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Vínculo

Print version ISSN 1806-2490

Vínculo vol.18 no.1 São Paulo Jan./Apr. 2021

https://doi.org/10.32467/issn.19982-1492v18nesp.p120-137 

ARTIGO

 

A psicologia na atenção básica: fortalecendo o vínculo com a comunidade

 

Psychology in primary care: strengthening the bond with the community

 

Psicología en atención primaria: fortalecer el vínculo con la comunidad

 

 

Ana Clara Siena Alexandre; Ananda Kenney da Cunha Nascimento; Sofia Lira Chiodi

Universidade Estadual de Londrina, PR, Brasil

 

 


RESUMO

A atenção básica é um conjunto de ações e intervenções de saúde realizadas por uma equipe multiprofissional que atua nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) no contexto do Sistema Único de Saúde. Nesse sentido, relatou-se a experiência de práticas desenvolvidas pela Psicologia em uma UBS, durante o período de estágio curricular obrigatório, destacando as principais atividades realizadas. Como resultados, foram narradas as vivências com os grupos de cuidadores e de gestantes, sendo o último de maior adesão; a ação da campanha de prevenção ao suicídio e valorização da vida; e a realização do plantão psicológico que atendeu alguns usuários da Unidade. Por fim, destacou-se que é possível atuar com diferentes modalidades de ações que funcionam como dispositivos para a prevenção e a promoção de saúde da comunidade; e que as práticas da Psicologia precisam de consolidação no espaço da atenção básica, pois ainda caracterizam-se enquanto desafiadoras para os (futuros) profissionais.

Palavras-chave: Psicologia; Atenção básica; Saúde. Unidade Básica de Saúde; Grupo.


ABSTRACT

The primary health care is a set of actions and health interventions carried out by a multiprofessional team that works in the Health Certers (HC) in the context of the Unified Health System. Thus, the experience of practices developed by the Psychology in a HC, during the period of required curricular traineeship, highlighting the main activities performed. As results, the experiences with the groups of caregivers and expecting mothers were narrated, being the last one of greater adhesion; the action of the campaign of prevention to the suicide and valorization of the life; and the accomplishment of the psychological attendance that attended some users of the Unit. Finally, it was pointed out that it is possible to act with different modalities of actions that function as devices for the prevention and promotion of community health; and that the practices of Psychology need consolidation in the primary health care space, since they are still characterized as challenging for the (future) professionals.

Keywords: Psychology; Primary health care; Health. Health certers; Group.


RESUMEN

La atención primaria es un conjunto de acciones e intervenciones de salud realizadas por un equipo multiprofesional que opera en las Unidades Básicas de Salud (UBS) en el contexto del Sistema Único de Salud. En este sentido, la experiencia de las prácticas desarrolladas por la Psicología en un UBS, durante el período de prácticas obligatorias, destacando las principales actividades realizadas. Como resultado, se narraron las experiencias con los grupos de cuidadores y mujeres embarazadas, siendo la última con la mayor adherencia; la acción de la campaña de prevención del suicidio y valorización de la vida; y el cumplimiento del deber psicológico que ayudó a algunos usuarios de la Unidad. Finalmente, se destacó que es posible actuar con diferentes modalidades de acciones que actúan como dispositivos para la prevención y promoción de la salud de la comunidad; y que las prácticas de Psicología necesitan consolidación en el espacio de la atención primaria, ya que todavía se caracterizan por ser un desafío para los (futuros) profesionales.

Palabras clave: Psicología; Atención primaria; Salud; Unidad Básica de Salud; Grupo.


 

 

Introdução

A atenção básica à saúde é definida como um conjunto de ações e intervenções de saúde, realizadas por uma equipe multiprofissional, a nível individual, familiar e coletivo, que visam "promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde" (Brasil, 2017, artigo 2º) de uma determinada população em um território definido. Os estabelecimentos de saúde que são responsáveis por prestar essas ações e os serviços de atenção básica são denominados Unidade Básica de Saúde (UBS) (Brasil, 2017) e sua estratégia prioritária de expansão e consolidação é a Estratégia Saúde da Família (ESF).

A ESF foi criada em 1994 e pode ser considerada o "berço" da porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS), visto que a partir de sua implantação houve uma reorganização no sistema de saúde, inaugurando uma nova perspectiva de cuidado que passa ser organizada em três níveis de atenção, sendo eles: básica, média e alta complexidades (Oliveira, Amorim, Paiva, Oliveira, Nascimento & Araújo, 2017). A ESF, inicialmente, era denominada de Programa Saúde da Família (PSF), sendo que esta nomenclatura foi modificada a fim de acompanhar a transformação de compreensão da natureza do serviço. A mudança se deu "[...] porque programa possui tempo determinado e estratégia é permanente e contínua" (Dalpiaz & Stedile, 2011, parágrafo 6). É importante destacar que, ao longo deste trabalho, os termos serão utilizados como sinônimos.

Nesse sentido, a ESF tem como objetivos centrais: "resolver problemas de saúde de maior frequência e relevância no território em que atua, assim como referenciar usuários que necessitem de atendimento mais especializado para os demais níveis de atenção" (Oliveira et al., 2017, p.293); e propõe o trabalho em "equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde, as quais são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em área geográfica delimitada" (Fermino, Patrício, Krawulski & Sisson, 2009, p.116). Desse modo, essas equipes devem atuar com "ações de promoção de saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais frequentes, e na manutenção da saúde da comunidade" (Fermino et al. 2009, p.116).

Assim, uma UBS "não pode ser apenas um local de triagem e encaminhamento, onde a maior parte dos casos são encaminhados para os serviços especializados" (Brasil, 2000, p.13). É necessário que nela sejam exercidas práticas resolutivas, "com profissionais capazes de assistir aos problemas de saúde mais comuns, de manejar novos saberes que, por meio de processos educativos, promovam a saúde e previnam doenças em geral" (Brasil, 2000, p.13). Dessa forma, na UBS devem ser desenvolvidas práticas que tenham uma abordagem coletiva que pode se dar através de, por exemplo, trabalho com grupos de modo a promover saúde a cada ciclo da vida, como de bebês, gestantes, adolescentes e idosos; e também o monitoramento de doenças crônicas como diabetes, obesidade, hipertensão, e alcoolismo.

Nesta perspectiva, vale salientar que "embora a atenção à saúde mental seja parte importante das necessidades de saúde, e se configure como demanda cada vez mais frequente [...] a equipe do PSF não integra o profissional psicólogo em sua composição" (Fermino et al., 2009, p.117). O serviço que então vai suprir essa necessidade de se ter um psicólogo na atenção básica de forma a "consolidar uma atenção integral e de qualidade aos usuários" (Oliveira et al., 2017, p.293) é o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).

Os NASF foram criados com o objetivo de fornecer suporte às equipes da ESF, ampliando o alcance da atenção básica. A principal ferramenta de trabalho do núcleo é o apoio matricial que deve ser efetuado por uma equipe do NASF à uma equipe de Saúde da Família de determinado território (Oliveira et al., 2017). Para este fim, o NASF, em função da magnitude epidemiológica dos transtornos mentais, prevê investimentos na área de saúde mental, sendo que é a partir deste que está previsto o ingresso de psicólogos na atenção básica (Fermino et al., 2009).

Então, o psicólogo da equipe do NASF não assumirá o ambulatório de especialidades, mas sim o apoio institucional, o que se torna um desafio para a Psicologia nesse campo. Visto que a prática do psicólogo precisa se modificar de acordo com o novo modelo assistencial que é baseado no conceito de saúde como processo saúde-doença (Oliveira et al., 2017). Portanto, esse modelo confronta o modelo biomédico hegemônico, "sendo este expresso na Psicologia pela prevalência de um modelo de atuação consolidado na prática clínica individualizante" (Oliveira et al., 2017, p.294).

Diante do exposto, o trabalho que segue objetiva relatar a experiência de estágio no 4º ano do curso de Psicologia, na ênfase de processos de prevenção e promoção de saúde, em uma UBS, destacando os desafios e as potencialidades do trabalho realizado.

 

Metodologia

O estágio obrigatório acadêmico foi realizado em parceria com a Secretaria de Saúde de uma cidade da região metropolitana de Londrina-PR, no contexto da atenção básica de saúde, atuando com o intuito de oferecer estratégias de promoção e prevenção de saúde para a equipe e os usuários do serviço. No espaço físico da UBS há cartazes colados, funcionando como guia aos usuários, identificando o que é atendido pelo serviço, tais como: consultas médicas agendadas, vacinação, injeções, trocas de curativos, entre outros; a fim de tornar o atendimento mais eficiente e eficaz. A equipe do serviço é composta por: agentes comunitárias de saúde (ACS); técnica de enfermagem; enfermeiras; médicos clínico, pediatra e ginecologista; recepcionistas; estagiários de Enfermagem, Nutrição e Psicologia. Insta destacar que os estagiários da Psicologia recebem orientação de uma psicóloga do NASF.

Inicialmente, as intervenções foram propostas de acordo com o que o campo demandou e o que era possível realizar,devidoaosaspectoscitados,alémdacargahoráriasemanal queasestagiáriaspermaneciam em campo. Assim, as atividades desenvolvidas foram: intervenções grupais com cuidadores e gestantes, plantão psicológico para equipe PSF e comunidade, trabalhos educativos e triagem psicológica com a aplicação do instrumento de estratificação de risco em saúde mental e encaminhamentos. Consideramos como critérios de seleção do público as indicações da equipe, busca ativa, busca espontânea e aceite de convites oferecidos à UBS. As atividades tiveram um total de 22 encontros, divididos entre as atividades desenvolvidas, e foram utilizadas técnicas de observação, entrevista e dinâmicas grupais.

 

Estratégias interventivas psicológicas: grupos, plantão psicológico e ações educativas

A primeira proposta desenvolvida na UBS - que a princípio foi apontada como demanda da unidade (observou-se outros aspectos destacados ao longo deste trabalho) - foi o trabalho com o grupo dos cuidadores. O grupo dos cuidadores surgiu como uma proposta da enfermeira-chefe da UBS logo quando se iniciou o estágio e ocorreu apenas durante dois encontros.

Sobre grupos, Costa (2012) discutiu sobre a história, as dinâmicas e o papel do facilitador nos grupos. Acerca da história, a autora coloca que o autor iniciante nesse tema foi Kurt Lewin, ao estudar sobre "o comportamento humano de pequenos grupos" (Costa, 2012, p.19). Já as dinâmicas compreendem a articulação entre teoria e prática com os grupos, pois para trabalhar com estes, é necessário que os psicólogos os conheçam.

Assim, é por meio do trabalho com os grupos que torna possível observar como os integrantes interagem uns com os outros e, além disso, atentar-se para que, embora seja um grupo, cada participante possui uma dinâmica de funcionamento própria e que é esse aspecto que se demonstra no contato com o desenvolver do grupo. Por isso, é preciso que cada grupo contenha um facilitador, ou seja, um profissional (da Psicologia em nosso caso) que conduza os participantes para alcançar os objetivos previamente traçados. Na medida em que um profissional se coloca como um elemento facilitador "[...] abre caminhos para livrar o homem da dependência do outro e dá condições para que ele encontre caminhos para atingir seus próprios objetivos" (Costa, 2012, p.22). Desse modo, "estar em grupo é um modo de buscar, por meio da força coletiva, recursos para enfrentar as dificuldades e encontrar soluções conjuntas para viver de forma plena" (Tatagiba & Filártiga, 2008, p.11), pois "através da vivência grupal é possível conquistar um ambiente favorável para o desenvolvimento das habilidades que promovem as ações transformadoras" (Tatagiba & Filártiga, 2008, p.11), que os integrantes do grupo buscam.

Além disso, é necessário considerar que "ao longo de sua existência cada grupo produz uma dinâmica própria, única e intransferível [o que é] resultado da dialética entre a história do grupo e a história dos indivíduos com seus mundos internos, projeções e transferências na sucessão da história da sociedade em que estão inseridos" (Tatagiba & Filártiga, 2008, p.13). Desse modo, a dimensão intra-subjetiva do processo grupal é pautada nos processos de comunicação e de aprendizagem que são atravessadas pelas relações intersubjetivas, as quais têm como fundamento o vínculo que é, de acordo com Pichon-Revière (2005), estruturado de forma complexa com base nas necessidades dos sujeitos envolvidos.

Nesse sentido, para trabalhar a questão do grupo dos cuidadores na UBS, além de ser necessário explorar a questão do grupo e de como daria seu desenvolvimento e suas questões práticas, foi necessário investigar quem eram os indivíduos que participariam e moveriam esse grupo. Destacam-se as classificações que um cuidador pode se inserir, são elas: "cuidador formal quando recebe remuneração; cuidador informal quando não é remunerado; cuidador principal ou primário é aquele que está sempre com o idoso [...]; e o cuidador denominado secundário que fica com o idoso esporadicamente" (Souza, Camacho, Joaquim & Espírito Santo, 2016, p.1867).

Partindo disso, nos atentamos apenas aos cuidadores informais e principais ou primários, pois são as classificações as quais pertenciam os participantes do grupo dos cuidadores. Visto que, estes tipos de cuidadores são geralmente "pessoas da família, do gênero feminino, filhas ou cônjuges [que] muitas vezes apresentam idade avançada e não possuem habilidades técnicas para o desempenho desta função, mas precisam cumpri-la, ainda que sem preparo ou planejamento algum" (Souza et al., 2016, p.1867).

Então, diante destas características, destacamos que todas as integrantes eram cuidadoras informais e primárias, pessoas da família e a maioria do gênero feminino. É importante salientar que entramos em contato com cuidadores do gênero masculino, porém, majoritariamente, as cuidadoras eram filhas ou cônjuge de quem cuidavam. Na questão de preparo, apenas uma já havia cuidado de pessoas anteriormente e aparentemente trabalhado formalmente com isso.

Destaca-se também que a sobrecarga de trabalho sobre estes cuidadores decorre justamente por assumir esta função, pois podem trazer muito sentimentos de aspecto positivo e negativo (Souza et al., 2016). Os sentimentos positivos têm "[...] relação com a consideração de seu ente no meio familiar" e os sentimentos negativos "são reforçados pela imposição do papel de cuidado que é uma atividade desgastante" (Souza et al., 2016, p.1867). Este sentimento ruim que gera o desgaste, é suscitado "pelas sobrecargas que o processo de cuidar gera em quem cuida" (Souza et al., 2016, p.1867), o que provoca estresse no cuidador por causa dos "cuidados intensos e ininterruptos; conflitos familiares; problemas financeiros em virtude de dedicação integral ao idoso [...]; e déficit na qualidade de vida e autocuidado" (Souza et al., 2016, p.1867).

No primeiro contato que tivemos com as integrantes do grupo, a maioria relatou estes sentimentos positivos e negativos em relação à função de cuidador. Entretanto, não obtivemos sucesso com a continuidade da proposta do grupo de cuidadores, pois as cuidadoras relataram falta de tempo para participar de atividades como essa na UBS e falta de ter com quem alternar o cuidado da pessoa cuidada com outrem.

Dada tais questões, faz-se necessário ressaltar a necessidade da promoção do autocuidado nos cuidadores, visto que a "falta de tempo para a realização de seu autocuidado leva este indivíduo a ter uma diminuição em sua qualidade de vida, que pode culminar em seu adoecimento" (Souza et al., 2016, p.1867). Unindo isso ao fato de que, ao entrarmos em campo, o grupo dos cuidadores foi a demanda apresentada pela UBS, percebemos os limites de atuação do serviço com esse público.

Nesta direção, como a equipe da ESF tem como função "acompanhar os diversos grupos da população mais vulneráveis - crianças, gestantes, idosos, portadores de necessidades especiais - por meio de ações programadas com o objetivo de minimizar ou reduzir os riscos" (Brasil, 2000, p.43), outra proposta de grupo que foi desenvolvida durante o estágio foi o grupo das gestantes.

Nesta perspectiva, "trabalhar com grupos não é tão simples. Exige alguns conhecimentos básicos, como garantir a voz a todos os participantes e, acima de tudo o respeito e o sigilo das questões tratadas durante as reuniões" (Brasil, 2000, p.43). Dessa forma, o psicólogo, é o profissional que melhor pode atuar como facilitador de grupos, principalmente por ter uma formação que o capacita de modo teórico-prático para atuar com essa prática. Sendo assim, voltamos nossos esforços para compreender as especificidades desse público.

No que diz respeito a gestação, este é um momento que envolve enormes mudanças biopsicossociais, pois "há transformações não só no organismo da mulher, mas também no seu bem-estar, o que altera seu psiquismo e o papel sociofamiliar" (Klein & Guedes, 2008, p.863). Dessa forma, as alterações psicológicas que podem acontecer nesse período vão depender de vários fatores, por exemplo: familiar, conjugais, sociais, culturais e da subjetividade da própria gestante.

É importante ter "um acompanhamento psicológico da gestante com o intuito de possibilitar uma vivência mais equilibrada de todas as emoções e manifestações que ocorrem durante o ciclo gravídico-puerperal" (Klein & Guedes, 2008, p.864), pois este pode auxiliá-la a significar esse período de transformação. Dessa forma, o grupo de gestantes objetivou "tornar-se um meio eficaz para esse acompanhamento, pois permite a identificação entre seus membros, o compartilhar de experiências e a troca de informações" (Klein & Guedes, 2008, p.864). Isto, porque um grupo de suporte para gestantes pode "proporcionar discussões que envolvam vários componentes afetivos, possibilitando um clima de sensibilização para os aspectos relativos ao ciclo gravídico-puerperal e à subjetivação das informações bem como uma vivência positiva da gestação, do parto e da maternidade" (Klein & Guedes, 2008, p.865).

Desse modo, o grupo de gestantes que ocorreu na UBS teve como objetivo criar um espaço para que elas pudessem trocar experiências sobre como esse período estava afetando-as, fortalecendo o vínculo intergrupal; e favorecer um ambiente no qual elas pudessem relatar quais eram suas expectativas e medos para o futuro, propiciando um espaço em que o respeitar e o escutar as demais participantes do grupo estavam envolvidos. Afirma-se que é

O respeito e a garantia de que o grupo pode dar suporte a todo o tipo de sentimento que ali é expressado que vai tecendo um vínculo e um espaço para a troca de vivências das pessoas no grupo. [É partindo disso que] o trabalho em grupo é fundamental para a abordagem das questões de saúde coletiva, [levando-se em consideração que este trabalho] exige capacitação, no sentido de garantir efetivamente uma postura de respeito e troca de vivências, no intervalo das quais, as informações técnicas possam ser transmitidas e elaboradas (Brasil, 2000, p.43).

O grupo de gestante na UBS teve um total de seis encontros, nos quais alguns temas foram abordados, como: alterações emocionais na gravidez, filhos mais velhos, questões conjugais, o desejo ou não de ter outros filhos. Nesses encontros, as integrantes do grupo falaram abertamente sobre suas expectativas, dúvidas, medos, certezas e incertezas, e juntas buscaram soluções para os problemas colocados. No entanto, devido ao fato das integrantes estarem no final da gestação, a adesão aos encontros foi diminuindo e o grupo teve que ser encerrado, com encaminhamento - realizado individualmente - para atendimento psicológico caso necessário no puerpério.

Dessa forma, entramos em contato com a temática da dinâmica de grupos na atenção básica e vivenciamos duas práticas grupais que tiveram direcionamentos distintos devido às especificidades de cada público-alvo. Assim, o trabalho com os grupos foi válido, apesar de ter durado pouco, porque corroboramos com o Ministério da Saúde quando afirma que a lógica básica de atenção à saúde é estruturada de forma a gerar novas práticas, "afinando a indissociabilidade entre os trabalhos clínicos e a promoção da saúde (Brasil, 2000, p.9).

Assim sendo, ao avaliarmos continuamente o contexto do serviço e as nossas possibilidades interventivas, outra ação proposta foi o desenvolvimento de plantão psicológico, o qual é considerado "uma modalidade clínica distinta da psicoterapia" e que tem como proposta "a escuta e intervenção psicológica com ênfase nas potencialidades humanas, nas autopercepções sobre uma situação-problema e no acolhimento à circunstância de crise" (Amorim, Andrade & Castelo Branco, 2015, p.142).

Por isso, o plantão psicológico pode situar-se "como uma proposta recente, que visa à promoção da saúde, evitando a cronicidade ou o aparecimento de transtornos mentais e, reduzindo, assim, sua incidência e prevalência" (Amorim et al., 2015, p.145). Dessa forma, possui um enfoque preventivo, visto que este é "baseado no acolhimento e na humanização do cuidado, [e que por isso] encontra consonância com os princípios doutrinários do SUS" (Amorim et al., 2015, p.145), visto que o plantão psicológico e a humanização em saúde visam a construção de laços com o usuário e na relação com este. Em vista disso, o plantão deve ser ofertado pelo(a) psicólogo(a), pois

[..] passa a estar comprometido com a escuta e sensível às demandas que chegam, mesmo que esse encontro seja único. Porém, vale ressaltar que essa proposta não se trata de uma psicoterapia alternativa e nem visa substituir a esta. Na verdade, o que tentamos defender é o plantão como uma prática da clínica contemporânea e que é possível ampliá-la para diversos campos da prática profissional (Rebouças & Dutra, 2010, pp.25-26).

Nesse sentido, constatamos que o plantão psicológico pode ser considerado uma importante estratégia na atenção básica, pois permite a integração "das dimensões subjetivas do usuário no processo de cuidado no âmbito da saúde coletiva, [a] ampliação do acesso à atenção psicológica, [e] a inserção da clínica psicológica na comunidade e a organização da demanda espontânea em saúde mental, contribuindo para um melhor acolhimento na porta de entrada dos serviços de saúde" (Amorim et al., 2015, p.150).

Assim, seguimos as orientações enfatizadas pelos autores citados anteriormente, quando falam sobre a importância da comunidade ser esclarecida pelo serviço de Psicologia sobre o que é o serviço de plantão, sua função, dias e horários disponíveis para o atendimento. Portanto, o fato de termos divulgado o serviço entre os profissionais da UBS, termos criado cartazes a fim de informar os dias e horários em que o plantão estaria funcionando, e termos posto a observação de que não havia necessidade de agendamento, fez com que duas pessoas - das sete atendidas - procurassem espontaneamente o plantão em um período de sete dias.

Diante do exposto, percebemos a carência de conhecimento daquele território acerca do fazer psicológico. Por isso, buscamos esclarecer algumas possibilidades interventivas da Psicologia em uma UBS, através de um trabalho educativo que foi intitulado de "O que a Psicologia faz na UBS?".

Este consistiu em cartazes colados na UBS, de modo que a equipe e a comunidade pudessem entrar facilmente em contato com eles. Nesses cartazes estavam presentes as seguintes informações: o que é um grupo; o que é triagem psicológica; o que é plantão psicológico; o que a Psicologia pode fazer na UBS; e qual é a rede de saúde mental articulada pelo psicólogo na UBS. Tais cartazes sintetizaram as diferentes informações veiculadas nos diversos encontros que realizamos com os profissionais e usuários do serviço no decorrer do ano letivo.

Adotamos esta prática por considerar que,

o trabalho educativo é importante componente da atenção à saúde, mas também não é fácil de ser dimensionado e avaliado. [Assim, este trabalho,] geralmente é menos valorizado que o trabalho clínico, talvez devido à dificuldade de mensuração de seus resultados sob uma perspectiva imediatista. No entanto, possui um potencial revolucionário, sendo capaz de, quando bem realizado, traduzir-se em resultados incomensuráveis para a promoção de uma vida saudável (Brasil, 2000, p.44).

Outro trabalho educativo realizado, se alinhando com a proposta da ESF, foi a campanha de prevenção ao suicídio, conhecida como "Setembro Amarelo". Nesta campanha, criamos cartazes informativos sobre o tema e outros que informavam a comunidade do que fazer em casos de ideação suicidas, os quais foram colados na UBS. Além disso, em colaboração às ACS, confeccionamos um painel com informes e mensagens de valorização à vida.

O trabalho de prevenção ao suicídio "[...] não deve se iniciar apenas nos centros com foco em saúde mental, mas deve ser observada em todos os âmbitos do sistema de saúde" (Associação Brasileira de Psiquiatria, 2014, p.46), por isso a importância de desenvolver trabalhos na atenção primária voltada à prevenção, tais como o desenvolvimento de programas educativos para a formação dos profissionais da saúde para a identificação e manejo dos casos, assim como o encaminhamento para a rede de saúde mental (ABP, 2014). Nesse sentido, a UBS funciona

como porta de entrada e contato preferencial do sujeito com o sistema de saúde, a Atenção Primária tem como objetivo realizar ações de promoção da saúde, prevenção de agravos e de prover cuidado, garantindo acesso, longitudinalidade, integralidade e coordenação da atenção a pessoas e famílias residentes em sua área de atuação (Secretaria Municipal de Saúde/RJ, 2016, p.16).

Sobre a identificação e possíveis intervenções, "[...] o acolhimento, o amparo, o respeito e o não julgamento são atitudes-chave para o manejo dessas situações. Verificar fatores de risco, de proteção, avaliar gravidade e mobilizar suporte psicossocial é indispensável para o encaminhamento das situações de crise psíquica que podem ameaçar a vida" (Secretaria Municipal de Saúde/RJ, 2016, p.16). Caso haja a confirmação do caso, algumas abordagens para prevenção e o acompanhamento deste usuário pode ser realizadas, tais quais: o projeto terapêutico singular (PTS), intervenção breve, visitas domiciliares, mobilização de familiares e pessoas próximas como forma de ativar o apoio psicossocial (Secretaria Municipal de Saúde/RJ, 2016).

Com isso, as estratégias desenvolvidas mostraram que, nessa UBS, o trabalho da Psicologia ainda dá pequenos passos para sair dos moldes tradicionais, visto as dificuldades encontradas no percurso. No entanto, foi possível propor trabalhos para impulsionar novas possibilidades de atuação, por corroborar com Silva e Alexandre (2019) quando afirmam que a atuação psicológica deve prezar pelas aproximação e corresponsabilidade da população a fim de ampliar a ação social de quem é de direito, fomentando as políticas públicas e o controle social, e não enfraquecendo a população, enfatizando ações individualizantes em detrimento ao coletivo, à cooperação e à solidariedade.

 

Considerações Finais

Foi nesse contexto que este trabalho se desenvolveu: em um ambiente que apresentava desafios a nível macro (políticos e econômicos) e micro, visto que era uma equipe funcionando em uma lógica multidisciplinar e não interdisciplinar; e com uma formação que tem como foco práticas tradicionais da Psicologia, sendo uma profissão que ainda busca consolidação de práticas e de espaço no contexto da atenção básica.

Um dos principais pontos de aprendizagem foi perceber que atuar no serviço público de saúde nos impõe alguns aspectos institucionais e burocráticos que inviabilizam a execução de novas propostas dentro de uma linha de trabalho tradicional e já consolidada no que tange à Psicologia. Entretanto, considerando tais questões e o contexto no qual a prática de estágio ocorreu, ponderamos que esta deveria ter como objetivos centrais propostas que visassem a promoção de saúde e a prevenção de doenças. Por isso, foi necessário propor algumas ações a fim de viabilizar o desenvolvimento do trabalho de forma a beneficiar a comunidade em que estávamos inseridas.

Foi com este pensamento que se propôs novas propostas de intervenção que se adequavam melhor ao contexto, e que funcionaram como dispositivos para a prevenção e a promoção de saúde da comunidade. Contudo, novos obstáculos foram colocados em evidência e, novamente, foi necessário tomar outros caminhos que não foram os previamente estabelecidos. Foi a partir disso que percebemos que nossa prática não deveria estar voltada apenas ao cuidado à comunidade, mas também à equipe. Assim, estávamos dentro de uma equipe adoecida - ou uma instituição adoecida? - que, possivelmente, do mesmo modo que estávamos nos frustrando na tentativa de inserir a Psicologia na atenção básica, a equipe também estava experimentando alguns desapontamentos. Infelizmente, não tivemos tempo suficiente para investigar esta hipótese e para promover ações que beneficiassem essa equipe, sendo necessário deixar esse desafio para próximos estagiários.

Apesar disso, esta experiência serviu para aprender que o processo de saúde é multifatorial e que as ações de prevenir adoecimento e de promover saúde não estão desarticuladas de um contexto que permita que isso seja realizado. Também serviu para exercitar a criatividade dentro de um ambiente em que a prática da Psicologia é muito nova e/ou separada dos pressupostos definidos pela ESF, sendo necessário ajustar práticas que há muito foram consolidadas, porém em outros contextos.

Por fim, houve a contribuição, principalmente, para a formação enquanto futuras profissionais de Psicologia, pois nos permitiu construir uma nova imagem do que é ser psicóloga - o que vai muito além do que é passado na academia. Ser psicóloga é escutar, é acolher, é cuidar, é ajudar, é articular, é investigar, é se afetar, é criar, é realizar, é hipotetizar, é tentar, é se frustrar, é tentar de novo e ser frustrado de novo, é estudar e educar, é teorizar, é praticar, é receber, é dar, é sentir e é viver. Enfim, ser psicóloga é ser desafiada a cada instante, mas é, principalmente, desafiar, seja conhecimentos, práticas, teorias, normas, padrões ou a si própria.

 

Referências

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Ana Clara Siena Alexandre: Graduanda em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina.
Ananda Kenney da Cunha Nascimento: Psicóloga. Doutora e Mestra em Psicologia Clínica pela Universidade Católica de Pernambuco. Professora Colaboradora da Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Psicologia e Psicanálise.
E-mail anandakcn@gmail.com
Sofia Lira Chiodi: Graduanda em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina.

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