momento pode potencializar um distanciamento já existente no casal.
Quanto às estratégias de resolução de problemas, o casal demonstrou dificuldades para lidar com conflitos, apresentando estratégias disfuncionais em sua resolução, seja gerando brigas e discussões, seja evitando o conflito e se abstendo de expor soluções para evitar aborrecimentos. Deste modo, Neves e Duarte (2015) verificaram uma correlação positiva e significativa entre a estratégia ataque/evitamento e os sintomas depressivos nas mulheres, sendo que os indivíduos com mais sintomas depressivos foram os que utilizaram mais estratégias destrutivas, como é o caso do ataque/evitamento. Além disso, os resultados de seu estudo indicaram ainda que os indivíduos que utilizaram mais estratégias destrutivas de resolução de conflitos apresentaram menor satisfação conjugal do que os que utilizaram mais estratégias construtivas, corroborando os achados do presente estudo. Estratégias como o evitamento de conflito tendem a dificultar que os problemas sejam enfrentados de modo efetivo, o que pode trazer potenciais complicações para a relação conjugal (Frizzo et al., 2011; Walsh, 2002). Entende-se que a crise é inerente ao processo de transição da conjugalidade para a parentalidade (Doss & Rhoades, 2017), mas o resultado dela varia conforme as medidas tomadas para superar os obstáculos encontrados (Barbiero & Baumkarten, 2015).
Considerações finais
O objetivo inicial deste estudo era analisar de que forma a chegada do bebê influenciou a relação conjugal em contexto de depressão materna para um casal e compreender os aspectos funcionais e disfuncionais da relação conjugal neste contexto. Os resultados obtidos no presente estudo corroboram a literatura no que se refere às dificuldades vivenciadas pelo casal com a chegada do bebê, no contexto de depressão materna, e sua influência na relação conjugal. Observaram-se dificuldades em relação ao estabelecimento de um equilíbrio de poder na relação (principalmente no que se refere à divisão de tarefas pelo casal), além de dificuldades de adaptação do casal às novas demandas, sem a definição de uma fronteira em torno do casal. Ainda, foram demonstradas dificuldades na comunicação e expressão de afetos e sentimentos, além de estratégias disfuncionais de resolução de problemas.
Como não se evidenciaram aspectos funcionais a serem analisados, nem nas entrevistas, nem no instrumento específico para avaliar o ajustamento conjugal (R-DAS), ressalta-se a importância de que haja outros estudos no sentido de investigar os aspectos funcionais e disfuncionais da relação conjugal, para compreender melhor também as potencialidades utilizadas pelos casais para lidar com esse momento de transição do ciclo vital familiar, visto que, como destacado por Rosado e Wagner (2015), existem mais estudos referentes aos aspectos disfuncionais da relação conjugal do que aqueles dedicados a estudar a saúde e funcionalidade conjugal.
O fato de o presente estudo ser uma análise qualitativa de um único caso é uma limitação e uma potencialidade. Se por um lado permite que o fenômeno específico seja compreendido de forma mais ampla, por outro pode não ser necessariamente representativo da população (Yin, 2005), embora não seja esse o objetivo dos delineamentos de estudo de caso (Patton, 2002). Desta forma, entende-se que não é possível a generalização dos resultados obtidos, mas permite analisar profundamente o caso, lançar hipóteses e proporcionar uma boa reflexão sobre a temática. O estudo também teve caráter retrospectivo e não contou com uma avaliação da saúde mental e da relação conjugal anterior ao nascimento do filho, a fim de compreender quando de fato as dificuldades podem ter começado. Além disso, apenas a mãe participou do estudo, o que não permitiu a triangulação de fontes para compreensão do caso. No entanto, a triangulação dos instrumentos utilizados, entrevista e escala específica de avaliação do ajustamento conjugal, contribui para uma sofisticação da avaliação da relação conjugal, uma forma de expor diferentes perspectivas do fenômeno (Henwood & Pidgeon, 2010).
Ainda assim, sugere-se que sejam realizados novos estudos sobre a temática, por exemplo, incluindo a história de cada um dos membros do casal e a representação sobre o papel de cada bebê na família, por exemplo, o sexo do bebê pode ter afetado as expectativas em relação à sua família. Além disso, outros delineamentos, por exemplo, longitudinais, podem ser importantes a fim de confirmar ou refutar os dados encontrados, bem como contribuir para maiores achados a respeito dos aspectos funcionais e disfuncionais da relação conjugal com a chegada do bebê, no contexto de depressão materna. Espera-se que o presente estudo possa estimular o desenvolvimento de outros trabalhos sobre o assunto e colaborar para o entendimento desse fenômeno.
Agradecimentos
Agradecemos ao CNPq pelo apoio recebido, através do Edital Humanas 404703/2012-7.
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Endereço para correspondência
Bruna Gabriella Pedrotti
E-mail: gabriellapedrotti@live.com
Enviado em: 25/09/2018
1ª revisão em: 24/12/2018
Aceito em: 26/03/2019
1 Psicóloga, Mestranda pelo PPG – Psicologia UFRGS, bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq-Brasil).
2 Doutora em Psicologia (UFRGS), Professora do Instituto de Psicologia da UFRGS.