Introdução
A pandemia de covid-19 desafiou parte da humanidade a se adaptar ao isolamento social. A Recomendação nº 36 do Conselho Nacional de Saúde (2020) defendia o distanciamento para conter o contágio e as mortes provocadas pela doença pautada nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde [OMS]. Entretanto, a crise sanitária no Brasil se agravou ainda mais com a necropolítica e o negacionismo científico do Estado, que intensificaram a desigualdade social.
Algumas profissões, consideradas essenciais, foram impedidas de exercerem o direito ao isolamento físico, como os profissionais de saúde e da construção civil, limpeza e outros. Neste contexto, esses trabalhadores perceberam que esta consideração pouco resultou no plano do reconhecimento financeiro, pois apesar de uma bonificação simbólica, eles sofriam com o sucateamento dos recursos para suas áreas de atuação, agravado a partir das eleições de 2018.
Weiller (2019) publicou um artigo no qual os autores sinalizam a estratégia de privatização como prioridade das políticas de saúde do governo bolsonarista, exemplificando com a destinação de verba pública da saúde mental às comunidades terapêuticas. Apesar do título, estas são, na verdade, instituições particulares de cunho religioso que oferecem internação a casos de dependência química, funcionando na contramão da desinstitucionalização do cuidado, preconizada pela Política Nacional de Saúde Mental do SUS (Sistema Único de Saúde desde o ano 2001).
Uma notícia veiculada pelo Jornal Nacional (2021), em meio à calamidade pública, anunciou que havia ocorrido um corte orçamentário no Ministério da Saúde de mais de R$2 bilhões. Foram prejudicadas as ações de enfrentamento à pandemia e o projeto de custeio para assistência hospitalar e ambulatorial.
O descaso com a vida da população brasileira, especialmente com as camadas mais pobres, tornou-se evidente, sobretudo com as quatro trocas de ministros da saúde durante o ápice pandêmico e a recusa para agilização no processo de compra de vacinas, o que poderia ter evitado as inúmeras mortes por covid-19 no país. Diante deste cenário nacional de necropolítica, observou-se um grande aumento de sofrimento psíquico entre a maioria dos cidadãos.
Uma pesquisa do Fundo das Nações Unidas [UNICEF] e do Instituto Gallup sobre a piora na saúde mental de crianças e adolescentes no contexto pandêmico, publicada na Revista Veja (Schiavon, 2021), apontou que 22% dos adolescentes e jovens brasileiros, de 15 a 24 anos, se sentiam deprimidos ou tinham pouco interesse em fazer qualquer tipo de atividade. Além disso, a instituição afirmou que aumentavam os casos de transtornos mentais nesse período, e as sequelas nesses grupos poderiam reverberar por muitos anos.
A restrição ao ambiente doméstico, a impossibilidade de encontro com os pares, o excesso da convivência domiciliar, a ausência de privacidade e o impacto econômico para maioria das famílias brasileiras significou uma interrupção no processo de subjetivação para grande parte dos adolescentes impedidos de ocupar os espaços públicos (Miliauskas & Faus, 2020).
Estes adolescentes têm frequentado os espaços dos serviços substitutivos de saúde mental, como os Centros de Atenção Psicossociais [CAPS]. Os CAPS oferecem acompanhamento, prioritariamente, por meio de ações coletivas e convivência social. Lykouropoulos e Péchy (2016, p. 97) explicam: "O que queremos dizer é que, mesmo nas atividades internas no CAPSi 1, a lógica da convivência e da experimentação de diferentes relações no coletivo tem de ser uma das tônicas do cuidado." Estas atividades essenciais para o acolhimento dos adolescentes em sofrimento agudo depararam-se com a interrupção dos atendimentos grupais presenciais.
Nestas circunstâncias, a coletividade como estratégia terapêutica do CAPS teve que ser repensada. A função desses equipamentos havia sido colocada em xeque diante do ineditismo da catástrofe humanitária vivenciada. Os trabalhadores precisaram correr contra o tempo e se reinventar para garantir acesso e, ao mesmo tempo, não perder de vista a manutenção dos vínculos estabelecidos em contexto grupal entre os pacientes. Uma das estratégias foi oferecer acolhimento em grupos online.
O objetivo deste artigo é o de apresentar a experiência com grupos de adolescentes e a contribuição das narrativas oníricas no processo associativo e elaborativo grupal. Neste sentido, expomos a especificidade do que aconteceu na equipe de um CAPSij2 que teve a iniciativa de utilizar recursos tecnológicos, tais como: aparelho telefônico celular com plano de internet e webcam pagos pela própria equipe, permitindo a realização de videochamadas pelo computador. Essa iniciativa se configurou como uma das estratégias para manter, ainda que de modo remoto, os acompanhamentos de parcela da população atendida, visto que nem sempre as famílias possuíam condições socioeconômicas que permitissem o acesso à Internet.
Para atingir este objetivo, vamos abordar como funcionavam os grupos antes e durante as diretrizes de isolamento físico em decorrência da pandemia. Em um segundo momento, apresentaremos o método de trabalho com grupos de adolescentes no CAPSij e a produção do diário clínico. Em um terceiro momento, nós destacamos a prioridade dada para as narrativas oníricas e discorreremos sobre as transformações na teoria dos sonhos em psicanálise e o surgimento da proposta de partilha de sonhos em grupo. Desta experiência, nós destacamos cinco vinhetas de grupo contendo sonhos e os processos associativos grupais analisados por meio da abordagem psicanalítica.
Os grupos de adolescentes antes e durante a pandemia e a emergência das narrativas oníricas
A oferta de um cuidado em saúde mental para adolescentes em grupo, antes da pandemia, pretendia promover um espaço potencial entre os participantes, possibilitando a esses entrar em contato com a realidade gradualmente, por meio da ampliação da inserção no laço social e da elaboração dos lutos infantis. O que parece em consonância com a hipótese referente às tribos juvenis, sustentada por Coutinho (2009, p.236): "supomos que os ideais da tribo podem atuar como referências fundamentais, transicionais, para os sujeitos que deles se apropriarem, fazendo uso deles de forma singular (…)".
Os atendimentos grupais no CAPSij, antes da covid-19, ocorriam presencialmente, uma vez por semana, com duração de 1 hora e 15 minutos, sendo coordenados por duas psicólogas (uma delas, a primeira autora deste artigo). A inserção dos participantes acontecia a partir de avaliação dos casos, quando verificada a demanda para tratamento grupal.
Após o isolamento físico imposto pelas normas sanitárias para a proteção da população frente a proliferação do vírus covid-19, a realização de grupos online de adolescentes visava, também, propiciar escuta e acolhimento dos efeitos subjetivos da nova realidade imposta para a saúde mental dos participantes.
Para viabilizar as videochamadas em grupo, os responsáveis pelos adolescentes preencheram uma autorização pelo Google Forms para garantir a presença dos participantes nos atendimentos online. Em seguida, os telefones de cada adolescente foram adicionados ao Whatsapp institucional do CAPSij. Depois criou-se grupos neste mesmo Whatsapp com os respectivos contatos dos integrantes. Manteve-se a duração e a frequência grupal anterior à pandemia.
Porém, no contexto pandêmico, enviamos um link do Google Meet, semanalmente, no dia e horário combinado do atendimento, para que as e os adolescentes acessassem os grupos de Whatsapp criados. Isso ocorria porque não conseguimos fixar um link, já que utilizamos a versão gratuita da plataforma para chamadas de vídeo. Em relação à manutenção do sigilo no enquadre à distância, os participantes foram orientados a manterem as câmeras ligadas durante os atendimentos e a permanecerem em cômodos de maior privacidade de suas casas.
Os teleatendimentos grupais buscavam ainda favorecer a elaboração do luto coletivo, tanto pela perda de modos de vida anteriores à pandemia quanto pelas mortes causadas pela doença. Ademais, os grupos poderiam contribuir para o fortalecimento dos adolescentes frente às mudanças em seus cotidianos que ocorreram durante a catástrofe sociopolítica vivenciada pela população.
Em grupos de adolescentes, que já aconteciam presencialmente antes do início do contexto pandêmico, observou-se grande adesão à modalidade virtual e um fortalecimento da grupalidade prévia. Notou-se, inclusive, a troca de mensagens entre as e os adolescentes pelo Whatsapp fora do horário de funcionamento do CAPSij em mais de uma ocasião.
Os conteúdos dessas conversas incluíam justificativas pela ausência no grupo online, desabafos referentes a desilusões amorosas, partilha de desenhos produzidos durante os atendimentos e oferta de apoio quando alguém apresentava uma intensificação do sofrimento psíquico. O que parecia dar notícia da ampliação da vinculação entre pacientes, que sustentavam o acolhimento e escuta de si próprios, para além do dispositivo online semanal coordenado pelas profissionais.
Além disso, foi oferecida a possibilidade de encontros presenciais, com número reduzido de participantes, e de consultas individuais – no caso de as intervenções grupais remotas mostrarem-se insuficientes. Dessa forma, trabalhadores e pacientes se mantiveram conectados semanalmente enquanto tentavam elaborar subjetivamente o trauma coletivo de uma pandemia sem precedentes do ponto de vista de sua capacidade de contaminação. Cabe ressaltar que durante os atendimentos, a partilha de narrativas oníricas foi espontânea e despertou o nosso interesse em pesquisar sobre os sonhos de adolescentes. Concomitante a isso, já era possível perceber que uma das estratégias para a compreensão da calamidade pública sofrida, no Brasil, foi o crescimento das pesquisas e intervenções grupais de abordagem psicanalítica que tinham como objeto os sonhos.
A teoria dos sonhos em psicanálise
Em A Interpretação dos Sonhos, Freud (1900/2017) sustenta que os sonhos seriam a via régia de acesso ao inconsciente. Nesse momento da obra freudiana, a instância do inconsciente estaria submetida somente ao princípio do prazer, o que faria com que o sujeito buscasse por satisfação e evitasse a frustração. Por isso, inicialmente, a teoria psicanalítica sustentou a tese de que o material onírico seria guardião do sono e estaria à serviço da realização de desejos inconscientes.
Porém, como descrito anteriormente, após 1920, com o estudo dos sonhos traumáticos, Freud (1920/2010) se debruça sobre a potencialidade onírica de elaboração psíquica sobre o traumático. Em relação ao funcionamento onírico elaborativo, Imbrizi (2019, p.38) afirma:
O processo de elaboração psíquica inerente ao pensamento do sonho é importantíssimo, como também as experiências que contribuem para construção de conteúdos latentes e manifestos. O pensamento sonho incorpora componentes do aparelho perceptivo do sujeito que passam por transformações até chegarem ao conteúdo manifesto do sonho, reduzido e sintético. Esses mecanismos não são atividades especiais de uma máquina de produzir sonhos, mas são inerentes ao funcionamento do pensamento inconsciente.
O conteúdo manifesto seria o resultado da relação de compromisso entre a censura e o desejo. Este acessado indiretamente por meio de palavras, imagens e sentidos produzidos em associação livre, entre analisante e analista, durante a análise.
Estudos psicanalíticos contemporâneos estariam retomando a função traumatolítica do sonho, indicada anteriormente por Ferenczi (1934/2011) e por Freud (1920/2010), em que o trauma sendo impossibilitado de ser recalcado seria, antes, repetido. Essas pesquisas se referem à função onírica de elaboração psíquica do traumático pelo sujeito, que, mesmo acordando angustiado por se deparar com uma cena de horror da morte, poderia se deslocar de uma posição assujeitada para uma mais ativa diante dos restos diurnos que lhe assombram. O que poderia, inclusive, reverberar em outras experiências traumáticas ao longo da vida. O que interessa a Ferenczi (1934/2011) é a forma como as violências cotidianas atravessam e modificam o trabalho do sonho: a deformação dos sonhos consequente da transformação do conteúdo latente em conteúdo manifesto é substituída por uma literalidade do conteúdo que revela a invasão dos vestígios do dia no material onírico. É a repetição dos gestos, afetos, impressões e imagens da cena de horror que desencadeia o trauma, figurada em impressões e imagens no sonho, que interessa ao psicanalista húngaro. Portanto, trata-se de uma experiência onírica que tenta figurar o horror e visa elaborar impressões sensíveis traumáticas que se situam em espaços psíquicos anteriores à possibilidade de representação (Gondar, 2017; Laffite, Aparecida, Yacosa & Castanho, 2022)
A obra Sonhos no Terceiro Reich (Beradt, 2017), apresentou diversos sonhos coletados a partir dos relatos de cidadãos alemães durante a ascensão do nazismo. Dentre as temáticas oníricas apresentadas, verificouse a prevalência de temas relacionados ao autoritarismo, à perda da privacidade e ao desamparo diante do trauma coletivo3.
Há também a possibilidade de pensar a narrativa onírica como testemunho de um determinado momento histórico. No nosso caso, testemunhos de adolescentes em sofrimento psíquico agravados pelo início de uma pandemia e atendidos pelo CAPSij. Os sonhos produzidos durante o sono, para além do imaginário e ilógico, funcionariam como um sismógrafo da época dos sonhantes, "revelando as passagens entre as dimensões intrapsíquica, intersubjetiva e social" (Pereira & Coelho Jr, 2021, p. 15) e com uma literalidade cortante com vistas a apresentar imagens.
O artigo "Sonhos de jovens lançados como garrafas ao mar durante a pandemia: para acordar a alteridade que nos habita", de Gueller e Jerusalinsky (2021), destacou a questão do prejuízo ao laço social, dificultando o processo de transição adolescente, devido ao isolamento físico como medida sanitária para prevenção do covid-19 no início da pandemia. Neste sentido, apresentam narrativas oníricas que expressam o desejo de estarem com seus pares.
Algo parecido foi encontrado no estudo de Morgenstern (2021). A produção onírica pareceu corresponder a uma estratégia de elaboração de situações traumáticas, funcionando como via de acesso entre o mundo interno dos sonhantes e a realidade externa. Desse modo, a autora constatou que nem só de medo e violência se ocuparam os sonhos juvenis pandêmicos: "(…) Ouvimos relatos de sonhos em que aparecem desejos de volta à escola, de reencontro com amigos e familiares, de viagens, de festas, enfim, sonhos esperançosos e desejosos de vida" (p. 291).
Além das pesquisas que utilizavam formulários de coleta de sonhos, houve também propostas de dispositivos grupais em psicanálise. Entre elas podemos citar a Roda de Conversa sobre Sonhos, oferecida a jovens universitários da Unifesp como parte das ações desenvolvidas pelo Projeto de Extensão Arte e Sonho: abordagem psicanalítica nos modos de cuidar das Juventudes (Imbrizi, 2020). Sua hipótese é de que a oferta de um espaço grupal de acolhimento, aos traumas e angústias dos universitários, poderia facilitar o enfrentamento e a superação das constantes violações de direitos e desejos aos quais estão expostos em momentos de catástrofe humanitária.
Os objetivos da Roda são os de coletar sonhos, propiciar um espaço de cuidado através das trocas de experiências e favorecer a circulação da lógica inconsciente pela livre associação dos participantes. Trata-se do exercício de uma psicanálise implicada com seu tempo, na qual o enfoque do material onírico compartilhado está em como a cultura contemporânea atravessa a subjetividade dos participantes.
A roda de sonhos foi inspirada em René Kaës (2004), o psicanalista que discute a relação entre os sonhos e os grupos. Para ele, os grupos, assim como sonhos, poderiam ser considerados como realizadores de desejos inconscientes. Ele, porém, ainda salienta que as investigações no campo onírico se ampliaram para questões concernentes à formação do sonho e suas funções em espaços comuns e compartilhados. O comum e o compartilhado em sua teoria são descritos como um aparelho psíquico grupal responsável por "construir, conter e transformar a realidade psíquica do grupo e apoiar a construção de aparelhos psíquicos singulares" (p.61).
O grupalista ainda afirma que os relatos oníricos em situações psicanalíticas grupais seriam uma fonte de grande investimento coletivo. A atividade onírica é altamente apreciada como mediadora nas relações grupais, pois o relato do sonho oferecido à escuta dos coordenadores e outros participantes do grupo poderia ser um grande indício de partilha de imaginários e de movimentos transferenciais produzidos com a circulação da palavra.
O sonhante estaria representando, em palavras, questões grupais não abordadas até então e contribuindo para capacidade elaborativa do grupo. Ao relatar seu sonho em grupo, o participante pode ocupar a função de porta-sonhos, pois sua narrativa onírica propicia a simbolização e apresentação de afetos e conflitos que não encontraram meio de expressão grupal até então. Sua função intermediária se daria pelo ponto de encontro entre quatro espaços: o seu próprio, o da fantasia compartilhada, o do discurso associativo e o da estrutura intersubjetiva, como demonstram as transferências (Kaës, 2004).
Em "Sonhar Grupal: uma proposta para trabalho com sonhos em grupo", Castanho et al. (2022) apresentam um dispositivo criado por um grupo de pesquisa brasileiro que se utiliza do relato onírico dos participantes como objeto mediador em uma proposta grupal centrada em uma tarefa. Nesta proposta, todos os participantes foram convidados a compartilhar os sonhos. Em um encontro, mais de um conteúdo onírico era analisado pelo grupo. O desenvolvimento do Sonhar Grupal ocorreu no início da pandemia em 2020 como oferta de cuidado aos membros da comunidade USP realizada por psicólogos voluntários. Em publicação mais recente, Emílio et al (2022) afirmam que há uma dificuldade de representação dentro da presentificação traumática e que, muitas vezes, trata-se de buscar, no espaço grupal, a emergência e a multiplicação das imagens.
Nessa experiência, a dificuldade de simbolização provocada pelo trauma coletivo pandêmico pode ser enfrentada pelo estímulo ao processo associativo através do relato onírico como objeto mediador. Desse modo, foi comum entre os participantes, a lembrança de fragmentos ou sonhos inteiros ao escutarem os relatos nos grupos, além de notarem um aumento da atividade onírica após iniciarem no grupo. As produções culturais, como trechos de música e cenas de filmes, por sua vez, compareceram como parte fundamental das associações grupais, possibilitando a conexão entre os sonhos relatados e as situações vivenciadas.
Estas diversas experiências de pesquisas e intervenções inspiraram a nossa proposta de grupo de acolhimento e cuidado ofertado para adolescentes no CAPSij. No caso, nós também utilizamos a partilha de narrativas oníricas e produções culturais como facilitadores do processo associativo dos participantes, cuja maioria apresenta dificuldades em expressar com palavras, o sofrimento psíquico e as diversas marginalizações vivenciadas.
Método
O trabalho no grupo com adolescentes
Os grupos foram coordenados por duas profissionais do CAPSij. Uma dessas profissionais é a primeira autora deste artigo, cuja experiência, no SUS, desde 2009 é a de coordenar grupos de adolescentes.
Os adolescentes que participam dos grupos do CAPSij estão na faixa entre 14 e 18 anos e apresentam sofrimento psíquico grave e/ou persistente. Eles vivem em situação de vulnerabilidade social, experienciando diversas situações de violência, estigma e exclusão. A escuta grupal apresentou grande potencialidade para o fortalecimento coletivo dos participantes diante das adversidades da vida, proporcionando o estabelecimento de novos vínculos e ampliando, para cada um, as possibilidades de ser e estar no mundo.
Os grupos têm como mediador as narrativas oníricas e/ou objetos artístico-culturais do interesse dos participantes. Esses grupos se baseiam no dispositivo clínico intitulado grupo operativo que foi desenvolvido por Pichon-Rivière (2009). Tratou-se de uma técnica grupal centrada na tarefa coletiva de partilhar experiências, sonhos e/ou produções artístico-culturais para dialogar e refletir sobre as angústias e os desejos de adolescentes em tempos pandêmicos.
Neste sentido, concebeu-se os atendimentos grupais de adolescentes a partir dos fundamentos psicanalíticos, como espaços de fala e construção de novos sentidos, sustentados pela transferência e pelas identificações horizontais e verticais, entre os que dele fazem parte. Assim, o manejo da transferência pretendeu que as questões emergentes no grupo não fossem enrijecidas a partir de um saber prévio, mas que pudessem ser repensadas, revistas e, muitas vezes, respondidas pelos próprios grupos através de um saber coletivo construído ao longo do trabalho (Coutinho & Rocha, 2007)
Diário clínico das narrativas oníricas
Uma das coordenadoras se utilizou de um diário clínico para registrar a partilha de sonhos nos grupos, entre o início da pandemia em 2020 até meados de 2021. Neles foram registrados os processos associativos suscitados pelos relatos oníricos. Desse modo, tratou-se de uma pesquisa-intervenção retrospectiva, onde a principal fonte de dados foi produzida pela perspectiva de uma das autoras do artigo, através de sua escrita sobre os episódios vivenciados de sonhar compartilhado. As e os adolescentes mencionados neste artigo já não se encontram em acompanhamento no CAPSij, porém seus nomes foram modificados para preservar o sigilo e anonimato de suas identidades. Neste contexto, cabe ressaltar que o diário clínico representou o principal objeto de estudo e se refere aos resultados parciais da pesquisa de mestrado intitulada "Grupos de adolescentes no caps infantojuvenil: por uma perspectiva psicanalítica do sonhar (Bittencourt, 2024) que foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa e recebeu o número: 0692/2022.
Sobre o uso de diário em pesquisa qualitativa, Mendes et al (2016) sustentam:
Seguindo este movimento, a escrita num diário é uma escrita verdadeira, um documento que contém o que foi vivido, o que foi percebido do que foi vivido, com suas contradições, dúvidas, conflitos, alegrias, o que tocou e atravessou da experiência no campo, na pesquisa. O diário constitui-se, assim, em uma ferramenta potente que possibilita os sujeitos envolvidos refletirem ou criarem espaços de reflexão destes, com suas práticas e os saberes produzidos nelas (p.1743).
A produção do diário clínico se iniciou a partir da constatação de um aumento na partilha onírica dos grupos de adolescentes no período da pandemia. O que poderia ser considerado como efeito do momento pandêmico, da percepção do aumento e divulgação de pesquisas sobre sonho e da inserção da primeira autora no Grupo de Estudos e Pesquisas Sonhos, Juventudes e Psicanálise, coordenado por Jaquelina Maria Imbrizi.
Em relação aos conteúdos, esses sonhos parecem refletir os efeitos subjetivos da pandemia e o momento de transição vivenciado pelos adolescentes. Imbrizi e Domingues (2021) afirmam que:
O fenômeno onírico seria, então, uma forma de possibilitar a narrativa do sofrimento, do desejo e da experiência, ampliando os espaços imagéticos próprios da lógica inconsciente inerente à vida psíquica e alargando a capacidade de nos apropriarmos do momento social e político que nos acomete (p. 2).
Neste sentido, compartilhar sonhos em grupo poderia se configurar como potente estratégia para favorecer o trabalho de elaboração psíquica dos efeitos traumáticos causados pela negligência de Estado diante da crise sanitária mundial. Desse modo, priorizar a escuta dos sonhos em grupo significou fortalecer as possibilidades de enfrentamento dos participantes diante das novas vulnerabilidades impostas à realidade. O sonhar partilhado propiciou a representação do sofrimento em palavras e a figuração imagética do irrepresentável de modo a favorecer a elaboração psíquica do ineditismo vivenciado.
Para este artigo, optou-se por apresentar cinco dos sonhos mais emblemáticos4 no formato de vinheta dos processos grupais. Cada uma das vinhetas foi apresentada em itálico e recebeu um título referente aos principais conteúdos abordados. A análise realizada pretendeu oferecer uma leitura psicanalítica do significado do sonhar partilhado para esses grupos do CAPSij em tempos tão incertos.
Neste sentido, referiu-se a estudo interventivo sobre grupos online de adolescentes, em um CAPSij na cidade de São Paulo que estabeleceu diálogos com a abordagem psicanalítica. Consistiu no caminho de uma construção clínica sobre a função onírica nos grupos de adolescentes que incluiu a escuta implicada da psicanalista que também é uma das coordenadoras do grupo e autora deste trabalho. Posição essa que diz respeito ao enigma da profissional, frente ao encontro com o grupo e a sua consequente narrativa, que pretendeu produzir alguma elaboração clínica e transformar a vivência em experiência através de sua transmissão (Rosa, Martins, Braga & Tatit, 2013).
Resultados e Discussão
A noite passada eu sonhei com você
Maíra compartilha seu sonho com o grupo. Ela relata que havia tido um pesadelo com seu "crush", onde ele ficava noivo de outra pessoa. Ao acordar, a adolescente contou-lhe sobre o sonho. Este lhe respondeu que só queria ficar noivo dela e, desde então, começaram a namorar. O grupo comemora a novidade da adolescente.
Neste caso, o sonho de angústia de Maíra parece demonstrar o medo da perda de seu objeto de amor para outra pessoa, o que possibilitou a ela entrar em contato com seus verdadeiros sentimentos por ele. A escolha de relatar o sonho, primeiro a sua paquera e em segundo ao grupo, poderia ser um indício da relevância desses vínculos para a adolescente.
O relato do sonho seria um grande indicador de movimentos transferenciais em curso (Kaës, 2004). Entre os quais podemos citar, o endereçamento do sonho de Maíra para o grupo, como uma tentativa de se sentir pertencente a esse coletivo de adolescentes. A adolescente era recém-chegada ao dispositivo grupal, onde a maioria dos integrantes já se conhecia há alguns meses e compartilhava neste espaço diversas questões pessoais, dentre as quais, destacavam-se as amorosas.
Ademais, a produção onírica de Maíra poderia decorrer também da influência do fim do namoro de um casal de adolescentes do grupo, como se o fim da relação entre os participantes pudesse remetê-la ao medo da perda de seu pretendente. O episódio nos possibilitou retomar as ideias de Kaës (2004, p.162): "O que interessa aos membros de um grupo para o qual é feito o relato de um sonho não é a significação pessoal do sonho para o sonhador, mas a maneira como podem utilizá-lo para eles mesmos e para o grupo".
Enquanto Freud (1900/2017) valoriza a associação livre do sonhante, Kaës propõe um livre associar entre os integrantes do grupo, que produz um sonhar junto. Ou seja, uma elaboração coletiva de situações conflitantes compartilhadas por todos os participantes. Nesse caso, Maíra parece colocar em palavras o medo da perda amorosa compartilhado com os demais adolescentes presentes e ainda indicando uma possível saída diante das dificuldades apresentadas na situação.
Matar ou morrer
No primeiro encontro do primeiro grupo de adolescentes presencial, Juliana, que já havia sido acompanhada em consultas individuais anteriormente, relata às duas profissionais coordenadoras do grupo, sendo uma delas a responsável pelo seu acompanhamento anterior, alguns temas que se repetem em seus sonhos. A adolescente refere ser perseguida ou perseguidora, assassina ou assassinada em suas produções oníricas (…).
Juliana menciona ainda diversas perdas de pessoas importantes de sua família e o sonho bom que teve com a despedida do pai. A adolescente pode compreender o material onírico a partir da perspectiva de sua religião espírita, como um aviso de que ele estava bem, pois o seu genitor havia falecido de morte violenta, sem que houvesse oportunidade de despedida entre eles. O relato onírico de Juliana encontrou consonância nos sonhos coletados em "Máquina de moer sonhos": A pandemia e os sonhos das juventudes (Imbrizi et al, 2021). Para além das questões subjetivas da adolescente, um dos temas de maior prevalência nos sonhos dos jovens foi a vivência de algum tipo de violência em decorrência de perseguição, medo e desespero. O clima apocalíptico no Brasil – gerado tanto pela crise sanitária, quanto pelo flerte do governo vigente com o fascismo – reverbera no sonho de Juliana.
A questão da perseguição compareceu também nos sonhos de universitários durante a pandemia. O trabalho de Fernandes (2021) apresenta que, nesses sonhos, o que ressaltou foram as questões das mortes violentas e o não lugar para rituais de despedida em tempos pandêmicos. Segundo ele, a elaboração do luto estaria prejudicada devido a impossibilidade de se realizar velórios e funerais devido à grande transmissibilidade do COVID-19,
Um vírus descaracterizou nossas sociedades, nossos espaços, nossos afetos. Não estamos frente a um vírus que nos torna mortos-vivos ou cegos agressivos, como nos filmes de terror. Mas há sim um grupo que se descaracterizou e passou a ser como arautos da morte (Fernandes, 2021, p. 62).
Nesse contexto, o psiquismo estaria vulnerável a um estado melancólico, em que o sujeito se confunde com o próprio objeto de amor perdido, valendo-se de estratégias ambivalentes para enfrentar a angústia da perda, como através dos sonhos violentos de Juliana e dos universitários.
Por sua vez, Freud (1900/2017) hipotetiza que os sonhos com mortos amados que aparecem vivos no cenário onírico poderiam dizer respeito à elaboração do luto pela perda vivenciada, realizando o desejo de reencontro com o ente querido.
Monotemático
Kauê relata ao grupo de adolescentes que apenas se permite assumir seu desejo por Yago nos sonhos. Eu pontuo que o grupo poderia ser considerado um sonho já que a relação com Yago era um dos principais motes trazidos pelo adolescente nos atendimentos. As outras participantes concordam e começamos a brincar com a situação, utilizando "Yago" para falar qualquer coisa, como por exemplo, ao nos despedirmos: "tchau, gente, bom Yago para vocês!".
Kaës (2004) retomou a tese de Anzieu (1975) que estabelece analogias entre sonho e grupo, por ambos funcionarem como manifestações do inconsciente. Ou seja, no grupo estariam presentes os mesmos processos que ocorrem no conteúdo onírico de condensação, deslocamentos, multiplicação, difração, figuração e dramatização. Porém, o grupo só poderia ser como um sonho, se a experiência da ilusão grupal for possível nele. Para Kaës (2004), o grupo seria o meio e o lugar de realização de desejos inconscientes de seus participantes.
Dessa forma, o relato onírico de Kauê parece bem elucidativo dessa questão, considerando que o adolescente apenas se permite entrar em contato com seu desejo por Yago nos sonhos e no grupo.
É Winnicott (1971, p. 74) que estabelece as relações entre o sonho, o grupo e o brincar. Para ele, o brincar promove o crescimento, a saúde e favorece relacionamentos grupais e "pode ser uma forma de comunicação na psicoterapia; e, por fim, a psicanálise foi desenvolvida como uma forma altamente especializada de brincar, em prol da comunicação consigo mesmo e com os outros."
Para o psicanalista inglês, a brincadeira seria um processo elaborativo importante para amadurecimento emocional, que permitiria aos sujeitos lidarem com a angústia de maneira relaxada e protegida. Ao analista caberia valorizá-la e facilitar a criação de sentido pelos próprios pacientes.
Dessa forma, pode-se considerar que a brincadeira do grupo seria uma forma descontraída de Kauê encarar seu desejo por Yago e o humor seria um indicativo de saúde do grupo, ao ser utilizado como estratégia de defesa subjetiva perante as adversidades da vida.
Puxa Conversa
Nelson aborda em grupo seu interesse amoroso pela vizinha. Havia ido visitá-la à noite. Ele tentou puxar papo, falando dos sonhos em que se sente caindo. Ela respondeu que nunca tinha sonhado com algo parecido, não dando continuidade ao assunto.
Em seguida, Adriana, outra adolescente participante do grupo, conta uma série de sonhos que havia tido recentemente. Alguns com conteúdo agressivo, onde sofria violência, outros apresentavam temática amorosa. Sonhou que beijava seu amigo Caio e em outro, beijava um ex-namorado. Associa-os a uma possível carência e confusão de sentimento em relação ao amigo.
Ao final do atendimento, Nelson diz a Adriana que já havia gostado dela, mas desencanou quando soube que ela estava namorando. Ele parecia implorar para que eles conversassem pelo WhatsApp.
A repetição da queda nos sonhos de Nelson poderia se referir ao seu constante apaixonamento pelo sexo oposto (vizinha e Adriana), ao associarmos ao sentido da expressão "ter uma queda por alguém", utilizado para expressar o interesse amoroso e/ou sexual e ao verbo da língua inglesa to fall in love, que significa se apaixonar.
Ademais, Adriana associa seus sonhos a uma possível carência e confusão de sentimento em relação a um amigo. O que ocorre após o relato de tentativa de Nelson se aproximar da vizinha. A associação da adolescente parece em consonância com as atitudes impulsivas do participante, que busca a todo custo, contato com as meninas que lhe interessam.
A sessão grupal ilustra a função do sonho como objeto intermediário (Kaës, 2004). O relato de Nelson propiciou à Adriana rememorar suas experiências da vida de vigília. Desse modo, foi possível observar que ambos se utilizaram da temática amorosa para encontrar representação às suas questões subjetivas, reproduzindo-as na relação que estabelecem no aqui e agora do grupo.
Nesse encontro, foi possível localizar a potência do grupo como fenômeno transicional, pois os adolescentes ao desinvestirem das relações familiares e direcionarem suas energias para o espaço público (mesmo virtualmente), poderiam experimentar relações amorosas, estariam engajados em suas inserções sociais e poderiam vivenciar criativamente seus próprios desejos (Winnicott, 1971).
Desejo e medo
Nelson começa a falar no grupo, verbalizando que estava borocoxô por ter tido três sonhos em uma mesma noite. No primeiro sonho, que afirmou ter gostado muito, abraçava a vizinha, enquanto se declarava para ela. Em seguida, sonhou que estava numa sala de videogame e jogava com o modelo de última geração, que gostaria de ter. Sente como se esses dois sonhos fossem a realização do que ele quer que aconteça.
Já em seu último sonho, ele estava na casa dos avós e o ambiente estava todo preto e azul. Parecia que estava acontecendo um ritual satânico e ele sentia falta de ar. Acordou com falta de ar e associou essa sensação com a medicação psiquiátrica que ele usava.
Após os relatos oníricos de Nelson, Breno comenta que há alguns anos sonhou com um vulto negro que tinha uma foice. Sentiu que ia matá-lo e acordou. Então, Ester comenta que gostava de alguém do grupo, mas não iria dizer quem era. Digo que ela parecia querer contar ao grupo por mencionar o assunto. Logo após, a adolescente refere que gostava do participante que havia falado antes dela.
Breno pareceu embaraçado, perguntando desde quando. Ela contou que era desde a época que faziam Karatê. Perguntou-se como estavam se sentindo com essa situação no grupo. Ester disse que costumava se declarar para quem gosta. E queria saber o que Breno achava disso. Ele comentou que queria um celular novo. É dito que ele poderia estar com vergonha por ela contar isso em grupo.
Rita estava com problema com sua conexão da internet e apesar de dizer que queria fazer o relato de um sonho no grupo, não conseguiu relatá-lo. Combinou-se que ela poderia iniciar o atendimento seguinte, falando a respeito.
A sessão do teleatendimento em grupo revela a realização de desejo no sonho com os dois primeiros relatos oníricos de Nelson. Já o seu terceiro sonho, assim como o sonho de Breno, parecem derivar de sonhos de angústia na tentativa de elaboração de questões traumáticas, como a falta de ar e a morte. Temas banalizados pelos noticiários de nosso mundo pandêmico poderiam corresponder ao que Freud (1900/2017) denominou como restos diurnos: elementos da vida em vigília referentes ao dia ou aos dias anteriores à produção onírica. No caso, o horror diante da finitude humana e a ameaça de extermínio da humanidade sendo assuntos que foram excessivamente visibilizados nos noticiários televisivos. Ao mesmo tempo, são conteúdos oníricos que podem se referir à morte simbólica da infância desses participantes em transição para vida adulta.
Observou-se que após o compartilhamento dos pesadelos, o grupo retomou a expressão de desejos: Ester se declarou para Breno, Breno mudou de assunto, manifestando sua vontade de ganhar um celular e Rita contou que queria compartilhar um sonho também. O que possivelmente se configurou como uma estratégia grupal inconsciente para aplacar o mal-estar provocado pelas narrativas oníricas de angústia relatadas no espaço grupal.
Considerações finais
As vinhetas clínicas dos processos grupais contendo sonhos analisadas refletiram o cuidado e o acolhimento oferecidos pelos grupos de adolescentes no CAPSij. O conteúdo onírico e os processos associativos fazem referência aos conflitos, medos, desejos e fantasias dos participantes. O que parece um indício dos vínculos estabelecidos no processo grupal. Ademais, o sonhar partilhado propiciou o processo de elaboração do ineditismo vivenciado pelos participantes, correspondendo também a um testemunho de nossa contemporaneidade.
As narrativas oníricas apresentadas transitaram por sonhos como realização de desejo e como figuração das angústias vivenciadas por adolescências atravessadas pela pandemia. A violência, a morte e a falta de ar presentes nos sonhos dialogaram com a crise pandêmica e a necropolítica vivenciada pela maioria da população brasileira pobre, preta e periférica durante o governo bolsonarista que se omitiu ao não tomar as medidas sanitárias recomendadas pela OMS e fazia apologia às armas. Ao mesmo tempo que podem se referir à morte simbólica da infância desses participantes em transição para vida adulta.
Os conteúdos grupais refletem o impacto pandêmico na experiência humana do conviver. A recorrência da temática sexual-amorosa entre adolescentes nos teleatendimentos deu notícia da ânsia por trocas socioemocionais, nesta condição distópica em que os encontros presenciais estavam impossibilitados. Neste sentido, o amor e as relações afetivas parecem funcionar como antídoto e enfrentamento ao sofrimento vivido individual e coletivamente.
Os grupos online no CAPSij, em contexto de isolamento social, especialmente para os atendimentos grupais que já aconteciam de modo presencial, mas na modalidade online possibilitaram a continuidade do vínculo e acompanhamento da população atendida. Inclusive, proporcionando um cuidado horizontalizado, em que adolescentes mantinham contato online e se apoiavam mutuamente, extrapolando o dispositivo criado pelo teleatendimento do CAPSij. Além disso, as videochamadas favoreceram a manutenção das propostas coletivas de atenção em saúde mental do SUS.
Espera-se que este artigo possa contribuir para a utilização das narrativas oníricas como estratégia terapêutica dos dispositivos grupais na clínica psicanalítica, principalmente no que se refere à escuta e ao cuidado direcionados a essa população juvenil atendida no CAPSij marcada por diversas vulnerabilidades. Não apenas em contexto de calamidade pública, mas nas práticas cotidianas, a fim de auxiliar as juventudes atendidas na nomeação dos traumas sociopolíticos vivenciados e em seu fortalecimento subjetivo para o enfrentamento coletivo das barreiras existentes. Afinal, o sonhar partilhado lança luz sobre o presente, resgata o passado e pode modificar o futuro.