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Ciências & Cognição
versión On-line ISSN 1806-5821
Ciênc. cogn. vol.16 no.1 Rio de Janeiro dic. 2011
Revisão
Piscar atencional e as limitações do processamento de informações visuais conforme a frequência temporal
Attentional blink and the limitations of visual information processing related to temporal frequency
Carolina MenezesI, Candice Steffen HolderbaumII, Jerusa Fumagalli de SallesII e Lisiane BizarroI
ILaboratório de Psicologia Experimental, Neurociências e Comportamento (LPNeC), Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade, Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil;
IINúcleo de Estudos em Neuropsicologia Cognitiva (NEUROCOG), Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade, Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Resumo
O sistema cognitivo possui capacidade limitada de processar informações, priorizando recursos atencionais a algumas, em detrimento de outras. A influência do tempo entre a apresentação de dois estímulos parece ser importante para esta seleção, pois dependendo do intervalo, a atenção ao primeiro prejudica a percepção do segundo. A este fenômeno chamou-se piscar atencional - PA. O objetivo desta revisão é apresentar o PA, descrever o paradigma utilizado para o seu estudo, as pesquisas que inicialmente o identificaram, os principais modelos teóricos que buscam explicar o fenômeno, bem como a sua relação com o efeito de priming semântico e com o processamento de estímulos emocionais. Os estudos mostram que os recursos atencionais são limitados também no domínio temporal e que a não percepção do segundo estímulo parece estar mais relacionada a uma limitação do controle da distribuição atencional, do que a uma falta de recursos propriamente dita. Além disso, esta limitação parece se relativizar conforme a classe de estímulos investigada. Conjuntamente, os achados discutidos demonstram a utilidade desta ferramenta experimental, a qual pode contribuir para o estudo de processos mentais e suas interações. © Cien. Cogn. 2011; Vol. 16 (1): 165-179.
Palavras-chave: atenção; piscar atencional; priming semântico; processamento emocional, psicologia cognitiva.
Abstract
The cognitive system has limited capacity of information processing, which requires the attention to prioritize some and dismiss others. The influence of time between the presentation of two stimuli seems to be important for this selection because depending on the interval, attention to the first will impair the perception of the second one. This phenomenon has been coined attentional blink - AB. The objective of this review is to present the AB, describe the paradigm used for its investigation, the research that initially identified it, the main theoretical models that try to explain it, as well as its relation with semantic priming effects and emotional stimuli processing. The studies show that attentional resources are also limited in the temporal domain and that the failure to detect the second stimulus seems to be related to a limitation on the control of attentional distribution, instead of a lack of resources. In addition, this limitation seems to depend on the type of stimuli investigated. Taken together, the findings demonstrate the usefulness of this experimental task, which can contribute to the study of mental processes and their interaction. © Cien. Cogn. 2011; Vol. 16 (1): 165-179.
Keywords: attention; attentional blink; semantic priming; emotional processing; cognitive psychology.
Introdução
O limite de nossa capacidade atencional é desafiado pela quantidade e frequência temporal com que estímulos são apresentados (Marois & Ivanoff, 2005). Em outras palavras, o tempo pode ser um dos fatores determinantes para que o processamento seja seletivo e algo não seja percebido conscientemente. Este tipo de investigação tem sido possível devido ao uso de paradigmas que possibilitam avaliar de forma sistemática como a atenção se manifesta em diferentes contextos e sob que condições ocorrem suas limitações. Um paradigma que vem sendo extensamente utilizado para estudar e demonstrar a limitação temporal é o piscar atencional (PA).
O PA tem sido considerado central no estudo da atenção, com um proeminente aumento de publicações ao longo das últimas duas décadas (Martens & Wyble, 2010). Embora existam estudos nacionais sobre fenômenos atencionais (por exemplo, Baldo & Namba, 2002; Machado-Pinheiro, Gawryszewski & Pereira Jr., 2003), observou-se uma inexistência de artigos empíricos brasileiros e em língua portuguesa sobre o PA.
A partir desta constatação e tendo em vista a relevância do estudo da atenção e suas limitações para a compreensão do funcionamento dos processos mentais, o objetivo do presente artigo é apresentar uma revisão teórica sobre o PA. Será descrito o paradigma utilizado para o seu estudo (Apresentação Visual Serial Rápida - AVSR), as primeiras pesquisas que contribuíram para o seu conhecimento, bem como os principais modelos teóricos que buscam explicar o fenômeno. Por fim, serão apresentadas variáveis que podem ser manipuladas em experimentos utilizando o PA, discutindo de que forma este pode ser uma ferramenta útil para a investigação de outros fenômenos, como priming semântico e processamento emocional.
Piscar atencional
O piscar atencional, do inglês attentional blink, é um fenômeno referente a uma falha que as pessoas normalmente possuem na capacidade de prestar atenção e processar conscientemente um segundo estímulo apresentado muito próximo temporalmente do primeiro. Mais especificamente, se após a percepção de um alvo inicial, um alvo posterior for mascarado (isto é, seguido de um estímulo distrator, que não deve ser atentado) e apresentado em um intervalo de até 500ms, com frequência as pessoas terão dificuldade em relatá-lo corretamente (Raymond, Shapiro & Arnell, 1992). O segundo estímulo só será percebido com acurácia se o intervalo exceder 500ms; se o participante for solicitado a não processar o primeiro estímulo; ou se o segundo alvo for apresentado imediatamente após o primeiro (Shapiro, Raymond & Arnell 1997). Este fenômeno é encontrado, inclusive, após inúmeras práticas por parte dos participantes, o que sugere que a possibilidade de treinamento para superação desta falha atencional é limitada (Klein, Arend, Beauducel & Shapiro, 2011).
É importante ressaltar que, além de ser considerado um fenômeno (He, Cavanagh & Intriligator, 1997), o PA também é descrito como um método (Martens & Wyble, 2010; Shapiro, Raymond & Arnell, 2009) e como um paradigma (Marois & Ivanoff, 2005; Tallon-Baudry, 2004). É um fenômeno, uma vez que caracteriza algo que ocorre com a maioria das pessoas sob condições específicas, sendo muitas vezes também descrito como um déficit ou prejuízo na capacidade atencional (Chun & Potter, 1995; Raymond et al., 1992). É considerado um método, visto que viabiliza o estudo da atenção visual temporal, assim como sua interação com outros processos, tais como consciência e memória de trabalho. Por fim, é considerado um paradigma, pois caracteriza uma tarefa específica através da qual se investiga o fenômeno em questão. Também na condição de paradigma, pode ser utilizado em conjunto com outros métodos de investigação, contribuindo para o estudo neurocognitivo da atenção (Shapiro et al., 2009).
Ressalta-se que foi descartada a hipótese de que o PA poderia resultar de fatores sensoriais. Isto confirmou a interpretação de que o mesmo é um déficit na capacidade de atender ao estímulo, e levou à conclusão de que o limite dos mecanismos atencionais pode interferir, transitoriamente, no processamento visual (Raymond et al., 1992). Este resultado será melhor apresentado na sessão "histórico". Antes disso, o paradigma original que vem sendo adaptado e utilizado para a mensuração do PA será apresentado.
Paradigma da apresentação visual serial rápida
Analogamente à tarefa de detecção de sinais, utilizada para o estudo da atenção seletiva visual espacial, o principal paradigma utilizado para a avaliação do PA é a tarefa múltipla de Apresentação Visual Serial Rápida - AVSR (do inglês, Rapid Serial Visual Presentation multiple task- RSVP). Este paradigma se caracteriza pela apresentação sequencial de estímulos na tela do computador (Young, 1984), em rápida velocidade (entre 6 e 20 itens por segundo), em posição fixa do campo visual (Forster, 1970). Assim, alvos e distratores são distribuídos temporalmente, ao invés de espacialmente, o que possibilita que esta tarefa seja uma ferramenta útil no estudo da atenção visual temporal (Broadbent & Broadbent, 1987; Maki, Frigen & Paulson, 1997).
Os estímulos que compõem a tarefa podem ser letras, dígitos, palavras ou imagens. Geralmente, dois itens-alvo (A1 e A2) se diferenciam dos distratores de alguma forma (ex: letras minúsculas versus maiúsculas; dígitos versus letras; cor preta versus vermelha). Os alvos podem aparecer em diferentes posições temporais dentro da sequência, sendo o intervalo de tempo entre a apresentação de A1 e A2 conhecido como stimulus onset asynchrony (SOA). Além disso, as posições ocupadas logo após a apresentação de A1 são conhecidas como lags, ou seja, se A2 é o primeiro estímulo apresentado após A1, sua posição será chamada de lag1; se for o segundo estímulo, lag2; se for o terceiro, lag3, e assim consecutivamente. A instrução dada ao participante, em grande parte dos casos, é que identifique estes alvos e os evoque ao final de cada sequência, através de resposta oral ou escrita.
Histórico dos estudos sobre PA
O fenômeno do PA, mesmo antes de ser assim chamado, já vinha sendo observado em experimentos anteriores (Reeves & Sperling, 1986; Weichselartner & Sperling, 1987; Broadbent & Broadbent, 1987). Em 1986, Reeves e Sperling realizaram uma variação da tarefa múltipla da AVSR, chamada por eles de AVSR - attentional shift paradigm (Sperling & Reeves, 1980). À esquerda da tela, letras eram apresentadas sequencialmente e simultaneamente, à direita deste ponto, apareciam números. Os participantes eram instruídos a atentar para uma letra alvo e, quando esta aparecesse, mudar o foco da atenção para os números e tentar lembrar, em ordem, os quatro números subsequentes à aparição da letra alvo. Seus resultados mostraram que os participantes conseguiam lembrar os números, mas não a exata ordem de seus aparecimentos.
Weichselartner & Sperling (1987) adaptaram o AVSR - attentional shift paradigm (Sperling & Reeves, 1980) para avaliar os processos atencionais que podem ocorrer quando os olhos estão estacionados em um ponto fixo. Para isso, pares contendo uma letra e um número eram apresentados em um mesmo ponto de forma sequencial. A instrução era atentar para o aparecimento da letra C nestes pares e, quando isso acontecesse, lembrar quais números seguiam imediatamente esta apresentação. Seus resultados mostraram que os números que fazia par com a letra C e o que aparecia no par seguinte quase nunca eram relatados.
A característica semelhante entre estes estudos (Reeves & Sperling, 1986; Weichselartner & Sperling, 1987) era a apresentação simultânea de dois estímulos ao longo do experimento (por isso o termo AVSR - attentional shift paradigm). Havia, durante a tarefa, uma mudança no alvo a ser atentado. Nestes casos, primeiro deveria atentar para uma determinada letra e quando esta fosse localizada, o alvo passava a ser os números apresentados em seguida. A hipótese criada por Reeves e Sperling (1986) para explicar seus achados, chamada por eles de Attentional Gating Model (Modelo do Portão Atencional), postulava a existência de uma "porta" de atenção para a entrada do estímulo. A explicação dos autores foi que assim que o alvo era detectado, a "porta" atencional se fechava e abria-se uma nova porta atencional responsável pela tarefa (no caso, memorizar a sequência de números que precedia este alvo). A dificuldade na realização desta tarefa estaria, portanto, neste intervalo entre o fechamento de uma "porta" e a abertura de outra.
Foram Broadbent & Broadbent (1987) que realizaram um estudo sobre PA mais parecido com os atuais. Eles verificaram que as tarefas de busca visual não estavam bem adaptadas para captar o processo atencional sequencial e então propuseram o uso do paradigma AVSR padrão. Além disso, foram estes autores que sugeriram o uso de dois alvos em cada sequência. Ressalta-se que, em contraposição aos experimentos anteriores, neste não havia mudança de alvos, ou seja, se a instrução era atentar para letras, então duas letras seriam apresentadas muito próximas uma da outra na sequência da tarefa. Após a realização de quatro experimentos, os autores concluíram que os participantes ficavam impossibilitados de identificar corretamente o segundo alvo se este fosse apresentado até 400ms após o primeiro alvo. Os participantes, inclusive, relatavam não terem percebido a presença de um segundo alvo na sequência.
No entanto, foi no estudo de Raymond et al. (1992) que o fenômeno até então encontrado passou a ser chamado de piscar atencional. Eles revisaram os estudos da tarefa múltipla da AVSR e perceberam um padrão que indicava que a alocação da atenção visual para um item (alvo) produzia uma supressão temporária do processamento visual; como se os mecanismos perceptuais e atencionais piscassem. Em consequência disto, realizaram quatro estudos, dos quais os dois primeiros serão brevemente relatados. O primeiro se propôs a replicar um dos experimentos publicados por Weichselartner & Sperling (1987), utilizando diferentes estímulos (letras ao invés de dígitos) e apresentações um pouco mais rápidas (11 estímulos por segundo ao invés de 10 por segundo). Os participantes foram solicitados a identificar o alvo (letra branca) e então identificar as três letras apresentadas imediatamente após o alvo. O objetivo era determinar se estes estímulos poderiam produzir o déficit no processamento dos estímulos pós-alvo, já relatado por Weichselartner & Sperling (1987), o que se confirmou com os resultados encontrados.
O segundo estudo buscou verificar se o desempenho em uma tarefa simples de detecção pós-alvo, ao contrário da complexa tarefa de identificação pós-alvo utilizada no primeiro estudo, seria negativamente afetada por uma tarefa anterior de identificação do alvo. No caso de haver esta influência, os autores tentaram entender se este déficit no processamento pós-alvo era mediado por fatores sensoriais ou atencionais. Esses questionamentos derivam dos estudos prévios em que estes déficits no processamento pós-alvo foram encontrados (Broadbent & Broadbent, 1987; Reeves & Sperling, 1986; Weichselartner & Sperling, 1987), mas nos quais não ficou claro se estes eram decorrentes de déficits sensoriais, atencionais ou ainda mnemônicos.
Para isso, Raymond et al. (1992) testaram o período pós-alvo pedindo aos participantes para detectarem um item totalmente especificado (a letra X preta). Na condição experimental, os participantes eram requisitados a identificar o alvo (letra branca) e responder se uma letra X havia sido apresentada pós-alvo. Na condição controle, os participantes deveriam ignorar a cor do alvo e simplesmente responder se um X havia sido apresentado pós-alvo. Segundo os autores, os resultados deste segundo estudo mostraram que: 1) mesmo havendo especificado o item pós-alvo, os participantes não foram capazes de processá-lo; 2) já na condição controle, em que os participantes não eram instruídos a atentar à letra branca, o pós-alvo era corretamente identificado; 3) portanto, os déficits apresentados parecem ser decorrentes basicamente de um déficit atencional. Foi a partir destes resultados que Raymond et al. (1992) propuseram o entendimento deste fenômeno como consequência de um processo de piscar atencional.
Modelos explicativos do PA
Os modelos que têm sido propostos para explicar o fenômeno do piscar atencional parecem concordar que o mecanismo que leva a este "déficit" ocorre em um estágio de processamento relativamente tardio, ou seja, após o processamento sensorial (Shapiro et al., 2009). Serão apresentados quatro dos principais modelos explicativos: modelo de interferência, modelo dos dois estágios, a perda temporária de controle atencional, e a depleção de recursos.
A primeira hipótese explicativa para o fenômeno do piscar atencional foi proposta por Raymond et al., em 1992, quando o termo foi cunhado, e chama-se o modelo da interferência. Este modelo postula que o PA ocorre porque o estímulo distrator (máscara) subsequente ao primeiro alvo (A1) e temporalmente próximo a este interfere no processamento do segundo alvo (A2). Esta hipótese foi testada através de dois experimentos complementares. No primeiro, os participantes deveriam identificar uma letra branca como A1 e a letra X preta como A2, em meio a distratores (letras pretas). Apenas na condição experimental as autoras incluíram intervalos em branco de 90, 180 e 270 ms entre o A1 e os distratores. Conforme era esperado, os participantes que fizeram o experimento contendo estes intervalos tiveram uma probabilidade de detecção do A2 significativamente maior, em comparação à condição controle.
Portanto, a proximidade com que os estímulos distratores subsequentes ao alvo são apresentados pode interferir no processamento de A2 (Raymond et al., 1992), sugerindo que um mecanismo de supressão atencional ocorre quando a estimulação pós-alvo (distrator) interfere na identificação do segundo alvo. Para corroborar estes dados, Raymond et al. (1992) repetiram o experimento, mas com o diferencial de inserir os intervalos em dois momentos diferentes, um em que os intervalos separavam o A1 dos distratores subsequentes (como no experimento anterior) e outro em que os intervalos apareciam depois do primeiro distrator pós-alvo, de forma que o item que imediatamente seguia o A1 era um distrator. Também conforme esperado, os participantes que fizeram a tarefa com o intervalo em branco depois do primeiro distrator pós-alvo, em comparação a outra condição, tiveram um déficit significativo na detecção do A2, indicando que o distrator posterior ao alvo interfere no processamento. As autoras propuseram que, se um distrator subsequente ao alvo for apresentado enquanto o alvo ainda está sendo processado, o mesmo gera uma confusão ou uma interferência, que faz com que o mecanismo atencional se feche até terminar de processar o alvo. Segundo este modelo, os dois alvos alcançam a memória de trabalho, mas em virtude da interferência do distrator na consolidação de A1, o A2 não é percebido conscientemente.
O modelo dos dois estágios (Chun & Potter, 1995) se distingue da hipótese da interferência, embora busque integrar aspectos da mesma. Usando uma série de experimentos, Chun e Potter (1995) replicaram alguns achados encontrados por Raymond et al. (1992), mas também encontraram resultados adicionais ao manipular a tarefa a fim de verificar a influência da discriminação entre alvos e distratores. Ao invés de usar distratores que fossem da mesma classe, porém com características diferentes (por ex., alvos de letras vermelhas entre distratores de letras pretas), eles usaram diferentes classes (dígitos ou símbolos).
Para avaliar a interferência local, eles primeiramente apresentaram os alvos (letras) entre uma mistura de dígitos e símbolos, e variaram qual classe de distrator sucedia o A1 e o A2. Em um experimento posterior, a fim de avaliar a interferência global, apresentaram os alvos entre distratores dígitos para um grupo de participantes, e entre distratores símbolos para outro grupo de participantes. Posteriormente, manipularam os distratores novamente, apresentando os alvos entre dígitos, mas com o item lag1 sendo da categoria símbolo e o inverso para um experimento subsequente, apresentando alvos entre símbolos, mas com o item lag1 da categoria dígito. Estes experimentos mostraram que o déficit do piscar atencional foi significativamente menor quando o distrator era um símbolo (em comparação ao dígito), de forma que o déficit do piscar atencional pode ter seu curso temporal graduado pela natureza do distrator e que, portanto, ele não é um fenômeno tudo-ou-nada, como propôs Raymond et al. (1992).
Assim, no modelo dos dois estágios, cada um dos alvos passa por dois estágios de processamento. O piscar atencional surge porque o A1, o qual foi inicialmente detectado em um primeiro estágio, precisa ser processado e consolidado em um estágio subsequente, cuja capacidade é limitada. Quando um item distrator é apresentado logo após o A1, a identificação e consolidação de A1 fica mais lenta. Assim, quando o A2 ocorre em um intervalo entre 200-400ms depois da apresentação de A1, há um atraso na alocação de recursos para o segundo estágio de processamento de A2, o que resulta na sua não detecção em muitos casos.
Neste modelo, o primeiro estágio se caracteriza pela detecção rápida de características, sendo que os itens nesta fase são rapidamente esquecidos quando há interferência de estímulos subsequentes. O segundo estágio, cuja capacidade de processamento é limitada, é importante para um processamento adicional, visto que as representações dos níveis mais precoces de processamento (primeiro estágio) não são suficientes para o relato subsequente. Dessa forma, as representações são transferidas para uma condição mais durável, ou seja, para a memória de trabalho, caracterizando um segundo estágio, o qual só começa depois da detecção do alvo do primeiro estágio. Para Chun & Potter (1995), o seu modelo consegue explicar melhor do que a hipótese da interferência porque o segundo alvo (A2) também é processado quando apresentado logo após A1 (fenômeno chamado lag1 sparing). Os autores explicam que o segundo estágio opera qualquer representação interna de itens que esteja disponível na hora que o processamento começa, de forma que o estímulo imediatamente posterior ao alvo (outro alvo ou distrator) será provavelmente incluído no processamento. Quando ambos são alvos, não há interferência e ambos são processados. Quando o item após o alvo for um distrator, a dificuldade de discriminá-lo do A1 determina o afunilamento do segundo estágio. Até que o segundo estágio de processamento de A1 esteja completo, nenhum item subsequente será processado além do estágio um.
Mais recentemente, alguns autores têm investigado e divergido entre duas explicações mais amplas do PA: a perda temporária de controle atencional (Di Lollo, Kawahara, Ghorashi & Enns, 2005) e a depleção de recursos, esta última abarcando os modelos mencionados anteriormente (Dux, Asplund & Marois, 2008). Na primeira, argumenta-se que a ideia de que o PA ocorre porque há uma limitação nos recursos disponíveis é insatisfatória, uma vez que não se explica o fato de que, em alguns casos, o A2 é processado mesmo após o mascaramento (Di Lollo et al., 2005). Portanto, o déficit não seria o resultado de uma depleção de recursos, mas ocorreria em função de uma perda temporária de controle endógeno, de forma que a limitação surge, neste caso, do número de tarefas que podem ser realizadas concomitantemente, ao invés da quantidade disponível de atenção.
Esta hipótese foi testada através da manipulação e comparação de duas condições experimentais principais (Di Lollo et al., 2005). Em uma das condições, chamada de uniforme, três alvos (letras) eram apresentados em uma sequência ininterrupta, com dígitos distratores antes e após a sequência. A outra condição, chamada de variada, envolvia dois alvos letras separados por um distrator. Após demonstrar que o déficit do piscar atencional ocorria apenas para a condição variada (com distrator no meio), mesmo quando invertiam os papéis, tornando os dígitos em alvos e as letras em máscaras, dois experimentos adicionais foram feitos, incluindo uma segunda condição variada. Em um destes experimentos, além das condições uniforme e variada já descritas, outra condição variada requeria que as pessoas relatassem os dois alvos e a máscara entre eles. O outro experimento manipulou a segunda condição variada utilizando um símbolo como máscara entre os alvos, os quais continuavam sendo apresentados entre distratores dígitos. Em todos os experimentos houve um déficit no processamento de A2 apenas nas condições variadas, apoiando a hipótese da perda temporária de controle (Di Lollo et al., 2005).
Segundo esta hipótese, quando dois alvos são apresentados sequencialmente, o sistema é configurado a otimizar o desempenho no primeiro alvo, sendo que esta configuração inicial é controlada por sinais endógenos das regiões superiores, tal como o córtex pré-frontal, que funciona como um processador central guiado por objetivos. Quando este processador fica engajado no processamento do primeiro alvo, pára de emitir os sinais de controle. A interrupção neste mecanismo de controle corresponde ao lapso atencional. Na ausência de sinais de controle endógeno, o sistema se torna sob o controle exógeno do item subsequente (lag1). Se este item pertencer à mesma categoria que o primeiro alvo, irá se enquadrar na configuração em andamento e irá ganhar acesso a um processamento adicional. Se o item do lag1 não pertencer à mesma categoria que o primeiro alvo, irá desencadear uma mudança exógena na configuração do sistema, o qual deixará de estar otimamente sintonizado com a categoria do primeiro alvo. Consequentemente, o item do lag2 não será processado eficientemente. O déficit diminui à medida que o primeiro alvo é totalmente processado e o processador central retoma o controle endógeno.
A hipótese da perda temporária de controle foi questionada, pois não explica porque na condição uniforme, quando três letras são apresentadas ininterruptamente, o A3 é detectado, mas com a redução da acurácia de A1 (Dux et al., 2008). Dux et al. (2008) propuseram que há uma permuta (trade-off) entre os recursos empregados nos alvos, a qual não é abarcada pela hipótese da perda temporária de controle. A fim de avaliar se essa permuta entre A1 e A3 poderia explicar a diferença do PA entre situação uniforme a variada, estes autores replicaram o experimento de Di Lollo et al. (2005), utilizando a mesma condição variada com itens brancos e manipulando os recursos empregados no A1 na condição uniforme, através da variação da cor dos três estímulos e da máscara. Para um grupo, os alvos e distratores eram brancos; para outro grupo, os alvos e os distratores pós-alvo eram vermelhos e o distrator pré-alvo era branco. Acreditavam que a mudança de cor entre o distrator pré-alvo e A1 (de branco para vermelho) capturaria mais recursos para o processamento de A1, repercutindo na redução do processamento acurado de A3 e, portanto, em um piscar atencional tanto na situação uniforme, como na variada.
Os resultados replicaram os de Di Lollo et al. (2005), tanto na condição variada com alvos brancos, havendo um PA significativo na detecção de A3, como na condição uniforme com estímulos brancos, onde não houve PA. Também houve uma acurácia inferior de A1 na condição uniforme, novamente sugerindo uma permuta entre os recursos de A1 e A3 nesta condição. No entanto, conforme esperado, na condição uniforme com alvos vermelhos e distrator pré-alvo branco, a acurácia do A3 foi significativamente menor. Os autores entenderam que um piscar atencional pode ser observado em condições uniformes, caso o A1 necessite de mais recursos atencionais, e argumentaram que Di Lollo et al. (2005) não encontraram PA na condição uniforme porque a permuta na alocação de recursos entre A1 e A3 forneceu uma falsa impressão de que ambos são detectados, embora com acurácia menor. Assim, Dux et al. (2008) defenderam que seus achados apóiam a hipótese da depleção de recursos.
Alguns estudos utilizando respostas eletrofisiológicas - Potenciais Relacionados a Evento (ERP, do inglês event-related potentials) - têm sugerido que estas medidas podem auxiliar a distinguir qual modelo é o mais apropriado para explicar os mecanismos do PA. Embora estes estudos também forneçam resultados suscetíveis a interpretações distintas e, às vezes, divergentes, a ideia é que através dos componentes dos ERPs e suas respectivas distribuições temporais, pode-se inferir a progressão do processamento de um estímulo e o estágio em que a atenção começa a influenciar este processo (Kranczioch, Debener & Engel, 2003; Vogel, Luck & Shapiro, 1998).
Por exemplo, os componentes P1, N1, N400 e P3 foram investigados para avaliar se, durante o piscar, haveria processamento sensorial (P1 e N1), semântico (N400) e pós-perceptual (P3) (Vogel et al., 1998). Conforme esperado, P1, N1 e N400 não sofreram alteração durante a tarefa, ao passo que P3 foi suprimido durante o piscar, indicando que a informação parece ser identificada pelo sistema perceptual durante o intervalo do PA, mas que a mesma não pode ser recuperada na hora do relato. Estes achados apóiam os de Chun & Potter (1995) e Raymond et al. (1992), em que o PA é entendido como um processo pós-perceptual. Além disso, a supressão do P3 indica que a falha no processamento do A2 ocorre em um estágio tardio de seleção, apoiando o modelo dos dois estágios (Chun & Potter, 1995). No entanto, baseados na suposição de que o P3 reflete a atualização da memória de trabalho, Vogel et al. (1998) interpretaram que a sua supressão indica que o A2 não alcança a memória de trabalho, como é proposto no modelo dos dois estágios. Os autores então propuseram a ideia de um modelo híbrido, sugerindo que, além de dois estágios, também há uma interferência (Raymond et al., 1992), visto que os erros ao relatar A2 não são aleatórios, em geral refletindo o processamento dos itens distratores. A ideia é que os distratores entram junto com A1 no armazenamento do primeiro estágio, de forma que quando A1 é transferido para o segundo estágio, estes itens também acabam sendo transferidos para que o processamento do primeiro estágio de A2 se inicie. Esta transferência dos distratores, contudo, interfere no armazenamento posterior de A2, o qual não consegue ser recuperado.
No estudo de Kranczioch et al. (2003), resultado semelhante para P3 foi encontrado. Contudo, ao contrário de Vogel et al. (1998), em muitas tentativas o A2 foi corretamente detectado, eliciando o P3. Segundo os autores, isto indica que os itens apresentados durante o piscar atencional podem chegar à memória de trabalho, mas que muitas vezes não são relatados com acurácia porque ao serem comparados com outros itens que também entraram na memória de trabalho, sofrem uma interferência, o que gera erros. Embora com alguns resultados divergentes dos de Vogel et al. (1998), Kranczioch et al. (2003) postularam que os seus achados também apóiam a hipótese de um modelo híbrido, em que tanto um processamento de dois estágios, como a influência de interferências, são importantes para a compreensão do PA.
Com base nestes resultados e modelos explicativos, é possível perceber que ainda não há uma teoria única e conclusiva a respeito dos mecanismos subjacentes ao piscar atencional. Contudo, parece haver um consenso de que existe uma limitação na capacidade de processar e relatar conscientemente o segundo de dois alvos mascarados e apresentados muito próximos temporalmente. Além disso, os dados indicam que o alvo não percebido atinge algum grau de representação conceitual e que o PA reflete, portanto, um déficit na consolidação do A2 em função do engajamento atencional na consolidação de A1. Conforme será discutido a seguir, estudos investigando o priming semântico no paradigma do PA têm corroborado o achado de que o A2 alcança um nível perceptual, não sendo completamente eliminado do processamento. Além disso, o fenômeno do piscar atencional pode apresentar variações conforme a classe de estímulos utilizada, visto que é atenuado quando os itens envolvidos são de alta ativação emocional.
O efeito de priming semântico no PA
Apesar dos estudos iniciais a respeito do fenômeno do PA mostrarem evidências de que o segundo alvo (A2) da sequência não é processado (Reeves & Sperling, 1986; Weichselartner & Sperling, 1987; Broadbent & Broadbent, 1987; Raymond et al., 1992), estudos posteriores sugeriram que este é processado em certo grau. Para corroborar esta ideia, pesquisas avaliaram a existência de efeito de priming semântico durante o período de PA. Elas se basearam na ideia de que, mesmo que o indivíduo não conseguisse evocar corretamente o segundo alvo de cada sequência, a presença de relação semântica entre A1 e A2 poderia gerar aprendizado implícito, que pode ser verificado através do efeito de priming semântico. As tarefas utilizadas variaram ao longo dos experimentos, mas geralmente investigavam se A2, dentro do período do piscar atencional, poderia ser utilizado como prime e facilitar o processamento de um estímulo posterior. Outra opção foi de verificar se A1 poderia ser utilizado como prime e facilitar o processamento de A2, mesmo que este fosse apresentado durante o intervalo do piscar atencional.
Broadbent & Broadbent (1987) foram os primeiros a verificar a influência de relação semântica entre os alvos no piscar atencional. Dentre a série de experimentos no paradigma AVSR, em um deles, a associação entre dois alvos-palavras foi manipulada. Neste caso, seus resultados sugeriram não haver uma melhora na recordação do segundo alvo, tanto quando este era precedido por um primeiro alvo associado quanto por um não associado semanticamente.
Ainda que este primeiro resultado tenha sido desfavorável à existência de priming semântico durante o piscar atencional, Maki et al. (1997) argumentaram que o significado das palavras pode ser extraído em um estágio precoce de processamento, estando presente inclusive para palavras não atentadas. Por este motivo, conduziram uma série de experimentos para obter maiores informações a respeito do efeito de relações associativas entre alvos e distratores em uma tarefa AVSR. No experimento 1, os pesquisadores replicaram o estudo de Broadbent & Broadbent (1987), apresentando em cada sequência duas palavras alvos (A1 e A2) que poderiam ser, ou não, relacionadas entre si. Ao contrário do encontrado por Broadbent & Broadbent (1987), houve uma melhora significativa na recordação de A2 quando este estava associado ao A1, sugerindo a existência de um efeito de priming semântico mesmo durante o piscar atencional. No experimento 2, Maki et al. (1997) buscaram verificar se um distrator da tarefa (estímulo que deveria ser ignorado) poderia causar efeito de priming semântico em A2. Os resultados mostraram um pequeno, mas consistente efeito de priming semântico quando um distrator relacionado a A2 era apresentado imediatamente antes deste.
Dando continuidade a esta série de experimentos, Maki et al. (1997) investigaram se os resultados encontrados no experimento 2 dependeriam da atenção para as duas palavras-alvo. Para isso, acrescentaram uma condição controle proposta por Raymond et al. (1992), na qual os participantes foram instruídos a ignorar A1 e evocar somente A2. Os achados, no entanto, não mostraram diferenças entre o segundo e o terceiro estudo, aparecendo neste último também um pequeno, mas consistente efeito de priming semântico.
O priming também foi utilizado como uma ferramenta para investigar o processamento de duas palavras-alvo e sua relação com os intervalos entre os estímulos distratores (entre 27 e 213ms) em que eram apresentadas (Potter et al., 2005). Em 2002, Potter et al. (2002) haviam encontrado que a acurácia da evocação de A1 e A2 variava muito dependendo do tamanho destes intervalos, sugerindo algumas vezes que com intervalos muito pequenos A2 era identificado antes de A1. Por este motivo, Potter et al. (2005) manipularam a relação semântica entre A1 e A2 para descobrir se o efeito de priming semântico refletiria a ordem em que estes estímulos haviam sido processados. Seus resultados mostraram que, quando os alvos eram semanticamente relacionados, ambos apresentavam efeito de priming semântico com intervalo entre os estímulos igual a 0ms ou muito curtos. No entanto, quando este intervalo entre os estímulos aumentava, apenas A2 parecia ser beneficiado.
O priming semântico durante o piscar atencional também pode ser investigado através de Potenciais Relacionados a Evento (ERPs). Por exemplo, Pesciarelli et al. (2007) realizaram uma tarefa de AVSR em que eram apresentados randomicamente 19 distratores e 3 alvos. Ao final de cada sequência, os participantes eram solicitados a digitar, em ordem, quais eram os três alvos. Durante toda a testagem, os participantes tiveram seus registros de ERPs gravados. Os resultados corroboraram a presença de processamento semântico durante o intervalo do piscar atencional e o efeito facilitador de A2 para A3 quando estes eram semanticamente relacionados.
Recentemente, também usando ERPs, Batterink, Karns, Yamada & Neville (2010) utilizaram o paradigma do PA para investigar o papel de processos automáticos e controlados no processamento semântico. Neste estudo, foram apresentados um estímulo inicial (prime), 21 distratores (em fonte azul) e dois alvos (em fonte vermelha) em cada sequência. Ao final desta, os participantes deveriam responder perguntas sobre os alvos. De acordo com os autores, o achado de que o componente N400 estava associado somente a respostas corretas corrobora a hipótese de que este sinaliza processos estratégicos.
Diversos estudos têm utilizado o paradigma de priming semântico no estudo do piscar atencional para entender melhor o fenômeno do PA e de que forma outras variáveis afetam estes dois processos (ex: Pesciarelli et al., 2007; Potter, Staub & O'Connor, 2002; Potter et al., 2005). Estes estudos apontam evidências para refugar a hipótese inicial de que alvos apresentados no período do piscar atencional não são processados e por isso não são lembrados. Sabe-se que ocorre o processamento semântico destas palavras, mas o motivo desta informação permanecer implícita ainda é motivo de controvérsias entre diversos modelos explicativos.
Interação entre atenção-emoção no PA
O paradigma do piscar atencional tem sido bastante utilizado para a investigação da relação entre atenção e emoção. Recentemente, alguns autores inclusive cunharam o termo "piscar emocional" (emotional blink) para caracterizar o seu uso no estudo da interação destes processos (Langley et al., 2008). Através destes experimentos, é possível verificar esta interação de duas formas: tarefas que utilizam dois alvos e que avaliam se um A2 emocional atenua a magnitude do piscar, ou tarefas de um alvo, examinando se um distrator emocional, que não deveria ser atentado, prejudica a identificação do alvo subsequente, que deveria ser detectado. Além disso, também se investiga o quanto as valências e/ou os níveis de ativação que caracterizam um estímulo emocional são mais relevantes para capturar a atenção. Em geral, os estímulos com conteúdos emocionais utilizados podem ser palavras ou imagens, e através de diferentes ordenamentos e lags separando alvo(s) de distratores, é possível manipular a quantidade de atenção disponível e verificar o déficit do piscar atencional.
Por exemplo, Anderson (2005) realizou uma série de experimentos para verificar o quanto palavras emocionais capturariam a atenção, mesmo durante o período do PA, e quais aspectos destes estímulos - valência ou ativação (arousal) - seriam mais decisivos para esta captura. Foram utilizados dois alvos, sendo que o segundo (A2) compreendia palavras com valência negativa, positiva ou neutra, ou ainda com alta ativação negativa (palavras de cunho sexual, relacionadas a tabus). Conforme esperado e em consonância com os estudos de piscar atencional, quando o A2 era uma palavra neutra, ocorria um déficit na sua percepção consciente durante o intervalo que caracteriza o PA. Já para os A2s afetivos, o efeito do piscar atencional diminuiu, especialmente quando estes eram negativos, sendo que este resultado foi ainda mais expressivo para os alvos de alta ativação. Também foi verificado que a acurácia de resposta aos alvos de alta ativação foi significativamente maior, sendo que os indivíduos que classificaram os alvos como mais ativadores foram os que mostraram maior redução do piscar atencional. No entanto, ainda houve um efeito para o lag, ou seja, mesmo que os alvos de alta ativação tenham reduzido o piscar atencional, esta redução foi maior para os lags mais longos, como ocorre nos experimentos convencionais de PA.
A partir destes resultados, o autor concluiu que a ativação emocional dos eventos parece ser crítica para a captura da atenção, mesmo de forma involuntária. Contudo, o fato de mesmo para este tipo de estímulo ainda permanecer algum prejuízo atencional durante o período do PA é consistente com a ideia de que os estímulos emocionais independem de recursos atencionais de forma relativa, e não absoluta. De fato, o curso temporal com que os estímulos são apresentados parece contribuir para esta relatividade. Um estudo que confirmou a atenuação do PA quando o segundo estímulo era emocional - imagens eróticas, de nojo e de medo - também reproduziu o achado de que para lags mais longos o efeito da emoção, especialmente ativadora, é maior. As imagens eróticas foram as que mais produziram efeito no lag 2. Já no lag 4 e 6, estas imagens continuaram influenciando o PA, mas não diferiram entre si, apenas das neutras (Ciesielski, Armstrong, Zald & Olatunji, 2010).
A despeito do estágio temporal, o efeito das imagens ativadoras é reproduzido mesmo com modificações do experimento, tal como o utilizado por Arnell, Killman & Fijavz (2007). Neste, os participantes deveriam identificar apenas um alvo, caracterizado pelo nome de alguma cor, que seria apresentado entre distratores caracterizados por palavras afetivas positivas, negativas, neutras ou de alta ativação (palavras de cunho sexual). A hipótese testada foi de que as palavras emocionais (distratores) apresentadas antes do alvo receberiam processamento atencional preferencial, prejudicando a detecção e a acurácia do alvo. As análises apontaram que isto ocorreu de forma significativa para os alvos apresentados após distratores de alta ativação. Além disso, a avaliação que os participantes fizeram de quão ativadores os distratores eram predisse a acurácia da identificação do alvo, sendo que quanto maior a avaliação da ativação, menor a acurácia da identificação do alvo. Os autores também encontraram que a recordação das palavras de alta ativação foi significativamente maior do que os outros três tipos (positiva, negativa e neutra).
Estes estudos mostram que, ao menos em determinadas condições, a ativação de um estímulo emocional pode capturar a atenção involuntariamente e que o seu processamento ocorre a despeito de haver recursos atencionais reduzidos. Anderson (2005) discute que a influência da ativação de um estímulo no processamento da informação pode ser concebida como um mecanismo importante através do qual a seleção e a relevância dos estímulos garantem acesso privilegiado à consciência. A amígdala é uma estrutura cerebral que parece estar particularmente envolvida nesta facilitação, especialmente para conteúdos negativos (Anderson & Phelps, 2001). Pacientes com lesão da amígdala esquerda ou direita e um grupo controle participaram de um experimento que tinha como objetivo avaliar o papel desta estrutura na modulação que o afeto pode exercer sobre a percepção. Para tanto, foi utilizada uma variação do paradigma do piscar atencional, em que o A2 compreendia palavras negativas e de forte ativação ou palavras neutras. De acordo com o esperado, os participantes do grupo controle apresentaram uma redução do piscar atencional para as palavras negativas, assim como uma maior acurácia das mesmas. Já os pacientes com lesão da amígdala esquerda não apresentaram nenhuma vantagem na detecção destas palavras. Os autores então solicitaram que todos os participantes avaliassem a valência e a ativação das palavras. Não houve diferença entre os grupos quanto à avaliação dos conteúdos emocionais e, portanto, quanto à compreensão dos mesmos, indicando que a não detecção dos estímulos negativos no grupo com a amígdala esquerda lesionada não ocorreu por uma falta de compreensão dos atributos emocionais dos estímulos. Anderson & Phelps (2001) então sugeriram a hipótese de que a amígdala possui uma influência neuromodulatória na codificação perceptiva inicial, influenciando a probabilidade de eventos de importância afetiva alcançarem a consciência. Em outras palavras, a amígdala poderia ter um papel de melhorar a sensibilidade perceptiva de eventos importantes para o organismo, os tornando mais independentes de recursos atencionais.
Tomadas em conjunto, as pesquisas apresentadas indicam que os estímulos emocionais, particularmente negativos e de alta ativação, podem ser privilegiados no momento da seleção. No entanto, este privilégio pode sofrer influências de diferenças individuais, tal como a idade. Langley et al. (2008) compararam o desempenho de adultos jovens e idosos na acurácia da identificação de um segundo alvo (A2), o qual poderia ser representado por palavras neutras ou emocionais positivas ou negativas. Os resultados mostraram que além do grupo de idade avançada ter demonstrado um piscar atencional maior que os adultos jovens (quando os alvos eram neutros), este grupo também demonstrou um resultado significativamente diferente para os alvos de cunho emocional, apresentando uma maior acurácia na detecção destes. Os autores concluíram que pessoas mais velhas podem ser mais sensíveis à informação emocional, especialmente em contextos de grande demanda atencional.
Ainda outro tipo de aplicação do piscar atencional para o estudo do processamento emocional refere-se à avaliação de condicionamentos. Segundo Smith, Most, Newsome & Zald (2006), a maioria dos estudos que utiliza o piscar atencional para investigar a relação entre emoção e atenção apresenta estímulos emocionais aversivos de valor evolutivo. Estes autores demonstraram que o PA também pode ser útil para o estudo de processos de condicionamento e extinção. Após condicionarem os participantes a determinadas imagens (através do seu pareamento com estímulos aversivos), avaliaram se estas, quando apresentadas no paradigma do piscar atencional, capturariam a atenção com maior frequência do que as imagens não condicionadas. Mais especificamente, no paradigma utilizado, os participantes deveriam relatar apenas um alvo (deveriam dizer o grau de rotação de determinada imagem), sendo que este era apresentado entre distratores, que incluíam imagens condicionadas e não condicionadas. Smith et al. (2006) observaram que a acurácia na detecção do alvo foi significativamente menor quando as imagens condicionadas o antecediam e concluíram que condicionamentos emocionais também podem modular a atenção. Os autores ainda discutiram que este paradigma pode ser útil para o estudo de algumas condições, como transtornos de ansiedade, ou pacientes com lesões cerebrais, visto que é possível observar o efeito do condicionamento sem depender de medidas autonômicas, as quais podem nem sempre fornecer um indicador adequado da resposta emocional.
Embora muitos destes resultados ainda precisem de investigações adicionais, o que se percebe é que o paradigma do piscar atencional pode ser um método eficaz para o estudo da interação entre atenção e emoção e que, de fato, vem sendo bastante utilizado para esta finalidade. Seja através da utilização de palavras ou imagens emocionais, e pela identificação de um ou dois alvos apresentados entre determinados tipos de distratores, esta tarefa possibilita a avaliação do quanto um estímulo emocional interfere no processamento atencional e/ou o quanto um estímulo emocional pode ser processado mesmo com uma quantidade limitada de recursos. Além disso, variações destes experimentos, tais como diferentes tipos de estímulo emocional, ou amostras com características específicas, possibilitam distinguir em que condições e em que magnitude a emoção pode influenciar a atenção e vice-versa.
Sem a pretensão de ser um artigo que revise de forma sistemática toda a literatura existente a respeito do tema, o trabalho apresentou este importante paradigma para a investigação temporal da atenção, algumas das variáveis que podem ser manipuladas nos experimentos e a hipóteses explicativas. Visto que até o presente pouco foi encontrado a respeito do piscar atencional em publicações nacionais, este artigo buscou despertar a atenção para a utilidade desta ferramenta experimental, destacando a sua contribuição para o estudo de processos mentais e sugerindo algumas possibilidades de trabalho passíveis de serem realizadas.
Conclusão
Embora ainda se discuta os mecanismos subjacentes ao PA, existe um consenso de que o mesmo pode ser concebido como um déficit na capacidade atencional e como um paradigma útil para a investigação do processamento da informação e suas limitações em humanos. Os estudos mostram que os recursos atencionais são limitados também no domínio temporal e, no que concerne ao debate sobre as teorias de seleção, o PA indica que alvos que não são relatados conscientemente podem, ainda assim, alcançar algum grau de processamento, apoiando a ideia de uma seleção tardia. Esta seleção parece estar mais relacionada a uma limitação do controle da distribuição atencional, do que a uma falta de recursos propriamente dita. Além disso, esta limitação pode se relativizar conforme a classe de estímulos que está sendo investigada.
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