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Ciências & Cognição
On-line version ISSN 1806-5821
Ciênc. cogn. vol.17 no.2 Rio de Janeiro Sept. 2012
Artigo Científico
Avaliação do viés de atenção no canal auditivo e ansiedade em universitários
Assessment of attentional bias in the auditory channel and anxiety in undergraduate students
Wilson Vieira MeloI; Lisiane BizarroII; Marjana S. PeixotoIII; Alcyr Alves OliveiraIV
IDepartamento de Psicologia, Instituto Brasileiro de Gestão de Negócios, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil;
IIInstituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil;
IIIDepartamento de Estatística, Procuradoria Geral da República da 4a Região, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil;
IVDepartamento de Psicologia, Universidade Federal de Ciências da Saúde, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Resumo
A escuta dicótica foi um dos primeiros e mais importantes métodos de investigação da atenção seletiva. Estudos envolvendo a ansiedade não clínica utilizando este paradigma podem apresentar resultados diferentes daqueles observados em populações clinicamente ansiosas. O objetivo deste estudo foi comparar o viés de atenção para palavras com carga emocional em pessoas com diferentes níveis de ansiedade de traço e de estado usando a escuta dicótica. Os participantes foram estudantes universitários (n=84, média=22 anos de idade, desvio padrão=2,3) que responderam ao Inventário de Ansiedade de Traço e Estado (IDATE). Na tarefa, foram utilizados 20 pares de palavras com alto nível de ativação e valência negativa, pareadas com palavras controles neutras, advindas do Affective Norms for English Words (ANEW). Os resultados indicaram que a ansiedade de traço ou estado não são importantes para detectar o viés de atenção para estímulos negativos com altos níveis de ativação. © Cien. Cogn. 2012; Vol. 17 (2): 051-062.
Palavras-chave: atenção seletiva; viés de atenção; ansiedade; escuta dicótica.
Abstract
The dichotic listening task was one of the first and most important methods of investigation for selective attention. Studies involving non-clinical anxiety using this paradigm may yield results different from those seen in clinically anxious populations. This study aimed to compare the attentional bias toward emotional words in individuals with different levels of trait and state anxiety using dichotic listening task. Participants were undergraduate students (n=84, media=22 years old, standard deviation=2.3) who responded to the State and Trait Anxiety Inventory (STAI). In the task were used 20 pairs of words with high arouse and negative valence, paired ones with neutral, from the Affective Norms for English Words (ANEW). Results indicated that state and trait anxiety are not important to detection of the attentional bias toward negative stimuli with high levels of activation.© Cien. Cogn. 2012; Vol. 17 (2): 051-062.
Keywords: selective attention, attentional bias, anxiety, dichotic listening task.
Introdução
Estudos envolvendo a avaliação da atenção seletiva através do canal auditivo não são novidade no campo da psicologia experimental (Broadbent, 1958; Cherry, 1953; Treisman, 1960). Da mesma forma, a ansiedade tem sido estudada como um dos fatores emocionais mais influentes no funcionamento da atenção seletiva, tanto no canal visual quanto no auditivo (Mogg, Bradley & Hallowell, 1994; Mogg & Bradley, 1998; Peretti, 1998). Tais conceitos se relacionam e acabam por influenciar mutuamente em função de mecanismos adaptativos de sobrevivência uma vez que são vistos como estratégias utilizadas para detecção de perigo e ameaça (Cloninger & Gilligan, 1987; Jansson & Najström, 2009; Maner, Gailliot, Rouby & Miller, 2007).
O paradigma da escuta dicótica foi desenvolvido na década de 1950 com o intuito de estudar empiricamente os processos atencionais presentes em situações cotidianas onde a atenção processava estímulos auditivos como, por exemplo, em uma reunião social ou num coquetel (Cherry, 1953). O experimento consiste na apresentação simultânea, um em cada ouvido, de dois estímulos auditivos ao indivíduo, que é orientado a atentar para as mensagens de um ouvido apenas. Tal procedimento foi denominado sombreamento e a interferência do outro ouvido, isto é, aquele não sombreado indica o viés de atenção nesta tarefa (Driver, 2001). Os resultados apresentados pelo clássico estudo de Colin Cherry inspiraram o surgimento de importantes teorias relacionadas à atenção seletiva tais como a teoria do filtro (Broadbent, 1958) e a teoria da atenuação (Treisman, 1960). Para uma completa revisão histórica ver Driver (2001).
A escuta dicótica pode ser empregada de diferentes maneiras (Hugdahl, 2011) como, por exemplo, apresentando-se cinco pares de palavras por trial e ao final de cada uma o participante deve relatar quais estímulos lembra ter ouvido (Binder & Price, 2001; Hugdahl, 1999). Neste método de investigação do viés de atenção também existe a participação da memória de trabalho uma vez que os ítens que são apresentados inicialmente precisam ser armazenados até o momento de relatá-los.
A memória de trabalho, mais do que um tipo de memória, é considerada como um gerenciador uma vez que não gera arquivos e armazena a informação apenas durante o período necessário para a execução da tarefa (Lavie, Hirst, de Fockert & Viding, 2004; Lepsien & Nobre, 2006). A interação entre a memória de trabalho e a atenção seletiva ocorre o tempo todo uma vez que são processos cognitivos distintos, porém totalmente integrados e a tarefa da escuta dicótica acaba por sofrer uma interferência da primeira sobre a segunda (Camos & Tillmann, 2008; De Fockert, 2005). Além disso, a atenção seletiva parece também ser afetada por estados emocionais, tais como a ansiedade (MacLeod & Rutherford, 1992; Mathews, Richards & Eysenck, 1989; Peretti, 1998).
Dentre as muitas teorias sobre a ansiedade, a de Traço e Estado (Spielberger, Gorsuch, Lushene, Vagg & Jacobs, 1983) é uma das mais conhecidas e influentes. Nela são definidos diferentes aspectos da ansiedade, em uma divisão dos componentes genéticos - traço - e ambientais - estado (Lau, Eley & Stevenson, 2006).
Diversos estudos já apresentaram evidências de que as ansiedades de traço ou de estado podem influenciar no funcionamento da atenção em populações clínicas (Butler & Mathews, 1983; Mathews et al., 1989; Peretti, 1998). Contudo, o viés de atenção parece estar mais relacionado a estímulos específicos para uma determinada psicopatologia e não para qualquer tipo de estímulo (Eckhardt & Cohen, 1997; Lavy, van den Hout & Arntz, 1993; MacLeod & Rutherford, 1992; Ruiz-Caballero & Bermúdez, 1997). O presente estudo investigou o viés de atenção para palavras de uma tarefa de Stroop Emocional para pacientes com transtorno de ansiedade generalizada (Fava, Kristensen, Melo & Bizarro, 2009) a fim de averiguar se o viés de atenção no canal auditivo pode estar presente em uma população não clínica de universitários que foram avaliados quanto ao grau de ansiedade de traço e de estado. O objetivo principal foi o de comparar se o tipo de ansiedade, de traço ou de estado, bem como a sua intensidade, influenciam de diferentes formas o viés de atenção no canal auditivo em uma amostra de universitários sem nenhuma psicopatologia.
Materiais e método
Participantes
A amostra foi selecionada por conveniência, e composta devido aos critérios de exclusão por 84 estudantes de uma universidade privada do sul do Brasil, de lateralidade exclusivamente destra, com idades entre 18 e 26 anos, sendo que 43 eram do sexo feminino.
Os critérios de exclusão foram a lateralidade motora dominante, consumo de substâncias ou medicamentos, além da presença de sintomatologia psiquiátrica ou deficiência auditiva. Durante a fase de recrutamento dos participantes, aqueles que eram de lateralidade sinistra, ou que haviam consumido qualquer substância psicotrópica ilícita nos últimos 12 meses, haviam ingerido cafeína ou nicotina nas últimas duas horas ou que tinham ingerido bebida alcoólica nas últimas 24 horas foram excluídos da amostra (n=6). Além disso, também foram excluídos todos aqueles que faziam uso regular de qualquer medicamento de uso contínuo, com exceção de anticoncepcional (n=11). Aqueles que pontuaram mais do que 7 pontos na escala Self Report Questionnaire - SRQ-20 (n=15) ou apresentavam alguma deficiência auditiva (n=1) também foram excluídos do estudo.
A média de idade 22 anos (DP=2,3) com 14 anos de estudo (DP=1,9). A maioria dos participantes era de solteiros (89,3%) que trabalhavam durante o dia e estudavam à noite (76,2%). Algumas perguntas acerca das preferências de horários de sono e produtividade permitiram avaliar o ciclo de sono e vigília. Foi evidenciado que 9,5% eram matutinos, 23,8% vespertinos e 66,7% demonstraram ser indiferentes quanto ao ciclo de sono e vigília preferencial.
Instrumentos
Para caracterização da amostra foi utilizada uma ficha de dados sociodemográficos e biomédicos que incluía uma avaliação do nível socioeconômico, anos de escolaridade, trabalho e estudos, além de estado civil, histórico de doenças crônicas e avaliação de ciclos de sono/vigília.
Uma vez que se buscou uma população não-clínica foi utilizada a versão traduzida da Self Report Questionnaire - (Harding et al., 1980) para identificar distúrbios psiquiátricos em nível de atenção primária validado para a população brasileira (Mari & Willians, 1986). Este instrumento é composto por 20 questões elaboradas para detectar sofrimento mental (Borges, Jardim, Silva Filho & Silva, 1997; Santos, de Araújo & de Oliveira, 2009). O ponto de corte utilizado tem sido de sete respostas afirmativas (Smaira, Kerr-Corrêa & Contel, 2003).
Com o intuito de avaliar a ansiedade de traço e de estado foi utilizado o Inventário de Ansiedade Traço-Estado - IDATE (Spielberger et al., 1983). O IDATE é composto de duas escalas de autorrelato, com vinte questões cada, elaboradas para medir dois conceitos diferentes de ansiedade, isto é traço e estado.
Para avaliar o viés de atenção seletiva auditiva foi utilizado o paradigma modificado da Escuta Dicótica baseado nos experimentos que utilizaram este método de investigação do viés de atenção no canal auditivo (Hare & McPherson, 1984; Lewis, 1970; Manassis, Tannock & Barbosa, 2000; McNally, Otto, Yap, Pollack & Hornig, 1999). A tarefa consistiu na apresentação simultânea de duas palavras diferentes, uma em cada ouvido. As listas de palavras eram compostas por 20 palavras-alvo (ex: assassino, medo e bomba), isto é, potencialmente ansiogênicas e outras 20 palavras neutras (ex: utensílio, dedo e pomba) obtidas a partir do estudo de Fava e colaboradores que desenvolveu uma Tarefa de Stroop Emocional (Fava et al., 2009) a partir do banco de palavras Affective Norms for English Words - ANEW (Bradley & Lang, 1999). Os pares de palavras compostos por uma alvo e outra neutra (pareadas quanto a semelhança fonética e tamanho) foram agrupados em 4 blocos de cinco pares, evitando a sobrecarga da memória de trabalho. O viés de atenção foi estimado através do número de palavras que o sujeito lembra ter ouvido, ou seja, significativamente mais palavras da lista alvo ou controle. A tarefa foi construída no software E-prime 2 (Psychology Software Tools, Inc. EUA) e o arquivo digital com as palavras em português foi gravado em um estúdio fonográfico. O som foi devidamente tratado para que as palavras não apresentassem diferenças quando ao tamanho, isto é, o momento em que iniciavam e terminavam foi precisamente simultâneo para que um ouvido não fosse mais estimulado que o outro. Além disso, foi eliminado qualquer ruído da gravação que pudesse comprometer a qualidade sonora. A voz na gravação era feminina para que ficasse nítidamente diferente da voz masculina no pesquisador que aplicou a tarefa. Esse cuidado foi tomado, pois se pensou que isso puderia de algum modo aumentar o risco de falsas memórias quanto aos estímulos apresentados na tarefa.
Áudio 01 - Tarefa Escuta Dicótica - Tumor x Benzer
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5029
Áudio 02 - Tarefa Escuta Dicótica - Trauma x Lustre
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5030
Áudio 03 - Tarefa Escuta Dicótica - Terrorista x Tornozelo
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5031
Áudio 04 - Tarefa Escuta Dicótica - Terrível x Cordeiro
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5032
Áudio 05 - Tarefa Escuta Dicótica - Sufocar x Banheira
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5033
Áudio 06 - Tarefa Escuta Dicótica - Revolver x Bandeira
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5034
Áudio 07 - Tarefa Escuta Dicótica - Perigo x Tronco
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5035
Áudio 08 - Tarefa Escuta Dicótica - Pânico x Banho
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5036
Áudio 09 - Tarefa Escuta Dicótica - Medo x Dedo
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5037
Áudio 10 - Tarefa Escuta Dicótica - Matador x Escritor
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5038
Áudio 11 - Tarefa Escuta Dicótica - Invasor x Ventilador
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5039
Áudio 12 - Tarefa Escuta Dicótica - Criminoso x Unidade
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5040
Áudio 13 - Tarefa Escuta Dicótica - Crime x Padre
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5041
Áudio 14 - Tarefa Escuta Dicótica - Chantagem x Cortina
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5042
Áudio 15 - Tarefa Escuta Dicótica - Câncer x Nuvem
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5043
Áudio 16 - Tarefa Escuta Dicótica - Bomba x Pomba
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5044
Áudio 17 - Tarefa Escuta Dicótica - Assassino x Utensilio
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5045
Áudio 18 - Tarefa Escuta Dicótica - Assaltante x Edificio
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5046
Áudio 19 - Tarefa Escuta Dicótica - Árvore x Tortura
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5047
Áudio 20 - Tarefa Escuta Dicótica - Acidente x Banqueta
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/editor/downloadFile/781/5048
Também foi utilizado um monitor colorido de 17 polegadas com resolução de 1280 x 1024 que era conectado a um laptop para que ao final do experimento os participantes pudessem avaliar a adequação dos estímulos.
Procedimentos
Os participantes foram recrutados junto à universidade através de convite direto em sala de aula e através de lista de e-mails cedidas pelos coordenadores de cursos e professores. A participação no estudo era totalmente voluntária e a coleta de dados ocorreu sempre no período das 18:00 às 22:30 horas.
Diante da concordância em participar da pesquisa, foi entregue aos participantes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sendo esse assinado pelo participante e pelo pesquisador, em duas vias, uma cópia permanecendo com o participante e outra com o pesquisador.
A coleta de dados ocorreu sempre na mesma sala e com o mesmo equipamento a fim de se minimizar possíveis interferências na execução da tarefa experimental. A sala, com cerca de 12m2, possuía iluminação adequada e baixa interferência acústica, bem como todas as condições de espaço para organização do material e conforto do participante e pesquisadores. O encontro era individual de aproximadamente 45 minutos para o preenchimento dos instrumentos que compõem o protocolo de pesquisa do estudo.
Finalizada a leitura do TCLE, os participantes preencheram o SRQ. Após a aplicação dos critérios de exclusão ou desistências foram submetidos ao protocolo da pesquisa. Os instrumentos foram aplicados sempre na mesma ordem iniciando pelo IDATE que foi aplicado sempre antes da tarefa experimental para evitar possíveis efeitos nos resultados.
Na tarefa de escuta dicótica os participantes ouviram as duas listas de palavras, isto é, alvo e controle, simultaneamente nos dois ouvidos. As palavras foram apresentadas aleatoriamente, ou seja, ora no ouvido esquerdo ora no direito, de forma que pares de palavras como "dedo" e "medo", por exemplo, eram apresentados simultaneamente, no ouvido esquerdo ou no direito. A fim de que não fosse sobrecarregada a memória de trabalho, a lista com 20 pares de palavras foi dividida em quatro blocos com cinco pares de palavras cada. A ordem das palavras era randomizada e após o final de cada bloco os participantes falavam em voz alta as palavras que lembravam ter ouvido (McNally et al., 1999).
Ao término da tarefa foi solicitado aos participantes que avaliassem usando uma escala de 0 a 4 o quão ansiogênicas eram as palavras (nível de ativação) e, em uma escala de -2 a +2, o quão agradáveis (nível de agradabilidade) elas eram. Esta estratégia foi usada para investigar como os estímulos eram avaliados pelos participantes. Foram incluídas 10 palavras com valência positiva (ex.: amor, mãe, amizade e carinho) também oriundas do ANEW. Estes estímulos tinham níveis de ativação alto ou baixo e valência positiva (Bradley & Lang, 1999) de modo que fossem palavras bastante diferentes das que foram utilizadas na construção da tarefa e tornassem a avaliação dos estímulos alvo e controle mais confiável. Os estímulos verbais foram exibidos por escrito, um a um, em um monitor colorido conectado a um laptop, para que pudessem ser avaliadas pelos participantes. A ordem de apresentação das palavras também foi randomizada a fim de se minimizar o efeito de eventual cansaço.
Esta pesquisa está de acordo com a resolução n° 016/2000 (CFP, 2000) para pesquisas com seres humanos e foi aprovada pelo Comitê de Ética do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, registrado sob o número de protocolo de pesquisa 2009034.
Análise dos dados
Inicialmente, as informações foram organizadas em banco de dados no programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 18.0 e o cálculo amostral foi realizado utilizando o software Nquery Advision. Para verificar se os dados provenientes da escala IDATE seguiam uma distribuição normal foi realizado o teste Kolmogorov Smirnov. Tanto a escala de traço (p=0,298) quanto a de estado (p=0,128) apresentaram evidências de uma distribuição normal a um nível de significância de 5%. O viés foi calculado a partir da subtração do número de palavras percebidas das listas alvo e controle (McNally et al., 1999).
As relações entre as variáveis foram verificadas através de análise de variância acompanhada de teste t. Para avaliar a dependência entre o tipo de ansiedade com os resultados da tarefa foi utilizada a análise de regressão múltipla. O tamanho do efeito foi calculado para avaliar a força do relacionamento entre duas variáveis e. uma estimativa baseada na amostra.
Além disso, foi analisada a freqüência com que os participantes avaliaram as palavras alvo, controle e positiva no que diz respeito ao nível de ativação e ao grau de agradabilidade dos estímulos.
Resultados
A média geral da escala IDATE de ansiedade de traço apresentada por esta amostra foi de 39,37 pontos (DP=10,32) com intervalo de escores mínimos e máximos de 21 e 69 pontos, respectivamente. Já no que diz respeito aos escores médios da escala de ansiedade de estado a média foi de 38,1 pontos (DP=7,46), onde a pontuação mínima foi de 25 e a máxima de 59 pontos. Foi observada uma associação entre os escores das escalas de ansiedade traço e estado quando divididos em baixa e alta [x2(1)=24,97, p<0,001]. Quando divididas em três níveis, isto é, baixa, moderada e alta, também foi possível se observar uma associação entre as variáveis [ï.²(4)=19,62, p<0,001]. A associação entre elas igualmente foi observada quando divididas em quatro grupos, quais sejam, mínima, leve, moderada e alta [x2(9)=18,51, p=0,03].
O cálculo do viés de atenção foi estimado a partir da subtração da média de palavras identificadas da lista alvo pela média de palavras da lista controle (McNally et al., 1999). Foi realizado o teste t para comparação da média geral (M=-0,65, DP=3,13) com zero a fim de se verificar se estatisticamente havia uma diferença significativa (t(82)=-1,89, p=0,06, d=-0.21). Outras análises foram realizadas tal como a comparação entre a média de palavras relatadas da lista alvo (M=8,31; DP=2,21) com as da lista controle (M=7,66; DP=2,3) e tal diferença também não demonstrou ser estatisticamente significativa (t(82)=1,89, p=0,06, d=-0,33).
O teste de Levene foi utilizado a fim de se avaliar a homogeneidade de variância para os escores das escalas de ansiedade de traço (p=0,349) e de estado (p=0,997). Pelo teste de correlação de Pearson, há evidência de correlação positiva entre ansiedade do tipo traço e estado a um nível de significância de 5% (p<0,001).
O grupo foi dividido em três níveis de ansiedade de traço, ou seja, baixa (M=29,45; DP=3,55), moderada (M=38,25; DP=2,34) e alta (M=51,54; DP=6,31), a fim de se averiguar a presença do viés de atenção nesta amostra. O mesmo foi feito em relação a ansiedade de estado, isto é, baix. (M=31,31; DP=2,78), moderada (M=36,67; DP=1,39) e alta (M=46,50; DP=4,86). Essas análises também não demonstraram haver diferença estatisticamente significativa entre os escores médios dos grupos no que diz respeito à ansiedade de traço (F=0,10, p=0,90,: np2=0,00) e nem quanto aos três grupos na ansiedade de estado (F=0,28, p=0,79,: n2=0,00). As médias para os três subgrupos são apresentadas na tabela 1.
Traço | Estado | ||||||
Grupos | n | M | DP | n | M | DP | |
Baixa | 31 | -0,61 | 3,29 | 32 | -0,94 | 2,94 | |
Moderada | 25 | -0,46 | 2,70 | 22 | -0,29 | 3,18 | |
Alta | 28 | -0,86 | 3,37 | 30 | -0,60 | 3,36 |
Tabela 1 - Médias e Desvio Padrão do Viés para Três Subgrupos de Ansiedade de Traço e Estado
Foram realizadas também a comparação das médias do número de palavras relatadas de acordo com o sexo dos participantes e tal análise não indicou diferença estatisticamente significativa (t(81)=-1.08, p=0,29, d=-0,21). A divisão dos escores médios de ansiedade de traço em baixa (n=23) e alta (n=18) na amostra masculina (t(39)=0,15, p=0,89, d=-0,30) não indicou haver diferença. A mesma análise, isto é, ansiedade baixa (n=24) e alta (n=19) dentre as participantes do sexo feminino também não indicou haver diferença estatisticamente significativa (t(40)=0,63, p=0,63, d=-0,11). Nas escalas de ansiedade de estado o viés também não foi observado nem entre os participantes masculinos com ansiedade baixa (n=23) e alta (n=18), (t(39)=-0,13, p=0,89, d=-0,30) nem entre as participantes do sexo feminino com ansiedade baixa (n=28) e alta, (n=15), (t(81)=0,53, p=0,59, d=-0,09).
Por fim, foi realizada uma análise de regressão com as variáveis ansiedade traço e estado, e o modelo global (Model F=0,16, p=0,85), estado (Beta=-0,05, p=0,65) e traço (Beta=0,06, p=0,61), não foi significativo. Quando a regressão foi rodada apenas com a variável estado (Model F=0,05, p=0,81), estado (Beta=-0,02, p=0,81), ou apenas com a variável traço (Model F=0,11, p=0,74), traço (Beta=0,03, p=0,74), ainda assim não demonstrou ser significativo.
Quando solicitado aos participantes que avaliassem o nível de ativação e valência das palavras alvo, controle e positivas a fim de se averiguar se de fato os estímulos eram adequados para esta amostra, os resultados indicaram que as palavras tinham de fato a valência e nível de ativação desejado. No que se refere ao nível de ativação, a lista de palavras alvo teve uma média de 2,62 pontos (DP=1,37) em uma escala que variada entre zero (nenhuma ativação) e quatro (muita ativação). Já as palavras da lista controle tiveram uma média de 0,27 pontos (DP=0,76) e a lista de estímulos positivos média de 1,39 pontos (DP=1,5). Foram feitas análises comparando as avaliações dos indivíduos com traço de ansiedade baixa e alta, não foi encontrada diferença estatisticamente significativa na avaliação das palavras quanto ao nível de ativação das mesmas (t(81)=-1,63, p=0,11, d=2,43). Tal análise também não evidenciou diferença no que se refere à ansiedade de estado (t(81)=0,25, p=0,80, d=2,43).
Já no diz respeito à avaliação do nível de valência dos estímulos, os participantes poderiam considerá-los dentro de uma escala que variava entre -2 (muito desagradável) e +2 (muito agradável). A lista de palavras alvo foi considerada em média, muito desagradável por 65,5% (n=55) dos participantes, assim como a lista de palavras controle foi considerada neutra por 58,3% (n=49) dos participantes. Já a lista de palavras positivas teve sua valência avaliada como positiva por em média 79,8% (n=67) dos sujeitos. Dessa forma, todas as três categorias foram avaliadas como adequadas. Quando feitas as análises comparando as avaliações dos indivíduos com traço de ansiedade baixa e alta, não foi encontrada diferença estatisticamente significativa na avaliação das palavras quanto a agradabilidade (t(49)=1,94, p=0,06, d=4,72). Tal análise também não evidenciou diferença no que se refere a ansiedade de estado (t(80)=1,34, p=0,18, d=4,72).
Discussão
Os resultados apresentados demonstram que a atenção seletiva não direcionou seus recursos a estímulos auditivos mesmo que eles possuam um conteúdo emocional negativo e um nível de ativação intenso. Apesar de diversos estudos demonstrarem haver uma seletividade do direcionamento de tais recursos a estímulos com tais características, esses experimentos costumam ser conduzidos em amostras de participantes com características cognitivas específicas (Bruder, Wexler, Stewart, Price & Quitkin, 1999; Hare & McPherson, 1984; Manassis, Tannock & Masellis, 1996; Manassis et al., 2000; McNally et al., 1999), isto é, uma determinada psicopatologia e estímulos diretamente relacionados a elas.
Nas psicopatologias, tal viés pode estar relacionado ao desenvolvimento de características cognitivas relacionadas a sobrevivência que apareceriam descontextualizadas, isto é, exageradas e amplificadas. O direcionamento dos recursos da atenção para estímulos ameaçadores pode estar ligado a mecanismos adaptativos, filogeneticamente transmitidos e diretamente ligados a preservação da vida (Estes & Verges, 2008). Em populações não-clínicas como na do presente estudo, é possível que tal viés não seja evidenciado uma vez que tais características não teriam se desenvolvido durante a ontogênese. Isso não quer dizer que pessoas sem psicopatologia não busquem, igualmente, preservar a vida. Contudo, parece que tais características não teriam quantitativamente a mesma valência do que nas psicopatologias.
O que produz o viés de atenção para o ambiente são características cognitivas específicas dos esquemas mentais relacionados ao estímulo (Ruiz-Caballero & Bermúdez, 1997). Assim, se um indivíduo apresenta um medo acentuado acerca de ter ataques de pânico ou passar mal, estímulos relacionados a sensações corporais irão captar mais facilmente os recursos da atenção (McNally et al., 1999), o que explicaria o efeito do viés.
Tanto a ansiedade de traço como a de estado não demonstraram estar relacionadas ao viés de atenção. Estes resultados estão de acordo com outras publicações que da mesma forma não relacionaram o viés de atenção unicamente aos índices de ansiedade de traço e estado, mas sim a especificidade de conteúdo dos estímulos utilizados na construção da tarefa (Frewen, Dozois, Joanisse & Neufeld, 2008; Lipp & Derakshan, 2005).
Dessa forma, os resultados do presente estudo podem ser explicados através de um conjunto de variáveis e não em um único fator. Entre as possíveis justificativas, talvez a principal razão se deva a falta de especificidade do conteúdo semântico das palavras (Lipp & Derakshan, 2005), uma vez que estavam relacionadas com uma psicopatologia que por definição é generalizada (Fava et al., 2009). Contudo os participantes não tinham nenhuma psicopatologia diagnosticada, isto é, nenhuma especificidade de conteúdo cognitivo. Sabe-se que a ausência de especificidade de conteúdo interfere no potencial de ativação dos recursos da atenção em tarefas que avaliam o viés (Lees, Mogg & Bradley, 2005; Mogg et al., 1994; Mogg & Bradley, 1998).
Por mais que os estímulos utilizados na presente tarefa de escuta dicótica tenham sido selecionados a partir de um banco de palavras com alto potencial de ativação e valência negativa (Bradley & Lang, 1999; Kristensen, Vieira, Kochhann, Silveira & Parente, 2007), a seleção dos juízes especialistas do estudo de Fava et al. (2009) buscou a especificidade do funcionamento de pacientes com transtorno de ansiedade generalizada. Talvez se a amostra do presente estudo fosse de pacientes portadores desta psicopatologia ao invés de uma população não clínica o viés de atenção poderia ter sido evidenciado.
Desse modo, vale ressaltar que no presente estudo foi utilizado o SRQ-20 como instrumento de triagem diagnóstica a fim de excluir aqueles que por ventura apresentassem sintomas importantes de alguma psicopatologia. Essa escolha metodológica pode certamente ter influenciado no resultado da tarefa uma vez que, apesar dos estímulos terem sido avaliados pelos sujeitos como tendo uma alta ativação e valência negativa, eles podem não possuir um efeito significativo nesta amostra específica. O que difere a psicopatologia da normalidade é muito mais uma questão quantitativa do que qualitativa (Baker, McFall & Shoham, 2009; Cacioppo, Petty, Feinstein & Jarvis, 1996; Fox, Russo, Bowles & Dutton, 2001; Pérez, Rivera, Fuster & Rodríguez, 1999).
Por fim, outro ponto importante é o de que é sabido que estímulos visuais tal como imagens tendem a ter maior potencial de ativação do que palavras (Lees et al., 2005; Mogg & Bradley, 1999; Mogg & Bradley, 1998). Apesar dos estímulos terem sido avaliados pelos participantes como adequados a tarefa, o potencial de ativação dos mesmos pode não necessariamente indicar uma capacidade de ativação suficiente para que a tarefa possa detectar.
Conclusão
O viés de atenção no canal auditivo através do uso do paradigma da escuta dicótica vem sendo bastante estudado há pelo menos seis décadas (Driver, 2001) e permanece sendo uma ferramenta importante. Contudo, parece ser necessário que se construa a tarefa experimental com estímulos que tenham uma relação direta com o conteúdo dos esquemas mentais dos participantes do experimento em questão, possivelmente inviabilizando o estudo deste tipo de viés na população geral. No presente estudo, a construção da tarefa com estímulos com valência negativa e alto grau de ativação demonstrou não ser o suficiente para evidenciar o viés de atenção.
Contudo, se por um lado os estímulos não eram específicos para nenhum transtorno mental, por outro, os participantes também não tinham nenhuma psicopatologia diagnosticada. Assim, percebe-se que os participantes não foram selecionados com base em uma característica cognitiva específica, tal como, por exemplo, sensibilidade a ansiedade ou medo de cobras.
Desse modo, a ausência de viés de atenção para as palavras alvo pode ser devido ao fato de que os estímulos utilizados no presente estudo, não provocaram desconforto e ansiedade suficientes para revelar o viés de atenção em uma amostra com perfil de baixa ansiedade e sem nenhuma especificidade de conteúdo dos esquemas mentais. Sugere-se que em futuros estudos, busque-se estudar participantes com maior grau de ansiedade, ou ainda que se induzam os participantes a aumentar os níveis de ansiedade de estado, bem como uma maior especificidade do conteúdo de suas preocupações. Outra sugestão para futuros trabalhos poderia ser testar em uma tarefa de Stroop Emocional usando estas palavras, explorando assim a possibilidade de viés no processamento da atenção visual em populações não clínicas.
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Notas
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