Introdução
Os dias atuais apresentam um processo de transformação de tradições, valores e modos de organização da afetividade. Trata-se de um contexto social cada vez mais caracterizado por avanços tecnológicos e pelos imediatismos da comunicação e do consumo; é o tempo do novo e da velocidade, que pode trazer consigo certa plasticidade, efemeridade e liquidez (Bauman,2004) aos modos de se relacionar com o outro. Nesse cenário, a Psicologia tem se dedicado em compreender seus impactos na vida subjetiva e interpessoal, para os quais a noção de vínculo é de considerável importância. Este estudo, por sua vez, interessa-se pelo namoro e especificamente, a experiência do término do namoro.
Retomando o percurso histórico do namoro, Azevedo (1986) aponta que tal prática surgiu por volta da década de 20 e era caracterizada como uma relação anterior ao casamento, que precisava da autorização dos pais, e tinha que ser discreta e restrita aos espaços permitidos às moças solteiras, progredindo até a declaração de noivado, a partir do qual o rapaz recebia, do futuro sogro, a permissão para entrar na casa de sua pretendente.
Foi com o processo de urbanização das capitais brasileiras, que no século XX, surgiram novas possibilidades de espaços para homens e mulheres solteiros se entrecruzarem como: circos, teatros, cinemas, lojas e cafés. Azevedo (1986) observa que esses novos lugares de encontro entre jovens proporcionavam maiores oportunidades de aproximação, como o flirt, que correspondia às primeiras trocas de sinais afetivos, e que podiam ocorrer durante o footing, o ato de passear em grupo com a intenção de identificar e cruzar com possíveis pretendentes. A grande novidade do flirt, ou “paquera”, consistia na possibilidade de se flertar com mais de uma pessoa ao mesmo tempo, sem a necessidade de consentimento dos pais (Azevedo, 1986; Del Priore, 2006). Assim, a paquera surgiu como uma opção de relação mais flexível, oferecendo a oportunidade de conhecer e a liberdade de prosseguir (ou não) para o namoro. Ao passo que a paquera evoluísse a um namoro, o vínculo era selado pelo noivado e posteriormente com o casamento, que ainda tinha o caráter indissolúvel e ligado à moralidade religiosa e social.
Tal panorama reconfigurou-se em meados da década de sessenta com a propagação dos ideais feministas, a Revolução Sexual e a chegada da pílula anticoncepcional, que promoveram uma transformação libertária dos hábitos sexuais e no modo de pensar o sexo. Defendia-se a união livre, o livre-amor, o direito à dissolução do casamento e a liberdade sexual da mulher. A partir disso, começou a enfraquecer a crença na perpetuidade e da impossibilidade de ruptura de uma relação conjugal, e o namoro passou a ser uma fase de conhecer o parceiro, de se ligar a ele e de viver os prazeres de uma relação amorosa. Deste modo, ao longo do tempo o namoro pôde se apresentar como uma relação afetiva mantida entre duas pessoas que de fato queiram compartilhar experiências - uma forma de se pensar sobre os relacionamentos nos tempos modernos, que teve forte influência do romantismo literário, pautado nos ideais de amor e felicidade para a vida social, e ainda, na liberdade de escolha conjugal (Del Priore, 2006).
Mas, ainda que, o namoro ou casamento sejam envoltos de uma expectativa de duração e estabilidade, de acordo com Giddens (1991), há uma transformação no amor que foi ocorrendo de forma gradativa: o amor romântico, caracterizado pela sentimentalidade e eternidade de uma relação, passou a dar lugar ao amor confluente ou relacionamento puro, baseado, por sua vez, no interesse e na satisfação individuais, sem a preocupação principal de se encontrar o par ideal, trazendo mais liberdade tanto a quem já se encontra dentro de uma relação formal, como àquelas que se aventuram em outras possibilidades de envolvimento.
Segundo Giddens (1991) o amor confluente é a modalidade presente nas gerações mais recentes, é um modo de vinculação centrado na confiança, na intimidade, no compromisso, dando garantias de estabilidade do vínculo, porém colocando que este deve durar enquanto for satisfatório para as duas partes, não preservando o caráter romântico do parceiro idealizado com o qual se será feliz por toda a vida. Nesse modo de relacionamento há um maior equilíbrio entre os gêneros, é baseado no respeito mútuo, sem o objetivo de corresponder às normas sociais, mas sim à uma democratização das relações.
Deste modo, Scorsolini-Comin, Fontaine, Barroso e Santos (2016) colocam que na atualidade, a partir do final do século XX, passou-se a observar diversas nomeações para relacionamentos que vão para além do casamento e do namoro, como o “ficar”, o “pegar” e o “namorido”, que trazem uma conotação de relações mais passageiras, marcadas pela não necessidade de um maior compromisso. O namoro, por sua vez, é apontado pelos autores como uma forma de relacionamento caracterizado por um vínculo mais estável, com envolvimento afetivo dos parceiros e menor liberdade entre eles, devido às expectativas desse ser uma fase anterior ao casamento.
Ao olhar para as novas gerações, Justo (2005) observa que os adolescentes e jovens têm se encontrado no meio de uma tensão entre os antigos e os atuais modelos de amor, isto é, vivem o momento de transição e confronto entre os ideais do amor romântico e do amor confluente. Enquanto o primeiro transmite aos jovens a ideia de segurança e durabilidade, o segundo promete maior autonomia e rápida satisfação em suas relações. Porém, Féres Carneiro (2010) ressalta que apesar da emergência desses novos modelos de relacionamento é possível verificar ainda uma forte influência dos valores românticos que persistem enraizados no imaginário contemporâneo, o que faz com que possibilidades mais tradicionais de relacionamento, como o namoro e o casamento, não sejam anuladas pelos casais, mas apenas se rearranjem e ganhem estes novos aspectos.
Nesse contexto, as modalidades mais flexíveis de relacionamento acabam tornando-se espaços de experimentação afetiva para aqueles que desejam, depois, comprometer-se com uma relação mais romântica ou tradicional. Elas oferecem a oportunidade de descobrir e explorar a compatibilidade amorosa com o outro, de verificar se este é de fato capaz de lhe prover satisfação e de minimizar o risco de se “escolher errado”, a fim de evitar, ao máximo, a possibilidade de frustração amorosa (Féres-Carneiro & Ziviani, 2010). Frente a isso, a frustração, as negociações e as renúncias presentes em um vínculo amoroso, bem como a possibilidade da vivência da separação, trazem aos jovens a dúvida e o temor sobre os próprios investimentos, o que coloca o término do namoro como uma questão importante a ser debatida, objetivo do presente trabalho.
Porém, é importante destacar que esta pesquisa se trata de um estudo exploratório-descritivo sobre a experiência do término do namoro entre jovens universitários brasileiros, residentes em uma cidade do interior do estado de São Paulo, correspondendo às discussões sobre os modos de vida e de relacionamento que se configuram na sociedade ocidental, especificamente na sociedade brasileira, sob o recorte apontado acima.
Para a realização deste trabalho, a fundamentação teórica se deu a partir das discussões desenvolvidas por autores tanto brasileiros, quanto estrangeiros, que discutem os modos de vida da sociedade ocidental, trazendo reflexões sobre como estas reverberam nos vínculos amorosos. Para a discussão sobre os vínculos amorosos e a experiência de término recorremos às leituras do campo da Psicanálise Vincular, fundamentada em autores brasileiros, como também em trabalhos de autores franceses e argentinos. É importante destacar que nessas leituras consideramos os paralelismos culturais, mas os autores citados são referências teórico-conceituais importantes dentro deste campo de estudo.
O vínculo amoroso e o término na perspectiva da Psicanálise Vincular
Zanetti, Sei e Colavin (2013, p. 49) colocam que o vínculo tem início com uma construção intersubjetiva, envolvendo a reunião de três psiquismos: o do sujeito, o do outro e o da relação entre eles, “sem que nenhum deles possua privilégio sobre os demais” e onde cada Ego apresenta um papel importante. Todo vínculo impõe um trabalho psíquico de transformação dos sujeitos, impelindo-os a confrontar-se com a alteridade do parceiro num processo de constante conhecimento e adaptação perante as qualidades do outro.
Berenstein (2011) afirma que é justamente a alteridade que faz interligar, de maneira “invisível” e inconsciente, dois sujeitos num vínculo, a partir do qual cada um passa a ocupar lugar no psiquismo do outro, compartilhando uma superfície em comum, onde translações e transferências ocorrem entre os parceiros, um “entre nós”, através do qual o sujeito se apropria de algo do outro, assim como se depara, também, com aquilo que se é incapaz de incorporar.
Freud (1914/2004) descrevera que a libido objetal atinge sua fase mais elevada de desenvolvimento quando o sujeito se apaixona. Nos primeiros anos de vida a libido objetal é indistinguível de um outro tipo de energia, a libido do Ego, pois ambas, nesse período, são direcionadas para o próprio sujeito, consistindo numa fase de narcisismo primário. Com a superação deste momento narcísico, os alvos de investimento da libido objetal são, geralmente, as primeiras pessoas que forneceram amor e proteção de maneira contínua: as figuras parentais. Há, pois, certa oposição entre a libido que se direciona ao Ego e a libido que se direciona para o objeto: “um egoísmo forte constitui uma proteção contra o adoecer, mas, em último recurso, devemos começar a amar a fim de não adoecermos, e estamos destinados a cair doentes se […] formos incapazes de amar”. (Freud, 1914/2004, p. 101)
Trata-se, portanto, de uma proporção inversa entre as duas libidos. Se se investe muito no próprio Ego, acaba-se por investir pouco no objeto, e consequentemente fragiliza-se o estabelecimento de uma troca afetiva com o outro; por outro lado, a ausência de investimento egóico, característico da devoção pelo outro, também marginalizaria os próprios interesses de conservação do sujeito. Um estado de equilíbrio entre “amar e ser amado” tende a indicar para uma relação intersubjetiva saudável. Um vínculo requer, assim, não apenas que o sujeito considere o outro, mas, também, que ele se atente para si mesmo, um processo interminável, pois a alteridade sempre estará presente no vínculo.
Em 1905, Freud aponta sobre a importância da unificação dos investimentos num objeto externo, mas com a ressalva da necessidade de equilíbrio entre os investimentos objetais e os investimentos do ego. Freud (1914/2004) descreve que a libido objetal atinge sua fase mais elevada de desenvolvimento quando o sujeito se apaixona, mas aponta também sobre a necessidade de um equilíbrio entre os investimentos objetais e os investimentos do ego.
Zanetti, Sei e Colavin (2013) apontam que nem todo casal, contudo, consegue transpor o estado de paixão inicial para a situação de vínculo. Lins (2012) ressalta que, nesse momento, o sujeito deve superar o seu narcisismo para reconhecer na alteridade do outro alguém para se amar, concedendo parte de seus próprios desejos a fim de sustentar o vínculo, motivo pelo qual, segundo Rios (2008), o amor está também ligado ao sofrimento.
Ramos (2003) observa que a constituição de um vínculo exige tempo, paciência e maturidade, uma vez que envolve um processo gradativo de reconhecimento e aceitação da singularidade do outro, e por isso, na atualidade, pode parecer um sacrifício desnecessário ou demasiadamente penoso. Isso porque, as novas formas de comunicação, o surgimento de espaços virtuais de encontro, e a crescente presença de um mundo de consumo imediatista trouxeram grande influência às possibilidades de contato amoroso. Se o consumo, no século XXI, está cada vez mais associado à acelerada obsolescência de produtos e costumes, e à constante necessidade de satisfação imediata, encontra-se o seu paralelo nas configurações atuais de relações amorosas: após a satisfação inicial do indivíduo, o outro afetivo torna-se rapidamente obsoleto e faz-se então necessário buscar por novos parceiros com a mesma facilidade e imediaticidade do “aperto de um botão” (Bauman, 2004), o que pode representar um desafio para a criação de vínculos duradouros na contemporaneidade. Neste contexto, nota-se uma dificuldade de investir numa relação de compromisso, ligada ao medo do término e da separação.
Levy e Gomes (2011) ressaltam que, quando um relacionamento termina, há a sensação de frustração das expectativas, uma vez que, para que o vínculo seja estabelecido, o sujeito renuncia uma parcela de seu narcisismo em favor dos interesses do outro, com a esperança de que os benefícios provenientes da relação compensem os sacrifícios realizados.
O término de um relacionamento além de frustrante, pode ser também doloroso. A dor deste processo de desligamento do vínculo é considerada um trabalho psíquico de luto, que Freud (1917/2004), apresenta como uma forma de reação do sujeito frente à perda de uma pessoa amada. Trata-se de um processo natural a qualquer perda objetal, geralmente temporário, e que para ser superado, é necessário que se passe por um teste de realidade que reafirme a morte do objeto ao sujeito, para que a libido possa, então, ser redirecionada a outros objetos. Portanto, o luto em si não é uma condição patológica, mas sim um processo gradual e natural de desinvestimento do ser amado para que o Ego ferido se enriqueça, cuja duração e intensidade dependem do grau de importância que ele possuía para o sujeito.
Caruso (1986) acrescenta que o sentimento de desprazer quase que inerente à separação amorosa deve-se à sua similitude com o processo da morte, já que ainda que os ex-amantes estejam vivos, estes devem “morrer” na consciência um do outro. Desse modo, além de lidar com o próprio luto, o indivíduo deve aceitar que as recordações da relação não serão suficientes para aplacar sua morte na consciência do ex-parceiro. Esse processo de desidentificação não é rápido, mas pode contar com mecanismos de defesa próprios ao Ego para que ocorra de forma gradual e positiva (Caruso, 1986). Se o luto é vivido e elaborado, o término do namoro pode ser um momento de reflexão em que se pode reavaliar erros, acertos e atitudes durante a relação para com isso, fortalecer sua autoestima e trazer aprendizados futuros. (Almeida & Lima, 2016)
Considerando as discussões desenvolvidas acima, observamos que os jovens têm possuído cada vez mais liberdade em suas formas de relacionamento, e um maior acesso à possibilidade de romper suas relações, sendo os términos cada vez mais comuns e frequentes na atualidade. Por outro lado, nota-se nesse cenário as dificuldades de lidar com término e separações, o que nos levou a buscar refletir, a partir deste estudo, sobre como os jovens universitários entrevistados vivenciam a experiência do término do namoro e as ressonâncias desta separação em suas vidas.
Método
Trata-se de uma pesquisa transversal, exploratória descritiva, de abordagem qualitativa.
Participantes
Participaram deste estudo 6 jovens, 3 homens e 3 mulheres, de 18 a 21 anos, universitários, residentes em uma cidade do interior do estado de São Paulo, de variadas camadas sociais, que já tinham passado pela experiência do término do namoro. Não foi estabelecido critério de tempo ou momento em que o término do namoro ocorreu. A duração do relacionamento também não se apresentou como critério de inclusão ou exclusão no grupo pesquisado. O número de seis entrevistados se definiu por parte das pesquisadoras, considerando as repetições e regularidades dos discursos a partir da leitura do material coletado nas entrevistas. Segundo Minayo (2017, p.10) “uma amostra qualitativa ideal é a que reflete, em quantidade e intensidade, as múltiplas dimensões de determinado fenômeno e busca a qualidade das ações e das interações em todo o decorrer do processo”.
Instrumentos
O instrumento de coleta de dados utilizado foi a entrevista semi-dirigida. O roteiro das entrevistas foi elaborado contento perguntas sobre informações sociodemográficas, para caracterizar o grupo pesquisado, uma questão norteadora relacionada à experiência do término do namoro e outras questões visando o aprofundamento dos aspectos dos relatos e também a exploração das percepções, escolhas e significados atribuídos pelos jovens ao namoro e à experiência do término.
Procedimentos
O contato com os entrevistados se deu por meio de amostragem tipo “bola de neve”, a partir de indicação de terceiros. As entrevistas foram realizadas entre janeiro e julho de 2019 de modo presencial, estas foram agendadas previamente e tiveram duração média de uma hora e meia e foram gravadas e transcritas na íntegra. A gravação foi autorizada e o material utilizado apenas para atender aos objetivos deste estudo, resguardando a identidade dos participantes.
Análise dos dados
As entrevistas foram transcritas de forma integral e analisadas a partir da articulação dos dados obtidos a partir dos relatos dos entrevistados com os estudos baseados nos preceitos da Psicanálise, como também em discussões contemporâneas acerca do namoro e do término. A análise do material se baseou na proposta da Análise de Conteúdo Temática (Braun & Clarke, 2006). As entrevistas foram lidas e relidas em busca de levantar repetições, símbolos e códigos que pudessem ser articulados com a proposta da pesquisa. Os dados foram organizados em duas categorias de análise.
Resultados
Organizamos o material das entrevistas em duas categorias que serão apresentadas à seguir e, posteriormente, discutidas.
Os sentidos do namoro para os jovens universitários
Ao serem questionados sobre o que eles entendiam como namoro, os jovens universitários trouxeram o sentimento de amor, a exclusividade sexual, a confiança no parceiro, a reciprocidade afetiva e o compartilhamento de experiências como fatores principais:
Um relacionamento monogâmico com bastante envolvimento pessoal, tipo, se ver todo dia [ ]. [É necessário] reciprocidade, estabilidade, confiança e amor (Basílio)
eu acho que um namoro são duas pessoas que estão dispostas a dividir as coisas da vida, tanto as boas quanto as ruins” (Valéria).
Para os entrevistados, a configuração de um vínculo de namoro decorre do sentimento de paixão que os acomete, pelo desejo de estar exclusivamente com aquela pessoa, e pela procura de um refúgio diante de situações difíceis, além de ser “um momento de aprendizagem pessoal e que requer amadurecimento e tempo” (Roberta).
Os entrevistados apresentaram também em seus relatos dificuldades de manterem o vínculo de namoro, apontando sobre dificuldades de negociação com os parceiros sobre o que cada um queria fazer, tanto na relação, quanto no projetos da vida pessoal e das dificuldades de lidar com um parceiro “muito diferente de mim” (Basílio), sendo esta dificuldade de lidar com as diferenças com os parceiros um fator apresentado pelos seis entrevistados como algo que pode levar ao término.
Os entrevistados trouxeram também que apesar de se relacionarem por meio do namoro e terem uma compreensão dele como algo mais duradouro, esses tinham medo dele acabar, da separação, que consideravam uma experiência difícil, como se apresenta na fala de Roberta:
Eu acho que a gente tem muito medo de tudo o que é finito, né? […] se acabar um ‘rolo’ ou, sei lá, um ‘caso’ que você tenha, parece que isso vai te causar menos mal do que se você romper um namoro, sabe? […] Agora, quando [se] tem um namoro, parece que existe a ideia de que isso tem que durar mais tempo, daí, se isso não acontecer, eu sinto que a frustração vai ser muito maior (Roberta).
Nesse sentido, diante dos relatos dos entrevidados, pode-se verificar que o namoro apresenta-se para eles como um vínculo amoroso mais duradouro, de maior compromisso, em uma relação de troca e cuidado, configurando-se como uma vinculação segura e de acolhimento para os pares. Porém, observou-se que estes traziam em seus relatos dificuldades na manutenção desta vinculação e medos e expectativas com relação a um possível término.
O término do namoro: experiência de separação amorosa entre jovens
Ao perguntar aos jovens sobre o término e sobre como viveram a separação, estes colocaram como um momento doloroso onde muitas dificuldades são enfrentadas. Alexia apresentou uma reflexão:
O término de um namoro nunca vai ser fácil, porque é todo um fim de um plano, é todo um fim de uma mentalidade (...). Quando você se vê sem aquilo parece que tudo muda né, tudo realmente muda, porque você perde uma parte de você, mesmo que não seja assim de você, de você, você perde uma parte de tudo aquilo que você planejou, que você sonhou, que você desejou. (Alexia)
As falas de Roberta e Basílio apresentaram conteúdos relacionados tanto à liberdade sentida com o término, quanto à dor da separação e as dificuldades de continuar o seu percurso sem a parceria do namorado(a). Os participantes que optaram pelo término do namoro ora apresentaram um sentimento de liberdade em relação a escolha, ora uma angústia por estar longe do parceiro, que os levou a questionar a decisão tomada. Do outro lado, aqueles que foram deixados, demonstraram sentimentos variados, como angústia, esvaziamento, indiferença e alívio.
Roberta, Vladimir e Basílio apresentaram dificuldades em interromper o contato com os ex parceiros após o término do namoro. Uma outra situação apresentada pelos entrevistados foi a reflexão sobre a possibilidade de retomar o namoro. Valéria e Vladimir apresentaram dúvida com relação ao rompimento e Basílio tinha esperança em reatar o namoro, apresentando certa expectativa com relação a quando iria ocorrer a retomada da relação.
Além destes fatores, a relação com os grupos de amigos e família também apareceu nas entrevistas como algo que interferiu na elaboração da perda, tanto no sentido do apoio recebido, quanto como um fator estressante neste processo, como para Alexia, que sofreu ataques virtuais, e para Basílio que não recebeu apoio de seus amigos.
Os entrevistados, em sua maioria, apresentaram a busca por festas, a procura por outros parceiros e o “ficar” com várias pessoas como um modo de atenuar a angústia sentida com a separação. Vladimir, em seu relato, associou que a grande quantidade de beijos em festas representava uma tentativa de preencher o vazio deixado pelo rompimento, uma forma de elaborar a ausência do parceiro e de retomar a busca pelo próximo par amoroso ideal.
Porém, alguns entrevistados trouxeram outros caminhos delineados a partir do término amoroso, colocando que a falta de apoio em rede os levou ao isolamento e que vivenciaram dificuldades de retomar a própria rotina, perda de apetite, dificuldades de sono, e um sentimento de solidão que levou a reações mais graves frente à perda, como na atitude de Basílio que recorreu à automutilação como uma forma de lidar com o término:
Quando a gente terminou, de novo, eu chorava bastante, só que eu chorava direto, não era assim na hora de dormir, eu chorava direto e eu cheguei a me arranhar, eu me arranhava, porque doía muito e eu só queria que a dor física substituísse a dor emocional, então eu me arranhei de chegar quase a sangrar, e aí foram duas semanas direto disso e aí passou. (Basílio)
Discussão
Ao analisarmos os relatos das entrevistas destacamos alguns pontos importantes. Os entrevistados trouxeram uma compreensão sobre o namoro que se relaciona às exigências que o amor carrega, como a necessidade de se preocupar com o outro e de cuidado e apoio. Tal compreensão se articula ao que Lins (2012) discute sobre o estado intersubjetivo, onde se consegue superar o narcisismo e reconhecer no outro alguém para amar, diferente de si, e que exigirá constantes concessões de seus próprios desejos. Colavin, Sei e Zanetti (2013) colocam que este é um dos desafios nas experiências amorosas na atualidade, pois se de um lado o sujeito tem de colocar seu próprio narcisismo à prova para atender às necessidades do outro, por outro, ele se encontra em uma sociedade que valoriza demasiadamente a satisfação individual.
Observamos também que os jovens entrevistados trazem características do namoro ligadas tanto aos ideiais românticos, como ao amor confluente (Guiddens, 1991), apresentando uma coexistência desses dois modelos,pois mesmo buscando o estabelecimento de relações mais democráticas e uma vinculação pautada no desejo entre os parceiros, estes ainda são atravessados pelos ideais românticos e pela necessidade de responder às expectativas sociais. O namoro é colocado como um “status” de relacionamento marcado pelo maior comprometimento com o outro e pela busca de uma maior segurança, o que confere a ele o sentido de refúgio e proteção e que possibilita aplacar a solidão que os jovens entrevistados relataram sentir em suas vidas.
Porém, mesmo nesse sentido de refúgio, os entrevistados apresentaram dificuldades para manter os vínculos de namoro, principalmente pelos desafios de construção de um acordo comum entre os parceiros, e de tolerar as diferenças e frustrações inerentes à relação. Diante disso, o imperativo de se obter satisfação constante e a busca pelo parceiro ideal, se apresentaram como dados relevantes nas entrevistas realizadas, e colaboraram com a percepção destes jovens de que a ruptura poderia ser o caminho “mais prático” para sanarem suas dificuldades. Por outro lado, uma vez que o término do namoro ocorre e deseja-se uma nova parceria, há novamente a busca por um parceiro que atenda à todas as exigências e expectativas, na ilusão de que não serão expostos aos entraves de uma relação amorosa novamente.
Notamos no relato dos entrevistados, que a lógica do narcisismo como sintoma social que permeia a sociedade na atualidade (Birman, 2019) atravessa os vínculos de namoro trazendo consequências negativas para a relação, como as rupturas frequentes em decorrência das dificuldades enfrentadas nas experiências amorosas. Nesse caminho, observou-se também a vinculação construída pelos entrevistados entre o namoro e o sofrimento, e a presença de sentimentos de medo e insegurança com relação à manutenção do namoro.
Rios (2008) pontua que o namoro é uma relação amorosa intrinsicamente ligada ao sofrimento, e partindo disto, observa-se, como se apresentou na fala de Roberta, uma dificuldade e até mesmo uma certa resistência em nomear o relacionamento como “namoro”, justamente pelo medo do comprometimento que essa denominação pressupõe, e do sofrimento que pode causar se não for bem-sucedido. Tal análise corrobora com as discussões sobre os vínculos amorosos na atualidade, em que o namoro tem uma conotação de relacionamento comprometido cuja meta é o sucesso de caminhar para etapas posteriores, como o casamento, e que quando não é “bem-sucedido”, traz o sentimento de frustração, impotência e de fracasso para os jovens.
Nesse sentido, diante dos relatos dos entrevidados, pudemos verificar que o namoro apresenta-se como um vínculo amoroso considerado de maior compromisso, uma relação mais madura, marcada pelo cuidado, troca e construção de um lugar de segurança e acolhimento. Por outro lado, apresenta-se como uma vinculação difícil de ser mantida na atualidade, uma vez que os acordos e exigências de negociação os colocam diante da necessidade de renúncia, base das experiências vinculares (Berenstein, 2011), que são vividas com dificuldades pelos sujeitos na contemporaneidade que querem gozar e não renunciar, pois são atravessados pelos imperativo narcísicos, ligado ao investimento em si mesmo e na própria satisfação e que consequentemente reverberam em experiências vinculares rápidas e fugazes.
Ao analisarmos as respostas trazidas sobre o término do namoro pudemos compreender a partir do que Berenstein (2011) postulou sobre a situação do “entre nós” de um vínculo, que quando umas das entrevistadas coloca que o término é “perder uma parte de você” diz respeito ao processo de luto que envolve a ruptura de um vínculo amoroso, uma vez que o sujeito tenta retirar sua energia psíquica deste espaço compartilhado para se recompor enquanto uma pessoa só, o que pode transmitir a sensação de estar deixando uma parte de si mesmo para trás.
Diante disso, Caruso (1986) comenta que essa desidentificação com o objeto perdido leva tempo e pode trazer sofrimento ao indivíduo, o que leva o Ego a adotar alguns mecanismos de defesa para se proteger e contribuir com a elaboração do luto, que em certo momento chegará ao fim e permitirá que o sujeito se torne independente de novo. Lins (2006) coloca que o término traz o fim abrupto da condição especial de ser amado, que desfaz as fantasias a respeito da durabilidade da relação e provoca a sensação de abandono e de perda de apoio e segurança.
Sobre a busca de novos parceiros ou da expectativa de retomar a relação, Almeida e Lima (2016) apontam que esta é uma dificuldade comum ao processo de luto. Assim, por sentirem que seria pior encarar o luto por conta própria, os entrevistados se tornaram dependentes da presença do parceiro no processo de luto e postergaram o teste de realidade (Freud,1917/2004), que os ajudaria assimilar a perda do objeto amoroso em suas vidas.
Isso acontece, segundo Caruso (1986), porque o processo de desidentificação, que ocorre após a perda do objeto amoroso, é o que permite gradualmente que o indivíduo se sinta independente do outro, sendo natural que os jovens repensem a relação e sintam-se confusos durante este período, pois a separação dos Egos, que estavam antes vinculados, não pode ocorrer automaticamente.
Outra questão que se apresentou relevante na análise das entrevistas foi o apoio da rede vincular na qual o sujeito está inserido, que se configura como de grande importância nas experiências de crise (Bengohzi, 2005). No término do namoro, os jovens requerem a essa rede o apoio e o suporte para a elaboração desta experiência. Quando essa rede falha, o sujeito sente-se fragilizado e desamparado frente ao que vivencia, buscando outros modos de lidar com a separação. A tentativa de reatar o namoro e a busca de informações sobre o parceiro também podem ser consideradas como dificuldades de elaboração dessa experiência, uma vez que se sentem desprotegidos e inseguros com a perda da parceria amorosa.
Os amigos e familiares são importantes figuras de apoio, pois ajudam a atenuar o sentimento de solidão e oferecem mais uma fonte de satisfação ao sujeito em sofrimento. Almeida e Lima (2016) pontuam que a atitude de vivenciar momentos prazerosos com amigos e familiares ajuda a enxergar que é possível ser feliz de novo sem a presença do ex-parceiro. Além disso, a rede de apoio pode oferecer conselhos sobre a separação amorosa e preencher o tempo do indivíduo, sendo de grande importância o convívio com essas pessoas e a busca por fazer novos amigos.
Alguns relatos apresentaram a questão da idealização da busca pelo parceiro amoroso, junto a um movimento dos jovens em torno do sentimento de satisfação absoluta que um vínculo amoroso pode trazer. Essa idealização e a ilusão de satisfação absoluta, sustentada pelos ideais narcísicos que permeiam a sociedade contemporânea, estão ligadas tanto às dificuldades dos jovens de vivenciarem a ruptura de um relacionamento amoroso, quanto de o manterem, pois, a base de um vínculo amoroso se dá por um pacto baseado em uma renúncia, uma troca, “um toma lá, dá cá”, que permite a constituição desse “entre nós” (Berenstein, 2011), base de um vínculo amoroso.
Quando o jovem espera do outro a plena satisfação, dificuldades de renúncia e negociação se apresentam, e como colocado anteriormente, diante desses desafios a ruptura tem sido o caminho tomado por eles, mantendo-se na ilusão de que encontrarão um parceiro que corresponda aos seus desejos, e que os trarão a completa satisfação. Essa dinâmica se reproduz em um ciclo entre enlaces e rupturas que obedecem à fugacidade dos vínculos amorosos na atualidade.
O sofrimento de Basílio, assim como de outros entrevistados, apresenta a fragilidade dos jovens diante das rupturas vinculares e a necessidade do apoio da rede vincular no enfrentamento das situações vivenciadas. Além disso, pode-se observar e ressaltar que o sofrimento subsequente ao término do namoro pode ser tão grande ao ponto de se procurar pela dor física para suprimi-lo, apresentando questões importantes a serem debatidas: como a fragilidade das formações simbólicas e dos vínculos na atualidade, colocando o sujeito diante de um sentimento de desamparo e de solidão frente às experiências da vida.
Bustos (2003) aponta que também é frequente o uso de álcool e tabaco para atenuar o sofrimento, tentativas frustradas de alcançar um prazer solitário e garantir que o problema termine. Essa busca, tanto no registro do corpo com a automutilação, quanto no registro da ação do uso do álcool e tabaco, traz o sentido da busca de um prazer que aplaque a dor sentida, e o desamparo a que estes jovens estão submetidos, levando a considerar que existem diversas maneiras de se reagir frente ao rompimento amoroso e que a angústia inerente a este processo não pode ser banalizada, ainda mais quando se trata de jovens.
Esses comportamentos apresentados pelos entrevistados podem ser articulados aos sentidos de segurança, refúgio e amparo que estes trouxeram quando perguntados sobre o namoro, sendo que a ruptura desse vínculo os leva a perda desse sentido de segurança e amparo, e o jovem fragilizado, envolto pelos ideais sociais de satisfação imediata, de intolerância à frustração, se vê compelido a recorrer às vias nocivas à própria saúde para tentar colocar um fim ao sofrimento, sem se dar conta dos riscos que envolvem tal atitude. Nesse sentido, a separação do objeto amoroso os remonta à insegurança, ao desamparo e à solidão e apontam para questões que permeiam os processos de elaboração do luto do vínculo amoroso, o que leva alguns jovens a buscarem nos ataques ao próprio corpo e à saúde, formas de amenizar a dor emocional que vivenciam.
Considerações Finais
A partir da realização deste estudo pode-se perceber que o término do namoro abre espaço para novas possibilidades de vida e traz aprendizados importantes ao sujeito. Porém, é importante que o processo de luto seja vivenciado e elaborado. Observou-se também que as discussões sobre as fragilidades vinculares e a perda dos referenciais simbólicos e suas ressonâncias nos vínculos amorosos coadunam com os relatos dos jovens entrevistados sobre suas experiências diante do rompimento do namoro, uma vez que estes se deparam com o desamparo e a solidão, vivenciando esse processo com dificuldades de separação e elaboração, recorrendo, algumas vezes, à automutilação, ao uso de álcool e drogas em busca de uma forma de amenizar a dor emocional que vivenciam diante da experiência de separação.
Desta forma, consideramos que a ruptura de um vínculo amoroso não se dá somente enquanto um fenômeno psíquico, pois o meio social também a atravessa, trazendo ressonâncias dos modos de vida que se configuram na sociedade, nos processos de subjetivação e na configuração dos vínculos. Neste contexto, a rede vincular em que o sujeito está inserido apresenta grande importância no apoio para o processo de vivência do luto e elaboração dessa ruptura amorosa. Sendo assim, quanto mais positivos forem esses fatores para o enlutado, mais fácil será o reconhecimento de que se pode recomeçar.
Ressalta-se que este estudo apresenta limitações, e que optamos por explorer as vivências de namoro e término de seis jovens universitários brasileiros, residentes no estado de São Paulo, em uma situação social e cultural específica. Porém, os resultados desta pesquisa exploratória abrem espaço para novas reflexões e se desdobram em importantes questões a serem debatidas como: as fragilidades nos processos de subjetivação na cultura contemporânea e o desamparo e a solidão dos jovens frente a perda dos referenciais simbólicos.