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Vínculo
versión impresa ISSN 1806-2490
Vínculo vol.16 no.1 São Paulo enero/jun. 2019
https://doi.org/10.32467/issn.1982-1492v16n1p29-40
ARTIGO
DOI – 10.32467/issn.1982-1492v16n1p29-40
O psicólogo no hospital: relato de experiência de intervenção na enfermaria pediátrica
The psychologist in the hospital: report of experience in the pediatric infirmary
El psicólogo en el hospital: experiencia de intervención en la enfermería pediátrica
Isabella Nathalia Salviato Surjus1; Silvia Nogueira Cordeiro2; Rosely Jung Pisicchio3
Universidade Estadual de Londrina
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi relatar a experiência de estágio com técnicos de enfermagem da enfermaria pediátrica de um hospital público na região norte do Paraná. A intervenção teve como finalidade oferecer um espaço de escuta e acolhimento para questões relativas à saúde mental desses trabalhadores da saúde. Os encontros ocorreram semanalmente, utilizando o método de intervenção clínica e psicossocial. Participaram sete técnicos de enfermagem do período matutino. Por meio dos resultados foi possível identificar fatores que influenciam a saúde física e mental dos trabalhadores, podendo levar ao adoecimento, como: conflitos com a equipe, estresse, pouco reconhecimento do trabalho, morte e luto. Além deste enfoque, a intervenção possibilitou um ambiente para trocas pessoais e expressão das subjetividades e potencialidades desses trabalhadores.
Palavras-Chave: Psicologia da Saúde, Saúde do trabalhador, intervenção clínica, intervenção psicossocial.
ABSTRACT
The objective of this study was to report the experience of internships with nursing technicians of the pediatric ward of a public hospital in the northern region of Paraná. The purpose of the intervention was to provide a listening and reception space for questions related to the mental health of these health workers. The meetings occurred weekly, using the method of clinical and psychosocial intervention. Seven nurses from the morning period participated. Through the results, it was possible to identify factors that influence the physical and mental health of the workers, which can lead to illness, such as: conflicts with the team, stress, poor recognition of work, death and mourning. In addition to this approach, the intervention provided an environment for personal exchanges and expression of the subjectivities and potentialities of these workers.
Keywords: Health Psychology, health workers, clinical intervention, psychosocial intervention.
RESUMEN
El objetivo de este trabajo fue relatar la experiencia de práctica con técnicos de enfermería de la enfermería pediátrica de un hospital público en la región norte de Paraná. La intervención tuvo como finalidad ofrecer un espacio de escucha y acogida para cuestiones relativas a la salud mental de esos trabajadores de la salud. Los encuentros ocurrieron semanalmente, utilizando el método de intervención clínica y psicosocial. Participaron siete técnicos de enfermería del período matutino. Por medio de los resultados fue posible identificar factores que influencian la salud física y mental de los trabajadores, pudiendo llevar al enfermo, como: conflictos con el equipo, estrés, poco reconocimiento del trabajo, muerte y luto. Además de este enfoque, la intervención posibilitó un ambiente para intercambios personales y expresión de las subjetividades y potencialidades de esos trabajadores.
Palabras clave: Psicología de la Salud, Salud del trabajador, intervención clínica, intervención psicosocial.
1 INTRODUÇÃO
O cotidiano hospitalar é reconhecidamente um gerador de sofrimento psíquico para os trabalhadores da área da saúde. Os profissionais que vivem esta realidade convivem com a dor e o sofrimento diariamente, muitas vezes adentrando quadros de alienação pela incapacidade de agir criativamente na relação do trabalho que executam (Paula et al., 2010). De acordo com Kovács (2010), surge uma questão fundamental que deve ser discutida: Os profissionais da saúde possuem direito de expressar sua dor? Nos atendimentos diários realizados por esses profissionais, principalmente enfermeiros e técnicos, criam-se fortes vínculos com os pacientes e também com seus familiares; assim sendo, esses profissionais muitas vezes não são assistidos após uma ocorrência de morte ou agravamento de saúde desses pacientes. É necessário questionar a atenção que é disposta aos profissionais da saúde nessas situações e em outras, pois quando não há espaço para a elaboração de tais conteúdos, podem ocorrer outros desdobramentos, como sintomas físicos/psicossomáticos ou Síndrome de Burnout, entre outras (Kovács, 2010).
A Síndrome de Burnout é um exemplo de estresse persistente, uma reação à tensão emocional crônica de pessoas que tratam diretamente de outros seres humanos (Kovács, 2010). Burnout assola em grande escala os profissionais da área da saúde, que, diante deste quadro, podem desencadear mecanismos de defesa: fragmentação da relação profissional-paciente, despersonalização, negação e redução do peso da responsabilidade (Pitta, 1994). Segundo Kovács (2010), é importante fazer a diferenciação entre os mecanismos de defesa e as resistências vivenciadas pelos profissionais da saúde no ambiente hospitalar. As defesas relacionam-se basicamente a evitar ou tornar suportável o sofrimento e em geral não possibilitam transformações; já as resistências estão voltadas para gerar transformação a partir das situações que originam o sofrimento. Estes dois movimentos são modos de subjetivação contra o sofrimento psíquico no trabalho (Kovács, 2010).
Além desses fatores, Santos et al. (2018) apontam que a precarização do serviço público pode ser vista também como uma das causas do estresse e sofrimento dos trabalhadores. Historicamente, a precarização do trabalho foi impulsionada pelas transformações implementadas a partir da reforma do aparelho do Estado. Nas décadas de 1990 e 2000, o trabalho precário no serviço público se expressou na ausência de reajuste salarial para quase todos trabalhadores, impactando também o setor da saúde. De acordo com Santos et al. (2018), o maior empregador de enfermeiros, técnicos e auxiliares de Enfermagem é o Estado, sendo eles atingidos diretamente pela precarização, principalmente em questões relacionadas a renda, jornada de trabalho e condições de trabalho, afetando a saúde e a qualidade de vida desses trabalhadores, predispondo-os ao desgaste físico e ao sofrimento psíquico.
O sofrimento psíquico vivenciado pelos profissionais da saúde é um claro sinalizador de que os trabalhadores precisam transformar o processo de trabalho, rediscutindo as práticas instituídas (Oliveira & Moreira, 2006); ou seja, segundo Kovács (2010), é necessário compreender o local de sofrimento desses sujeitos principalmente na relação com o outro, mas também consigo mesmo enquanto funcionário desse ambiente. De acordo com Oliveira e Moreira (2006), os profissionais da saúde estão expostos diariamente a dor e sofrimento, necessitando de espaços para compartilhamento de vivências que possam ocorrer ao longo do dia/semana, seja entre os próprios profissionais ou entre os cargos da chefia.
Os espaços de compartilhamento podem ser ações eficazes, pois a comunicação entre os colegas de trabalho é relativamente breve e o tempo é dedicado quase que exclusivamente ao trabalho técnico, dividido e esquadrinhado (Oliveira & Moreira, 2006). O fortalecimento das relações sociais entre o quadro de funcionários impacta a forma como o trabalho será realizado, assim como, é um fator importante para a saúde mental. Segundo Zago (1988), os trabalhadores devem conscientizar-se de que são "o paciente crônico", pois são eles que quase sempre permanecem no hospital, necessitando preservar sua saúde mental enquanto tratam os "pacientes agudos" que ficam hospitalizados. Refletir sobre as possibilidades para preservar a saúde mental do trabalhador e identificar fatores que impactam o bem-estar no trabalho são importantes para promover a saúde no trabalho.
Este estudo teve como objetivo relatar a experiência de intervenção com técnicos de enfermagem na enfermaria pediátrica de um hospital público. O foco foi oferecer um espaço de escuta e acolhimento, assim como criar meios para que os trabalhadores pudessem refletir sobre suas funções e condições física e mental. A partir de uma intervenção clínica e psicossocial, foi possível abordar temas amplos que perpassam a realidade social do trabalho hospitalar, desde dificuldades nas relações entre pares a sofrimentos vivenciados com a morte de pacientes.
Nessa perspectiva, Figueiredo (1996) afirma que a clínica psicológica não se caracteriza simplesmente pelo local em que se realiza – o consultório -, mas pela qualidade da escuta e da acolhida que se oferece ao sujeito. Partindo disto, não importa o espaço em que o ato clínico aconteça, mas, sim, os desdobramentos da prática no campo social, atentando para o fato de que a subjetividade dos sujeitos é fruto também de um encontro social (Moreira, Romagnoli, & Neves, 2007). Desta forma, a intervenção buscou auxiliar os sujeitos a compreenderem melhor as situações vividas e, se possível, encontrarem respostas aos problemas, partindo de uma construção conjunta do saber.
2 MÉTODO
Este estudo caracteriza-se por uma intervenção clínica e psicossocial, numa perspectiva que articula o campo social, as condutas humanas e vida psíquica (Amado & Enriquez, 1994 citado por Afonso, 2000). Para tanto, pretende engajar todos os atores presentes e utiliza-se de diversos dispositivos, para os quais Afonso (2000) utiliza o termo 'oficina de intervenção psicossocial'. Este trabalho compreende encontros grupais com um tema central e a elaboração que se busca na Oficina não se restringe a uma reflexão racional, mas envolve os sujeitos de maneira integral, sua forma de pensar, sentir e agir (Afonso, 2000).
2.1 Local
O estágio ocorreu em um hospital público da região norte do Paraná em 2018. Trata-se de um hospital de grande importância para a região, principalmente por ser considerado referência para o Sistema Único de Saúde (SUS) e hospital-escola na prática do ensino, pesquisa e extensão.
2.2 Participantes
Participaram da intervenção os técnicos de enfermagem do período matutino da Pediatria do hospital, sendo inicialmente o número de sete funcionários, majoritariamente do sexo feminino. O grupo normalmente era formado por três a cinco integrantes, dependendo da disponibilidade de cada um para comparecer ao horário estipulado.
2.3 Instrumentos
Para a realização dos encontros foram realizadas oficinas em dinâmica de grupo. Segundo Afonso (2000), entende-se por oficina um trabalho estruturado com grupos e focalizado em torno de uma questão central, em que se unem os conhecimentos teóricos, reflexões, significados afetivos e as vivências produzidas sobre o tema trabalhado. É caracterizada como uma prática de intervenção psicossocial (Afonso, 2000).
2.4 Procedimentos
Foram propostos encontros semanais, no período de maio a dezembro de 2018, em que se propôs trabalhar temas referentes à saúde mental dos técnicos de enfermagem. O objetivo foi oferecer um espaço de escuta para os trabalhadores relativo às suas vivências dentro do ambiente hospitalar com foco na melhora da sua saúde física e psíquica.
Inicialmente, foi realizada uma reunião com os técnicos de enfermagem do período matutino e a chefia responsável, no intuito de apresentar o trabalho que seria realizado, sendo esta uma demanda da instituição. A partir disso, foram feitas duas observações de campo com interesse em compreender a dinâmica de trabalho dos técnicos de enfermagem, assim como o funcionamento da rotina da Pediatria no período matutino. A partir disso, estabeleceu-se a realização do grupo semanalmente.
Os encontros foram realizados uma vez por semana com a duração média de 30 minutos, tempo disponível entre os afazeres dos técnicos de enfermagem, e ocorreram em dois espaços dentro da Pediatria: na brinquedoteca ou na sala da equipe de fisioterapia, dependendo da disponibilidade do dia. Após cada encontro, foram feitas anotações, em um diário de campo, das principais ocorrências no grupo, como número de participantes no dia, temas abordados e algumas falas ou expressões significativas. Os participantes do grupo foram identificados com a letra T.E. (técnico de enfermagem) ou E.C. (enfermeira chefe) e um número de ordem para resguardar o sigilo.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Mediante a realização dos encontros, ocorreram reflexões a respeito do trabalho exercido na instituição e as possíveis consequências para a saúde física e psíquica de cada integrante, favorecendo novas significações na relação homem - trabalho. Nas oficinas de dinâmica de grupo, sugiram três grandes temas que permearam de forma direta ou indireta os encontros: Condições do trabalho e Estresse, Relacionamentos e conflitos no ambiente de trabalho e vivenciando a morte de pacientes. A seguir serão apresentados e discutidos esses temas com alguns recortes das falas dos participantes.
3.1 Condições do trabalho e estresse
Os profissionais mais suscetíveis aos problemas de saúde mental são aqueles que interagem a maior parte do tempo com indivíduos que necessitam de ajuda, como ocorre com os profissionais da saúde. Ao longo das oficinas realizadas, os trabalhadores descreveram suas condições de estresse, tanto física quanto mental. Em relação à estrutura hospitalar, a falta de materiais e a improvisação para a realização do serviço foram identificados como sendo fatores de estresse, pois requerem do trabalhador um esforço muitas vezes maior do que está acostumado a realizar. A rotatividade de técnicos de enfermagem decorrente da defasagem de profissionais também foi identificada como outro fato que sobrecarrega o trabalho com a mesma carga horária.
Conforme apontado na introdução, Santos et al. (2018) enfatizam que a precarização do trabalho no serviço público é fator que contribui diretamente para a debilidade da saúde e qualidade de vida dos trabalhadores. Por meio dos relatos dos técnicos de enfermagem que atuam na pediatria, foi possível exemplificar essas situações de estresse decorrentes do volume de trabalho e da improvisação diante da falta de recursos.
Muitas vezes o setor está com falta de avental para entrar nos quartos, a gente improvisa com os lençóis amarrados porque não pode deixar o paciente sem o procedimento. (T.E.1)
Têm criança aqui dentro que demanda muito da gente, tanto da cabeça quanto da força física, são as crianças internadas há mais tempo, então tem que fazer o banho na cama, arrumar tudo, passar pomada, fazer procedimento, tudo isso sozinho. Fico umas duas horas em um leito só, enquanto dois colegas são escalados em um quarto que não precisava tanto assim. (T.E.2)
Quando a chefia faz a divisão do trabalho, às vezes eles sobrecarregam alguém, porque tem pouco funcionário. Acho que podiam ver melhor a divisão entre as tarefas. (T.E. 3)
Esses exemplos ilustram a realidade dos serviços públicos e o impacto direto no bemestar no trabalho, um aspecto importante para se compreenderem as ocorrências de estresse físico e mental.
3.2 Relacionamentos e conflitos no ambiente de trabalho
O trabalho é lugar onde as pessoas passam a maior parte do seu tempo, tanto contribuindo significativamente para o bem-estar dos trabalhadores quanto afetando a vida fora dele, trazendo consequências para os indivíduos e para a organização (Covacs, 2006). As relações que se formam dentro do ambiente de trabalho influenciam a execução das funções de cada trabalhador. O envolvimento e a satisfação com o trabalho são vínculos afetivos dos indivíduos em relação ao que executam (Covacs, 2006); o oposto, como a falta de reconhecimento e valorização, pode desestimulá-los.
Por meio dos encontros realizados, foi possível perceber a presença constante do tema das relações do trabalho em muitos relatos. O relacionamento interno neste contexto é dividido em diferentes dimensões: relação entre pares, relação com a chefia, com o público do serviço, além de outros profissionais da enfermaria. Cada uma dessas dimensões foi percebida de forma singular nos encontros e os conflitos gerados a partir dessas relações também foram pontuados pelos técnicos.
A gente percebe muita falta de comunicação. Teve uma vez que uma criança foi para o centro cirúrgico sem banho, porque não avisaram que ela faria cirurgia pela manhã, e depois nós (técnicos) tomamos advertência. (T.E. 2)
Nas reuniões com a chefia não acontece isso de reconhecer nosso trabalho (risos do grupo), a gente faz o que faz por amor às crianças, mesmo nas dificuldades. (T.E. 4)
Muitas vezes não arrumamos tempo para fazer reuniões, é tudo muito corrido. Eu gostaria de falar mais com eles, isso do reconhecimento acaba faltando mesmo. (E.C.)
Com o grupo eu conheci melhor os colegas de trabalho, deu para saber coisas que a gente não conversa nos corredores, de personalidade mesmo, da história da pessoa, isso fez diferença. (T.E. 5)
Nos relatos dos profissionais, pode-se perceber a falta de diálogo com a chefia, além do pouco reconhecimento do trabalho. No geral, são realizados poucos encontros ou reuniões entre a equipe e a liderança, demonstrando uma necessidade de melhorar os vínculos. Esses fatores afetam diretamente a satisfação do trabalho, que, segundo Correia (2016), deve ser entendida como um fim em si mesmo, tendo um valor intrínseco e compete tanto ao trabalhador como à organização esforçar-se e contribuir para o seu alcance.
Nesta mesma direção, Siqueira (1995 citado por Covacs, 2006) considera que a satisfação do trabalho é multidimensional, que se relacionam as satisfações obtidas em cinco domínios específicos: relacionamento com as chefias, com os colegas de trabalho, com a remuneração obtida, oportunidade de promoção e pela satisfação das tarefas realizadas.
Observou-se, a partir das dinâmicas, que, no ambiente de trabalho, há falta de diálogo entre funcionários e com a chefia, o que implica a ocorrência de conflitos ou até mesmo dificulta o serviço. Por meio dos encontros, fica evidente a necessidade de se trabalhar relacionamento interpessoal entre pares e superiores, pois fatores como o pouco reconhecimento no trabalho podem provocar sentimentos de insatisfação e angústia, evoluindo para quadros maiores de sofrimento emocional. Ao mesmo tempo em que se podem observar tais aspectos, também características positivas como companheirismo e cooperação estão presentes no dia a dia desses funcionários, além de maior aproximação que os encontros ofereceram entre os colegas.
Os encontros fizeram com que esses funcionários percebessem a importância de terem momentos de compartilhamento dentro do ambiente de trabalho. Segundo Dejours (1996), a qualidade do trabalho é uma condição do prazer, da saúde mental e da identidade singular. No entanto, ela é dependente de uma construção de espaços públicos e coletivos no interior da organização do trabalho, espaços de cooperação a respeito de questões ligadas ao cotidiano da organização e das vivências ocorridas nesse local (Oliveira & Moreira, 2006). Neste sentido observamos que o espaço de compartilhamento oferecido se apresentou como um mecanismo eficaz para o debate e a construção de conhecimentos sobre o trabalho.
3.3 Vivenciando a morte de pacientes
A palavra morte traz consigo muitos atributos e associações: dor, ruptura, interrupção, desconhecimento, tristeza (França & Botomé, 2005 citado por Medeiros & Lustosa, 2011).
Historicamente, a sociedade construiu meios e defesas para lidar com o tema, principalmente quando falamos da área da saúde e dos profissionais desse campo. Como ressalta Kovács (2005), a diferença entre as pessoas em geral e os profissionais de saúde - médicos, enfermeiros, psicólogos - é que, na vida desses, a morte faz parte do cotidiano, tornando-se companheira de trabalho.
O tema foi amplamente discutido durante os encontros realizados, principalmente porque surgiu de forma espontânea na equipe. Percebeu-se através das falas dos funcionários, o quanto as ocorrências de óbito na pediatria os impactam durante a realização do trabalho, suscitando angústias e, principalmente, mecanismos de defesa. De acordo com Kovács (2005), negar a morte é uma das formas de não entrar em contato com as experiências dolorosas, assim como a racionalização e a esquiva. Os encontros serviram de espaço de fala para que os profissionais também pudessem expressar como são mobilizados emocionalmente diante da morte dos pacientes e trocar diferentes vivências com a equipe.
Em uma semana morreram duas crianças aqui na pediatria, uma delas estava bem, foi rápido e muito triste. Isso impacta a gente, eu mesmo acabo chorando às vezes. (T.E. 1)
Eu penso nos meus filhos, minha cabeça acaba ficando ruim quando as crianças morrem. Com o grupo tenho tentado deixar as coisas aqui no trabalho, da porta para fora vou para casa. (T.E. 3)
Eu trabalhei algum tempo na rua com o atendimento móvel, então eu lidava sempre com a morte. Hoje aqui no hospital não me impacta tanto, eu entendo que acontece e é isso. (T.E. 2)
A gente não conversa muito disso aqui, as psicólogas às vezes não têm tempo também porque estão com os pacientes, então a gente vai deixando passar, não compartilha. (T.E. 1)
Nos relatos dos funcionários, foi possível perceber suas angústias, assim como a impotência que vivenciam diante da finitude da vida e como criam mecanismos para enfrentar ou fugir dessas questões. A partir disso, notou-se a necessidade de espaços para o compartilhamento e elaboração do tema da morte entre os funcionários, pois são discussões a respeito de ocorrências constantes no cotidiano hospitalar, de fundamental importância para compreender como a equipe lida com esses acontecimentos e se expressa emocionalmente diante deles.
CONCLUSÃO
A intervenção possibilitou uma reflexão sobre diferentes temas que atingem diretamente a saúde mental do trabalhador, propondo um ambiente livre para debates, construção de saberes e aprendizagem. Foi possível identificar fatores que interferem na qualidade do trabalho realizado pelos profissionais, como o estresse, as condições estruturais do serviço, os relacionamentos interpessoais, conflitos entre a equipe e lidar com a morte de pacientes. O trabalho em grupo também cooperou com o relacionamento entre os membros da equipe, criando um espaço de expressão de sentimentos e angústias, propiciando o acolhimento.
Entretanto, a criação do grupo não se deu de forma linear e sem dificuldades. Fatores como o tempo disponível dos funcionários para a participação nos encontros, questões estruturais, como a falta de espaço e improvisação, e a dinâmica de trabalho com defasagem de profissionais ou superlotação nos leitos são aspectos indissociáveis para poder compreender e construir efetivamente um espaço que integre a realidade desses sujeitos. Com a intervenção, foi possível conhecer boa parte da realidade hospitalar, para assim propor ações que estivessem em consonância com os principais aspectos da instituição.
A intervenção clínica e psicossocial possibilitou compreender as relações desses sujeitos com o trabalho que executam, podendo trazer reflexões e propostas de ações que favoreçam a saúde física e mental desses trabalhadores. Tendo em vista o impacto que o trabalho e as relações estabelecidas neste meio têm sobre os sujeitos, a intervenção configura-se como um meio produtivo para analisar os aspectos estruturais, psicológicos e sociais que influenciam a saúde dos trabalhadores.
REFERÊNCIAS
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1 Isabella Nathalia Salviato Surjus. Psicóloga pela Universidade Estadual de Londrina.
2 Silvia Nogueira Cordeiro. Professora Adjunta do Departamento de Psicologia e Psicanálise da Universidade de Londrina.
3 Rosely Jung Pisicchio. Professora Adjunta do Departamento de Psicologia Social e Institucional.