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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
Print version ISSN 1808-5687On-line version ISSN 1982-3746
Rev. bras.ter. cogn. vol.2 no.2 Rio de Janeiro Dec. 2006
ARTIGOS
Propriedades psicométricas de uma escala de auto-eficácia acadêmica e suas relações com desempenho estudantil e interação social
Psychometric properties of an academic self-efficacy scale and its relations with student's achievement and social interaction
Angela Perez de Sá
Professora da Universidade Estácio de Sá, Mestra em Psicologia Social – UGF, Doutoranda em Psicologia Social – UERJ, Psicóloga Clínica
RESUMO
Este trabalho apresenta os resultados para a determinação das propriedades psicométricas de uma escala de auto-eficácia acadêmica dirigida a universitários e evidencia as relações existentes entre constructo investigado, desempenho acadêmico e interação interpessoal. Através das técnicas correlacionais simples e da análise fatorial, constatou-se a existência de quatro fatores principais (Eigenvalue e”1) e se confirmaram a consistência interna (µ = 0,902) e a estabilidade do instrumento (r = 0,723; p< 0,01). O constructo se correlaciona tanto com o coeficiente de rendimento (r = 0,520; p< 0,01), como com o total do Inventário de Habilidades Sociais (r = 0,602; p< 0,001) e a maioria de seus fatores. Esses achados destacam a importância de serem realizados mais estudos capazes de verificar a força das crenças de auto-eficácia acadêmica, de modo a ampliar o entendimento das formas com que estas se relacionam com o bom ou mau ajustamento social, interpessoal e, conseqüentemente, com o desempenho estudantil. O instrumento é mais um recurso para detectar e aprimorar as capacidades e competências acadêmicas e sociais, viabilizando a superação de dificuldades intra e interpessoais previamente adquiridas que possam prejudicar o desempenho e comprometer tanto as possibilidades de escolha profissional como a própria realização pessoal.
Palavras-chave: Auto-eficácia acadêmica, Desempenho, Interação social.
ABSTRACT
This paper presents the psychometric properties of an academic self-efficacy scale for college students and emphasizes the existent relations between this construct, social interaction and achievement. Through simple correlation and factorial analysis techniques, four main factors were verified (Eigenvalue = 1) and they confirmed the internal consistency (µ = 0,902) and the stability of the instrument (r = 0,723; p <0,01). The construct correlates with general achievement coefficient (r = 0,520; p <0,01), as well as with the total of the Inventory of Social Skills (r = 0,602; p <0,001) and most of its factors. Those discoveries highlight the importance of more studies capable of verifying the force of academic self-efficacy beliefs, to improve the understanding of the ways in which those beliefs are related to good or bad social and interpersonal adjustment and, consequently, with student achievement. The instrument is another resource to detect and develop abilities and academic and social competences, making it possible to overcome intra and interpersonal difficulties previously acquired that can impair achievement and professional choice as much as personal accomplishment.
Keywords: Academic self-efficacy, Achievement, Social interaction.
Há um velho dito popular que afirma que quem não tem competência não se estabelece. Porém, ao que parece, a questão é um pouco mais complicada do que ter ou não ter competência. Basta nos lembrarmos do número de vezes que já dissemos a alguém ou ouvimos de alguém as famosas frases: “Vai lá! Você consegue.” Logo, ter competência para se estabelecer — aqui entendido como se realizar — é muito mais uma questão de acreditar que se consegue fazer alguma coisa, do que, de fato, se ter condições para fazê-la.
Contudo, cabe perguntar: o que entendemos por competência?
Segundo os organizadores da Wikipédia (2006), chamamos de competência a integração e a coordenação de um conjunto de habilidades, conhecimentos e atitudes que na sua manifestação produzem uma atuação diferenciada. Para Ferreira (1986), competência é a qualidade de quem é capaz de apreciar e resolver certo assunto, fazer determinada coisa; capacidade, habilidade, aptidão.
No entanto, nem sempre estamos completamente cientes e certos acerca do que conseguimos ou não realizar com maior ou menor competência. E, como nem sempre estimamos devidamente a nossa real competência, acabamos restringindo nosso leque de opções e fazemos nossas escolhas pessoais pautados nos comportamentos que acreditamos desempenhar com maior eficácia, evitando ou adiando todas as situações que possam vir a requerer habilidades e aptidões que não acreditamos possuir, ou que não parecem ser suficientes para nos garantir os desfechos desejados.
Os termos capacidade e competência costumam ser empregados como sinônimos. Entretanto, para os propósitos dessa exposição, talvez fosse interessante fazer uma distinção entre essas duas condições. Ao pesquisar sobre inteligência, frustração e motivação, De Sá (2002), De Sá, Lima e Grangeiro (2004a) e De Sá, Silva e Silva (2004b) observaram que deveria ser feita uma diferenciação entre capacidade e competência, sendo o primeiro termo mais adequado para designar possibilidades e potenciais de ação ainda por serem desenvolvidos, e o segundo referente às capacidades já desenvolvidas e atualizadas. Logo, toda competência seria uma capacidade latente já manifesta e, portanto, patente.
A importância do despertar das capacidades humanas tem sido bastante debatida. E, independente das inúmeras discussões acerca das origens inatas ou ambientais das competências humanas, já parece haver algum consenso referente à interação em maior ou menor grau desses dois fatores (Fernald, 1997). Deste modo, se existem capacidades inatas latentes, cabe aos educadores formais e informais buscarem meios de tornar essas capacidades latentes em competência manifesta e reconhecida pelo seu possuidor, ou seja, munir o aprendiz de crenças realistas de eficácia pessoal.
Muito se tem discutido acerca de uma série de competências necessárias ao amplo desenvolvimento pessoal, interpessoal, social, acadêmico e profissional, ou seja, atualmente existe um conjunto de qualidades a serem adquiridas que, segundo a grande maioria dos teóricos contemporâneos, tanto ampliaria o repertório de comportamentos adaptativos como permitiria o estabelecimento de relações mais satisfatórias nos mais diferentes domínios e contextos de que participamos, o que aumentaria a possibilidade de preservarmos o nosso bem-estar bio-psico-social.
No entanto, até mesmo para transformarmos uma capacidade em competência é necessário acreditarmos que somos suficientemente eficazes para colocar tal processo em andamento. Em outras palavras, precisamos desenvolver crenças positivas e realistas de eficácia no domínio pretendido.
Por outro lado, para o pleno desenvolvimento de crenças positivas e realistas é necessário primeiramente investigar as crenças de eficácia pessoal já existentes, as quais exercem uma forte influência sobre as escolhas e metas de vida que estabelecemos.
Dentre esse conjunto de crenças de eficácia, encontram-se as crenças de auto-eficácia acadêmica, capazes de influenciar o modo com que cada um interage com o saber formal e com as situações rotineiras que constituem a dimensão acadêmica.
A idéia central deste artigo é primeiramente apresentar as propriedades primárias de uma escala de auto-eficácia acadêmica percebida e divulgar a relevância das crenças de auto-eficácia acadêmica sobre o desempenho estudantil, evidenciando a importância de serem compreendidas e trabalhadas as relações existentes entre as crenças pessoais de eficácia acadêmica e outros constructos igualmente essenciais para o desenvolvimento de um indivíduo seguro, autoconsciente, participativo e saudável — como a competência social e as habilidades de interação interpessoal.
Assim, após expor brevemente os pressupostos teóricos que fundamentam e explicam a natureza, as propriedades e os processos mediados pelas crenças de auto-eficácia, são apresentados e discutidos os resultados de um conjunto de investigações desenvolvidas, ao longo dos últimos cinco anos, por um grupo independente de estudos e pesquisas em auto-eficácia acadêmica coordenado e supervisionado pela autora deste trabalho.
As crenças de auto-eficácia percebida vieram a ampliar as fronteiras da Aprendizagem Social e podem ser consideradas como o núcleo central da resposta de Bandura às noções reducionistas e causais do associacionismo behaviorista com a revalorização do papel do auto-sistema e da capacidade de auto-agenciamento humano através da auto-reflexão.
As contínuas contribuições de Bandura à Psicologia são de valor inestimável. Em 1963, Bandura e Walters (citados por Lundin, 1977) desenvolveram os conceitos de aprendizagem por observação e de reforço vicário, o que trouxe uma nova interpretação a uma série de comportamentos auto-motivados e levou à reconsideração da Teoria da Frustração-Agressão proposta por Dollard, Miller, Mowrer, Sears e Doob (1961).
Ao valorizar os autoprocessos desprezados pelos behavioristas, Bandura (1977) argumentou que os indivíduos criam e desenvolvem autopercepções de suas capacidades, as quais, além de influenciarem seus objetivos e o modo com que buscam realizá-los, também dizem respeito ao grau de controle que esses indivíduos exercem sobre o ambiente que os cerca.
Mas foi em 1986, com a publicação de Social Foundations of Thought and Action, que Bandura propôs uma teoria do funcionamento humano que tinha como elemento-chave as crenças auto-referenciadas. Essas crenças seriam o núcleo central do auto-sistema que permite que os indivíduos exerçam não só controle sobre os eventos ambientais, mas também sobre seus pensamentos, sentimentos e ações.
Portanto, todos os comportamentos e motivações humanas seriam, em certa medida, gerenciados pelas crenças que as pessoas têm acerca de suas próprias capacidades, ou seja, os pensamentos auto-referenciados seriam os mediadores entre pensamento e ação.
Esse auto-sistema, além de comportar as crenças de eficácia pessoal, também abriga estruturas cognitivas e afetivas que permitem as capacidades de simbolizar, de aprender com as experiências alheias, de planejar estratégias alternativas, de regular o próprio comportamento e de processar a auto-reflexão que, por sua vez, permite que os indivíduos avaliem suas próprias experiências e processos de pensamento.
Bandura (1986) denominou essas crenças pessoais relativas à autopercepção de capacidades de auto-eficácia percebida. Por definição, a auto-eficácia percebida se refere às crenças que alguém nutre acerca de suas próprias capacidades para organizar e executar o curso de ação necessário para o desdobramento de situações prospectivas que afetam suas vidas.
As fontes principais de geração de crenças de auto-eficácia são o modo com que avaliamos nosso desempenho e nossas experiências de êxito, as experiências indiretas — a modelação, a persuasão verbal, e o modo com que interpretamos a excitação emocional que sofremos em uma determinada circunstância.
Mas, à medida que as crenças de auto-eficácia percebida são geradas, elas também passam a determinar pensamentos, sentimentos, comportamentos e motivações pessoais. Essa influência atua através de quatro processos principais: o cognitivo, o motivacional, o afetivo e o de seleção.
Os processos cognitivos são mediados pelas crenças de auto-eficácia, que podem vir a estimular ou a depreciar o desempenho, através dos pensamentos antecipatórios ou inferenciais que estão associados a esses processos. Assim, as pessoas criam perspectivas futuras e estruturam seus objetivos de vida influenciadas pela avaliação das capacidades pessoais. Quanto mais forte a auto-eficácia percebida, mais arriscados são os objetivos estabelecidos e mais firmemente as pessoas se comprometem com eles (Wood & Bandura, 1989; Locke & Lathan, 1990).
Como os processos motivacionais estão amplamente associados à atividade cognitiva, também são influenciados pelas crenças de auto-eficácia.
Um objetivo por si só não é agente de sua própria realização, mas os pensamentos premeditados traduzem-se em incentivos e cursos de ação com o auxílio dos mecanismos de auto-regulação. Assim, ao se motivarem com suas conclusões cognitivas, as pessoas orientam suas ações segundo seus pensamentos premeditados. É o processamento desses pensamentos antecipatórios que formam e reforçam as crenças do que podemos ou não fazer, que nos alertam para os supostos desfechos positivos e negativos, que nos proporcionam com maior ou menor clareza os recursos internos a serem utilizados para conquistarmos o futuro que almejamos e para evitarmos resultados aversivos. Portanto, as crenças de auto-eficácia exercem um papel fundamental na regulação cognitiva da motivação.
As crenças de auto-eficácia também exercem um papel relevante na auto-regulação dos estados afetivos por influenciarem os pensamentos, as atitudes e os comportamentos que subjazem à natureza e à intensidade das experiências emocionais.
Isso acontece porque essas crenças geram preferências de atenção, influenciando o modo com que a vida pessoal é construída, cognitivamente representada e reparada seja de um jeito emocionalmente benigno ou perturbador. Ademais, essas crenças também determinam a capacidade percebida para controlar os pensamentos geradores de afetos negativos, à medida que estes invadem o fluxo da consciência e sustentam os cursos de ação escolhidos, que, por sua vez, transformam o ambiente e alteram o potencial emocional.
A auto-eficácia percebida opera, portanto, como um regulador cognitivo da elevação da ansiedade (Bandura et al., 1982, citado por Bandura, 1997).
Ao desenvolverem um forte senso de eficácia percebida para controlar o próprio pensamento, as pessoas ficam menos sobrecarregadas pelos pensamentos negativos e experimentam um nível menor de ansiedade.
Por fim, os processos de seleção também são mediados pelas crenças de auto-eficácia. As pessoas tendem a evitar ambientes, atividades e grupos que acreditam exceder as suas capacidades, implicando-se em situações que se julgam capazes de apresentar bons desempenhos. Logo, quanto mais elevada a auto-eficácia percebida, mais desafiadoras serão as atividades selecionadas (Kavanagh, 1983; Meyer, 1987, citados por Bandura, 1997).
O poder das crenças de eficácia pessoal se torna mais claro nas escolhas vocacionais e no futuro desenvolvimento pessoal. As pesquisas conduzidas por Betz e Hackett (1986, citado por Bandura, 1997), Lent e Hackett (1987, citado por Bandura, 1997) mostraram que as pessoas que apresentam uma auto-eficácia percebida elevada costumam ampliar o leque de carreiras que acreditam poder desempenhar com sucesso. Além disso, mostram um maior interesse, preparando-se educacionalmente com mais empenho, e uma maior capacidade de permanência na carreira escolhida.
A força dessas crenças sobre as escolhas individuais é tão intensa que, segundo as pesquisas realizadas pelo autor e por muitos de seus colaboradores e simpatizantes, essas crenças são melhores preditores do comportamento e do desempenho do que as reais capacidades existentes que não sejam reconhecidas pelo próprio sujeito como tal (Bandura, 2006; Bong, 2001; Pajares, 2001a; Pajares, 2001b; Pajares & Schunk, 2001).
Deste modo, segundo a Teoria Sociocognitiva de Bandura, as crenças de auto-eficácia influenciam as escolhas que as pessoas fazem e seus cursos de ação. Elas também determinam a flexibilidade, a persistência e o investimento que se apresentam diante de um dado objetivo (Schunk, 1982, 1989, 1995), ou seja, quanto maior o senso de eficácia, maior o empenho, a persistência e a flexibilidade.
Um outro aspecto igualmente importante acerca das crenças de auto-eficácia é que elas também exercem influência sobre o modo com que percebemos os acontecimentos. Logo, a quantidade de estresse provocado por uma situação e a elevação de ansiedade tendem a se correlacionar negativamente com as crenças de eficácia pessoal para dar conta de uma dada situação (Pajares & Miller, 1994) e, desta maneira, passam a exercer uma forte influência não só sobre aquilo que o sujeito se permite fazer, como sobre o seu nível de realização pessoal.
Bandura não subestima a importância das influências sócio-culturais, mas afirma que, através do auto-sistema de agenciamento humano, os indivíduos são simultaneamente produtos e produtores do seu próprio meio e ambiente social, uma vez que, ao interpretarem os fenômenos e os acontecimentos à luz de suas crenças pessoais de eficácia, eles são capazes de alterar seu curso de ação e, portanto, seus comportamentos subseqüentes.
Logo, segundo o que foi exposto, Bandura (1977) propôs um processo recursivo de mútua e constante interação entre o ambiente, os comportamentos e a interpretação dos resultados pelo auto-sistema. O autor denominou esse processo de Sistema de Causação Recíproca Triádico.
Assim, as crenças de eficácia pessoal afetam o comportamento ao influenciarem as escolhas individuais e a forma com que essas escolhas irão ser transformadas em realidade. Elas também influenciam nossos padrões predominantes de pensamento e nossas reações emocionais.
A percepção de baixa eficácia pessoal, especialmente para a execução de tarefas socialmente valorizadas, como é o caso do desempenho acadêmico, faz com que as pessoas pensem que as tarefas são mais difíceis do que de fato são. Esse tipo de crença, portanto, além de estreitar o leque de possibilidades individuais, também é fonte de ansiedade, estresse, depressão e de outras reações emocionais que comprometem não só o nível de realização pessoal, como a qualidade das interações do indivíduo com o meio ambiente. Já alguém que se percebe com um nível elevado de eficácia para uma dada tarefa, é capaz de abordar a situação com maior tranqüilidade e confiança. É fundamentado nesta constatação que Bandura afirmou que as crenças de eficácia pessoal são fortes determinantes e preditoras do nível de realização que pode ser atingido pelos indivíduos. As crenças, ou expectativas auto-referenciadas, também desempenham um papel importante na motivação acadêmica. Na tentativa de compreender melhor o papel dessas crenças no domínio acadêmico, muitos pesquisadores têm investigado tanto as relações existentes entre essas crenças e as diversas modalidades de desempenho acadêmico, como as relações entre as próprias crenças de eficácia em diferentes tarefas acadêmicas (Pajares, 1996, 2002).
Entretanto, apesar de promissores, os resultados ainda não são claros o bastante para gerar uma contribuição precisa acerca da importância das expectativas e crenças auto-referenciadas em relação aos diferentes níveis de motivação acadêmica, uma vez que outras variáveis, como as crenças parentais, e outras influências ambientais circunstanciais e contextualizadas também atuam sobre os processos motivacionais (Zimmerman, Bandura & Martinez-Pons, 1992).
Contudo, se, por um lado, esses resultados ainda não são categóricos, por outro, já se mostram suficientes para justificar o prosseguimento de pesquisas que venham a superar as dificuldades de conceitualização e operacionalização, e possam gerar mais informações relevantes para o entendimento das relações existentes entre esses constructos.
Bandura (1997) afirma que a ansiedade debilitante, enquanto um processo de excitação emocional, pode ser adequadamente manejada através de técnicas de atribuição, biofeedback, dessensibilização simbólica e exposição simbólica com a reestruturação das crenças de auto-eficácia percebida. Deste modo, o auto-sistema atingiria um novo patamar de auto-regulação, que, por sua vez, atuaria sobre o desempenho de uma forma positiva, visto que promoveria a manifestação de comportamentos mais funcionais e adaptativos para o cumprimento bem sucedido das atividades e tarefas acadêmicas.
Logo, é viável concluir que o entendimento do funcionamento conjunto da ansiedade de desempenho e das crenças auto-referenciadas de eficácia para a execução de tarefas acadêmicas abre um conjunto de vias para a apreciação inequívoca das capacidades e realizações humanas, uma vez que, tanto a superestimação como a subestimação da eficácia pessoal para lidar com os desafios inerentes a um determinado domínio, podem ter conseqüências indesejáveis.
O julgamento preciso e realista das próprias capacidades é, portanto, de considerável relevância para o funcionamento bem sucedido. O excesso de avaliações mal feitas da eficácia pessoal, em ambas as direções, apresenta conseqüências. As pessoas que superestimam grosseiramente as suas próprias capacidades acabam por assumir atividades que estão claramente além do seu alcance. Como resultado, acabam se comprometendo com dificuldades consideráveis, enfraquecem sua própria credibilidade e passam por fracassos desnecessários. Esses passos mal dados, é claro, podem produzir sérios danos irreparáveis.
As pessoas que subestimam suas capacidades também arcam com prejuízos, apesar de, conforme já foi observado, elas se mostrarem mais propensas a assumir formas autolimitantes do que aversivas. Ao fracassarem no cultivo das potencialidades pessoais e ao restringirem suas atividades, essas pessoas se excluem da realização de muitas experiências gratificantes. Ao tentarem executar tarefas de valor significativo, criam obstáculos internos para uma performance eficaz que fazem emergir dúvidas pessoais ansiogênicas (Bandura, 1986).
A dificuldade de realizar uma justa apreciação das competências pessoais e, a partir daí, definir uma forma de ação diante de uma dada situação é justificada. Isso se deve ao fato de que, primeiramente, nem sempre um mesmo conjunto de comportamentos leva aos mesmos resultados. Segundo, resultados similares podem acontecer devido a outras razões que não tenham nada a ver com os comportamentos emitidos. Daí a importância de serem delimitados os meios para que os sujeitos tanto possam inferir seu nível de eficácia acadêmica percebida, como também vir a reestruturá-lo de modo a cooperar com o desenvolvimento de suas capacidades e a manifestação das competências reais individuais através de comportamentos de desempenho observáveis (Pajares, 1992, 1996).
Tendo sido esboçado em linhas gerais o que são as crenças de auto-eficácia percebida, como são originadas e os processos que elas influenciam, cabe agora apresentar alguns resultados obtidos através de pesquisas que se concentraram no estudo das crenças de auto-eficácia acadêmica percebida.
A Escala de Auto-eficácia Acadêmica Percebida (EAEAP): Construção e Propriedades Primárias
A criação da escala de auto-eficácia acadêmica percebida (De Sá, 2002) seguiu os procedimentos e orientações sugeridos por Bandura (1997).
Uma auto-eficácia percebida em um domínio de atividade não pode ser generalizada para outros domínios (DiClemente, 1986; Hofstetter, Sallis & Hovell, 1990; Pajares, 2002). Logo, para que a escala de auto-eficácia apresente força preditiva e explanatória, a medida da eficácia pessoal percebida deve se ater ao domínio de funcionamento pesquisado e apresentar as gradações de dificuldade dentro deste domínio.
A variação da eficácia pessoal percebida é medida diante da dificuldade crescente das exigências propostas pelas tarefas e situações apresentadas nos itens da escala, que, por sua vez, representam os vários graus de desafios e impedimentos para um ótimo desempenho. As condições situacionais remetem às capacidades que serão julgadas pela eficácia percebida. Portanto, ao elaborar a escala de auto-eficácia percebida é necessário desenvolver uma análise conceitual e conhecer em detalhes a área investigada.
Os desafios devem ser classificados quanto a engenhosidade, exercício intelectual, precisão, produtividade, ameaça e auto-regulação exigida. Deve ser esclarecido que não está sendo medido o que se acredita que pode ser realizado ocasionalmente, mas o que pode ser realizado regularmente, mesmo que em condições dispersivas.
A metodologia padrão para a construção das escalas de auto-eficácia percebida requer que os itens sejam construídos de modo a revelar a força com que os indivíduos crêem em sua eficácia em um dado domínio. Logo, devem ser apresentados em termos de “consigo fazer”, e não de “farei” (Bandura, 1997).
A escala é construída em uma gradação que varia de 0 a 100 pontos, com intervalos de 10 unidades. O zero representa “não consigo fazer”; o grau intermediário, 50, deve representar “consigo realizar com certa competência”; enquanto que a segurança de competência máxima equivale a 100. Devem ser evitadas as escalas que empregam poucos intervalos por se mostrarem menos sensíveis e confiáveis (Streiner & Norman, 1989).
As pessoas são solicitadas a julgarem suas capacidades operacionais tal como acreditam que se encontram no momento, não em suas capacidades potenciais.
Há duas formas possíveis de escala de auto-eficácia percebida. A primeira é o formato de julgamento dual, em que primeiramente os sujeitos identificam tarefas que “conseguem fazer” e as que acreditam que “não conseguem fazer”. As tarefas que “conseguem fazer” são classificadas de zero a 100. O segundo formato é o de julgamento simples, em que todos os itens são avaliados de 0 a 100.
Metodologia
Após esclarecer os parâmetros empregados para a construção dos diferentes tipos de escala de auto-eficácia, cabe apresentar o modelo desenvolvido neste trabalho. Os estudos aqui reunidos partiram da elaboração de uma escala de auto-eficácia acadêmica percebida no formato de julgamento simples.
Seu objetivo é apurar como os sujeitos investigados percebem sua competência para dar conta das tarefas que são propostas no cotidiano acadêmico. Como a investigação se voltou para a auto-eficácia acadêmica percebida de alunos universitários, o domínio proposto se refere à dinâmica inerente à formação de terceiro grau, quando já é esperado dos sujeitos a apreensão de certas competências trabalhadas nos níveis de formação educacional precedentes.
Dela constam 20 itens que obedecem rigorosamente às recomendações acima especificadas. O escore total é a soma dos valores atribuídos a cada item, dividida pelo número total de itens, de forma a indicar a força da auto-eficácia percebida no domínio acadêmico.
Figura 1 - itens da escala de aut-eficácia acadêmica percebida (De Sá, 2002)
A validade de conteúdo foi obtida através da análise do conteúdo de entrevistas com profissionais do meio acadêmico e alunos regularmente matriculados. Esse procedimento buscou coletar a opinião dos entrevistados acerca de comportamentos desejados e de tarefas e comprometimentos a que estão sujeitos os indivíduos que se encontram em processo de aprimoramento acadêmico. As respostas foram categorizadas e as tarefas acadêmicas cujas freqüências se mostraram mais elevadas geraram os itens que constituíram o modelo final da EAEAP, os quais ainda passaram por avaliação interjuízes.
Participantes:
Em um primeiro momento, a escala foi aplicada em uma amostra preliminar constituída por 210 alunos do curso de Psicologia, sendo posteriormente administrada em mais 680 alunos universitários dos cursos de Psicologia, Fisioterapia, Direito e Administração, tendo cada grupo consistido de 170 sujeitos para a verificação da validade de constructo.
Tratamento estatístico dos dados e procedimentos de verificação das propriedades primárias da Escala de Auto-Eficácia Acadêmica Percebida (EAEAP):
Os dados da presente pesquisa referentes à fidedignidade e à validade da EAEAP foram submetidos a uma análise através do pacote estatístico Statistical Package for Social Science 5.0.1 (SPSS-PC).
Os dados obtidos foram submetidos à análise fatorial (VARIMAX). Também foram determinadas as médias, desvios-padrão para o total e para cada um dos itens da escala, assim como o poder de discriminação dos itens através do método abreviado dos 27% e as correlações item-total.
A validade de critério foi estimada a partir da correlação dos resultados obtidos na escala da auto-eficácia acadêmica percebida com o coeficiente de rendimento acumulado (CR), enquanto que a validade concomitante foi realizada através da correlação com os resultados total e fatoriais do Inventário de Habilidades Sociais.
Resultados
Já na primeira aplicação, a escala obteve um coeficiente de consistência interna corrigido (Spearman-Brown) e elevado (rtt = 0,867), além de apresentar um coeficiente alfa bastante satisfatório (µ = 0,886).
Nos procedimentos posteriores que se destinaram à verificação da validade de constructo do instrumento, quando foram testados mais 680 sujeitos de quatro cursos universitários diferentes, os coeficientes de consistência interna se preservaram elevados (rtt = 0,874 e µ = 0,902).
Embora Bandura acredite que as crenças de auto-eficácia percebida não sejam capazes de gerar um coeficiente de estabilidade satisfatório em virtude de sua natureza dinâmica, a retestagem efetuada em um segundo momento com uma amostra aleatória de 70 alunos do curso de Psicologia que participaram da primeira verificaçãoapós o intervalo de dois meses, gerou uma correlação significativa de mediana para alta (r = 0,723; p < 0,01).
Quando submetida à análise fatorial (VARIMAX), foram identificados quatro fatores (Eigenvalue e•1) que juntos são responsáveis por 58% da variação comum observada. São eles: auto-eficácia acadêmica percebida para lidar com tarefas que requeiram exposição de necessidades acadêmicas intrapessoais; auto-eficácia acadêmica percebida para lidar com tarefas cognitivas; auto-eficácia acadêmica percebida para lidar com tarefas que exijam trocas interpessoais; e auto-eficácia acadêmica percebida para lidar com tarefas de organização de tempo e de prioridades. (Tabela 1)
Tabela 1 - Resultados da análise fatorial dos itens da EAEAP
Análise fatorial varimax (Eigenvalue e•1). Fator 1 - auto-eficácia acadêmica percebida para lidar com tarefas que requeiram exposição de necessidades acadêmicas intrapessoais; Fator 2 - auto-eficácia acadêmica percebida para lidar com tarefas cognitivas; Fator 3 - auto-eficácia acadêmica percebida para lidar com tarefas que exijam trocas interpessoais; Fator 4 - auto-eficácia acadêmica percebida para lidar com tarefas de organização de tempo e de prioridades.
Tanto as correlações item-total, como o Índice de poder de discriminação obtido pelo método abreviado dos 27% se mostraram satisfatórias no sentido de discriminar o poder preditivo de cada item para a obtenção do total. (Tabela 2). O item 3, apesar de apresentar uma correlação inferior a 0,3, foi preservado devido a sua significância estatística (p <0,000) e por ter sido uma das tarefas mais relevantes durante a fase de validação de conteúdo, tanto nas entrevistas, como posteriormente na validação interjuízes.
Tabela 2 - Médias, desvio-padrão e correlações (r) item-total da EAEAP
Uma vez que as crenças de auto-eficácia acadêmica percebida são consideradas melhores preditoras do desempenho do que as competências acadêmicas reais, a validade de critério da escala foi obtida através da correlação dos escores obtidos com o coeficiente de rendimento (CR), tendo sido observado um coeficiente positivo e significativo (r = 0,520; p < 0,01).
Como dois dos fatores identificados na análise fatorial estavam claramente associados à competência social, 100 sujeitos responderam simultaneamente a Escala de Auto-Eficácia Acadêmica e o Inventário de Habilidades Sociais (Del Prette & Del Prette, 2001).
O IHS é um instrumento padronizado, constituído por 38 itens, cada um apresentando uma ação ou sentimento diante de uma determinada situação social. Os alunos indicaram a freqüência com que agiam ou se sentiam da maneira como estava descrito em cada item segundo uma escala tipo Likert, com cinco pontos.
Esse instrumento além de gerar um total geral, que segundo os autores pode ser interpretado como a competência social, também se subdivide em cinco fatores: (1) Enfrentamento com risco; (2) Auto-afirmação na expressão de afeto positivo; (3) Conversação e desenvoltura social; (4) Auto-exposição a desconhecidos ou a situações novas; e (5) Autocontrole da agressividade a situações aversivas.
As correlações entre o total geral e os fatores do IHS com o coeficiente de rendimento são significativas, mas tendem a zero. Contudo, o total do IHS se correlaciona expressivamente com o total da EAEAP (r = 0,602; p < 0,001). Na Tabela 3, são apontadas as correlações dos itens e do total da EAEAP com o total e os cinco fatores do IHS.
Tabela 3 - Correlações entre IHS e a EAEAP
Conclusões
Os resultados obtidos na presente pesquisa indicam que as qualidades psicométricas da EAEAP são satisfatórias.
As correlações observadas entre o IHS (Del Prette & Del Prette, 2001) e a EAEAP indicam a existência de validade concomitante, uma vez que, embora os instrumentos se destinem a mensuração de constructos independentes em muitos aspectos, a competência social se faz necessária para a percepção de eficácia no cotidiano acadêmico.
Contudo, os dois instrumentos se diferenciam quanto à validade de critério preditiva, visto que a EAEAP se correlaciona com o desempenho (Coeficiente de Rendimento), enquanto as correlações do total e dos fatores do IHS com o coeficiente de rendimento tendem a zero.
Os resultados obtidos revelam que a EAEAP é um instrumento capaz de aferir a percepção pessoal de competências para lidar com as exigências pertinentes ao domínio universitário, evidenciando a relação existente entre tal percepção e o desempenho.
Embora as estimativas realizadas através das técnicas correlacionais não permitam o estabelecimento de relações causais entre auto-eficácia acadêmica percebida e desempenho, os programas de promoção de auto-eficácia acadêmica se mostram relevantes no que se refere ao ajustamento dessas crenças, de modo a ampliar o repertório de recursos adaptativos intrapessoais que venham a proporcionar um desempenho compatível com as reais capacidades do indivíduo.
Na verdade, a equiparação e adequação realista daquilo que realmente conseguimos fazer com aquilo que acreditamos conseguir fazer é o primeiro passo para traçarmos uma estratégia coerente de desenvolvimento tanto pessoal quanto grupal.
Esse tipo de estratégia psicopedagógica se mostra de grande serventia ao considerarmos as diretrizes educacionais contemporâneas, que priorizam a educação inclusiva com a maximização das competências individuais latentes e patentes de todo e qualquer estudante, de modo que ele amplie seu repertório de recursos adaptativos e tenha maiores condições tanto de adquirir independência e autonomia pessoal e profissional, como também de preservar o seu bem-estar bio-psico-social.
A partir dos resultados descritos, torna-se relevante implementar um maior número de pesquisas correlacionais e experimentais que venham a esclarecer as relações aqui apontadas, viabilizando processos de aquisição e desenvolvimento de crenças positivas de auto-eficácia acadêmica associados ao ajustamento interpessoal.
Essa recomendação se torna especialmente relevante ao se considerar as correlações expressivas e significativas que foram encontradas entre o total do Inventário de Habilidades Sociais e os itens da EAEAP carregados no fator cognitivo. Tais correlações parecem evidenciar a importância das relações interpessoais bem ajustadas associadas à aquisição de crenças positivas de eficácia acadêmica, as quais, por sua vez, vêm atuar positivamente sobre o desempenho acadêmico real.
Portanto, retomo o dito popular com que iniciei o artigo e ouso corrigi-lo: “Quem não tem competência para acreditar em si mesmo, não se estabelece.”
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Endereço para correspondência
E-mail: apsa@terra.com.br.
Recebido em: 22/07/2006
Aceito em: 27/11/2006