A vulnerabilidade social se caracteriza por condição de pobreza, exposição a diferentes formas de violências interpessoais e exclusão social que envolvem aspectos contextuais, culturais e coletivos (Quevedo & Conte, 2016). Pesquisas indicam que adolescentes socialmente vulneráveis apresentam maior fragilidade perante algumas circunstâncias, tais como criminalidade e abuso sexual, assim como há mais chance de fazerem uso de drogas ilícitas e apresentar transtornos psicológicos (Corrêa et al., 2020; Souza et al., 2019). De modo geral, esses adolescentes são expostos a contextos carentes de oportunidades para o desenvolvimento e/ou a aquisição de comportamentos pró-sociais, sendo mais propensos a terem uma desadaptação psicossocial (Correa et al., 2020).
Uma maneira de atuar junto aos estudantes de contextos sociais vulneráveis de maneira a contribuir com o seu desenvolvimento socioemocional e o desempenho acadêmico é desenvolver intervenções para promoção de relações interpessoais positivas, com foco em habilidades sociais (Souza et al., 2019). Um programa de habilidades sociais é definido, por Del Prette e Del Prette (2009), como um procedimento de intervenção que contempla diversas atividades estruturadas visando favorecer a aprendizagem das habilidades sociais e, com isso, manter ou melhorar o relacionamento entre a pessoa e seus interlocutores (familiares, amigos, professores e parceiros românticos). Como as habilidades sociais são influenciadas por fatores pessoais, situacionais e culturais há, na literatura, diversas definições e formas de operacionalização das mesmas (Del Prette & Del Prette, 2017). No presente estudo, as habilidades sociais são compreendidas como um conjunto de comportamentos sociais (por exemplo, na adolescência destaca-se a empatia, o autocontrole, a civilidade, a assertividade, a abordagem afetiva e desenvoltura social), valorizados numa determinada cultura e tempo histórico, que favorece interações sociais positivas para a pessoa, seu grupo e a comunidade (Del Prette & Del Prette, 2017).
No contexto nacional, destacam-se algumas intervenções em habilidades sociais realizadas com adolescentes em vulnerabilidade social. De modo geral, tais intervenções promoveram habilidades sociais de autocontrole, empatia, assertividade, abordagem afetiva e desenvoltura social (Pereira-Guizzo et al., 2018; Silva & Murta, 2009; Leme et al., 2016; Souza et al., 2019), assim como, contribuíram para uma melhora no desempenho acadêmico e na diminuição de problemas de comportamento (Souza et al., 2019).
Há também programas com foco em habilidades sociais com adolescentes em diferentes contextos, que foram implementados no contexto internacional. Esses estudos mostraram aumento de habilidades sociais de assertividade (Parray & Kumar, 2017), comunicação (Akan, 2020; Araoz et al., 2020; Gaspar et al., 2018), empatia e resolução de conflitos (Akan, 2020). Somado a isso, essas intervenções contribuíram para a tomada de decisão (Gaspar et al., 2018), melhora da autoestima (Arroz et al., 2020; Parray & Kumar, 2017) e do bem-estar, além de reduzir estresse e aumentar o desempenho escolar dos adolescentes (Parray & Kumar, 2017). Assim, a promoção de diversas habilidades sociais pode contribuir para os adolescentes em vulnerabilidade social lidar com a pressão do grupo e buscar ajuda, ampliando ou fortalecendo suas crenças de autoeficácia (Correa et al., 2020; Leme et al., 2016).
Conforme Bandura (1989), a autoeficácia pode ser definida como o conjunto de crenças que a pessoa tem nas suas capacidades pessoais para realizar e organizar ações específicas para alcançar determinados objetivos. As crenças de autoeficácia têm sido abordadas em várias áreas da vida, dentre elas o campo acadêmico, que objetiva identificar como essas crenças podem ampliar ou reduzir a persistência e a permanência dos alunos nos estudos. Adolescentes expostos à pobreza e à violência, na família e na comunidade podem ser beneficiados pelo fortalecimento das crenças de autoeficácia, pois são associadas ao bom desempenho acadêmico, engajamento escolar, menores níveis de problemas socioemocionais e com comportamentos de enfrentamento, caracterizando-se, portanto, como um fator de proteção (Olivier et al., 2019).
Nessa direção, pode-se supor que a promoção de relações interpessoais positivas tem um impacto positivo no desenvolvimento ou fortalecimento das crenças de autoeficácia. Corroborando essa afirmação, estudos empíricos (Falcão et al., 2021) e intervenções (Aliem et al., 2019, Leme et al., 2016) com adolescentes encontraram associações positivas entre as habilidades sociais e as crenças de autoeficácia. Tais pesquisas evidenciaram que a presença de habilidades sociais no repertório de adolescentes aumenta a chance de eles vivenciarem experiências de sucesso e êxito nas tarefas futuras, o que contribui para fortalecer suas crenças de autoeficácia (Olaz, 2009). Isso ocorreria porque as experiências pessoais são a maior fonte de influência para o desenvolvimento das crenças de autoeficácia (Bandura, 1989).
Outro fator de proteção relacionados a desfechos positivos no desenvolvimento de adolescentes é a percepção de apoio social, definido por Vaux e Harrison (1985), como o modo no qual as pessoas significam e interpretam as relações sociais e seus papéis e estes são influenciados pelos comportamentos, pensamentos e sentimentos dos indivíduos envolvidos nas interações sociais. Estudos indicam que a percepção de apoio social dos familiares, pares e professores está associada a menores níveis de depressão e ideação suicida (Fredrick et al., 2018) e contribui tanto para o bom desempenho acadêmico (Costa & Fleith, 2019; Fernandes et al., 2018) quanto com a satisfação com a vida (Achkar et al., 2019).
Conforme Ximenes et al. (2019), a presença de habilidades sociais favorece a criação de laços sociais em diferentes contextos, facilitando o acesso de adolescentes a uma diversidade de fontes de apoio social quando precisam acionar pessoas significativas para lidar com experiências de vida negativas. Desse modo, alguns programas de intervenção com foco na promoção de relações interpessoais positivas de adolescentes em vulnerabilidade social observaram aumento da percepção de apoio social de amigos, família (Rocha et al., 2021) e professores (Leme et al., 2016). Tais pesquisas sinalizam que as habilidades sociais como pedir ajudar, expressar sentimentos podem ajudar adolescentes em vulnerabilidade social, acessar ou ampliar suas redes de apoio diante, por exemplo, de violências interpessoais (bullying e cyberbullying) e dificuldades escolares. Nessa direção, Dougherty e Sharkey (2017) observaram aumento no rendimento acadêmico de adolescentes com baixo desempenho escolar após a participação em um programa para promoção de habilidades sociais (autocontrole, empatia e regulação emocional) e percepção de apoio social
A escola é um contexto privilegiado para a implementação de intervenções com foco na prevenção e promoção de saúde mental de adolescentes em vulnerabilidade social (Correa et al., 2020). Pois, é nesse contexto que os adolescentes passam a maior parte do seu dia, favorecendo a identificação das suas necessidades biopsicossoais, que poderão ser trabalhadas em programas de habilidades sociais. Nessa direção, a revisão de literatura indicou que intervenções em habilidades sociais favorecerem o desenvolvimento socioemocional de adolescentes vulneráveis na medida em que facilitam iniciar ou manter interações positivas com pares, professores e familiares, aumentando as crenças de autoeficácia e a percepção de apoio social, além de aumentar o rendimento acadêmico (Correa et al, 2020; Mooij et al., 2020).
Isso é particularmente importante para os estudantes em vulnerabilidade social que estão nos anos finais do Ensino Fundamental, que contempla do 6° ao 9° ano. Durante esse período da trajetória escolar, os alunos passam por mudanças biológicas (tem o início da puberdade), acadêmicas (o número de disciplinas e de professores é maior) e interpessoais (pode haver mudança de escola, com perda da rede de amigos), que são associadas ao aumento de sintomas de estresse e diminuição de habilidades sociais e do rendimento escolar (Cassoni et al., 2021). Somado a isso, no contexto brasileiro, os anos finais do Ensino Fundamental é considerado o gargalo da educação básica. Segundo dados do Dados do Censo Escolar, em 2019, antes do impacto da pandemia da Covid-19, um em cada quatro alunos que iniciou o Ensino Fundamental, no Brasil, desistiu da escola antes de completar o 9° ano (Inep, 2019), devido à diversos fatores, tais como pobreza e exposição às violências, levando ao aumento das reprovações, distorção idade-série e a evasão e o abandono escolar.
Apesar dos estudos indicarem que as vivências que ocorrem no contexto escolar podem influenciar positivamente a trajetória de vida dos estudantes em vulnerabilidade social em vários domínios (Correa et al., 2020), há poucas pesquisas na realidade brasileira realizadas no contexto escolar com esse público ao final do EF, evidenciando uma lacuna nessa área de investigação. Assim, o estudo avaliou os efeitos da aplicação de um programa de habilidades sociais no repertório de habilidades sociais, nas crenças de autoeficácia e na percepção de apoio social de estudantes em vulnerabilidade social. A partir da revisão de literatura, tem-se por hipótese que um programa de habilidades sociais pode aumentar os níveis de habilidades sociais, crenças de autoeficácia e percepção de apoio social de adolescentes em vulnerabilidade social.
Método
Participantes
A intervenção, com caráter universal e foco na promoção de habilidades sociais, teve um delineamento quase-experimental, composta por medidas de pré-teste e pós-teste. Participaram da pesquisa 34 estudantes com idade entre 12 e 16 anos (M = 14,32, DP = 1,03), sendo 20 meninas (58,8%), de uma escola pública localizada dentro de complexo de favelas no Estado do Rio de Janeiro. Os alunos foram alocados por conveniência em dois grupos: intervenção (GI, n = 18), com idade média de 14,7 anos (DP = 1,04), sendo 14 (77,8%) meninas; controle (GC, n = 16), com idade média de 14,50 (DP = 1,03), sendo 10 meninos (62,5%). A maioria dos alunos (55,6%) se declarou de cor parda e preta e 27,8% possuíam histórico de reprovação escolar. Todos os participantes residiam ou estudavam em regiões de vulnerabilidade social no Estado do Rio de Janeiro. Foram adotados os seguintes critérios de inclusão para o GI: (1) os responsáveis assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e os adolescentes assinarem o Termo de Assentimento (TA) antes da intervenção; (2) frequentar do 7° ao 9° ano do Ensino Fundamental; (3) participar de no mínimo 75% do programa. Inicialmente o GI foi composto por 22 alunos, sendo 15 meninas e sete meninos, com idade entre 12 e 16 anos. Contudo, a intervenção foi realizada com 18 alunos, porque quatro alunos foram excluídos das análises de dados pelos seguintes motivos: (1) três estudantes tiveram menos de 45% da presença; (2) uma aluna mudou-se da comunidade e não fez o pós-teste, não sendo possível entrar em contato com ela. Foram adotados os seguintes critérios de inclusão o GC: (1) os responsáveis assinarem o TCLE e os adolescentes assinarem o TA antes da intervenção; (2) frequentar do 7° ao 9° ano do Ensino Fundamental. O GC foi inicialmente formado por 19 alunos, sendo 11 meninos e oito meninas, com idade entre 13 e 16 anos. Contudo, no pós-teste a coleta ocorreu com 16 estudantes porque um aluno abandonou a escola e duas alunas mudaram da comunidade, não sendo possível entrar em contato com eles.
Instrumentos
Inventário de Habilidades Sociais para Adolescentes (IHSA-Del-Prette). Instrumento de autorrelato desenvolvido por Del Prette e Del Prette (2009), que avalia as habilidades sociais de adolescentes sobre situações cotidianas. Apresenta 38 itens que contemplam diferentes habilidades divididas em seis fatores: Empatia ("Ao notar que um(a) colega está triste ou com alguma dificuldade na escola, oferece apoio ou ajuda"); Autocontrole ("ao ser criticado pelos pais e professores consegue acalmar-se e controlar a irritação"); Civilidade ("Quando alguém faz algo bom consegue elogiar e agradece quando recebe elogio"); Assertividade ("Se acha errado fazer alguma coisa, mesmo os colegas pressionado, não faz o que os colegas querem"); Abordagem Afetiva ("Quando quer fazer amizade, convida a pessoa para algum programa ou atividade"); e Desenvoltura Social ("a escola consegue fazer apresentações orais em grupo quando solicitado"). As respostas estão dispostas em uma escala do Likert que varia de 0 (nunca) a 4 (sempre). Del Prette e Del Prette (2009) administraram o instrumento a 1172 adolescentes de ambos os gêneros e encontraram índices satisfatórios de consistência interna (α = 0,89 para a escala total e de 0,68 a 0,85 para os fatores de frequência).
Escala de Autoeficácia Generalizada (EAG). Escala originaria da Alemanha e adaptada para diferentes culturas com objetivo de identificar as crenças de autoeficácia diante de situações difíceis de participantes de diferentes origens socioeconômicas e idades, incluindo adolescentes. O instrumento é constituído por 10 itens distribuídos numa escala tipo Likert de quatro pontos, variando de discordo totalmente (1) a concordo totalmente (4). No presente estudo, foi utilizada a versão da escala validada por Leme et al. (2015), em uma amostra de adolescentes brasileiros. Os autores demonstraram a validade de constructo por meio da Análise Fatorial Confirmatória Multigrupos e a invariância transcultural da configuração da escala entre uma amostra de adolescentes portugueses e brasileiros, sendo confirmada a sua confiabilidade para a amostra brasileira (α = 0,80).
Social Support Appraisal (SSA). É um instrumento desenvolvido por Vaux et al. (1986) para o contexto americano para examinar a percepção de apoio social de crianças e adolescentes em relação à família e aos amigos. A escala foi validada para a população de adolescentes brasileiros por Squassoni et al. (2016). A versão brasileira breve é composta por 23 itens disposto numa escala tipo Likert de 1 (Discordo totalmente) a 6 (Concordo totalmente) que contemplam quatro fatores: (1) Percepção de apoio social da família (α = 0,57, "Eu sou bastante querido pela minha família"; (2) Percepção de apoio social dos amigos (α = 0,72, "Os meus amigos me respeitam"); (3) Percepção de apoio social dos professores (α = 0,79, "Os meus professores gostam de mim"); (4) e Percepção de apoio social dos outros em geral (α = 0,71, "Sinto que as pessoas me dão valor"). Tendo em vista que se objetivava identificar o impacto da percepção de apoio social específica pelos alunos, não foi utilizada, na pesquisa, o fator apoio social geral.
Questionário com Informações Sociodemográficas: É um instrumento elaborado para este estudo com intuito de investigar as características sociais e demográficas dos estudantes e suas famílias, tais como idade, sexo, cor, ano escolar e experiencia de reprovação escolar.
Procedimentos
Coleta de dados e intervenção. Após a autorização pela Secretaria Estadual de Educação e pelo Comité de Ética, a intervenção foi oferecida aos alunos do 7° ao 9° ano do Ensino Fundamental, que frequentavam uma disciplina eletiva ministrada no contraturno escolar. Os estudantes matriculados naquela disciplina compuseram o GI. O GC foi formado por outros adolescentes do 7° ao 9° ano, que não participavam da disciplina eletiva. Dessa forma, os participantes do GI e GC foram alocados por conveniência nos grupos. O programa de habilidades sociais ocorreu no segundo semestre de 2018 e foi composto por sete encontros, com frequência semanal e duração de 80 minutos cada. A intervenção foi implementada pela primeira autora (facilitadora) e pela terceira autora (cofacilitadora), sendo realizada numa sala de aula, no horário da disciplina eletiva, cedida pela direção escolar para a realização do programa. Os instrumentos do pré-teste foram aplicados nos grupos uma semana antes da intervenção e do pós-teste duas semanas depois do término, no mesmo local da intervenção. Ao término da coleta de dados, a facilitadora forneceu aos estudantes do GC todos os conteúdos e atividades realizadas na intervenção por meio de oficinas.
A seleção dos temas e das habilidades sociais que compuseram a intervenção ocorreu por meio de duas estratégias: (1) revisão de literatura (Correa et al., 2020; Gaspar et al., 2018); (2) realização de um grupo focal com os alunos do GI, que não serão detalhados no presente estudo. A análise dos resultados desse grupo focal, realizada por meio da Classificação Hierárquica Descendente no software Iramuteq, apresentou oito temas contemplados nos encontros: (1) violência; (2) comunidade e família; (3) amizade; (4) clima escolar; (5) baixo desempenho escolar; (6) relação professor-aluno; (7) preconceito e (8) discriminação. A descrição detalhada sobre essa avaliação e sobre a intervenção podem ser acessadas em (Fernandes, 2021).
Os temas e as habilidades sociais desenvolvidos em cada encontro foram: (1) "Reconhecendo nossas emoções" - automonitoria, autocontrole e autoconhecimento; (2) "Expressar empatia e saúde mental na adolescência" - empatia, (3) "Expressar sentimentos positivos, dar e receber feedback e elogiar"- comunicação; (4) "Direitos humanos, ética, valores de convivência e violência na família e na comunidade" - civilidade e fazer e manter amizades, (5) "Valores pró-éticos e direitos sexuais e reprodutivos na adolescência" - assertividade (defender direitos próprios e dos outros, questionar, opinar e pedir mudança de comportamento) e expressar afeto e intimidade, (6) "Preconceito, discriminação e violência de gênero e raça" - assertividade (pedir mudança de comportamento, discordar, expressar desagravo e emitir opiniões), (7) "Violência e solidariedade - acolhimento de situações de vulnerabilidade" - expressar solidariedade, manejar conflitos e resolver problemas interpessoais. Fundamentado nos achados de estudos de revisão e metanálise sobre quais estratégias são mais eficazes nos programas de habilidades sociais (Correa et al., 2020; Mooij et al., 2020), os procedimentos de ensino envolveram vivências (como atividade principal), dinâmicas lúdicas, realizações de desenhos, apresentações de filmes, exposições dialogadas, feedback e tarefa de casa, com auto registro do comportamento. Todas essas atividades foram adequadas às necessidades e à escolaridade desse público.
Cada encontro seguiu uma estrutura previamente programada em três partes. Na primeira parte, as facilitadoras davam as boas-vindas e retomavam o encontro anterior. Em seguida, era feito um diálogo sobre a tarefa de casa, em que alguns participantes descreviam as situações que tinham conseguido aplicar os conteúdos e suas dificuldades. Então, as facilitadoras e estudantes discutiam criticamente sobre alternativas de resolução e era proposto aos participantes encenar, por meio de role play, algumas situações relatadas, de maneira a praticar as habilidades sociais foco do encontro anterior. Na segunda parte do encontro, era feita a apresentação do tema do dia, iniciando com uma vivência para que os alunos refletissem sobre o assunto, dialogassem entre si e expressassem seus sentimentos, pensamentos e opiniões. Nesse momento do encontro, também houve a apresentação e discussão em pequenos grupos de trechos de filmes e séries, assim como letras de música que tratavam do cotidiano escolar e da realidade social dos estudantes. Na última parte, era realizada a avaliação do encontro pelos participantes, de maneira escrita e verbal e atribuída a tarefa de casa. Os participantes recebiam a tarefa por meio de uma folha para autorregistro de situações, comportamentos, pensamentos e sentimentos referentes às habilidades sociais alvo do encontro.
Aspectos éticos. A pesquisa foi desenvolvida após aprovação do Comitê de Ética da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), sob Parecer (CAAE: 83080817.9.0000.5282). Os responsáveis pelos alunos dos GI e GC assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e os estudantes de ambos os grupos assinaram o Termo de Assentimento, conforme orientações da Resolução n. 466.2012.
Análise de dados. Para a análise dos dados, os escores globais e por escala obtidos dos instrumentos foram digitados em um banco de dados para a realização de análises estatísticas (programa Statistical Package for the Social Sciences for Windows - SPSS, versão 22.0). Primeiramente, foi avaliado e confirmado o pressuposto de normalidade (teste de Kolmogorov-Smirnov) para a realização de análise paramétrica. Na sequência, os grupos GI e GC foram comparados para averiguar sua equivalência no pré-teste, em relação aos fatores e ao total dos instrumentos, por meio do teste t-Student. Posteriormente, foram processadas estatísticas descritivas (média e desvio-padrão) e foi utilizado o teste t-Student para medidas repetidas para comparar as médias intragrupos, por meio dos dados dos fatores e totais dos instrumentos. Para medir o tamanho do efeito (magnitude da diferença entre as duas condições) foi utilizado o coeficiente d de Cohen. Os seguintes valores foram adotados: < 0,20 até 0,50 = baixo; > 0,50 até < 0,80 = moderado; > 0,80 = grande (Dancey & Reidy, 2019). O valor de significância adotado é p < 0,05.
Resultados
As análises indicaram que os grupos foram equivalentes em relação às variáveis investigadas no pré-teste, ou seja, não houve diferença estatística significativa nas variáveis entre os grupos antes da intervenção: (1) habilidades sociais: empatia (M = 1,03, DP = 2,4, t = 0,36, p = 0,71); autocontrole (M = −2,22, DP = 2,44, t = −0,90, p = 0,37); civilidade (M = 0,54, DP = 2,23, t = −0,24, p = 0,81); assertividade (M = −0,73, DP = 2,09, t = −0,35, p = 0,72); abordagem afetiva (M = 0,73, DP =1,48, t = 0,49, p = 0,62); desenvoltura social (M = 0,52, DP = 1,57, t = 0,33, p = 0,66); total (M = −1,20, DP = 10,21, t = −0,11, p = 0,93); (2) crenças de autoeficácia geral (M = −1,94, DP = 2,, t = −0,94, p = 0,59); (3) percepção de apoio social: amigos (M = 4,16, DP = 2,46, t = 1,68, p = 0,10); família (M = −1,00, DP = 2,70, t = −0,37, p = 0,43); professores (M = −2,20, DP = 1,75, t = −1,26, p = 0,74).
A Tabela 1 apresenta os resultados das comparações intragrupos referentes aos fatores e ao total das habilidades sociais, crenças de autoeficácia e percepção de apoio social dos estudantes. Os dados mostram que, após a intervenção, o GI apresentou aumento nos níveis de habilidades sociais de empatia, autocontrole, assertividade, abordagem afetiva e total com diferença estatística significativa, quando comparado ao pré-teste. Não houve diferença significativa nas habilidades sociais entre o pré-teste e pós-teste para o GC. No que se refere ao tamanho do efeito, todas as diferenças estatísticas significativas do GI são de baixa à moderada magnitude. Em relação às crenças de autoeficácia, no pós-teste, o GI apresentou aumento nos níveis, com diferença estatística, quando comparado ao pré-teste. Não houve diferenças significativas nas medidas de pré-teste e pós-teste o GC. No que se refere ao tamanho do efeito, a diferença estatística significativa no GI é de baixa magnitude. Sobre a percepção de apoio social, os dados indicam que, após a intervenção, o GI apresentou aumento nos níveis de percepção de apoio social dos amigos, família e professores, em relação ao pré-teste com diferença significativa. Não houve diferença significativa nas avaliações de pré-teste e pós-teste para o GC. No que se refere ao tamanho do efeito, todas as diferenças estatísticas significativas no GI são de moderada à grande magnitude.
Tabela 1 Habilidades Sociais, Crenças de Autoeficácia e Apoio Social: Comparações Intragrupos nas avaliações de Pré-teste e Pós-teste
Variáveisxd | Grupo Intervenção (n=18) | Grupo Controle (n=16) | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
M(DP) | M(DP) | |||||||
Pré | Pós | t | d de Cohen | Pré | Pós | t | ||
Habilidades Sociais | ||||||||
Empatia | 27,22 (8,34) | 30,50 (6,02) | - 3,65* | 0,45 | 26,19 (8,17) | 24,38 (6,68) | 1,80 | |
Autocontrole | 16,28 (5,70) | 20,39 (6,32) | - 4,64* | 0,68 | 18,50 (8,43) | 17,94 (6,12) | 0,37 | |
Civilidade | 16,83 (7,15) | 16,22 (5,87) | 0,43 | - | 17,38 (5,64) | 16,88 (5,20) | 0,71 | |
Assertividade | 17,39 (6,82) | 21,78 (4,54) | - 3,56* | 0,75 | 18,13 (5,14) | 18,81 (4,47) | -0,49 | |
Abordagem afetiva | 12,11 (4,36) | 16,00 (4,24) | - 6,43* | 0,12 | 11,38 (4,28) | 10,50 (4,06) | 0,96 | |
Desenvoltura social | 11,28 (4,29) | 11,39 (4,25) | - 0,10 | 0,02 | 10,75 (4,87) | 10,63 (4,09) | 0,16 | |
Total | 101,11 (30,16) | 116,28 (21,78) | - 3,68* | 0,57 | 102,31 (29,23) | 99,13 (25,27) | 0,73 | |
Autoeficácia | ||||||||
Total | 25,06 (5,59) | 27,61 (5,75) | -2,10* | 0,44 | 27,00 (6,42) | 26,56 (3,96) | 0,52 | |
Apoio Social | ||||||||
Amigos | 27,22 (6,35) | 31,17 (4,75) | - 3,07* | 0,70 | 23,06 (8,01) | 24,25 (4,64) | -0,83 | |
Família | 27,06 (8,00) | 30,28 (6,93) | - 2,47* | 0,43 | 28,06 (7,69) | 29,50 (3,83) | -0,95 | |
Professores | 19,67 (5,09) | 22,61 (4,48) | - 2,71* | 0,61 | 21,88 (5,08) | 22,81 (3,71) | -0,91 |
Nota. M = Média; DP = Desvio padrão; t = valor de t de Student; d de Cohen = tamanho do efeito.
*p < 0,05.
Discussão
O programa de habilidades sociais realizado com adolescentes em vulnerabilidade social, que frequentavam os anos finais do EF contribuiu para aumentar a maioria das classes de habilidades sociais promovidas, as crenças de autoeficácia e a percepção de apoio social dos amigos, família e professores. Os resultados evidenciaram que estudantes do GI apresentaram aumento nos níveis de habilidades sociais de empatia, autocontrole, assertividade, abordagem afetiva e no escore total, após a intervenção. Resultados semelhantes foram observados em outras intervenções nacionais (Pereira-Guizzo et al., 2018; Silva & Murta, 2009; Leme et al., 2016; Souza et al., 2019) e internacionais (Akan, 2020; Parray & Kumar, 2017) com foco no desenvolvimento interpessoal de adolescentes. No que diz respeito ao GC, os resultados mostraram que não houve aumento nas habilidades sociais dos participantes desse grupo entre as medidas de pré-teste e pós-teste.
Na intervenção de Akan (2020), os resultados indicaram um aumento no grupo experimental nas habilidades de empatia e resolução de conflito. A habilidade social de empatia auxiliou na redução de comportamentos antissociais dos estudantes ao promover a expressão do afeto positivo, melhorando as relações interpessoais dentro da escola e a ampliação da rede de apoio social dos estudantes (Akan 2020). No que diz respeito a habilidade de autocontrole, a revisão de literatura identificou que essa habilidade pode auxiliar a permanência dos estudantes na escola e promover a motivação quando surgir alguma adversidade acadêmica e de vida (Dougherty & Sharkey, 2017). De fato, a presença de autocontrole possibilita a pessoa ser capaz de administrar suas emoções, pensamentos e comportamentos, tornando-se mais proativa e desenvolvendo relações mais saudáveis ao longo do seu processo desenvolvimental (Bandura, 1989).
A habilidade social de assertividade pode auxiliar na defesa, manutenção e/ou ampliação dos direitos humanos, relações interpessoais com equilíbrio de poder e ampliação de valores pro-éticos dos estudantes ao longo da vida (Parray & Kumar, 2017). Nesse sentido, a assertividade favorece o bem-estar psicológico, o desempenho acadêmico, as crenças de autoeficácia e diminuir os níveis de estresse dos escolares (Aliem et al., 2019; Parray & Kumar, 2017). Além disso, a expressão de sentimentos e pensamentos de maneira assertiva promove o enfrentamento em situações difíceis e auxilia em sua trajetória acadêmica e de vida (Dougherty & Sharkey, 2017).
No que tange a habilidade de abordagem afetiva, os resultados vão ao encontro de alguns estudos (Pereira-Guizzo, et al., 2018; Leme et al., 2016), que observaram que essa habilidade promove a formação de vínculos e a expressividade emocional, aumentando a percepção de apoio social da família e dos amigos pelos adolescentes. Além disso, na intervenção de Pereira-Guizzo et al. (2018) realizada com adolescentes de baixo nível socioeconômico, o aumento nas habilidades de abordagem afetiva facilitou a descoberta da sexualidade e convivência harmoniosa na escola. Desse modo, nota-se que a promoção de diferentes classes de habilidades sociais diminui riscos e agravos a saúde física e mental dos estudantes, favorece relações pautadas em valores éticos e morais dentro das unidades escolares e nos meios sociais que os escolares circulam e, com isso, contribui para a vida acadêmica dos alunos (Araoz et al., 2020; Gaspar et al., 2018 Dougherty & Sharkey, 2017).
Em relação às crenças de autoeficácia, os dados da intervenção evidenciaram que os alunos do GI apresentaram aumento nos níveis no pós-teste, corroborando pesquisas prévias (Aliem et al., 2019; Leme et al., 2016). No que diz respeito ao GC, os resultados mostraram que não houve diferença nas crenças de autoeficácia. O desenvolvimento do repertório de habilidades sociais por meio de intervenções em grupo realizadas no contexto escolar, pode proporcionar experiências de sucesso na realização de tarefas escolares, fortalecendo as crenças de autoeficácia (Aliem et al., 2019), visto que, conforme Polidoro e Casanova (2015), o sucesso dos alunos em atingir a excelência acadêmica está, de alguma forma, relacionado à motivação para aprender. Para os estudantes em situação de vulnerabilidade social, a presença de crenças de autoeficácia é ainda mais importante, na medida em que se configura como um fator de proteção frente as adversidades presentes nos seus contextos sociais, favorecendo, inclusive o engajamento escolar e o bom rendimento acadêmico (Olivier et al., 2019).
Sobre a percepção de apoio social dos amigos, família e professores, notou-se que os estudantes do GI apresentaram aumento nos níveis na avaliação de pós-teste. Tais resultados alinham-se as pesquisas anteriores realizadas com adolescentes em vulnerabilidade social (Leme et al., 2016; Rocha et al., 2021). Uma possível razão para isso ocorrer pode ser devido ao fato de que estudantes em situação de vulnerabilidade social se beneficiam dos recursos interpessoais promovidos nas intervenções com foco nas habilidades sociais que podem ser escassos no seu contexto social. De fato, após a intervenção de Dougherty e Sharkey (2017), os alunos melhoraram as dimensões de regulação emocional e habilidades sociais de empatia e autocontrole, além de ampliarem sua percepção de apoio social, principalmente no quesito crenças nos outros. Os resultados indicaram que os baixos índices acadêmicos e a falta de autocontrole e autopercepção impactavam negativamente na permanência desses alunos na escola e que eles percebiam que o apoio social ajudava na motivação deles quando enfrentavam algum tipo de dificuldade acadêmica e na vida (Dougherty & Sharkey, 2017). Portanto, no ambiente escolar, os alunos que se sentem mais apoiados e acolhidos pela sua rede de apoio e percebem o engajamento de pais e professores em seu cotidiano, conseguem buscar ajudar e enfrentar dificuldades interpessoais, melhorar sua satisfação com vida e seu desempenho acadêmico (Achkar et al., 2019; Costa e Fleith, 2019; Fernandes et al., 2018; Ximenes et al., 2019). No que diz respeito ao GC, os resultados mostraram que não houve aumento na percepção de apoio social dos participantes.
Em conclusão, o estudo avaliou os efeitos da aplicação de um programa de habilidades sociais no repertório de habilidades sociais, nas crenças de autoeficácia e na percepção de apoio social de estudantes em vulnerabilidade social. Os resultados indicaram a efetividade do programa uma vez que o GI aumentou os níveis de habilidades sociais de empatia, autocontrole, assertividade, abordagem afetiva e o total, os níveis de crenças de autoeficácia e de percepção de apoio social dos amigos, familiares e professores no pós-teste. No GC não se verificaram alterações. Correa et al. (2020) ressaltam que intervenções com adolescentes em vulnerabilidade social devem investir em estratégias de ensino baseadas em interações grupais e atividades semanais, pois no levantamento dos artigos foram as que tiveram os melhores resultados na promoção de competências sociais. Tais estratégias foram adotadas no presente estudo, o que pode explicar em parte os resultados exitosos encontrados nas avaliações de pós-teste do GI. Sendo assim, o programa de habilidades sociais implementado mostrou-se ser uma boa ferramenta no cotidiano escolar para fomentar as relações interpessoais positivas e promover recursos para os estudantes enfrentarem e resolverem problemas advindo de realidades sociais vulneráveis, contribuindo na permanência na escola.
Em relação aos limites, destaca-se que os alunos que compuseram o GI foram compostos majoritariamente por meninas e o GC, em sua maioria, por meninos, o que pode ter influenciado os resultados, uma vez que a literatura identifica que adolescentes do sexo masculino apresentam mais dificuldades interpessoais e acadêmicas. Desta forma, futuros estudos deverão adotar um delineamento experimental, com distribuição aleatória dos participantes para formação do GI e do GC, para poder mitigar possíveis vieses nos resultados. Além disso, é importante que futuras pesquisas façam uma avaliação de follow-up após um determinado intervalo de tempo da intervenção, para verificar se os efeitos positivos se mantiveram. Por fim, sugere-se que outros informantes, tais como professores e familiares dos alunos também avaliem os impactos da intervenção em seus relacionamentos interpessoais em investigações posteriores.
Apesar dos limites, os resultados da presente revisão, baseada em evidências de avaliações dos resultados, poderão contribuir com outros estudos de avaliação e intervenção, além de auxiliar na criação, ampliação e melhoria de políticas públicas educacionais de combate à evasão/abandono e à reprovação escolar, principalmente nos anos finais do Ensino Fundamental. Portanto, para que a escola seja um espaço de práticas de sociabilização pautadas por relações interpessoais positivas e que contribua com a defesa e a ampliação dos direitos humanos, é preciso investir no desenvolvimento interpessoal e emocional dos alunos e toda a equipe profissional da escola.